Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 712/2021-T
Data da decisão: 2022-06-23  IVA  
Valor do pedido: € 47.559,28
Tema: Pressupostos da isenção de IVA prevista no n.º 9 do artigo 9.º do CIVA e seu início de vigência.
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SUMÁRIO: I. A isenção de IVA prevista no n.º 9 do artigo 9.º do CIVA é uma isenção que decorre diretamente da lei sem prejuízo de estar sujeita a pressupostos que o sujeito passivo por ela abrangido tem o ónus de preencher;

II. A Declaração emitida pelos serviços competentes do Ministério da Educação, de que um sujeito passivo preenche os requisitos da isenção prevista na referida norma, só poderá aplicar-se para o futuro e não pode ter a virtualidade de dar cobertura às omissões declarativas e de liquidação e pagamento do imposto, por obrigações nascidas entre a data do início da sua atividade e a data da emissão de tal Declaração. 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I. RELATÓRIO

 

1.     Do Pedido

 

A..., NIPC ..., com sede no ...–..., ..., ...-..., ... (doravante Requerente), vem, invocando o disposto do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, requerer pronúncia arbitral visando a anulação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa que apresentou na Direção de Finanças de Aveiro, onde foi instaurada sob o processo n.º ...2021..., e a consequente anulação das seguintes liquidações adicionais de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) e juros compensatórios, referentes ao ano de 2016, no total de € 47.559,28:

a)        Liquidação de IVA n.º 2020 ..., referente ao período 201603T, no montante de € 11.977,35 e dos correspondentes juros compensatórios no montante de € 2.107,15;

b)       Liquidação de IVA n.º 2020 ..., referente ao período 201606T, no montante de € 12.408,99, e dos correspondentes juros compensatórios, no montante de € 2.059,04;

c)        Liquidação de IVA n.º 2020 ..., referente ao período 201609T, no montante de € 4.205,61, e dos correspondentes juros compensatórios, no montante de € 636,24;

d)       Liquidação de IVA n.º 2020 ..., referente ao período 201612T, no montante de € 12.361,73, e dos correspondentes juros compensatórios, no montante de € 1.803,17;

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (Doravante Requerida ou AT).

 

2.     Da fundamentação invocada pela Requerente

 

A Requerente começa por invocar a sua qualidade de associação civil sem fins lucrativos que tem por objeto estatutário o “ensino de línguas estrangeiras, segundo os programas oficiais, visando a formação de especialistas e professores em línguas, no âmbito da formação cultural da população da cidade de ..., seu concelho e área de influência”, tendo em funcionamento uma escola de línguas estrangeiras para esse efeito e, para além desta atividade, a Requerente “dá aulas de enriquecimento extracurricular aos alunos do ensino oficial básico e secundário do concelho onde se insere”.

 

Quanto às liquidações impugnadas informa que tiveram por base uma ação de inspeção levada a cabo pelos serviços competentes da Direção de Finanças de Aveiro em cujo relatório foi considerado que, no ano a que respeitam tais liquidações, a Requerente não se encontrava enquadrada na isenção prevista na alínea 9 do artigo 9.º do Código do IVA, por não possuir o reconhecimento necessário por parte do Ministério da Educação.

 

Com efeito, continua a Requerente, para denegarem a isenção e para lançarem as ditas liquidações adicionais, o relatório de inspecção, tal como os demais serviços da AT envolvidos, consideraram como não válida uma declaração emitida em 8 de Março de 2018, pelo Secretário de Estado da Educação, consignando que a mesma “está integrada no Sistema Nacional de Educação ou faz serviços de fins análogos aos dos organismos aí integrados”

 

A Requerente contesta a posição da Requerida de não aceitar a dita Declaração, cujos termos serão reproduzidos na matéria de facto, uma vez que a mesma foi emitida pelo órgão competente refletindo o reconhecimento por parte do Ministério da Educação da atividade de ensino desenvolvida pela Contribuinte em causa.

 

Observa ainda que a razão da recusa por parte da AT foi devida ao facto de a dita Declaração não referir expressamente que a Contribuinte está integrada no Sistema Nacional de Ensino ou faz serviços de fins análogos aos dos organismos aí integrados, contestando esta posição da AT dizendo que a mesma faz “uma leitura enviesada, restritiva e excessivamente literal do n.º 9 do artigo 9.º do CIVA”, que ignora o teor da dita Declaração e os fins para que foi emitida, sendo o Ministério da Educação e não a AT que tem competência exclusiva para declarar como enquadradas as atividades dos contribuintes no dito n.º 9 do artigo 9.º do CIVA.

