Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 324/2021-T
Data da decisão: 2022-07-18  IVA  
Valor do pedido: € 147.352,34
Tema: IVA – Competência Material: Ato de Liquidação e Reembolso – Inutilidade Superveniente da Lide.
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 DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Alexandra Coelho Martins (árbitro presidente), Fernando Miranda Ferreira e Sofia Ricardo Borges (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral, constituído em 3 de agosto de 2021, acordam no seguinte:

 

 

I.              Relatório

 

A...– Sucursal em Portugal, adiante designada por “Requerente”, titular do número de identificação fiscal português ..., com sede na ..., n.º..., ...-... Lisboa, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo e apresentar pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.  

 

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante também designada por “Requerida” ou “AT”.

 

O pedido arbitral foi deduzido na sequência da formação da presunção de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa do ato de liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”), com o n.º 2019..., referente ao 2.º trimestre de 2019 (201906T), através do qual a Autoridade Tributária e Aduaneira determinou o montante de reembolso de € 532.733,94, decorrente do pedido de reembolso solicitado pela Requerente na Declaração Periódica de IVA relativa desse período no montante total de € 680.086,28.

 

A Requerente peticiona: 

(a)   A anulação da “decisão de indeferimento tácito” do Pedido de Revisão Oficiosa; 

(b)   A anulação da liquidação de IVA, reconhecendo-se o montante de crédito de imposto no valor de € 147.352,34 registado na declaração periódica de IVA do 2.º trimestre de 2019; e

(c)   O deferimento total do reembolso, ou seja, incluindo o montante de € 147.352,34; 

(d) A condenação da Requerida à restituição daquele valor de IVA, acrescido de juros indemnizatórios, com as legais consequências. 

 

            Na medida em que não seja claro o alcance das normas da Diretiva IVA[1], a Requerente pretende que seja promovido o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”). 

 

Em 28 de maio de 2021, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD, do que foi notificada a AT. 

 

Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, aqui signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As Partes, notificadas dessa designação, não se opuseram, nos termos dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 8.º do RJAT, 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD. 

 

O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 3 de agosto de 2021. 

            Em 4 de outubro de 2021, a Requerida apresentou a sua Resposta, na qual se defende por exceção, suscitando a incompetência material do Tribunal Arbitral e a inutilidade superveniente da lide, e, bem assim, a título subsidiário, por impugnação. Juntou subsequentemente o processo administrativo (“PA”). 

 

A Requerente foi notificada para exercer o contraditório sobre a matéria de exceção, o que fez em 18 de outubro de 2021, tendo o Tribunal determinado, por despacho de 20 de outubro de 2021, a dispensa da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por desnecessidade, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal arbitral na condução do processo, da celeridade, simplificação e informalidade processuais (v. artigos 16.º, alínea c) e 29.º, n.º 2 do RJAT). 

 

A Requerida apresentou alegações em 15 de dezembro de 2021, tendo a Requerente optado por não o fazer. 

 

Por despachos de 1 de fevereiro, 29 de março e 2 de junho de 2022 foi prorrogado o prazo para prolação da decisão, ao abrigo do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT, derivado da tramitação processual, da interposição de períodos de férias judiciais e da situação pandémica.

 

Posição da Requerente

 

Como fundamento da sua pretensão a Requerente alega:

(a)  Por um lado, vício formal de falta de fundamentação, atendendo a que o ato tributário de demonstração de liquidação de IVA impugnado não apresentou qualquer justificação para o valor da diferença (para menos) entre o crédito de imposto cujo reembolso foi solicitado e aquele que foi considerado pela Requerida, diferença essa no montante de € 147.352,34; e

(b)  Por outro lado, ilegalidade substantiva por não ter sido considerado, na demonstração de liquidação de IVA emitida pela AT, o IVA deduzido através de declaração de substituição, uma vez que o direito à dedução foi tempestivamente exercido, com observância do prazo geral de 4 anos previsto no artigo 98.º, n.º 2 do Código do IVA. Argui ser inaplicável ao caso concreto o prazo de 2 anos invocado pela AT ao abrigo do disposto no artigo 78.º, n.º 6 do citado diploma legal, pelo que não se verifica a caducidade do direito à dedução. 

 

Posição da Requerida

 

A Requerida começa por invocar a exceção de incompetência do Tribunal Arbitral por entender estar em causa um ato de indeferimento de pedido de reembolso de IVA que não é sindicável nos Tribunais Arbitrais, por não corresponder a um ato de liquidação, autoliquidação, retenção na fonte, ou pagamento por conta previstos no artigo 2.º, n.º 1 do RJAT. 

 

Acrescenta que os valores que são objeto de um pedido de reembolso não podem ser alvo de apreciação jurisdicional sem uma prévia análise e decisão por parte da administração tributária, que são da sua competência exclusiva nos termos do artigo 22.º do Código do IVA. O valor de crédito resultante da declaração de substituição de IVA entregue em 2012, por referência ao período 1006T, não foi objeto de análise, pois o processamento automático pelo sistema informático, considerou a regularização a crédito fora de prazo, no estado de “caducada” na conta corrente da Requerente. 

