DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Alexandra Coelho Martins, André Festas da Silva e Adelaide Moura, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 16 de julho de 2021, acordam no seguinte:
I. Relatório
A..., contribuinte número..., residente na Rua ..., n.º ..., ..., ...-... Leiria, doravante designado por “Requerente”, submeteu em 6 de maio de 2021 pedido de constituição de Tribunal Arbitral e de pronúncia arbitral, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 10.º e 15.º, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação vigente.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.
O Requerente pretende que seja declarada a ilegalidade e, em consequência, anulado o ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) e juros compensatórios emitido em 9 de outubro de 2020, sob o n.º 2020..., referente ao ano 2018, que apurou um valor adicional a pagar de € 543.165,24 (incluindo a importância de € 25.581,40 relativa a juros compensatórios), com fundamento em erro nos pressupostos de facto e de direito. Deduz também pedido dependente de reembolso do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto no artigo 43.º da Lei Geral Tributária (“LGT”).
Em 10 de maio de 2021, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação, com a notificação à AT.
De acordo com o preceituado nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, aqui signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As Partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.
O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 16 de julho de 2021.
Em 30 de setembro de 2021, a Requerida apresentou a sua Resposta, com defesa por impugnação, e juntou o processo administrativo (“PA”).
Em 18 de novembro de 2021, teve lugar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, na qual foi inquirida a testemunha arrolada pelo Requerente (tendo sido prescindida uma testemunha). As Partes foram notificadas para apresentarem alegações escritas e o Tribunal fixou o prazo para prolação da decisão, advertindo o Requerente para, até essa data, proceder ao pagamento da taxa subsequente (v. ata que se dá por reproduzida e gravação áudio disponível no SGP do CAAD).
Em 3 de dezembro de 2021, o Requerente apresentou as suas alegações. A Requerida contra-alegou em 17 de dezembro de 2021. Ambas as Partes reafirmaram, no essencial, as posições assumidas nos articulados iniciais.
Por despachos de 10 de janeiro, 28 de fevereiro e 10 de maio de 2022, foi prorrogado o prazo para prolação da decisão, ao abrigo do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT, derivado da tramitação processual, da interposição de períodos de férias judiciais e da situação pandémica.
II. Saneamento
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer do ato de liquidação de IRS e juros compensatórios impugnado, atenta a conformação do objeto do processo (v. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo e Procedimento Tributário (“CPPT”), i.e., até ao decurso de 90 dias sobre o termo do prazo para pagamento voluntário do ato tributário que, no caso, foi fixado em 2 de dezembro de 2020. Para este efeito, importa ter em conta a suspensão de prazos procedimentais e processuais, entre 22 de janeiro de 2021 e 5 de abril de 2021, nos termos da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, alterada pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, no âmbito das medidas da pandemia Covid 19 (suspensão que cessou com a entrada em vigor da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril), tendo a presente ação sido deduzida em 6 de maio de 2021.
Não foram identificadas questões prévias a apreciar ou nulidades processuais.
III. Fundamentação de Facto
1. Matéria de Facto Provada
Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se consideram provados:
-
A..., aqui Requerente, adquiriu participações sociais na sociedade B..., S.A. (adiante “B...”), nos anos de 1993 e 1999, pelos valores de € 9.976,00 e € 24.940,00, respetivamente (à data a sociedade assumia a forma de sociedade por quotas) – cf. Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”) junto pelo Requerente como Documento 4.
-
A B..., no período de tributação de 2017, apresentou um volume de negócios inferior a 10 milhões de euros e tinha:
-
45 trabalhadores com contrato de trabalho e 3 administradores, dois remunerados e um não remunerado, perfazendo o total de 48; e
-
8 prestadores de serviços cuja atividade era prestada em mais de 80% a esta sociedade
– cf. RIT.
-
A B... dedicava-se à atividade de produção de equipamentos de acondicionamento e embalagem em paletes para a indústria vidreira, utilizados no fim da linha de fabricação de produtos em vidro e também noutras indústrias. A C... produzia outros equipamentos destinados à indústria de vidro – cf. RIT, complementado com o depoimento da testemunha inquirida.
-
Em dezembro de 2018, o Requerente alienou as referidas participações pelo preço global de € 3.750.000,00 – cf. RIT.
-
A transmissão das ações foi reportada pelo Requerente na sua Declaração Modelo 3 de IRS do ano 2018, tendo este considerado que a sociedade B..., a que respeitavam as participações sociais alienadas, era uma “pequena empresa”, para efeitos do Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, com 47 efetivos (incluindo 2 administradores remunerados) e um volume de negócios inferior a 10 milhões de euros – cf. RIT.
-
Com base no enquadramento da sociedade B... como pequena empresa, o Requerente incluiu na Declaração Modelo 3, como rendimento tributável da categoria G de IRS, apenas 50% da mais-valia obtida com a venda das ações, no montante de € 1.848.513,72, aplicando o artigo 43.º, n.ºs 3 e 4 do Código do IRS, e optou pela aplicação da taxa especial de 28% prevista no artigo 72.º do mesmo código – cf. RIT.
-
Por carta datada de 2 de julho de 2019, o Requerente foi notificado para se pronunciar sobre o processo de divergências relativo à Modelo 3 do ano de 2018, e, em concreto, sobre a “necessidade de comprovação da micro ou pequena empresa cuja parte social / valor mobiliário foi alienada” – cf. Documento 1 junto pelo Requerente.
-
A AT (Direção de Finanças de Leiria) instaurou um procedimento inspetivo externo ao Requerente, ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2019..., de 16 de novembro de 2019, para análise e controlo da sua Declaração Modelo 3 de IRS de 2018 – cf. RIT.