 

Por fim, a Requerente reafirma que, face aos seus termos, a Declaração do Ministério da Educação “visou enquadrar a actividade da Contribuinte desde a sua génese, desde o seu início, no disposto na norma fiscal citada, e invoca três decisões do CAAD que, segundo informa, foram proferidas em processos instaurados na sequência de pedidos de pronúncia arbitral por si apresentados para obter a declaração de ilegalidade de liquidações adicionais de IVA que lhe foram lançadas, referentes a outros anos mas com os mesmos fundamentos, sendo que essas decisões reconheceram a eficácia da dita Declaração e, com esse fundamento, julgaram procedentes os seus pedidos.

 

Nas alegações finais, a Requerente dá por reproduzido tudo o que está alegado na petição inicial, reafirmando e acrescentando que a questão concreta aqui em apreciação é precisamente a mesma que já foi decidida pelo CAAD em três procedimentos de Pronúncia Arbitral que decorreram no CAAD, sob os números 113/2019-T (referente ao IVA do ano de 2014), 337/2019-T (referente ao IVA do 1.º trimestre de 2018) e 210/2020-T (referente ao IVA do ano de 2015), donda resulta que da Declaração datada de 8 de Março de 2018 emitida pelo Secretário de Estado da Educação já foi interpretada por três vezes, por via de outras tantas decisões arbitrais transitadas em julgado, que vinculam a AT com força de caso julgado, como prescrito no artigo 100.º da LGT, e que por isso, face às referidas decisões arbitrais, a AT deveria imediatamente ter enquadrado a Contribuinte no regime de isenção de IVA previsto no n.º 9 do artigo 9.º do CIVA e não deveria ter persistido na liquidação em crise. 

 

3.     Na sua Resposta a AT requer que o pedido seja julgado improcedente, contrapondo, resumidamente, o seguinte:

 

Que no ano de 2016 a Requerente não dispunha do reconhecimento necessário para preencher os requisitos legais de que dependia a isenção prevista no n. 9 do artigo 9º do CIVA e que, ao contrário, a sua atividade era uma atividade de prestação de serviços na área do ensino das línguas e também na transmissão de livros, sendo sujeita a IVA de acordo com as regras gerais de incidência objectiva e subjectiva, previstas, respetivamente, no art. 1.º, n.º 1, al. a) e no art. 2.º, n.º 1, al. a), ambas do CIVA.

 

Seguidamente, para sustentar a legalidade das liquidações impugnadas, a Requerida invoca e transcreve os diversos entendimentos internos da AT, mormente informações escritas dos Serviços do IVA, fornecidas a pedido expresso de outros contribuintes, no sentido de que a isenção prevista no n.º 9 do artigo 9.º do CIVA só opera, em relação aos estabelecimentos reconhecidos como tendo fins análogos aos integrados no SNE, a partir do momento em que obtiverem o reconhecimento previsto na legislação específica, por parte dos serviços competentes do Ministério da Educação, sendo que, no caso da Requerente, em 2016 esta não possuía ainda esse reconhecimento;

 

Quanto às decisões do CAAD proferidas nos processos nº 113/2019-T, 337/2019-T e 210/2020-T, que a Requerente invoca como apoio à sua pretensão, a Requerida informa que as decisões proferidas nos processos 113/2019-T e 210/2020-T, que reconheceram que a Declaração emitida pelo Ministério da Educação em 8 de Março de 2018 deveria ter aplicação retroativa a anos anteriores, não foram acolhidas para efeitos de dar razão à Requerente quanto às liquidações impugnadas e que, no caso do processo 337/2019-T, o mesmo versou sobre um pedido de anulação de uma liquidação oficiosa de IVA relativa ao período 2018/03T a qual foi emitida pelo facto do contribuinte em causa ter comunicado, através do sistema e-fatura, a emissão de faturas com IVA liquidado, não tendo entregue a respetiva declaração nem entregou o IVA liquidado nos cofres do Estado. 

 

A Requerida dá também conta que, depois de ser detetada, a Requerente procedeu à anulação destas faturas e devolveu o IVA liquidado aos seus clientes, solicitando a anulação da liquidação oficiosa, o que lhe foi concedido pela referida decisão arbitral. 