 

A Requerida admite que essa declaração de substituição materializou o exercício do direito à dedução do IVA e não uma regularização deste imposto, pelo que, em consonância com a Requerente, aceita ser de aplicar o prazo de 4 anos previsto no artigo 98.º, n.º 2 do Código do IVA, e não o regime de regularizações do artigo 78.º, n.º 6 do referido Código, que estipula um prazo mais curto, de 2 anos. Assim, o crédito de € 147.367,44 é suscetível de ser reposto na conta corrente da Requerente, que o poderá utilizar em futuros pedidos de reembolso, mediante análise e reconhecimento do respetivo direito [ao reembolso] pela AT. 

 

Acrescenta que, tendo, na pendência destes autos, sido reconhecido, pela AT, o montante de crédito em causa – de € 147.367,44 –, por despacho do Subdiretor-Geral, por delegação, de 4 de outubro de 2021, através de reativação do saldo em conta corrente do sujeito passivo, o pedido arbitral carece de objeto, pelo que, a título subsidiário, se o Tribunal se considerar competente, deve declarar a extinção da instância com fundamento em inutilidade superveniente da lide. 

 

Em qualquer caso, e por impugnação, considera que a restituição do IVA em questão dependerá de elementos adicionais aos facultados pela Requerente, nomeadamente a análise dos registos contabilísticos. Por fim, alega que a Requerente imputa ao ato o vício forma de falta de fundamentação, mas não invoca argumentos que consubstanciem erro imputável aos serviços, injustiça grave ou notória, ou duplicação de coleta, não estando, desta forma, reunidos os pressupostos legais de que depende a revisão oficiosa ao abrigo do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (“LGT”). 

* * *

Tendo sido suscitada pela Requerida a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral, cujo conhecimento tem caráter prioritário, e, bem assim, ad cautelem, a inutilidade superveniente da lide, estas questões serão apreciadas logo após a fixação da matéria de facto. 

 

 

II.            Fundamentação de Facto

 

1.              {C}{C}{C}Factos Assentes

 

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:

 

A.     {C}{C}{C}A...– Sucursal em Portugal, aqui Requerente, é uma representação permanente de uma sociedade de direito alemão que, em conjunto com outras entidades, prestou serviços no âmbito do contrato de empreitada de expansão do Terminal B...– cf. PA0 – Informação n.º .../2021 da Direção de Serviços do Imposto sobre o Valor Acrescentado (“DSIVA”).

B.     {C}{C}{C}A Requerente está inscrita com “Atividades de Engenharia e Técnicas Afins”, sob o CAE 71120, e encontra-se enquadrada no regime normal de periodicidade trimestral em sede de IVA desde 1 de janeiro de 2015 – cf. PA0 – Informação n.º .../2021 da DSIVA.

C.     {C}{C}{C}A Requerente submeteu, em prazo, em 6 de agosto de 2010, a Declaração Periódica de IVA referente ao segundo trimestre de 2010 [período 1006T], na qual declarou no campo 24 de IVA dedutível, do quadro 06, o valor de € 739.133,19 – cf. PA0 – Informação n.º .../2021 da DSIVA.

D.     {C}{C}{C}Subsequentemente, em 3 de outubro de 2012, a Requerente apresentou uma declaração de substituição em relação ao mesmo período – segundo trimestre de 2010 –, na qual deduziu IVA adicional, reportando no dito campo 24 do quadro 06 o valor de € 831.541,99 – cf. PA0 – Informação n.º .../2021 da DSIVA.

E.     {C}{C}{C}Como justificação para a dedução adicional de IVA em 2012 de operações (aquisições de bens e serviços) realizadas no segundo trimestre de 2010, a Requerente indica:

a)    Ter identificado situações em que não contabilizou faturas referentes a bens e serviços adquiridos e/ou importados nesse período de tributação e em períodos de tributação anteriores, não tendo por isso deduzido o IVA, o que só veio a fazer posteriormente em 2012 com a contabilização das faturas e a entrega da declaração de substituição; 

b)    Ter rececionado em momento posterior àquele período de tributação faturas de fornecedores relativas a aquisições de bens e serviços reportadas a esse período e a períodos de tributação anteriores;

– cf. documentos 6 e 7 juntos pela Requerente e PA0 – Informação n.º .../2021 da DSIVA.

F.     {C}{C}{C}Com a declaração de substituição entregue em relação ao segundo trimestre de 2010, o crédito de IVA da Requerente aumentou no valor de € 147.364,34, i.e., passando de € 110.527,01 para € 257.894,45 – cf. PA0 – Informação n.º .../2021 da DSIVA.

G.    {C}{C}{C}O sistema informático da AT não processou, nem registou o incremento do IVA dedutível reportado pela Requerente na declaração de substituição em apreço, pelo que esse aumento não teve repercussão no campo 61 da declaração original, que não foi alterado. Deste modo, no sistema da AT a conta corrente da Requerente não teve em conta o valor de IVA deduzido adicionalmente em 2012 (com referência ao período do segundo trimestre de 2010) de € 147.364,34 – cf. PA0 – Informação n.º .../2021 da DSIVA.

