Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 536/2021-T
Data da decisão: 2022-07-13  IMI  
Valor do pedido: € 50.217,47
Tema: AIMI -Terrenos para construção – Avaliação de Valores Patrimoniais Tributários
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Sumário:

1.     Os actos de avaliação de valores patrimoniais tributários previstos no CIMI são actos destacáveis para efeitos de impugnação contenciosa, devendo ser objecto de impugnação autónoma, não sendo possível na impugnação de actos de liquidação, que com base neles sejam efectuados, discutir-se a legalidade daqueles actos.

2.     Os vícios de actos de avaliação de valores patrimoniais não podem ser invocados em impugnação de actos de liquidação de AIMI que os têm como pressuposto.

 

DECISÃO ARBITRAL

Relatório

1.     O Fundo de Investimento Imobiliário Fechado A..., contribuinte fiscal n.º ..., doravante “Requerente”, representado por B..., contribuinte fiscal n.º ..., requereu a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), e artigo 10.º, ambos do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (adiante “RJAT”[1]).

2.     {C}{C}{C}{C}O pedido de pronúncia arbitral tem por objecto as liquidações de Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (“AIMI”), por referência aos anos de 2017, 2018 e 2019, com o nº 2017 ..., datada de 30.06.2017, n.º 2018 ..., datada de 30.06.2018 e nº 2019 ..., datada de 30.06.2019, respectivamente, que incidiram sobre os terrenos para construção registados sob os números U-..., U-... e U-... .

3.     {C}{C}{C}{C}Peticiona o Requerente a anulação da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado e, em consequência, a anulação parcial das referidas liquidações, bem como a condenação da Requerida à restituição das quantias pagas em excesso a título de AIMI, no valor agregado de €50.217,47, acrescidas de juros indemnizatórios. 

4.     {C}{C}{C}{C}A fundamentar o seu pedido alega o Requerente o seguinte: 

5.     {C}{C}{C}{C}Em 01.01.2017, 01.01.2018 e 01.01.2019, o Requerente era proprietário dos prédios inscritos na matriz predial urbana da ..., sob os artigos matriciais U-... e U-.., e do prédio urbano inscrito na matriz predial de ..., sob o artigo U-... (em diante abreviadamente designados de “Terrenos para Construção”) - cf. cadernetas prediais que junta sob a designação conjunta de Doc. 2.

6.     {C}{C}{C}{C}O Requerente foi notificado das referidas liquidações de AIMI - cf. liquidações e respetivos comprovativos de pagamento que se juntam sob a designação conjunta de Doc. 3. 

7.     {C}{C}{C}{C}Os valores do AIMI liquidado em 2017 por referência ao ano de imposto de 2017 (€53.074,13), do AIMI liquidado em 2018 por referência ao ano de imposto de 2018 (€ 53.403,03) e do AIMI liquidado em 2019 por referência ao ano de imposto de 2019 (€ 55.352,84) dizem parcialmente respeito aos Terrenos para Construção e resultam da aplicação de uma taxa de AIMI de 0,4% sobre os valores patrimoniais tributários ("VPTs") fixados, pela AT, para os referidos Terrenos para Construção, por referência a 01.01.2017, 01.01.2018 e 01.01.2019, respetivamente, nos termos constantes das Liquidações Contestadas. 

8.     {C}{C}{C}{C}Do valor global do AIMI liquidado por referência aos anos de imposto de 2017, 2018 e 2019 (€161.830), €74.087,28 dizem respeito aos Terrenos para Construção, tendo o Requerente procedido ao pagamento integral do mesmo. 

9.     {C}{C}{C}{C}Após o pagamento das Liquidações Contestadas, o Requerente constatou que na determinação dos VPTs dos Terrenos para Construção, os quais serviram de base às Liquidações Contestadas, a AT aplicou uma fórmula de cálculo ilegal na qual foram considerados, indevidamente, os coeficientes multiplicadores do VPT (i.e., os coeficientes de afetação, de qualidade e conforto e de localização, conforme aplicável). 

10.  {C}{C}{C}{C}Para além do exposto, o Requerente constatou ainda que a fórmula de cálculo do VPT utilizada pela AT não expurgou, como se impunha nos termos legais, a majoração prevista no artigo 39.º, n.º 1, do Código do IMI. 