 

A Requerida apresentou alegações finais com as mesmas transcrições sobre a posição dos serviços centrais da AT, dizendo que mantém os argumentos de facto e de direito anteriormente expostos com a RESPOSTA

 

4.     Tramitação processual

 

4.1. O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado e aceite em 2021.11.08 e automaticamente notificado à AT;

 

4.2. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo legal aplicável;

 

4.3. As partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar;

 

4.4. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 2022.01.14;

 

4.5. Em 2022.01.14, a Requerida foi notificada para apresentar resposta, juntar cópia do processo administrativo e, querendo, requerer a produção de provas adicionais;

 

4.6. Em 2022.02.21, a Requerida apresentou a sua Resposta e o processo administrativo;

 

4.7. Por despacho arbitral de 2022.04.09, o Tribunal dispensou a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e notificou as partes para, querendo, apresentarem alegações finais escritas no prazo simultâneo de 20 dias, tendo ainda ficado consignado nesse despacho que a Requerente deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente e que a decisão arbitral seria proferida e notificada até ao limite do prazo legal;

 

4.8. A Requerente e Requerida apresentaram alegações finais escritas, respetivamente, em 2022.04.28 e em 2022.05.06.

 

5. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º e 6.º, n.º 1, do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

O processo não enferma de nulidades. 

 

Tudo visto e não havendo qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa cumpre proferir

Decisão. 

 

 

II. FUNDAMENTAÇÃO

 

MATÉRIA DE FACTO

 

Factos dados como provados com base em documentos juntos aos autos pela Requerente e através do processo administrativo.

 

1. A requerente é uma associação civil sem fins lucrativos que tem por objeto estatutário o ensino de línguas estrangeiras, segundo os programas oficiais, visando a formação de especialistas e professores em línguas, no âmbito da formação cultural da população da cidade de ..., seu concelho e área de influência, tendo em funcionamento uma escola de línguas estrangeiras, nomeadamente com cursos de inglês, francês, alemão e espanhol;

A Requerente ministra também cursos para enriquecimento extracurricular destinados aos alunos do ensino oficial básico e secundário do concelho onde se insere, e é entidade formadora de línguas e literatura estrangeiras.

 

2. A Requerente foi destinatária de uma ação de inspeção interna, ordenada pela ordem de serviço OI2018..., datada de 2019.05.15, da Direção de Finanças de Aveiro, na sequência de inspeções já realizadas a anos anteriores, a qual teve por “objetivo verificar o enquadramento legal no tocante à actividade por si exercida, quer em sede de IRC, quer em sede de IVA, para o ano de 2016”;

 

3. O relatório final da referida ação de inspeção, que correu termos durante o ano de 2020, foi concluído por despacho de 04.11.2020, da referida Direção de Finanças, tendo sido com base no mesmo que foram lançadas as liquidações adicionais de IVA aqui impugnadas e cujos valores coincidem com os apurados no referido relatório, liquidações essas que tiveram como data limite de pagamento voluntário o dia 31.12.2020;

 

4. Do relatório de inspeção constam ainda outras informações relevantes que não foram contraditas pela Requerente, nomeadamente:

 

4.1. As Informações sobre o enquadramento da Requerente em IVA e IRC;

 

4.2. A informação de que a Requerente declarou o início de actividade em 26.04.1991, fazendo constar na respetiva declaração de início que se encontrava enquadrada no regime de isenção de IVA ao abrigo do artigo 9.º do CIVA, enquadramento esse que se mantinha em 2016;

 

4.3. A informação que em 2016 a Requerente não entregou qualquer declaração de IVA nem pagou imposto e não demonstrou que estivesse isenta de o fazer;

 

4.4. A informação sobre o volume de negócios da Requerente relativo às prestações de serviços de ensino e à venda de livros com base no qual foram posteriormente lançadas as liquidações adicionais impugnadas pelo PPA;

 

4.5.A informação de que a Requerente foi também inspecionada em relação aos anos de 2014 e 2015 e que foi destinatária de liquidações adicionais com o mesmo tipo de fundamentação;

 

5. Em 24.02.2021 a Requerente deduziu reclamação graciosa contra as liquidações adicionais de IVA que agora vem impugnar, instaurada na Direção de Finanças de Aveiro com o nº ...2021..., a qual foi indeferida por despacho de 27.09.2021 da Chefe de Divisão da referida Direção de Finanças e notificada à Requerente;

 

6. A Requerente juntou aos autos (anexo 1 do PPA) Declaração emitida pelo Secretário de Estado da Educação, datada de 8 de Março de 2018, que se reproduz a seguir para melhor visualização do seu conteúdo:

 

 

 

Uma imagem com texto

Descrição gerada automaticamente

 

 

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pelas partes.