H.    {C}{C}{C}Na declaração periódica de IVA n.º ..., referente ao segundo trimestre do ano 2019 – período 1906T – submetida pela Requerente dentro do prazo, em 30 de julho de 2019, esta solicitou o reembolso de IVA de € 680.086,28, valor que continha o imposto deduzido na declaração de substituição submetida para o segundo trimestre de 2010 (ou seja, o adicional de € 147.364,34) – cf. PA0 – Informação n.º .../2021 da DSIVA.

I.       {C}{C}{C}A Requerente foi alvo de um procedimento de inspeção tributária interno, para análise do pedido de reembolso, a coberto da Ordem de Serviço n.º OI2019... – cf. PA0 – Informação n.º .../2021 da DSIVA.

J.      {C}{C}{C}A situação de crédito de imposto subjacente ao reembolso abrangia operações dos períodos de dezembro de 2010 até ao segundo trimestre de 2019 [19-06T]. A Requerida concluiu, no âmbito do procedimento inspetivo, que o crédito de IVA tinha origem no facto de a Requerente não liquidar IVA nos serviços prestados, qualificados como de construção civil, i.e., tributados na esfera do adquirente por aplicação mecanismo de inversão do sujeito passivo, em conformidade com o disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea j) do Código do IVA, incorrendo em IVA (dedutível) nas aquisições efetuadas no mercado nacional e nas importações de países terceiros, pelo que o reembolso devia ser deferido – cf. PA0 – Informação n.º .../2021 da DSIVA.

K.    {C}{C}{C}A Requerida considerou, para efeitos do reembolso em apreço, que o montante de crédito da Requerente era apenas de € 532.733,94, como constava da conta-corrente desta, resultante do processamento automático do sistema informático da AT – cf. PA0 – Informação n.º .../2021 da DSIVA.

L.     {C}{C}{C}Em 24 de setembro de 2019, a Requerente colocou a seguinte questão à Requerida via e-balcão:

“Na sequência da informação recebida à questão anterior, comparando este valor (535.676,02) com a nossa contabilidade e o valor do reporte da DP de 201903T (683.028,36), verificamos que existe uma diferença de 147.352,3. No decurso de uma inspeção tributária em 2012 foram enviadas declarações de substituição para todos os períodos dos anos de 2010 e 2011. A regularização destes valores em conta corrente, foi efetuada internamente como resultado da inspeção, através de comunicações de crédito internas, que nunca nos for[a]m enviadas.

No período 201906T efetuámos um pedido de reembolso do IVA e, na sequência deste, falando com a técnica responsável na AT pela sua análise, verificámos que todas as de comunicações de crédito acima mencionadas foram tratadas, à exceção da referente à declaração de substituição do período 201006T no valor de 147.367,44.

A técnica verificou no sistema antigo da AT que esta comunicação de crédito está caducada, sem ter sido utilizada. Não vemos motivo para tal situação, pelo que pensamos tratar-se de um engano.

Pelo exposto, vimos solicitar que seja corrigido o engano e que o valor de 147.352,34 passe a constar do saldo da nossa conta corrente. Ficamos a aguardar a resolução deste problema. […]” – cf. documento 9 junto pela Requerente e PA0 – Informação n.º .../2021 da DSIVA.

M.   {C}{C}{C}Em resposta de 6 de novembro de 2019, a AT informou a Requerente, pela mesma via do e-balcão, que “o crédito referido resulta de uma declaração de substituição submetida após o prazo previsto no n.º 6 do art.º 78º do Código do I.V.A., pelo que não produz qualquer efeito” – cf. documento 9 junto pela Requerente e PA0 – Informação n.º .../2021 da DSIVA.

N.     {C}{C}{C}A AT notificou a Requerente do ato tributário de demonstração de liquidação de IVA com o n.º 2019..., emitida em 17 de outubro de 2019, que considera apenas o montante de crédito de imposto de € 532.733,94 (campos 91 e 95) e que contém a seguinte comunicação:

Fica V. Exa.ª notificado (a) da liquidação de IVA relativa ao período a que respeitam as operações, em resultado da qual se verifica haver lugar a reembolso no montante apurado [de € 532.733,94], conforme nota demonstrativa supra.  

Informamos ainda V. Ex.ª que, de acordo com as instruções transmitidas ao Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público, I.P., o reembolso concretizou-se por transferência para a conta relativa ao IBAN acima identificado […].

Da liquidação efetuada, poderá V. Exa. apresentar, no Serviço de Finanças competente, reclamação graciosa ou impugnação judicial nos termos dos artºs 70º e 102º do CPPT.” – cf. PA8 – Demonstração de Liquidação de IVA.

O.    {C}{C}{C}O pedido de reembolso, identificado com o n.º..., foi assim deferido no montante de € 532.733,94, que a AT considerou como totalmente deferido, verificando-se, porém, uma diferença de € 147.352,34 em relação ao pedido de reembolso submetido pela Requerente [de € 680.086,28] – cf. PA0 – Informação n.º .../2021 da DSIVA.