-
Na sequência deste procedimento, foram propostas correções ao rendimento declarado pelo Requerente em relação ao ano 2018, tendo a AT considerado inaplicável a redução de 50% do saldo das mais-valias previsto no artigo 43.º, n.ºs 3 e 4 do Código do IRS, por não estar em causa a transmissão de ações de uma pequena empresa, mas de uma média empresa – cf. Documento 2 junto pelo Requerente.
-
O Requerente exerceu o direito de audição em 14 de setembro de 2020, com argumentos idênticos aos da presente ação arbitral, defendendo a qualificação da B... como pequena empresa – cf. Documento 3 junto pelo Requerente.
-
Em 29 de setembro de 2020, o Requerente foi notificado do relatório final de inspeção (“RIT”), que manteve as correções propostas, com o único fundamento da inaplicabilidade do disposto no artigo 43.º, n.ºs 3 e 4 do Código do IRS, apurando imposto em falta no valor de € 517.583,84, conforme se constata da transcrição infra – cf. RIT:
“III - Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas
III.1 – IRS – 2018
III.1.1 – IRS – 2018 – Categoria G do IRS – Alienação de ações – B... –S.A. com o NIPC ... (B...)
III.1.1.1 – IRS – 2018 – Categoria G do IRS - Alienação de ações –B...– Data e valor de alienação
O sujeito passivo A... […] efetuou alienação de valores mobiliários, nomeadamente ações, da sociedade B... […].
Uma parte dessas ações, foi alienada à sociedade adquirente e outra à própria sociedade. O valor global da alienação foi de € 3.750.000,00. Este valor confere com o declarado pelo sujeito passivo.
Tal alienação, constitui rendimento da categoria G de IRS, conforme prescrito pelo art.º 9.º, n.º 1 al. a) do CIRS e art.º 10.º, n.º 1 al. b) também do CIRS […].
Temos, portanto, que o valor de alienação foi de € 3.750.000,00.
III.1.1.2 – IRS – 2018 – Categoria G do IRS - Alienação de ações –B...– Análise declarativa
Analisada a declaração Mod. 3 de IRS referente a 2018, entregue pelo sujeito passivo, verificaram-se os seguintes valores declarados no quadro 9 do anexo G:
Anexo G:
Titular
|
Linha
|
Realização
|
Aquisição
|
Data
|
Valor
|
Data
|
Valor
|
A
|
9001
|
17-12-2018
|
366.668,10
|
22-03-1993
|
9.976,00
|
A
|
9002
|
27-12-2018
|
3.383.331,90
|
13-01-1999
|
24.940,00
|
|
|
Totais
|
3.750.000,00
|
|
34.916,00
|
O ganho sujeito a IRS é constituído pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, conforme descrito no art.º 10.º, n.º 4, al. a) do CIRS […].
O art.º 43.º n.º 1 do CIRS, indica que o valor de rendimentos qualificados como mais-valias, é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias, realizadas no mesmo ano, apuradas de acordo com os artigos seguintes do CIRS […].
III.1.1.3 – IRS – 2018 – Categoria G do IRS - Alienação de ações –B...– Data e valor de aquisição
O valor de aquisição, dado estamos perante valores não cotados em bolsa, será o custo documentalmente comprovado ou o respetivo valor nominal, conforme indica o art.º 48.º, al. b) do CIRS […].
III.1.1.5 – IRS – 2018 – Categoria G do IRS - Alienação de ações –B...– Valor de Realização
O valor de realização das ações, seria o valor já acima referido, para a totalidade das ações alienadas, de € 3.750.000,00, com base no fixado no art.º 44.º, n.º 1, al. f) do CIRS […].
III.1.1.6 – IRS – 2018 – Categoria G do IRS - Alienação de ações –B...– Cálculo da mais-valia declarada
Conforme já referido anteriormente, o ganho sujeito a IRS, é constituído pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição.
Já concluímos quais os valores de realização e aquisição das ações alienadas.
Os valores de aquisição foram alvo de atualização monetária conforme prescreve o art.º 50.º, n.º 1 do CIRS, com coeficientes definidos pela Portaria n.º 317/2018 de 2018-12-11.
O sujeito passivo declarou ainda nos campos 9601 e 9602, que a alienação seria respeitante a micro ou pequena empresa e, portanto, as mais-valias foram consideradas apenas em 50% do seu valor, conforme prescrito pelo art.º 43.º n.º 3 e 4 do CIRS […].
Temos, portanto, o seguinte valor de mais-valias declaradas:
Tit.
|
Linha
|
Realização
|
Aquisição
|
Coef.
|
Valor de Aq. atualizado
|
Mais-Valias
|
50% Mais-Valias
|
Data
|
Valor
|
Data
|
Valor
|
A
|
9001
|
17-12-2018
|
366.668,10
|
22-03-1993
|
9.976,00
|
1,71
|
17.058,96
|
349.609,14
|
174.804,57
|
A
|
9002
|
27-12-2018
|
3.383.331,90
|
13-01-1999
|
24.940,00
|
1,44
|
35.913,60
|
3.347.418,30
|
1.673.709,15
|
|
|
Totais
|
3.750.000,00
|
|
34.916,00
|
|
52.972,56
|
3.697.027,44
|
1.848.513,72
|
O sujeito passivo não optou pelo englobamento destas mais-valias no quadro 15 da Mod. 3 de IRS, pelo que este valor ficou sujeito à taxa prevista no art.º 72.º n.º 1 al. c) do CIRS, ou seja 28%:
Mais-valias globais:
|
1.848.513,72
|
Taxa Especial:
|
28%
|
IRS apurado:
|
517.583,84
|
III.1.1.7 – IRS – 2018 – Categoria G do IRS - Alienação de ações – B... – Enquadramento da sociedade como micro ou pequena empresa
Conforme já referido anteriormente, o sujeito passivo declarou que a sociedade seria micro ou pequena empresa, tendo as mais-valias sido tributadas em 50%, conforme prescreve o art.º 43.º n.º 3 do CIRS acima transcrito.