 

Não existem factos não provados relevantes para a decisão da causa.

 

 

MATÉRIA DE DIREITO 

 

1. Questões a decidir

 

O objeto do litígio trazido à apreciação do presente Tribunal Arbitral prende-se, no essencial, com a questão de decidir como é que são preenchidos os pressupostos da isenção de IVA prevista no n.º 9 do artigo 9.º do CIVA, qual o momento do seu início de vigência, e se uma Declaração emitida pelo Secretário de Estado da Educação, atestando que o sujeito passivo aqui Requerente preenche os requisitos dessa isenção, se aplica apenas para o futuro ou se, sendo aplicável retroativamente, pode ter a virtualidade de o dispensar das obrigações declarativas, de liquidação e pagamento do imposto nascidas entre a data do início da sua atividade, em 1991, e a data da emissão de tal Declaração, em 2018.

 

2. Base legal da isenção invocada pela Requerente

 

Dispõe o n.º 9 do artigo 9.º do Código do IVA que estão isentas de IVA “As prestações de serviços que tenham por objeto o ensino, bem como as transmissões de bens e prestações de serviços conexas, como sejam o fornecimento de alojamento e alimentação, efetuadas por estabelecimentos integrados no Sistema Nacional de Educação ou reconhecidos como tendo fins análogos pelos ministérios competentes”.

 

É esta a norma legal que a Requerente reivindica que lhe deve ser aplicada e que, consequentemente, tal aplicação deve determinar a revogação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa que oportunamente deduziu, bem como a anulação das liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios que lhe foram lançadas, referentes ao ano de 2016, com fundamento no não preenchimento dos pressupostos da referida norma

 

Para suportar a sua pretensão, a Requerente vem dizer que a sua atividade de ensino de línguas e de outras prestações da mesma natureza se integra nos “fins análogos” previstos no transcrito preceito do CIVA, qualidade que foi atestada pela Declaração do Secretário de Estado da Educação, datada de 8 de Março de 2018, que certifica também que tal atividade é exercida “desde a sua génese”.

 

 

3. Clarificação sobre a fundamentação invocada pela AT para sustentar as liquidações.

 

Para responder às questões colocadas deve previamente esclarecer-se que, ao contrário do afirmado pela Requerente, que afirma que a AT considerou como não válida a declaração do SEE de 8 de março de 2018, no relatório de inspecção – que constitui a fundamentação das liquidações – remetendo para despacho anterior do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, afirma-se que a “validade e conteúdo” dessa Declaração não foram colocados em causa.

 

E valha a verdade que mesmo na Resposta e Alegações juntas pela Requerida, a argumentação para defender a inaplicabilidade da isenção à Requerente não foi a invalidade ou o conteúdo da dita Declaração mas antes a sua eficácia temporal, ou seja, como repetidamente é aí afirmado, em 2016 a Requerente não estava munida do reconhecimento que a norma impõe por parte das autoridades competentes do Ministério da Educação.

 

O presente tribunal arbitral não pode deixar de reconhecer a pertinência da argumentação da Requerida, acrescentando, no entanto, que se impõem outras abordagens e reflexões para permitir concluir se a pretensão formulada no pedido arbitral deve proceder ou improceder.

 

Há também que esclarecer que no presente processo arbitral, além de não estar em causa o conteúdo da Declaração do SEE, também não está em causa questionar o assento comunitário da isenção invocada que, como a Requerente afirma, está efetivamente prevista na Diretiva IVA, que também não está em causa questionar a aplicação da dita isenção por razões que se prendam com dúvidas referentes à natureza da atividade da Requerente ou do seu enquadramento nas atividades de ensino referidas na norma em apreço.

 

Ao contrário, o que está mesmo em causa é saber e decidir se, para efeitos do n.º 9 do artigo 9.º do CIVA, uma declaração emitida em 8 de março de 2018 pode ser aplicável a operações de ensino realizadas em 2016?