P.     {C}{C}{C}Inconformada com esta liquidação de IVA que reduziu o seu crédito de imposto na mencionada importância de € 147.352,34, a Requerente apresentou Pedido de Revisão Oficiosa da mesma, em 27 de outubro de 2020, ao abrigo do disposto nos artigos 78.º, n.ºs 1 e 2 da LGT, com fundamento em erro imputável aos serviços – cf. documentos 1 e 2 juntos pela Requerente e PA2 (Pedido de Revisão Oficiosa).

Q.    {C}{C}{C}No requerimento de revisão oficiosa, a Requerente invoca fundamentos idênticos aos da presente ação, a saber: (i) vício de forma por falta de fundamentação; e (ii) ilegalidade material por violação do direito à dedução dentro do prazo de 4 anos, conforme disposto no artigo 98.º, n.º 2 do Código do IVA, alegando que a sua situação não tem enquadramento no artigo 78.º, n.º 6 deste Código, por não estar em causa a retificação de erros materiais ou de cálculo – cf. documentos 1 e 2 juntos pela Requerente e PA2 (Pedido de Revisão Oficiosa).

R.     {C}{C}{C}Até ao presente não foi proferida decisão administrativa sobre o Pedido de Revisão Oficiosa apresentado pela Requerente – cf. provado por acordo – PA. 

S.      {C}{C}{C}Em discordância com a liquidação de IVA impugnada, que desconsidera o crédito de imposto no valor de € € 147.352,34, resultante da declaração de substituição apresentada em 2012 com referência ao segundo trimestre de 2010, a Requerente apresentou junto do CAAD, em 27 de maio de 2021, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo que deu origem ao presente processo – cf. registo de entrada do pedido de pronúncia arbitral (“ppa”) no SGP do CAAD. 

T.     {C}{C}{C}Em 4 de outubro de 2021, o Subdiretor-Geral da DSIVA, proferiu, ao abrigo de delegação de competências, o seguinte despacho – PA0 – Informação n.º .../2021 da DSIVA

Mantenho o ato tributário impugnado. 

Proceda-se ao reconhecimento do montante de crédito de imposto, de € 147.367,44, correspondente ao valor que se encontra no estado de caducado na sequência da liquidação da declaração de substituição referente ao período 1006T, através da reativação, pela AT, desse saldo na conta corrente.”

U.     {C}{C}{C}Como fundamento da decisão administrativa a referida Informação refere, com relevo para a matéria em discussão nos autos, o seguinte – PA0 – Informação n.º .../2021 da DSIVA:

“35. Quanto ao invocado direito à dedução do IVA incluído nas faturas elencadas no PPA, que foram tardiamente contabilizadas pela Requerente ou que foram tardiamente rececionadas, tal direito relaciona-se diretamente com os pressupostos de concessão do pedido de reembolso. 

36. Nesse âmbito, e para efeitos da solicitada apreciação para efeitos do n.º 1 do art.º 13.º do RJAT, é de enfatizar que os valores que são objeto de um pedido de reembolso não podem ser alvo de sindicância arbitral ou judicial sem uma prévia análise e decisão por parte da administração tributária, e que é da sua competência exclusiva. 

37. Nos termos do art.º 22.º do Código do IVA, cabe à AT, - e concretamente aos SIT - aferir da legitimidade do pedido de reembolso, através da análise de documentos de suporte, como sejam os elementos facultados pelo sujeito passivo. 

38. Como decorre do preceituado no n.º 8 do art.º 22.º do CIVA, os reembolsos de IVA são efetuados «quando devidos», isto é, após a confirmação, no momento em que se vai apreciar um pedido de reembolso, de que no período a que ele se refere a dedução total de imposto a que haja lugar supera o montante devido pela totalidade das operações tributáveis. 

39. Como indica o STA, no acórdão de 2007-07-12, processo n.º 0303/07, o facto de o n.º 8 do referido art. 22.º incluir a expressão reembolsos são efetuados «quando devidos», não tem o mero alcance de expressar que não devem ser efetuados reembolsos indevidos (o que seria absolutamente supérfluo, pois seria inimaginável interpretar o regime de reembolsos como permitindo o pagamento de reembolsos que não fossem devidos), mas sim o de acentuar que os reembolsos não devem ser efetuados sem uma comprovação, no momento do reembolso, da verificação dos seus pressupostos, o que é corroborado pelos n.ºs 10 e 11 do mesmo artigo, ao preverem que, para efeitos de reembolso, possam ser pedidos documentos e informações adicionais, sob pena de o reembolso de considerar indevido. Aliás, nem seria compreensível outro regime, pois, reportando-se o pedido de reembolso à globalidade das relações tributárias relativas a um determinado período, o seu conteúdo definitivo está forçosamente por definir, pelo que não se pode justificar, pelas razões de segurança jurídica subjacentes ao regime da caducidade do direito de liquidação, que haja restrições ao apuramento e relevância dos factos que importam para as definir. 

40. De acordo com a factualidade dos presentes autos, a devida análise não foi efetuada visto que a Requerente submeteu a declaração de substituição do período 1006T, fora do prazo legal para o efeito. 

41. Por conseguinte, através do processamento automático, pelo mecanismo do sistema informático por decorrência do prazo, tal declaração, apesar de o seu estado se considerar como liquidada, deu origem a uma regularização a crédito que ficou no estado de “caducada”, na conta corrente da Requerente, no valor de € 147.367,44. 