Segundo o n.º 4 do mesmo artigo entendem-se por micro e pequenas empresas as entidades assim definidas, nos termos do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro.
Aquando de anterior análise a este enquadramento, no decorrer de análise de divergência com o n.º ..., notificada ao sujeito passivo em 02 de julho de 2019, o sujeito passivo apresentou as justificações e documentos anexos (anexo 1).
Recordamos que a alienação das ações ocorreu em dezembro de 2018, sendo que nesta altura estava em vigor o Decreto-Lei n.º 372/2007 alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 81/2017 de 30 de junho.
Importa aqui referir, antes de mais, que segundo o 43.º n.º 4 do CIRS, o enquadramento é feito com recurso ao anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, conforme acima transcrito.
O que o CIRS indica é o recurso ao anexo do referido Decreto-Lei e não o recurso ao certificado emitido pelo IAPMEI, no âmbito do mesmo, pelo que os documentos apresentados pelo sujeito passivo, mesmo que incluíssem o respetivo certificado, não comprovariam, por si, que o enquadramento como micro ou pequena empresa estaria correto.
Segundo o art.º 4.º do anexo, os dados a considerar para o cálculo dos efetivos e dos montantes são os do último exercício contabilístico encerrado, calculados numa base anual. Conforme já referido o sujeito passivo alienou as ações em dezembro de 2018, e nesta data as contas da sociedade de 2017 estariam já encerradas, pelo que as iremos utilizar como referência.
Segundo o art.º 2.º do anexo, o enquadramento das sociedades é assim efetuado (sublinhado da nossa autoria):
«Artigo 2.º
Efetivos e limiares financeiros que definem as categorias de empresas
1 – A categoria das micro, pequenas e médias empresas (PME) é constituída por empresas que empregam menos de 250 pessoas e cujo volume de negócios anual não excede 50 milhões de euros ou cujo balanço total anual não excede 43 milhões de euros.
2 – Na categoria das PME, uma pequena empresa é definida como uma empresa que emprega menos de 50 pessoas e cujo volume de negócios anual ou balanço total anual não excede 10 milhões de euros.
3 – Na categoria das PME, uma micro empresa é definida como uma empresa que emprega menos de 10 pessoas e cujo volume de negócios anual ou balanço total anual não excede 2 milhões de euros.»
No que toca ao valor do volume de negócios anual ou balanço total anual comprova-se que, de facto, eram inferiores a 10 milhões, se considerássemos apenas a B... .
Já no que toca ao número de efetivos, a sua avaliação é efetuada de acordo com o art.º 5.º do mesmo anexo (sublinhado da nossa autoria):
«Artigo 5.º
Efetivos
Os efetivos correspondem ao número de unidades trabalho-ano (UTA), isto é, ao número de pessoas que tenham trabalhado na empresa em questão ou por conta dela a tempo inteiro durante todo o ano considerado. O trabalho das pessoas que não tenham trabalhado todo o ano, ou que tenham trabalhado a tempo parcial, independentemente da sua duração, ou o trabalho sazonal, é contabilizado em frações de UTA. Os efetivos são compostos:
a) Pelos assalariados;
b) Pelas pessoas que trabalham para essa empresa, com um nexo de subordinação com ela e equiparados a assalariados à luz do direito nacional;
c) Pelos proprietários-gestores;
d) Pelos sócios que exerçam uma atividade regular na empresa e beneficiem das vantagens financeiras da mesma.
Os aprendizes ou estudantes em formação profissional titulares de um contrato de aprendizagem ou de formação profissional não são contabilizados nos efetivos. A duração das licenças de maternidade ou parentais não é contabilizada.»
Conforme já foi referido, levando em conta os dados da B... de forma isolada, o enquadramento do volume de negócios e do balanço seria inferior a 10 milhões.
Mas levando em conta as entidades associadas, segundo as contas de 2017, ou na altura de elaboração das mesmas, existia uma entidade associada relevante, conforme se comprova pela declaração apresentada pela B..., com data de submissão de 21 de setembro de 2018, em que confirmámos a exatidão dos dados (página 3 a 5 do anexo 1).
Tal enquadramento leva à consideração da B... como média empresa em 2017.
O sujeito passivo invocou que, entretanto, foi alterada a composição do capital, que resultou na apresentação da segunda declaração em 26 de outubro de 2018 (páginas 6 e 7 do anexo 1 ).
Pelos factos acima referidos, a B... teria uma sociedade associada e o conjunto dos dados das duas sociedades afastariam a sua classificação como pequena empresa.
No entanto, outra evidência importante comprova que a B... não era, de facto, uma micro ou pequena empresa: o número de efetivos.
Segundo a IES de 2017 os efetivos seriam 49, ou seja, apenas menos 1 que o limite para a consideração como média empresa;
Teríamos, portanto, 49 UTA, à luz do art.º 5.º do anexo acima transcrito, tal como referido também nas declarações apresentadas ao IAPMEI (páginas 4 e 7 do anexo 1);
Segundo o referido art.º 5.º o número de efetivos é constituído pelas seguintes pessoas:
a) Pelos assalariados;
b) Pelas pessoas trabalham para essa empresa, com um nexo de subordinação com ela e equiparados a assalariados à luz do direito nacional;
c) Pelos proprietários-gestores;
d) Pelos sócios que exerçam uma atividade regular na empresa e beneficiem das vantagens financeiras da mesma;
- Pela consulta da IES existiriam 49 UTA na sociedade, ou seja, funcionários que teriam trabalhado na empresa em questão ou por conta dela a tempo inteiro durante todo o ano considerado;
- Pela consulta das DMR da sociedade, verificou-se que existiam 47 funcionários com rendimentos de trabalho dependente, durante todo o ano de 2017, ou seja, de janeiro a dezembro;
- Destes 47 não fazia parte o administrador D... […] pelo que teremos de o acrescer, uma vez que fez parte dos órgãos sociais, conforme dados disponíveis na AT, nas seguintes datas:
Tipo de Relação
|
NIF
|
Nome / Denominação
|
Data de Início
|
Data de Fim
|
… Membro do Conselho de Administração
|
[…]
|
D...