 

É a resposta a esta questão que se procurará apresentar infra, com indicação das razões que suportam essa resposta, depois de fazer uma breve alusão às decisões arbitrais invocadas pela Requerente a seu favor uma vez que, segundo a mesma informa, foram proferidas em processos instaurados a seu pedido.

 

4. Breve referência às decisões arbitrais invocadas pela Requerente

 

Diz a Requerente que nas decisões arbitrais que invoca “a Declaração do Sr. Secretário de Estado – pela referência expressa que faz aos objectivos da declaração, pela indicação da actividade concreta do requerente, pelo âmbito temporal a que se refere e pela referência ao local onde ela é exercida – como um reconhecimento de que o requerente tem fins análogos aos estabelecimentos de ensino, conforme o estabelecido na alínea 9) do art.º 9.º do CIVA, pelo que goza o requerente do direito à isenção de IVA pela sua actividade”

 

Com efeito, a decisão arbitral proferida no processo 113/2019-T, depois de analisar a atividade de ensino desempenhadas pela aí e aqui também Requerente, concluiu que a mesma se integra nas funções com “fins análogos” às do Sistema Nacional de Educação e considerou que a Declaração do Secretário de Estado da Educação, emitida em 8 de março de 2018, procedeu ao reconhecimento retroativo dessa atividade e ao consequente reconhecimento da isenção prevista no n.º 9 do artigo 9.º do CIVA, nos seguintes termos: É “relevante para os presentes autos, o reconhecimento é feito desde o início da actividade do requerente, como se alcança da expressão “desde a sua génese”, o que frisa a ideia de que o reconhecimento se refere à actividade do ora requerente desde que a mesma foi iniciada, abarcando períodos anteriores à data em que foi emitida, nomeadamente o período de 2014, que está em causa nos presentes autos.

 

Com efeito, não resulta do teor do nº. 9 do artº. 9º. que o reconhecimento tenha de ser anterior ou mesmo contemporâneo do exercício da actividade isenta, podendo, no nosso entender, ser posteriormente, desde que expressamente refira o seu âmbito de reconhecimento, pois, na falta dessa indicação, o reconhecimento valerá apenas para o futuro. 

Por fim, não pode deixar de anotar-se que na declaração que emite o sr. Secretário de Estado, se refere que o requerente “funciona nas instalações do Agrupamento de Escolas, designadamente na Escola Básica e Secundária.....,na Escola Básica ...”, ou seja, em estabelecimentos de ensino integrados no Sistema Nacional de Educação, portanto exercendo 

funções análogas às desses estabelecimentos de ensino.

Face ao exposto, entendemos a declaração do sr. Secretário de Estado – pela referência expressa que faz aos objectivos da declaração, pela indicação da actividade concreta do requerente, pelo âmbito temporal a que se refere e pela referência ao local onde ela é exercida como um reconhecimento de que o requerente tem fins análogos aos estabelecimentos de ensino, conforme o estabelecido na al. 9) do artº. 9º. do CIVA, pelo que goza o requerente do direito à isenção de IVA pela sua actividade, em conformidade com o que consta do relatório da Inspecção Tributária de Abril de 2018, desde o momento em que declarou o seu início de atividade”.

 

O outro processo invocado pela Requerente é o processo arbitral 210/2020-T, cuja decisão partilhou igual entendimento, tendo considerado que “a declaração junta aos autos emitida pelo Senhor Secretário de Estado da Educação corresponde ao reconhecimento exigido legalmente para a Requerente poder beneficiar de isenção de IVA”, uma vez que foi emitida “para efeitos do disposto no número 9 do artigo 9.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentadoo que significa que a entidade emitente tem consciência que o reconhecimento feito na declaração emitida poderá ter como consequência a isenção de IVA a que se refere aquele preceito legal.

Acrescentando que “não é de crer que o Senhor Secretário de Estado da Educação desconhecesse o sentido e alcance da norma de isenção em causa, nem é de presumir que tal declaração fosse emitida sem cuidar de comprovar a respetiva conformidade da atividade da Requerente com as operações incluídas no âmbito da isenção da alínea 9) do artigo 9.º do Código do IVA”.

E concluindo que a declaração se reporta não só à natureza das operações praticadas pela Requerente, como também à data em que tais operações foram iniciadas, não restando dúvidas que a atividade de enriquecimento extracurricular foi desenvolvida desde a data da sua constituição.