11.  {C}{C}{C}{C}Com efeito, entende o Requerente que a fórmula utilizada pela AT e assumida automaticamente pelo sistema eletrónico da AT como passo prévio aos procedimentos de avaliação dos referidos terrenos para construção e as liquidações emitidas com base nos VPTs fixados em tais procedimentos de avaliação padecem de diversos erros grosseiros na aplicação do direito, os quais, como veremos, são exclusivamente imputáveis à AT. 

12.  {C}{C}{C}{C}Sendo certo que, conforme ficará demonstrado no presente pedido arbitral, dos referidos erros resultou, em termos muito simplistas, que o Requerente pagou um valor de AIMI manifestamente superior (mais de duas vezes superior) àquele que é devido nos termos legais, o que configura igualmente uma situação de injustiça grave ou notória.  

13.  {C}{C}{C}{C}É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT”).

14.  {C}{C}{C}{C}A AT apresentou resposta em que suscitou as exceções de (i) tempestividade do pedido de revisão oficiosa, (ii) incompetência do Tribunal (iii) inimpugnabilidade dos actos de liquidação com base em vícios de fixação do valor patrimonial tributário e a consolidação do próprio VPT na ordem jurídica, e ainda (iv)  a questão de saber se a AT pode anular todo e qualquer acto de fixação do VPT que tenha ocorrido ao longo dos anos ou apenas nos últimos 5 anos.

15.  O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado em 03-09-2021. 

16.  Em 25-10-2021, foram as partes notificadas da designação do Árbitro, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT. Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 15-11-2021.

17.  {C}{C}{C}{C}Por despacho de 20-01-2022 foi decidido dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, tendo as partes sido chamadas, o que ocorreu, a apresentar as suas alegações.

18.  {C}{C}{C}{C}O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

19.  {C}{C}{C}{C}As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março) e estão devidamente representadas.

20.  {C}{C}{C}{C}O processo não enferma de nulidades.

Matéria de facto 

Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos:

21.  {C}{C}{C}{C}O Requerente era proprietário, nas datas relevantes, dos prédios inscritos na matriz predial urbana da ..., sob os artigos matriciais U-... e U-..., e do prédio urbano inscrito na matriz predial de ..., sob o artigo U-... (em diante abreviadamente designados de “Terrenos para Construção”) - cf. cadernetas prediais que junta sob a designação conjunta de Doc. 2.

22.  O Requerente recebeu as liquidações de Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (“AIMI”), por referência aos anos de 2017, 2018 e 2019, com o nº 2017..., datada de 30.06.2017, n.º 2018..., datada de 30.06.2018 e nº 2019..., datada de 30.06.2019.

23.  O Requerente pagou integralmente as quantias liquidadas; 

24.  O Requerente entende que tais liquidações de AIMI tiveram por base um valor patrimonial tributário (VPT) incorrectamente determinado, o que levou a que o imposto liquidado fosse superior ao devido no montante de €50.217,47, pelo que, em 30-12-2020, requereu a revisão oficiosa dos actos tributários de liquidação do AIMI, nos termos que constam dos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos;

25.  O pedido de revisão oficiosa foi indeferido tacitamente 30-04-2021, tendo o Requerente apresentado o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

26.  O Requerente não contestou as avaliações que deram origem ao VPT considerado como sendo o aplicável aos três artigos matriciais em questão.

 

Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

Os factos dados como provados estão baseados nos documentos indicados relativamente a cada um deles e nos elementos factuais trazidos para o processo pelas Partes, na medida em que a sua adesão à realidade não tenha sido questionada. 

 

Questões a decidir:

 

27.  Nesta sequência, tendo em atenção as pretensões e posições do Requerente e da Requerida acima descritas, são as seguintes as questões que o Tribunal Arbitral deve apreciar, sem prejuízo da solução dada a uma determinada questão poder prejudicar o conhecimento de outra ou outras questões – cfr. artigo 608.º, n.º 2 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT: 

 

a) Se as invocadas exceções – incompetência do Tribunal Arbitral e intempestividade – procedem; 

b) Se os actos de indeferimento silente dos pedidos de revisão oficiosa apresentados devem ser anulados, bem como as subjacentes liquidações de AIMI, por aplicação ilegal dos coeficientes de localização, de afetação e de qualidade e conforto na determinação do VPT dos terrenos para construção; 

c) Se o Requerente tem direito ao reembolso do imposto pago em excesso;

d) Se o Requerente tem direito a juros indemnizatórios pelo pagamento de imposto indevidamente liquidado e pago.