|
29-12-2017
|
20-09-2018
|
… Administrador
|
[…]
|
D...
|
19-12-1994
|
29-12-2017
|
- Mas para além destes factos, temos ainda um conjunto de trabalhadores, que não foram aqui considerados e que nos termos do art.º 5.º al. b) do anexo acima referido, deveriam ter sido considerados. Transcrevemos novamente essa alínea:
«b) Pelas pessoas que trabalham para essa empresa, com um nexo de subordinação com ela e equiparados a assalariados à luz do direito nacional;»
Segundo o art.º 140.º do Código Contributivo, em vigor em 31 de dezembro de 2017, eram entidades contratantes, as seguintes (sublinhado da nossa autoria):
«Artigo 140
Entidades contratantes
1 - As pessoas colectivas e as pessoas singulares com actividade empresarial, independentemente da sua natureza e das finalidades que prossigam, que no mesmo ano civil beneficiem de pelo menos 80 % do valor total a actividade de trabalhador independente, são abrangidas pelo presente regime na qualidade de entidades contratantes.
2 - A qualidade de entidade contratante é apurada apenas relativamente aos trabalhadores independentes que se encontrem sujeitos ao cumprimento da obrigação de contribuir e tenham um rendimento anual obtido com prestação de serviços igual ou superior a seis vezes o valor do IAS.
3 - Para efeitos do disposto no n.º 1, consideram-se como prestados à mesma entidade contratante os serviços prestados a empresas do mesmo agrupamento empresarial.»
A IAS do ano de 2017 foi de € 421,32 (Portaria n.º 4/2017 de 2017-01-03), multiplicando por seis, teremos, portanto € 2.527,92.
Pela consulta dos elementos declarados pela sociedade B..., existe um conjunto de trabalhadores independentes, que se integram neste conceito, ou seja, prestam a esta sociedade mais de 80% da sua atividade (este valor em 2018 passou para 50%) e um valor muito superior ao IAS.
Apurou-se um conjunto de 8 trabalhadores nesta situação, pelo que juntando aos acima referido, temos bem mais de 50 efetivos na B... no ano de 2017.
Por fim, é ainda de referir que, segundo o art.º 4.º do anexo, nomeadamente o seu n.º 2, sem embargo de uma alteração na qualidade da empresa (se média, pequena ou microempresa) em qualquer outra altura (a confirmar no futuro com o encerramento das contas), o enquadramento das sociedades tem uma base anual e só é alterado se as condições dessa alteração se mantiverem por dois exercícios consecutivos (sublinhado da nossa autoria):
«Artigo 4.º
Dados a considerar para o cálculo dos efetivos e dos montantes financeiros e período de referência
1 – Os dados considerados para o cálculo dos efetivos e dos montantes financeiros são os do último exercício contabilístico encerrado, calculados numa base anual. Os dados são tidos em conta a partir da data de encerramento das contas. O montante do volume de negócios considerado é calculado com exclusão do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) e de outros impostos indiretos.
2 – Se uma empresa verificar, na data de encerramento das contas, que superou ou ficou aquém, numa base anual, do limiar de efetivos ou dos limiares financeiros indicados no artigo 2.º, esta circunstância não a faz adquirir ou perder a qualidade de média, pequena ou micro empresa, salvo se tal se repetir durante dois exercícios consecutivos.»
Ou seja, os dados considerados para a certificação de uma PME são os do último exercício contabilístico encerrado, calculados numa base anual e produzem efeitos a partir da data de encerramento dessas contas.
Olhando para o quadro 05291-A – Pessoas ao serviço e horas trabalhadas, da IES de 2018 da B..., verifica-se que o número médio de pessoas remuneradas ao serviço da empresa durante o ano de 2018 foi de 55.
Assim, não se comprova que tenha havido uma alteração, em setembro, na B... que determinasse a mudança na classificação de média para pequena empresa.
Conclusão:
Analisados os factos disponíveis, apurou-se que a sociedade transmitida faria parte de grupo que não possibilitaria a sua classificação como pequena empresa. Verificou-se ainda que a B... teria mais de 50 efetivos, não só em 2017, como também em 2018, o que também não permitiria a sua classificação nessa categoria.
Nestes termos a não tributação em 50% não será de aceitar à luz do estabelecido no art.º 43.º n.º 4 do CIRS que reporta para o anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro.
III.1.1.8 – IRS – 2018 – Categoria G do IRS - Alienação de ações –B...– Correções apuradas
[…]
|
Declarado
|
Correção
|
Corrigido
|
Mais-valias globais:
|
1.848.513,72
|
1.848.513,72
|
3.697.027,44
|
Taxa Especial:
|
28%
|
28%
|
28%
|
IRS apurado:
|
517.583,84
|
517.583,84
|
1.035.167,68
|
[…]
IX — Direito de Audição:- Fundamentação
Em 17-08-2020 foi remetida para a morada fiscal do sujeito passivo, por carta registada, a coberto do ofício n.º DIT1-..., de 14-08-2020, sob o registo dos CTT n.º RF ... PT, notificação do projeto de relatório de inspeção tributária, nos termos do artigo 60.º da LGT […], que foi recebida no dia 18-08-2020.