42. O referido valor, que ficou imediatamente caducado, e assim se mantém, como se verifica por consulta aos movimentos da conta de regularizações a crédito, nunca foi utilizado, nem foi solicitada a sua reativação, até ao contacto com o serviço da AT, e-balcão. 

43. Uma vez que, como invocado, a Requerente, através da declaração de substituição em referência, não pretendeu efetuar uma regularização de imposto, de acordo com o mecanismo do art.º 78.º, n.º 6 do Código do IVA, mas tratou-se do exercício do direito a dedução, ao abrigo, e na decorrência do prazo legal de caducidade de quatro anos, do art.º 98.º, n.º 2 do Código do IVA, afigura-se que o referido crédito é suscetível de ser reposto na conta corrente da Requerente.

44. Com a reposição do valor caducado no saldo da conta corrente da Requerente, fica, assim, na sua disponibilidade para futuros eventuais pedidos de reembolso, e poderá, então, ser analisado e reconhecido esse direito, pelos SIT em sede própria.

45. Saliente-se que a possibilidade aventada corresponde à pretensão da Requerente que foi manifestada no contacto estabelecido com o serviço e-balcão da AT. 

46. Face ao expendido, conclui-se que não é possível proceder-se à restituição do imposto peticionado sem uma prévia atuação da AT, sem o valor peticionado ter sido objeto de escrutínio, no sentido de confirmar a dedutibilidade do imposto incorrido nas referidas aquisições. 

47. Ademais, importa referir a latere, que, como é sabido, o CAAD é materialmente incompetente para apreciar um ato de indeferimento do pedido de reembolso de IVA, na medida em que, nos termos do previsto no art.º 2.º, n.º 1, do RJAT, os tribunais arbitrais são, em matéria tributária, competentes para conhecer: “a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; b) A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais”. 

48. Os Tribunais Arbitrais são apenas competentes para apreciar a legalidade dos “atos de liquidação, em sentido estrito”, que provocam uma modificação na situação tributária do contribuinte, definindo a existência de uma obrigação (que através desse ato se torna certa, líquida e exigível, inclusivamente por via coerciva no caso de não cumprimento voluntário), o que não é o caso dos atos que recusam o reembolso de IVA, pois deles não resulta para os contribuintes qualquer obrigação que não tivessem anteriormente – cf. Decisão arbitral n.º 835/2019-T, de 2021-02-03, que segue a jurisprudência do STA, acórdão de 2007-07-12, processo n.º 0303/07. No mesmo sentido, cf., entre outros, a decisão arbitral, de 4 de abril de 2014, processo n.º 238/2013-T, onde se pode ler que no que concerne ao pedido de reembolso, não se prevê expressamente a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD para apreciação da legalidade de atos de indeferimento de pedidos de reembolso de quantias pagas, em cumprimento de anteriores atos de liquidação. No mesmo sentido, cf. a decisão arbitral proferida no processo n.º 48/2015-T. 

49. Face ao antedito, no âmbito da reapreciação prevista no n.º 1 do art.º 13.º do RJAT, propõe-se a manutenção do ato tributário objeto do PPA, sem prejuízo do reconhecimento do montante de crédito de imposto no valor de € 147.367,44, correspondente ao valor que se encontra no estado de caducado, na sequência da liquidação da declaração de substituição, referente ao período 1006T, através da reativação, pela AT, do saldo em conta corrente.”

 

3.    Motivação e Factos não Provados

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal que se pronunciar sobre todas as alegações das Partes, mas apenas sobre as questões de facto necessárias para a decisão. 

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos pelas Partes e nas posições por estas assumidas em relação aos factos que, de um modo geral, é consensual. 

 

Não existem factos alegados com relevância para a apreciação da causa que devam considerar-se não provados.

 

 

III.      Pressupostos Processuais 

 

1.     {C}{C}{C}Sobre a Incompetência Material

 

Para resolver esta questão prévia, importa ter presente, quer o âmbito de competência dos tribunais arbitrais, quer a natureza dos atos contestados.

 

A competência dos tribunais arbitrais fiscais é delimitada pelo disposto no artigo 2.º do RJAT e pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, e compreende a apreciação das pretensões relacionadas com a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte, de pagamento por conta, de atos de fixação da matéria tributável que não deem origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais.

 

Acrescenta o artigo 4.º do RJAT que a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais depende de Portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça. E aqueles serviços e organismos vincularam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais nos casos que tenham por objeto a apreciação das acima identificadas pretensões, de valor não superior a € 10 000 000, relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida[2].

 

Atendendo ao disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, em conjugação com o artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, conclui-se que a jurisdição arbitral é inequivocamente competente para apreciar a legalidade de atos de liquidação de IVA.

 

Impõe-se, de seguida, determinar se as pretensões deduzidas pela Requerente são suscetíveis de se enquadrar no âmbito da apreciação da (i)legalidade de atos de liquidação de tributos.