 

Matéria de direito

 

Incompetência do Tribunal 

 

28.  A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT. Refere-se nesta norma que a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões: 

a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; 

b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria coletável e de actos de fixação de valores patrimoniais; 

29.  Incluem-se ainda nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, competências para apreciar actos de segundo ou terceiro grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de actos daqueles tipos, designadamente de actos que decidam reclamações graciosas ou pedidos de revisão oficiosa e recursos hierárquicos, como se depreende das referências expressas que se fazem no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT ao n.º 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”); 

30.  Mas, resulta do teor do artigo 2.º do RJAT que a arbitragem tributária não foi implementada quanto às matérias suscetíveis de serem objeto de acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo, pois é manifesto que não se enquadram em qualquer das situações previstas. Extrai-se também da autorização legislativa relativa ao RJAT, designadamente da alínea a) do n.º 4 do referido artigo 124.º, ao fazer referência aos «actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação», que não se pretendeu estender o âmbito da arbitragem tributária à apreciação de actos que, nos termos do CPPT, não podem ser objeto de impugnação judicial. 

31.  Na verdade aquela expressão tem ínsita a exclusão dos «actos administrativos que não comportem a apreciação da legalidade de atos de liquidação» e das alíneas d) e p) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 97.º do CPPT infere-se a regra da impugnação de actos administrativos em matéria tributária ser feita, no processo judicial tributário, através de impugnação judicial ou ação administrativa (que sucedeu ao recurso contencioso, nos termos do artigo 191.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos – “CPTA”) conforme esses actos comportem ou não a apreciação da legalidade de actos administrativos de liquidação. 

32.  Porém, como exceção a esta regra de delimitação dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da ação administrativa, poderão considerar-se os casos de impugnação de actos de indeferimento de reclamações graciosas, independentemente do seu conteúdo, pelo facto da utilização do processo de impugnação judicial ter sido prevista numa norma especial, que é o n.º 2 do artigo 102.º do CPPT, atualmente revogado, em de que se pode depreender que a impugnação judicial é sempre utilizável. No mesmo sentido aponta a alínea c) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT, ao referir «a impugnação do indeferimento total ou parcial das reclamações graciosas dos actos tributários». 

33.  No caso em apreço, o Requerente não apresentou uma reclamação graciosa, mas sim um pedido de revisão oficiosa, que não foi apreciado no prazo previsto no artigo 57.º, n.º 5, da LGT, pelo que se formou o seu indeferimento tácito. Nos casos de indeferimento tácito não há, obviamente, apreciação expressa da legalidade do acto de liquidação, mas, tratando-se de uma ficção de acto destinada a assegurar a impugnação contenciosa em meio processual que tem por objeto um acto de liquidação, o meio de impugnação adequado depende do conteúdo ficcionado. 

34.  No caso em apreço, estando-se perante o indeferimento tácito de pedidos de revisão oficiosa, que têm por objeto direto actos de liquidação, é de considerar que o acto ficcionado conhece da legalidade dos actos de liquidação e, por isso, o meio processual adequado para a sua impugnação contenciosa é o processo de impugnação judicial, nos termos das alíneas d) e p) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT, de que é meio alternativo o processo arbitral. Neste sentido, tem vindo a decidir uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo que o indeferimento tácito de um pedido de revisão oficiosa de um acto de liquidação, baseado na sua ilegalidade, deve considerar-se, para efeito das alíneas d) e p) do n.º 1 do art. 97.º do CPPT, como um acto que comporta a apreciação da legalidade de ato de liquidação. 

35.  Assim, na linha desta jurisprudência, é de entender que o acto ficcionado quando ocorre indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa é um acto que comporta a apreciação da legalidade do acto de liquidação cuja revisão foi pedida, dando resposta negativa aos fundamentos invocados, pelo que o meio contencioso adequado para o impugnar é o processo de impugnação judicial e o processo arbitral. Nestes termos, improcede a exceção invocada pela Requerida.

 

Tempestividade do pedido de revisão oficiosa 

 

36.  Com efeito, se a tempestividade do presente pedido de pronúncia arbitral depende da tempestividade do pedido de revisão oficiosa das liquidações de AIMI em causa (dado que a data de apresentação desses pedidos de revisão serviu para o Requerente presumir, por decurso do prazo constante do n.º 1 do art. 57.º da LGT, que se tinha formado a presunção de indeferimento tácito – a partir do qual o ora Requerente contou o prazo de 90 dias do art. 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT), é necessário fazer a demonstração da mesma. 