 

Quanto ao processo arbitral 337/2019-T, igualmente invocado pela Requerente, constata-se que o mesmo teve por objeto um pedido de declaração de ilegalidade de liquidação lançada à Requerente referente ao 1.º trimestre de 2018.

Segundo se dá conta nesse processo, como de resto a Requerida também aborda na sua Resposta, a base de tal liquidação prendeu-se com o facto de a AT ter detetado que a Requerente liquidou IVA por serviços que prestou, no primeiro trimestre de 2018, não o tendo declarado nem pago ao Estado.

Depois de detetada a irregularidade, a Requerente terá pago esse imposto e, informando que entretanto o creditou aos clientes a quem o tinha cobrado, veio deduzir pedido arbitral que, com base na eficácia retroactiva da Declaração do SEE de 8 de Março de 2018, foi julgado procedente neste processo 337/2019-T. 

 

5. O princípio da legalidade, o método declarativo do sistema do IVA e o ónus que impende sobre os operadores económicos que iniciem actividades tributáveis

 

Salvo o devido respeito, este tribunal arbitral não acompanha a fundamentação constante nas decisões arbitrais supra mencionadas na parte que se refere aos efeitos do reconhecimento da isenção e à eficácia retroativa da declaração de 8 de março de 2018 do Secretário de Estado da Educação.

 

Vejamos,

 

No artigo 103.° da Constituição da República  está previsto que os impostos são criados por lei que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes, ninguém podendo ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição e cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei.

 

É longa e pacífica a doutrina e a jurisprudência sobre esta matéria. A mero título de exemplo invoca-se o que se consignou no ACD do STA de 16.01.2020, processo 02594/15: É o artº.103, da C.R.P., que consagra o princípio da legalidade tributária (principalmente os seus nºs.2 e 3), como um dos elementos estruturantes do Estado de direito constitucional. Especificamente o artº.103, nº.2, da C.R.P., garante um dos elementos essenciais do Estado de direito constitucional, o qual se traduz na regra da reserva de lei para a criação e definição dos elementos essenciais dos impostos, não podendo estes deixar de constar de diploma legislativo. A reserva de lei deve abranger não somente os elementos intrusivos ou agressivos do imposto (cfr. criação, incidência, taxa), mas também os seus elementos favoráveis, como os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.

 

Ora, estes comandos constitucionais, que constituem um dos pilares dos modernos sistemas fiscais e que, em primeira linha, são dirigidos ao legislador fiscal, não podem, no entanto, deixar de ter consequências e de impor algumas exigências quando se interpretam e aplicam as normas referentes aos denominados elementos essenciais do imposto, principalmente as atinentes aos benefícios fiscais e aos seus pressupostos, mormente quanto à vertente do nascimento do direito à sua aplicação.

 

Na questão que constitui objeto do PPA em apreço cabe desde logo observar que, tal como só nos casos tipificados na lei prévia é admissível liquidar e cobrar impostos, também só nos casos em que a mesma lei preveja a sua dispensa, mormente por aplicação de uma isenção fiscal, será possível não proceder a tal liquidação e cobrança.

 

Ora, face ao Código do IVA, as pessoas singulares ou colectivas que, no território nacional, de modo independente e com carácter de habitualidade, transmitam bens ou prestem serviços, pelos quais cobrem uma contrapartida (vd. artigo 1.º e artigo 2.º do CIVA), enquadram-se na incidência objetiva e subjetiva do Imposto e ficam sujeitas ao cumprimento das obrigações gerais aí impostas, nomeadamente, a de tomarem a iniciativa de se registarem perante as autoridades competentes, a de cumprirem obrigações de natureza formal, de debitarem imposto nas prestações de serviços ou transmissões de bens que praticarem, no poder de exercer o direito à dedução do imposto que suportarem nos inptusnecessários à sua atividade tributável e de entregar ao Estado o imposto devido.

 

De entre as obrigações declarativas referentes ao início de atividade está a prevista no atual artigo 31.º do CIVA (Artigo 30.º na data em que a Requerente iniciou actividade) segundo o qual tal declaração deve ser apresentada “antes de iniciado o exercício da actividade” e na qual devem constar as informações necessárias ao enquadramento do sujeito passivo declarante no regime de tributação que lhe seja aplicável.

 

Ao assumir o método declarativo, o Código do IVA como, em geral, os outros Códigos fiscais, transferem para o operador económico o ónus da iniciativa, da verificação dos requisitos do seu enquadramento no cadastro do imposto e da auto-responsabilização pelo que é declarado ou omitido. 