[…]
Em 14-09-2020, dentro do prazo, foi remetido via CTT, registado com a entrada n.º 2020..., o direito de audição […]
Em relação à propriedade das empresas e em concordância com o que foi referido pelo SP – razão pela qual, e por estes factos, não vemos necessidade de chamar as testemunhas apresentadas – fazemos o seguinte resumo:
B..., SA - Situação em 31-12-2017
|
Valor
Nominal
|
Participação em %
|
% Controlo/
Dtºs de voto
|
Titular
|
D...
|
€ 34.916,00
|
33,324%
|
33,324%
|
E...
|
€ 34.916,00
|
33,324%
|
33,324%
|
A...
|
€ 34.926,00
|
33,333%
|
33,333%
|
F...
|
€ 10,00
|
0,010%
|
0,010%
|
G...
|
€ 10,00
|
0,010%
|
0,010%
|
Total:
|
€ 104.778,00
|
100.000%
|
100.000%
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C..., SA - Situação em 31-12-2017
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Valor
Nominal
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Participação em %
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% Controlo/
Dtºs de voto
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Titular
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D...
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€ 33.750,00
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44,976%
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44,976%
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E...
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€ 33.750,00
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44,976%
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44,976%
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C..., SA
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€ 3.750,00
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4,997%
|
4,997%
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C..., SA
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€ 3.750,00
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4,997%
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4,997%
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F...
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€ 10,00
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0,013%
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0,013%
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H...
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€ 10,00
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0,013%
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0,013%
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G...
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€ 20,00
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0,027%
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0,027%
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Total:
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€ 75.040,00
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100.000%
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100.000%
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Como se pode verificar, o Sr. D... e o Sr. E..., têm, individualmente, mais de 25% de cada uma das empresas.
Ora, o terceiro parágrafo do n.º 3 do art.º 3.º do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 81/2017 de 30 de junho, doravante designado apenas por DL n.º 372/2007 refere o seguinte (sublinhados e negritos da nossa autoria):
«As empresas que mantenham uma das relações acima descritas por intermédio de uma pessoa singular ou de um grupo de pessoas singulares que atuem concertadamente são igualmente consideradas empresas associadas desde que essas empresas exerçam as suas atividades, ou parte delas, no mesmo mercado ou em mercados contíguos.»
É pela aplicação deste parágrafo que não podemos concordar com o SP relativamente à não observância do regime da alínea a) do n.º 3 do art.º 3.º do anexo ao DL 372/2007, uma vez que, por um lado, o sr. D... e o sr. E..., em conjunto detinham, àquela data, 66,6% da B... e 89,8% da C..., por outro lado as duas empresas exerciam as suas atividades no mesmo mercado ou em mercados contíguos (especialmente na parte relacionada com a indústria vidreira, em que ambas as empresas fornecem soluções de equipamento para as várias fases desta indústria).
E a prova destes dois factos é que, nos anos anteriores (2016 e 2017), e no primeiro pedido de certificação apresentado para 2018 (conforme páginas 3 a 5 do Anexo 1) foi com base neste parágrafo que as certificações da empresa resultaram no estatuto de “Média empresa”.
As referidas conclusões, são ainda suportadas ou confirmadas, em declarações de representante da B..., que citamos:
«Declaração de responsabilidade
Eu, I..., titular do cargo de Directora Financeira, na qualidade de representante da empresa B..., S.A., declaro que são verdadeiros todos os dados declarados, designadamente, todos os dados de identificação, todos os dados relativos a investidores, participações sociais e a demais entidades relacionadas, direta ou indiretamente, através de empresas ou de pessoas singulares, com esta empresa, e todos os dados para determinar a categoria da empresa, referentes a efetivos e dados financeiros.
Mais declaro que tomei conhecimento dos procedimentos para a certificação estabelecidos no artigo 6º do Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 81/2017, de 30 de junho; das situações determinantes da decisão e caducidade instituídas no artigo 7º do mesmo diploma; e dos motivos e termos da recusa e da revogação da certificação previstos, respetivamente, nos artigos 8º e 9º do mesmo diploma.»
Pelo que não pode vir, agora, o SP dizer que as informações que se encontravam no IAPMEI, estavam erradas, pois que, na justificação para a apresentação do pedido de correção da certificação (conforme páginas 6 e 7 do Anexo I), apresentado em 26-10-2018, foi invocado a «Alteração da estrutura societária e administração da empresa» e não erros de preenchimento da primeira declaração.
E, conforme veremos mais à frente, tanto no ano de 2017 como nesta data (26-10-2018), a empresa não era, de facto, pequena empresa, pois para além dos factos acima reportados, teve, no ano de 2017, e tinha, na Declaração Mensal Remunerações (DMR) do mês de outubro de 2018, mais de 50 efetivos, pelo que, mesmo autonomamente, era uma empresa de Média dimensão.
[…]
Em relação a este ponto do direito de audição [número de efetivos], concordamos que pode ter havido uma errada interpretação, quanto à confusão de “efetivos” com “UTA”, mas tal não invalida a conclusão retirada.
Aliás a declaração prestada junto do IAPMEI, refere em 2017, 49 UTA, conforme página 4 do anexo I.
Segundo o projeto de relatório, embora não esteja explicitamente referido, facilmente se percebe que foram considerados 56 efetivos. Os 47 constantes das DMR entregues durante o ano (e não os 49 da IES), o administrador D..., por não constar das DMR mas fazer parte dos órgãos sociais, e 8 trabalhadores equiparados a assalariados à luz do direito nacional.