 

Como atrás assinalado, a Requerida invocou a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral, por considerar que a Requerente centra o objeto desta ação no pedido de reembolso de IVA apresentado na declaração periódica do segundo trimestre de 2019, e não num ato de liquidação do imposto, não sendo o pedido de reembolso sindicável na jurisdição arbitral que apenas comporta pretensões anulatórias de atos tributários nos moldes enunciados no artigo 2.º do RJAT. 

 

            A este respeito, convém relembrar que a Requerente deduz múltiplas pretensões, abrangendo: a) a anulação da “decisão de indeferimento tácito” do Pedido de Revisão Oficiosa; b) a anulação do ato tributário de (demonstração de) liquidação de IVA e o consequente reconhecimento do montante de crédito de imposto no valor de € 147.352,34; c) o deferimento do reembolso no montante de € 147.352,34; e, por fim, (d) a condenação da Requerida à restituição daquele valor de IVA, acrescido de juros indemnizatórios. E nos artigos 38.º e 39.º do ppa, a Requerente identifica o pedido arbitral como reportado ao ato de demonstração de liquidação de IVA, constituindo o objeto mediato da ação a apreciação da legalidade desse ato e objeto imediato o indeferimento tácito do Pedido de Revisão Oficiosa. 

 

             Começando por apreciar a pretensão da alínea c), de deferimento do reembolso no montante de € 147.352,34, entende este Tribunal assistir razão à Requerida quando afirma que a mesma não tem cabimento na jurisdição arbitral. Com efeito, esta jurisdição está circunscrita, pelas normas citadas, a pretensões anulatórias de atos tributários e de fixação da base de incidência, nas quais não é manifestamente enquadrável a situação de (in)deferimento, total ou parcial, de um pedido de reembolso. O Tribunal Arbitral não dispõe de competência para determinar o deferimento de pedidos de reembolso de IVA, cuja competência é atribuída à AT (v. artigo 22.º do Código do IVA), pelo que, quanto a esta pretensão é procedente a exceção de incompetência material arguida pela Requerida. 

 

O mesmo se diga a respeito do pedido de juros indemnizatórios que a Requerente deduziu ao abrigo do artigo 22.º, n.º 8 do Código do IVA. Esta pretensão encontra-se diretamente ligada ao atraso no reembolso do imposto, que, segundo o disposto neste preceito, deve ser efetuado até ao fim do 2.º mês seguinte ao da apresentação do pedido, findo o qual os sujeitos passivos podem passivos “solicitar a liquidação de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da lei geral tributária”. Não podendo este Tribunal conhecer da matéria relativa ao procedimento de reembolso, no qual se inscreve o direito a juros indemnizatórios derivado de atraso na sua decisão, este direito tem de ser apreciado em conexão com o reembolso a que respeita, não tendo, de igual modo, cabimento, no processo arbitral, que do mesmo não pode conhecer, não dispondo de competência material para o efeito. 

 

            Porém, o mesmo não se dirá do pedido de anulação do ato tributário de liquidação de IVA. Neste ponto, a exceção levantada pela Requerida não tem fundamento, sendo a Requerente explícita na conformação do objeto do processo, que recorta, de forma cristalina, como dirigido à anulação do ato de demonstração de liquidação de IVA (referenciando o respetivo número) e da ficção do ato silente de segundo grau que o confirmou. 

 

            Em relação ao “ato” de indeferimento tácito, interessa referir que estamos perante uma ficção legal criada para permitir a abertura da via contenciosa face à omissão do dever de decidir da AT no prazo legalmente estipulado. Apesar de a anulação dos atos de segundo e/ou de terceiro grau não estar expressamente prevista no artigo 2.º do RJAT, ela é uma consequência inevitável e concomitante da pronúncia anulatória que incida sobre o ato tributário, pois os atos de segundo ou de terceiro grau que o tenham confirmado ficam, por efeito implícito daquela pronúncia, invalidados. Assim, a anulação do ato tributário comporta a anulação dos atos administrativos que o tenham confirmado, pelo que esta também cabe, nessa medida, na competência do Tribunal Arbitral.  

 

Tais pretensões estão abrangidas pelo disposto no artigo 2.º do RJAT e não obsta à posição sufragada, o facto de, no caso de ser determinada a anulação do ato de liquidação contestado, e na medida dessa anulação, caber à Autoridade Tributária (e não ao Tribunal Arbitral, que não dispõe de competências executivas), em execução dessa mesma anulação, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito” e “rever os atos tributários que se encontrem numa relação de prejudicialidade ou de dependência com os atos tributários objeto da decisão arbitral[3], conforme dispõe o artigo 24.º, n.º 1, alíneas b) e c) do RJAT. 