37.  Nesse sentido, alegou o Requerente que os pedidos de revisão oficiosa sub iudice foram submetidos tempestivamente, i.e., dentro do prazo legal consagrado para o efeito. 

38.  O Requerente apresentou, no dia 30.12.2020, um pedido de revisão oficiosa no qual suscitou diversas questões de ilegalidade dos referidos atos tributários e, em consequência, a anulação parcial das Liquidações Contestadas.

39.  No pedido de revisão oficiosa apresentado, o Requerente imputou diversos vícios de ilegalidade às Liquidações Contestadas e pretendeu demonstrar a verificação de erro imputável aos serviços nos termos e para os efeitos previstos no artigo 78.º, n.º 1, da LGT;

40.  Entendeu o requerente que demonstrou a verificação de todos os pressupostos legais de que depende a revisão oficiosa por iniciativa da AT (ainda que a pedido do contribuinte nos prazos legais de 4 anos a contar das datas das liquidações nos casos de revisões oficiosas apresentadas com fundamento em erro imputável aos serviços ou até ao termo do terceiro ano seguinte ao das liquidações nos casos de revisões oficiosas apresentadas com fundamento em injustiça grave ou notória);

41.  Subsidiariamente, entende que demonstrou a verificação dos pressupostos legais de que depende a revisão oficiosa com fundamento em injustiça grave ou notória, nos termos e para os efeitos dos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT; 

42.  Por seu lado, a Requerida entendeu que face à data em que foi formulado o pedido de revisão oficiosa dos actos de liquidação, tem necessariamente de se concluir que o pedido de revisão oficiosa dos actos tributários impugnados na presente acção são intempestivos.

43.  Vejamos, então. O pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 30 de Dezembro de 2020. 

44.  A questão que se coloca é se o Requerente podia interpor pedido de revisão oficiosa no prazo de 4 anos, como alega? A resposta a dar à questão é negativa. Das várias situações de revisão oficiosa previstas no artigo 78.º da LGT, as referidas nos n.ºs 1 e 6 reportam-se a actos de liquidação (como se infere do termo inicial do prazo de quatro anos previsto no n.º 1). Apenas as situações previstas nos seus n.ºs 4 e 5 se referem a actos de fixação da matéria tributável, categoria a que se reconduzem os actos de fixação de valores patrimoniais. 

45.  Ora, analisando estas normas, é manifesto que foi observado pela Requerente o prazo de três anos fixado no n.º 4 deste artigo 78.º. E, com efeito, esse é, pelas razões supracitadas o prazo aplicável conforme consta do n.º 4 do artigo 78.º da LGT (e não o prazo de 4 anos alegado pelo Requerente). 

46.  E, como se observa pela leitura dos autos, estão em causa, várias liquidações do AIMI dos anos de 2017, 2018 e 2019. Assim sendo, e tendo presente que os pedidos de revisão das liquidações foram apresentados pelo ora Requerente em 30/12/2020, e tendo também presente que “[o]s «três anos posteriores ao do ato tributário» terminam no dia 31 de dezembro do terceiro ano posterior àquele em que foi praticado o ato tributário” (vd. Decisão arbitral de 10/05/2021, proferida no proc. n.º 487/2020-T), mostra-se evidente que, à data dos pedidos de revisão, ainda não tinha expirado o “prazo de três anos posteriores ao do ato tributário” (n.º 4 do art. 78.º da LGT) em que podia ser autorizada a revisão do mencionado ato de fixação de valores patrimoniais, com “fundamento em injustiça grave ou notória” (vd., também, n.º 5 do referido art. 78.º da LGT). 

 

Questão de fundo

 

47.  O Requerente vem impugnar os actos de liquidação de AIMI de 2017, 2018 e 2019, com fundamento em erros nos actos de fixação dos VPTs dos prédios sobre que incidiu o imposto, pelo que é necessário averiguar os seguintes pontos: 

a) Questão da possibilidade de impugnar liquidações AIMI com fundamento e vícios de actos de fixação de valores patrimoniais; 

b) Questão da admissibilidade de revisão oficiosa dos actos de avaliação de valores patrimoniais.

Questão da possibilidade de impugnar liquidações de AIMI com fundamento em vícios de actos de fixação de valores patrimoniais.