 

A AT aceita o que é declarado sem prejuízo do seu poder dever de controlo a posteriori, o que, no caso em apreço, não terá acontecido entre os anos de 1991 a 2018, sem que tal omissão de fiscalização possa constituir justificação para que a Requerente não tivesse cumprido as obrigações fiscais que a lei lhe impunha, incluindo a de se munir dos meios que a poderiam dispensar de uma parte dessas obrigações, mormente a de não debitar imposto aos seus clientes e, desse modo, de também ficar dispensada de o entregar ao Estado.

 

E não se diga que quando um determinado operador económico entra em relações comerciais ou de prestação de serviços com terceiros, sejam eles os seus fornecedores ou os seus clientes, que é irrelevante a regularidade do seu estatuto e do seu enquadramento no cadastro e na regularidade declarativa da sua actividade em sede de IVA (e naturalmente dos outros impostos).

 

Com efeito, a regularidade do registo dos contribuintes no sistema do IVA tem repercussão, quer na gestão das trocas intracomunitárias (sistema VIES), quer também nas operações internas. Quanto a estas, entre outras consequências, ao ser faturado e ao emitir faturas, esse operador económico não apenas tem direito a exigir a regularidade formal das faturas e documentos equivalentes que lhe são emitidas, para suportar o direito à dedução do imposto nelas contido, como, ele próprio, gera nos seus clientes o direito à dedução do imposto que lhes debitar.

 

Tanto mais, como se dá por provado, que a Requerente, na data a que respeitam as liquidações impugnadas, era uma prestadora de serviços de ensino que dispunha de adequada estrutura empresarial suscetível de exercer a atividade declarada, com todas as consequências daí decorrentes, incluindo as de índole fiscal.

 

5.     Dos pressupostos dos benefícios fiscais que decorrem diretamente da lei e do ónus do seu cumprimento 

 

Em matéria de dispensa da liquidação e cobrança dos impostos, mormente pela vigência de uma determinada isenção fiscal, há que convocar alguns preceitos legais que disciplinam os contornos essenciais dos benefícios fiscais. 

 

Com efeito, no dizer do artigo 2.º, n.º 1, do EBF, os benefícios fiscais são medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem.

 

Por outro lado, determina-se no artigo 5.º do EBF que os benefícios fiscais são automáticos ou dependentes de reconhecimento; os primeiros resultam directa e imediatamente da lei, os segundos pressupõem um ou mais actos posteriores de reconhecimento.

Um benefício fiscal automático ou que resulta directamente da lei não significa que não se imponham condições para a sua aplicação, para que o direito a tal benefício nasça há que cumprir os pressupostos exigidos na norma que o prevê que, no caso do n.º 9 do artigo 9.º do CIVA, exige a verificação de uma componente objectiva, conexa com a prática de determinados serviços no interesse público da educação e do ensino, e que esses serviços sejam reconhecidos como tais pelas entidades da tutela competentes.

 

Anota-se que o facto da norma exigir que os Serviços competentes atestem a natureza de interesse público na área do ensino da atividade desempenhada pelo candidato à aplicação da isenção do IVA – que como é sabido beneficia no essencial os clientes do operador económico em causa e não propriamente esse operador que não pode deduzir o imposto que suporta nos seus inputs – tal não torna a isenção prevista no n.º 9 do artigo 9.º do CIVA como  um benefício fiscal dependente da intervenção e do reconhecimento por parte da administração fiscal. É o próprio interessado que tem que ter a iniciativa de suscitar perante (neste caso) o Ministério da Educação que lhe emita (ou não) o competente atestado ou declaração de conformidade com as exigências da norma. 

 

Ora, não há qualquer dúvida que sendo o benefício fiscal em causa um benefício fiscal automático, isto é, que resulta directamente da lei, o direito à sua aplicação, ao seu início de vigência, tem que reportar-se, como previsto no artigo 12.º do mesmo EBF à data da verificação dos respectivos pressupostos, impondo-se, pois, ao interessado o ónus de cumprir os requisitos que a lei impõe para que um tal benefício lhe possa ser aplicado.