 

De salientar que a própria AT, na notificação da demonstração de liquidação de IVA,  refere que “[d]a liquidação efetuada, poderá V. Exa. apresentar, no Serviço de Finanças competente, reclamação graciosa ou impugnação judicial nos termos dos artºs 70º e 102º do CPPT”. Tendo em conta que a ação arbitral foi conformada pelo legislador como um meio processual alternativo à impugnação judicial, como ressalta dos artigos 2.º e 10.º do RJAT[4], e considerando a AT que o meio processual idóneo de contestação do ato aqui em discussão é a impugnação judicial, a apreciação da respetiva legalidade é tarefa de que cabe a este Tribunal conhecer. [5]

 

Em síntese, é à Autoridade Tributária que cabe apurar o valor a reembolsar, mas tal não impede que caiba inequivocamente na competência material deste Tribunal Arbitral a apreciação da legalidade e anulação do ato de liquidação subjacente, que reduziu o crédito de imposto declarado pela Requerente, ao qual se dirige de forma expressa uma das pretensões (neste sentido v. decisões dos processos arbitrais n.º 660/2017-T, de 15 de setembro de 2020, e n.º 543/2018-T, de 6 de junho de 2019).

 

Como abordado na decisão arbitral do processo 660/2017-T, a liquidação em sede de IVA é um ato complexo que deve ser considerado em sentido amplo, abrangendo quer as deduções e as regularizações de imposto, quer as liquidações administrativas decorrentes de atos de fiscalização e determinação oficiosa do imposto[6]

 

Acrescentando-se na indicada decisão que é “o caso das liquidações adicionais reguladas pelo art.º 87.º do CIVA, relativo ao "momento e modalidades do exercício do direito à dedução". No n.º 1 deste artigo, estipula-se que, sem prejuízo do caso das liquidações com base em presunções e métodos indiretos, a efetuar nos termos da LGT, a AT "procede à retificação das declarações dos sujeitos passivos, quando fundamentadamente considere que nelas figure um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, liquidando adicionalmente a diferença". 

Assim, estando em causa um ato de liquidação de IVA proprio sensu, a pretensão anulatória deduzida pela Requerente contra o mesmo é abrangida pela jurisdição arbitral, nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, esta última expressão da vinculação da Requerida aos Tribunais Arbitrais, pelo que é, neste segmento, de julgar improcedente a exceção de incompetência material invocada.

 

À face do exposto, considera-se este Tribunal Arbitral competente em razão da matéria para conhecer das ilegalidades imputadas ao ato de liquidação de IVA acima identificado e, no caso de a ação ser julgada procedente, no todo ou em parte, anulá-lo em conformidade com as legais consequências. Em relação à pretensão de deferimento do pedido de reembolso de IVA, este Tribunal julga-se incompetente para conhecer da mesma por não se subsumir à previsão do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT. 

 

2.    Demais Pressupostos Processuais 

 

            O Tribunal foi regularmente constituído (v. artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT). 

 

            As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). 

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, contado da formação da presunção de indeferimento tácito, nos termos do artigo 57.º da LGT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo e Procedimento Tributário (“CPPT”). 

 


 

3.    Inutilidade Superveniente da Lide 

 

O ato tributário sindicado, que constitui o objeto da presente ação de que o Tribunal Arbitral pode conhecer, foi mantido por despacho do Subdiretor-Geral dos Impostos de 4 de outubro de 2021. Deste modo, uma análise preliminar poderia conduzir à conclusão de que se mantém, qua tale, o litígio. 

 

Todavia, interessa atender ao facto de que a anulação do referido ato tributário, dado o estrito efeito cassatório dos processos de natureza impugnatória, nos quais se enquadra a ação arbitral, tem como resultado jurídico a reposição, rectius, a consideração do crédito de imposto declarado pelo sujeito passivo [a Requerente], através da declaração de substituição apresentada em 2012, para o período do segundo trimestre de 2010, na sua conta-corrente. 

 

Assim, com a anulação do ato tributário a Requerente passaria a dispor na sua esfera jurídica do saldo de crédito de imposto, proveniente de IVA dedutível, que lhe foi negado por esse ato (de € 147.352,34). O referido despacho de 4 de outubro de 2021 consagra precisamente esse efeito, reconhecendo que à Requerente assiste o “montante de crédito de imposto, de € 147.367,44, correspondente ao valor que se encontra no estado de caducado na sequência da liquidação da declaração de substituição referente ao período 1006T, através da reativação, pela AT, desse saldo na conta corrente”. Com efeito, a Requerente dispõe atualmente do valor de € 147.352,34 na sua conta-corrente de IVA com o Estado, pelo que a anulação do ato tributário é inútil, não podendo produzir um efeito que já foi juridicamente alcançado e consolidado por via/decisão administrativa.  

 

Neste âmbito, importa compulsar o artigo 277.º, alínea e) do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicável ex viartigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, que determina que a instância se extingue com “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide”.

 

A impossibilidade da lide ocorre quer em caso de morte ou extinção de uma das partes, quer por desaparecimento do objeto do processo ou extinção de um dos interesses em conflito. 

 

A inutilidade superveniente da lide tem lugar quando, em virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo, a decisão a proferir já não tenha qualquer efeito útil, ou porque não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante pretende fazer valer no processo, ou porque o fim visado com a ação foi atingido por outro meio. É nesta última hipótese que se enquadra a situação vertente. A pretensão formulada pela Requerente, de ilegalidade e anulação do ato tributário de liquidação de IVA, ficou prejudicada pela decisão administrativa de reconhecimento do crédito de IVA que a Requerente pretendia fazer valer na ação arbitral, produzindo os seus efeitos já na pendência desta. Estamos, desta forma, perante uma vicissitude superveniente que alcançou por via administrativa o fim visado com a ação. 