Chamamos a atenção de que, quando o SP refere «...apenas contribui, em termos de UTA, em 0,25%, cada um...», presumimos que quereria dizer 25%. Não sabemos qual foi o valor que foi considerado para a UTA, se 0,25% ou se 25%, no entanto não concordamos com este valor, uma vez que se têm que dividir o seu “dia de trabalho” por 3 empresas, o lógico seria 33% para cada uma. Mas, e mais uma vez, tal não invalida a conclusão retirada, conforme iremos ver mais à frente.
Conforme foi referido no projeto, o artigo 5.º do anexo ao DL n.º 372/2007, refere que os efetivos são, entre outros, «… as pessoas que trabalham para essa empresa, com um nexo de subordinação com ela e equiparados a assalariados à luz do direito nacional».
Ora o direito nacional, nomeadamente o art.º 10.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, equipara aos contratos de trabalho as situações em que «ocorra prestação de trabalho por uma pessoa a outra, sem subordinação jurídica, sempre que o prestador de trabalho deva considerar-se na dependência económica do beneficiário da atividade».
Também o Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social (CRCSPSS) dá especial atenção aos trabalhadores independentes com dependência económica, no seu Título II – Regime dos trabalhadores independentes. E diz logo o art.º 132.º do CRCSPSS que (sublinhados e negritos da nossa autoria):
«Artigo 132.º
Trabalhadores abrangidos
São obrigatoriamente abrangidos pelo regime dos trabalhadores independentes as pessoas singulares que exerçam atividade profissional sem sujeição a contrato de trabalho ou a contrato legalmente equiparado, ou se obriguem a prestar a outrem o resultado da sua atividade, e não se encontrem por essa atividade abrangidos pelo regime geral de segurança social dos trabalhadores por conta de outrem».
Ou seja, são trabalhadores independentes, não só os que se obriguem a prestar o resultado do seu trabalho (regra geral), mas também aqueles que, embora com nexo de subordinação, não tenham sido sujeitos a contrato de trabalho (regra especial).
E o art.º 140.º do CRCSPSS, como já foi dito no projeto de relatório, vem determinar quem é abrangido pelo conceito de trabalhador independente economicamente dependente de uma única entidade.
Torna-se necessário esclarecer que os 8 trabalhadores independentes considerados como efetivos, não foram identificados por questões relacionadas com o Regulamento Geral de Proteção de Dados. Recordamos, no entanto, que o sujeito passivo foi administrador da B..., entre 1994 e 2019. Podemos ainda, referir, que 2 desses trabalhadores passaram a ser trabalhadores dependentes da empresa em novembro de 2017 e 3 outros foram admitidos em março de 2018.
Os referidos trabalhadores cumprem os requisitos estabelecidos no art.º 140.º do CRCSPSS, pelo que teriam de ser incluídos nessa contagem.
Em conclusão deste ponto, e se, por hipótese, considerarmos o n.º de efetivos que o SP afirma terem sido durante o ano de 2017 de 47,76 UTA, e lhe acrescentarmos os 5 trabalhadores que já trabalhavam para a empresa, mas que só celebraram contrato de trabalho dependente em novembro de 2017 e em março de 2018, ficamos com um número de efetivos de 52,42 UTA (47,76+5[2x2/12]), aproximadamente.
Ou seja, mesmo desprezando os 3 trabalhadores que continuaram a emitir faturas durante o ano de 2018, temos um valor de efetivos superior a 50 UTA, pelo que, consequentemente, a empresa deve ser considerada média empresa, mesmo se considerada individualmente. Razão pela qual os argumentos do SP não acolhem, devendo, consequentemente, manter-se as conclusões do projeto de relatório.
Dispensa-se a audição da testemunha, dado que se aceitou o referido e, portanto, não se julga necessária a sua audição. […]”.
-
O Requerente foi notificado da liquidação de IRS n.º 2020..., que inclui a liquidação de juros compensatórios (n.º 2020...) e da respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2020 ..., que apura um valor final adicional a pagar no total de € 543.165,24 (sendo € 517.583,84 de IRS e € 25.581,40 de juros compensatórios), com data limite de pagamento fixada em 2 de dezembro de 2020 – cf. Documentos 5 a 7 juntos pelo Requerente.
-
O Requerente efetuou o pagamento da quantia de € 543.165,24 em 2 de dezembro de 2020 – cf. Documento 8 junto pelo Requerente.
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Inconformado com os atos tributários de liquidação de IRS e juros compensatórios referentes ao ano 2018, o Requerente apresentou no CAAD, em 6 de maio de 2021, o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo – cf. registo de entrada no SGP do CAAD.
2. Factos não Provados
Com relevo para a decisão não existem factos alegados que devam considerar-se não provados.
3. Motivação da Decisão da Matéria de Facto
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal de se pronunciar sobre todas as alegações das Partes.
No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se nas posições assumidas por ambas as Partes em relação aos factos essenciais e na análise crítica da prova documental junta aos autos, que está referenciada em relação a cada facto julgado assente.
A testemunha inquirida, E..., sócio e administrador da sociedade B... e da sociedade C..., revelou conhecimento direto dos factos relatados. Porém, o seu depoimento revelou falta de objetividade e incongruências, pelo que o Tribunal apenas o considerou para efeitos de complementação da natureza da atividade exercida por estas entidades no ponto C da matéria de facto fixada. Nomeadamente, a testemunha referiu que as duas sociedades eram totalmente independentes e que tinha constituído a B... para produzir um novo produto como forma de se separar do sócio D... (com quem estava na C...), alegando problemas relacionais com este. No entanto, o Tribunal constatou que esse sócio também foi sócio fundador da B..., pelo que se um dos principais objetivos era um investimento separado do mencionado sócio, tal justificação é desprovida de sentido quando ele também foi parte desse investimento e dessa sociedade, não tendo, assim, ocorrido qualquer separação. Confrontada a testemunha com esta contradição do seu depoimento, não logrou apresentar uma justificação plausível e convincente.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.