48.  Antes de mais, é necessário esclarecer se os vícios de actos de avaliação de valores patrimoniais podem ser invocados em impugnação de actos de liquidação de AIMI que os têm como pressupostos. 

49.  A AT defende globalmente o seguinte: “não é, nem legal, nem admissível, a apreciação da correção do VPT em sede de impugnação do acto de liquidação, ou da decisão de indeferimento tácito que não se pronuncie sobre o acto de liquidação”. Afigura-se correto este entendimento da AT. 

50.  Por força do preceituado no artigo 15.º do CIMI a avaliação dos prédios urbanos é direta e, por isso, ela é «suscetível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa direta».

51.  Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo 86.º da LGT, «a impugnação da avaliação direta depende do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão». Os termos da impugnação da avaliação direta de valores patrimoniais constam do artigo 134.º do CPPT em que se estabelece que: – «os actos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de três meses após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade» (n.º 1); e – «a impugnação referida neste artigo não tem efeito suspensivo e só poderá ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação» (n.º 7). 

52.  Como decorre do n.º 1 do artigo 134.º, ao fixar um prazo especial de três meses para impugnação de actos de fixação de valores patrimoniais e do n.º 7 do mesmo artigo, ao exigir o esgotamento dos meios graciosos, está afastada a possibilidade de essa impugnação se fazer, por via indireta, na sequência da notificação de atos de liquidação que a tenham como pressuposto, como são os de AIMI, sem observância do prazo de impugnação referido e sem esgotamento dos meios de revisão previstos no procedimento de avaliação. 

53.  No âmbito do AIMI, quando o sujeito passivo não concordar com o resultado da avaliação direta de prédios urbanos, pode requerer ou promover uma segunda avaliação, no prazo de 30 dias contados da data em que o primeiro tenha sido notificado (artigo 76.º, n.º 1, do CIMI). Só do resultado das segundas avaliações (que esgotam os meios graciosos do procedimento de avaliação) cabe impugnação judicial, nos termos do CPPT (artigo 77.º, n.º 1 do CIMI).

54.  Isto significa que os atos de avaliação de valores patrimoniais previstos no CIMI são actos destacáveis, para efeitos de impugnação contenciosa, sendo objeto de impugnação autónoma, não podendo na impugnação dos actos de liquidação que com base neles sejam efetuadas discutir-se a legalidade daqueles actos.

55.  Assim, o sujeito passivo de AIMI pode impugnar as liquidações, mas não são relevantes como fundamento de anulação eventuais vícios dos antecedentes actos de fixação de valores patrimoniais, que se firmaram na ordem jurídica, por falta de tempestivo esgotamento dos meios graciosos previstos nos procedimentos de avaliações e de subsequente impugnação autónoma a deduzir no prazo de três meses, nos termos dos n.ºs 1 e 7 do artigo 134.º do CPPT. 

56.  Na verdade, não sendo impugnado tempestivamente o acto de fixação de valores patrimoniais, forma-se caso decidido ou resolvido sobre a avaliação, que se impõe em sede de liquidação de AIMI, sendo que «o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita» (artigo 113.º do CIMI). 

57.  A natureza de actos destacáveis que é atribuída aos actos de avaliação de valores patrimoniais é, há muito, reconhecida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo. 

58.  Pelo exposto, os alegados vícios dos actos de avaliação invocados pelo Requerente, que não foram objeto de impugnação tempestiva autónoma, não podem ser fundamento agora de anulação da liquidação de AIMI, pelo que improcede necessariamente pedido de pronúncia arbitral quanto aos anos de 2017, 2018 e 2019.

59.  Por isso, as liquidações de AIMI não podem ser anuladas com fundamento nos alegados erros nas avaliações dos prédios. 

60.  Face à conclusão relativa à questão analisada nos pontos anteriores torna-se desnecessária a análise de qualquer outra questão de fundo.

Decisão          

De harmonia com o exposto acorda este Tribunal Arbitral em:

a) Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à anulação do indeferimento do pedido de revisão oficiosa e à anulação parcial das liquidações de AIMI sub judice;

b) Julgar, consequentemente, também improcedentes os pedidos de reembolso e de juros indemnizatórios;       

5. Valor do processo

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de €50.217,47.

6. Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.142, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo do Requerente.

 

Porto, 13-07-2022

O Árbitro

 

Maria Antónia Torres



[1] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.