 

Em consequência, deve extinguir-se a instância processual, por não ter efeito útil, nos termos do disposto nos artigos 277.º, alínea e) e 611.º do CPC, aplicáveis por remissão do citado artigo 29.º, n.º 1 alínea e) do RJAT.

 

Questão distinta e que atrás ficou percorrida é a do pedido de reembolso da importância de € 147.352,34[7]. A decisão desse pedido não pode ser apreciada por este Tribunal, que é incompetente para dela conhecer, como atrás declarado, por não respeitar diretamente a um ato de liquidação. 

* * *

 

Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras (v. artigo 608.º do CPC, ex viartigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT). 

 

IV.  Decisão

 

            À face do exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral:

a)    Em julgar procedente a exceção de incompetência material (parcial) para apreciação da pretensão de deferimento do pedido de reembolso de IVA no montante de € 147.352,34 e da restituição desse valor acrescido de juros indemnizatórios;

b)    Relativamente ao pedido de anulação da liquidação de IVA n.º 2019..., de 17 de outubro de 2019, e da “decisão de indeferimento tácito” do Pedido de Revisão Oficiosa que o tem por objeto, julgar parcialmente extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide;

c)    Condenar a Requerida nas custas do processo, por ter dado causa à ação,

tudo com as legais consequências. 

 

V.   Valor do Processo 

 

            Fixa-se ao processo o valor de € 147.352,34 relativo ao ato de liquidação de IVA impugnado, cuja anulação é peticionada, indicado pela Requerente e não contestado pela Requerida – v. artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 3.º do RCPAT. 

 

VI.  Custas 

 

            Custas no montante de € 3.060,00, a cargo da Requerida, uma vez que deu causa à ação, ao não ter reconhecido, antes da constituição deste Tribunal Arbitral, o crédito de IVA declarado pela Requerente, de acordo com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT; 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º e 536.º, n.ºs 3 e 4 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT. 

 

            

Lisboa, 18 de julho de 2022

            

Notifique-se

 

Os árbitros,

 

Alexandra Coelho Martins, relatora

 

 

Fernando Miranda Ferreira

 

 

 

Sofia Ricardo Borges

 



[1] Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, que estabelece o sistema comum do IVA e que sucedeu à Diretiva 388/77/CEE, de 17 de Maio, conhecida por Sexta Diretiva.

[2] Com exceção das pretensões expressamente identificadas nas alíneas a) a d) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, sem cabimento na situação dos autos. 

[3] Jorge Lopes de Sousa esclarece que “os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD não têm competências executivas, como resulta do artigo 2.º, n.º 1, do RJAT” (cf. Jorge Lopes de Sousa – Guia da Arbitragem Tributária – Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Coimbra, 2003, pág. 224), cabendo à Autoridade Tributária dar cumprimento ao dever de executar a decisão arbitral. Com efeito, o processo arbitral, à semelhança do processo de impugnação judicial de que constitui alternativa, nos termos da autorização legislativa que antecedeu o RJAT, é essencialmente um contencioso de anulação, o que significa que a consequência regra para a declaração de ilegalidade do ato de liquidação é, tão-só, a anulação desse mesmo ato.

[4] E também do artigo 124.º, n.º 2 da Lei n.º 3‐B/2010, de 28 de abril (Lei do Orçamento do Estado para 2011), que consagrou uma autorização legislativa ao Governo para a introdução da arbitragem tributária, segundo o qual “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial […]”.

[5] Não se ignora que além dos atos de liquidação, a decisão de indeferimento de reembolso também é passível de impugnação judicial, de acordo com o estipulado no artigo 22.º, n.ºs 11 e 13 do Código do IVA. No entanto, afigura-se que a regra de competência constante do artigo 2.º do RJAT não permite, nestes casos, a equiparação da ação arbitral, pois o indeferimento, total ou parcial, de tais pedidos não está contemplado na norma atributiva de competência dos Tribunais Arbitrais, nem na Portaria de Vinculação da AT. 

[6] Com base neste entendimento, sustenta-se, ainda, naquela decisão arbitral, que é neste contexto que se deve interpretar a afirmação de que “um reembolso contestado pela administração fiscal em tudo equivale a uma liquidação de imposto e os meios de reagir contra esse ato da administração, que nega ou revoga um reembolso, são idênticos aos que a lei põe à disposição dos contribuintes para anular, no todo ou em parte, a liquidação do imposto.” (cf. JOSÉ XAVIER DE BASTO e GONÇALO AVELÃS NUNES in «O que é a “garantia adequada” para efeitos do reembolso do IVA?», - Estudos em Memória do Prof. Doutor J. L. SALDANHA SANCHES, volume IV, pp. 276-277).

[7] Aliás o valor de crédito reconhecido pelo citado despacho de 4 de outubro de 2021 é ligeiramente superior, com a diferença de € 15,10, que pode resultar, nomeadamente de arredondamentos. Ponto é que o valor de IVA peticionado pela Requerente está compreendido no valor de crédito que lhe foi reconhecido pela Requerida.