IV. Fundamentação Jurídica
1. Questão Decidenda
A principal questão importa dilucidar respeita a saber se a sociedade B... pode ser qualificada como “pequena empresa”, para efeitos de aplicação do disposto no Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, e no artigo 43.º, n.ºs 3 e 4 do Código do IRS. Com efeito, o regime de tributação das mais-valias auferidas pelo Requerente em 2018, derivadas da alienação das participações sociais detidas naquela sociedade, depende do respetivo enquadramento como “pequena empresa”, que constitui condição de acesso ao benefício de redução da base de incidência para 50% do seu valor.
Tendo sido suscitadas ilegalidades substantivas e de forma (falta de fundamentação), considerando a tutela mais estável e eficaz dos interesses em presença no âmbito deste processo e a ordem dos vícios indicada pela Requerente, importa apreciar, em primeira linha o invocado erro nos pressupostos de facto e de direito (v. artigo 124.º do CPPT, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT).
2. Quadro Legal
De acordo com o disposto nos artigos 9.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea b) do Código do IRS, os ganhos que resultem de alienação onerosa de partes sociais constituem mais-valias e são tributados como rendimentos da categoria G [incrementos patrimoniais].
O ganho sujeito a IRS é constituído pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição (v. artigo 10.º, n.º 4, alínea a) do mesmo diploma), tributando-se o saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano (v. artigo 43.º, n.º 1 do Código do IRS). Este saldo, quando positivo, é apenas considerado em 50% do seu valor, em relação à alienação onerosa de participações sociais de micro e pequenas empresas não cotadas nos mercados regulamentado ou não regulamentado da bolsa de valores (v. artigo 43.º, n.º 3 do Código do IRS). Para este efeito, “entende-se por micro e pequenas empresas as entidades definidas, nos termos do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro.”
Na presente ação não é disputada a metodologia de apuramento da mais-valia, relativamente à qual as Partes têm uma posição consensual [valor de aquisição, valor de realização e atualização monetária], mas a consideração das mais-valias somente em 50% do seu valor, em aplicação dos n.ºs 3 e 4 do artigo 43.º do Código do IRS, pressupondo a qualificação da B..., sociedade a que respeitam as participações sociais alienadas pelo Requerente, como uma micro ou pequena empresa, enquadramento do qual a Requerida discorda.
Interessa, assim, compulsar o disposto no anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, para que remete o Código do IRS (n.º 4 do artigo 43.º) no âmbito da definição de micro e pequenas empresas. Destaca-se, com relevância para a matéria dos autos, o preceituado nos seguintes artigos:
“Artigo 2.º
Efectivos e limiares financeiros que definem as categorias de empresas
1 – A categoria das micro, pequenas e médias empresas (PME) é constituída por empresas que empregam menos de 250 pessoas e cujo volume de negócios anual não excede 50 milhões de euros ou cujo balanço total anual não excede 43 milhões de euros.
2 – Na categoria das PME, uma pequena empresa é definida como uma empresa que emprega menos de 50 pessoas e cujo volume de negócios anual ou balanço total anual não excede 10 milhões de euros.
3 – […]
Artigo 3.º
Tipos de empresas tomadas em consideração no que se refere ao cálculo dos efectivos e dos montantes financeiros
1 – Entende -se por «empresa autónoma» qualquer empresa que não é qualificada como empresa parceira na acepção do n.º 2 ou como empresa associada na acepção do n.º 3.
2 – […]
3 – Entende -se por «empresas associadas» as empresas que mantêm entre si uma das seguintes relações:
a) Uma empresa detém a maioria dos direitos de voto dos accionistas ou sócios de outra empresa;
b) Uma empresa tem o direito de nomear ou exonerar a maioria dos membros do órgão de administração, de direcção ou de controlo de outra empresa;
c) Uma empresa tem o direito de exercer influência dominante sobre outra empresa por força de um contrato com ela celebrado ou por força de uma cláusula dos estatutos desta última empresa;
d) Uma empresa accionista ou associada de outra empresa controla sozinha, por força de um acordo celebrado com outros accionistas ou sócios dessa outra empresa, a maioria dos direitos de voto dos accionistas ou sócios desta última.
Presume -se que não há influência dominante no caso de os investidores indicados no segundo parágrafo do n.º 2 não se imiscuírem directa ou indirectamente na gestão da empresa em causa, sem prejuízo dos direitos que detêm na qualidade de accionistas ou sócios.
[…]
As empresas que mantenham uma das relações acima descritas por intermédio de uma pessoa singular ou de um grupo de pessoas singulares que actuem concertadamente são igualmente consideradas empresas associadas desde que essas empresas exerçam as suas actividades, ou parte delas, no mesmo mercado ou em mercados contíguos.
Entende -se por mercado contíguo o mercado de um produto ou serviço situado directamente a montante ou a jusante do mercado relevante.
[…]
Artigo 4.º
Dados a considerar para o cálculo dos efectivos e dos montantes financeiros e período de referência
1 – Os dados considerados para o cálculo dos efectivos e dos montantes financeiros são os do último exercício contabilístico encerrado, calculados numa base anual. Os dados são tidos em conta a partir da data de encerramento das contas. O montante do volume de negócios considerado é calculado com exclusão do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) e de outros impostos indirectos.
2 – Se uma empresa verificar, na data de encerramento das contas, que superou ou ficou aquém, numa base anual, do limiar de efectivos ou dos limiares financeiros indicados no artigo 2.º, esta circunstância não a faz adquirir ou perder a qualidade de média, pequena ou micro empresa, salvo se tal se repetir durante dois exercícios consecutivos.