 

Ora, no caso em apreço, por mais questionável e até injusta que possa parecer esta constatação – dado que estamos perante uma entidade que estava a laborar desde 1991 com uma isenção de facto sem que qualquer autoridade tributária tenha intervindo – a verdade é que só em 8 de Março de 2018 é que foi cumprido um dos requisitos exigidos na dita norma para que o benefício fiscal aí previsto tivesse existência jurídica e pudesse ser invocado e aplicado pela ora Requerente às suas operações tributáveis.

 

E esta conclusão não se altera pelo facto da dita Declaração ter consignado que a Requerente desenvolve “desde a sua génese” uma atividade de interesse público na área do ensino. Aplicar uma declaração desta natureza para dar cobertura a omissões declarativas e de pagamento do passado, violaria o princípio da irretroatividade da vigência e da aplicação das normas fiscais, poria em causa todo o sistema normativo referente à atribuição e ao início de vigência dos benefícios fiscais e geraria incerteza e insegurança no sistema de registo dos contribuintes e do seu enquadramento tributário.  

 

Numa outra perspectiva pode também afirmar-se, reforçando o que fica dito, que a emissão do certificado reconhecendo que as funções de um prestador de serviços da área do ensino se integram na norma – no n.º 9 do artigo 9.º do CIVA – se situa no plano constitutivo das formalidades “ad substantiam” em que o exercício dos direitos decorrentes dessa norma, a isenção, está dependente dessa formalidade.

 

Isto mesmo decorre de diversa jurisprudência sobre outra exigência formal do sistema do IVA, sem a qual o direito à dedução do imposto incorrido a montante não pode ser exercido, de que pode dar-se como exemplo o Acd de 15.04.2021, proc. 01645/09, do TCAN, onde se diz que “A exigência da observância desses requisitos nos referidos documentos facturas tem como escopo permitir à Administração Tributária o controlo da situação tributária, e não apenas obter prova dos factos a controlar, motivo por que as facturas, emitidas de acordo com os termos da lei, constituem formalidade “ad substantiam”, insusceptível de substituição por um qualquer outro meio de prova”.

Acrescentando, remetendo para outra decisão judicial, que o “Supremo Tribunal Administrativo decidiu no seu acórdão proferido em 31/1/08, in rec. n.º 902/07 que “para evitar a fraude fiscal, o legislador determinou que só seria dedutível o imposto mencionado em facturas, documentos a estas equivalentes passados em forma legal ou no recibo de pagamento de IVA que faz parte das declarações de importação, e desde que tais documentos estivessem em nome e na posse do sujeito passivo.”

 

 

Portanto, embora estes acórdãos – e poderiam invocar-se muitos outros – versem matéria conexa com a existência e com os requisitos das faturas como condição inultrapassável para permitir o direito à dedução do imposto suportado a montante, o que não é o caso na situação tributária subjudice, a verdade é que mostram a importância decisiva ou substancial de certos documentos para a economia do imposto, mormente quando se está no âmbito dos seus elementos essenciais, mostrando também que esses documentos terão que existir em determinados momentos, não podendo a sua falta ser suprida com a sua obtenção posterior na perspectiva da sua eficácia retroativa.

 

Em conclusão, decorre dos autos que no ano de 2016, ano a que respeitam as liquidações impugnadas, a Requerente não tinha ainda na sua posse a Declaração passada pela entidade competente atestando que as suas funções se integravam nas finalidades que o n.º 9 do artigo 9.º do CIVA exige para que a isenção aí prevista pudesse ser exercida, pelo que a mesma Requerente não poderia deixar de cumprir as obrigações fiscais como sujeito passivo não isento, incluindo a do pagamento do IVA, independentemente de o ter repercutido ou não aos seus clientes.

 

Conclui-se igualmente que a Declaração emitida pelo Secretário de Estado da Educação em 8 de Março de 2018 só poderá aplicar-se para o futuro e não pode ter a virtualidade de dar cobertura às omissões declarativas, de liquidação e de pagamento do imposto, por obrigações nascidas entre a data do início da sua atividade e a data da obtenção de tal Declaração. 

 

 

III. DECISÃO

 

De harmonia com o exposto, acorda-se neste Tribunal Arbitral, em julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira dos pedidos deduzidos pela Requerente.

 

 

Valor do processo

De harmonia com o disposto no artigo 305.º, n.º 2, do CPC, artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 47.559,28.

 

Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.142,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente. 

 

Lisboa, 23 de Junho de 2022

 

O Árbitro, 

 

 

 

(Joaquim Silvério Dias Mateus)