[…]
Artigo 5.º
Efectivos
Os efectivos correspondem ao número de unidades trabalho -ano (UTA), isto é, ao número de pessoas que tenham trabalhado na empresa em questão ou por conta dela a tempo inteiro durante todo o ano considerado. O trabalho das pessoas que não tenham trabalhado todo o ano, ou que tenham trabalhado a tempo parcial, independentemente da sua duração, ou o trabalho sazonal, é contabilizado em fracções de UTA. Os efectivos são compostos:
a) Pelos assalariados;
b) Pelas pessoas que trabalham para essa empresa, com um nexo de subordinação com ela e equiparados a assalariados à luz do direito nacional;
c) Pelos proprietários -gestores;
d) Pelos sócios que exerçam uma actividade regular na empresa e beneficiem das vantagens financeiras da mesma.
[…]”
3. Análise Concreta
A liquidação impugnada tem por fundamento o incumprimento de dois requisitos indispensáveis para a qualificação da B... como pequena empresa que infra se analisam em pontos autónomos. São eles, com referência a 2017, o número de efetivos, que segundo a Requerida seria superior a 50, e a existência de uma entidade associada relevante, a C..., com a consequente superação, em conjunto, do patamar de volume de negócios de 10 milhões de euros.
3.1. Número de colaboradores efetivos
Segundo a Requerida, além dos 45 trabalhadores com contrato de trabalho e 3 administradores, dois remunerados e um não remunerado, no total de 48 efetivos, devem ser computados adicionalmente 8 prestadores de serviços independentes, que prestaram à B..., no ano 2017, mais de 80% da sua atividade. Esta posição assenta no conceito de “efetivos” recortado pelo artigo 5.º, alínea b) do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, que abrange as pessoas que trabalham para a empresa “com um nexo de subordinação com ela e equiparados a assalariados à luz do direito nacional”.
Estamos perante dois pressupostos cumulativos, atento o emprego da conjunção copulativa “e”, devendo verificar-se a subordinação, que pode ser económica e jurídica, e, bem assim, a equiparação a trabalhador assalariado pelo direito nacional, ou seja, contendo uma remissão implícita para os conceitos de direito laboral vigentes.
Começando pela análise do primeiro segmento – o nexo de subordinação – importa salientar que o facto de os prestadores de serviços terem prestado à sociedade B... mais de 80% da sua atividade (em termos quantitativos, i.e., de faturação dos serviços), pode indicar uma eventual dependência económica, porém, não constitui indicador idóneo do nexo de subordinação jurídica. Em conformidade com a jurisprudência citada pelo Requerente, “I - O que verdadeiramente caracteriza o contrato de trabalho é a subordinação jurídica que mais não é do que a dependência em que o trabalhador se encontra perante o empregador no que diz respeito à forma como deve prestar a sua actividade, estando obrigado a obedecer às ordens e instruções que aquele venha a emanar, dentro dos limites do contrato e das normas que o regem.
II - Por isso, ao averiguar se determinada situação concreta encaixa, ou não, no contrato de trabalho, tem de se começar por detectar a presença da subordinação jurídica, o que nem sempre é tarefa fácil, uma vez que aquela não existe em estado puro.
III - Para resolver as dificuldades, é corrente lançar mão do chamado método indiciário que consiste em buscar na situação concreta os indícios que normalmente são associados à existência da subordinação jurídica, de acordo com o modelo prático em que aquele conceito em estado puro se traduz.” – acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 8 de fevereiro de 2006, processo n.º 3485/05.
No mesmo sentido, esse Supremo Tribunal já se havia pronunciado em aresto anterior (processo n.º 04S2390, de 9 de dezembro de 2004) nos seguintes moldes: “a subordinação jurídica dimana do facto de o trabalhador se encontrar submetido à autoridade e direcção do empregador. No entanto, a subordinação é um conceito-tipo que se determina por um conjunto de características […], de tal modo que ela é configurável, perante uma situação concreta, não através de um juízo subsuntivo ou de correspondência unívoca, mas mediante um mero juízo de aproximação, a partir da recolha e identificação de vários indícios externos (neste sentido, também, entre muitos, os acórdãos 22 de Fevereiro e de 26 de Setembro de 2001, nos Processos n.ºs 3109/00 e 1809/01).
No elenco dos indícios de subordinação é geralmente dado importante relevo ao "momento organizatório" da subordinação, ou seja, às condições em que se encontra organizada a actividade laboral no âmbito do contrato: a vinculação a horário de trabalho, a execução da prestação em local definido pelo empregador, a existência de controlo externo do modo da prestação, a obediência a ordens, a sujeição à disciplina da empresa. Acrescem elementos relativos à modalidade de retribuição e à propriedade dos instrumentos de trabalho. E são, por fim, referidos indícios de carácter formal, tal como a observância dos regimes fiscal e de segurança social próprios do trabalho por conta de outrem […].
Todavia, como se anotou, cada um destes elementos, tomado de per si, reveste-se de patente relatividade. O juízo de aproximação ou semelhança terá de ser formulado no contexto geral, a partir de uma maior ou menor correspondência com o conceito-tipo, podendo suceder que cada um dos referidos índices assumam um sentido significante muito diverso de caso para caso. E mesmo no que se refere ao chamado momento organizatório da subordinação, ele não tem um valor absoluto na identificação do contrato de trabalho. Um contrato de prestação de serviços, por exemplo, poderá harmonizar-se com uma certa inserção funcional dos resultados da actividade, acabando por representar uma certa forma de articulação da prestação de trabalho com a organização empresarial”.
Para se constatar a subordinação é, pois, necessária a conjugação de diversos de indícios que permitam distinguir as situações de trabalho dependente das prestações de serviços. Afigura-se que a circunstância isolada de os prestadores de serviços prestarem à sociedade B... mais de 80% da sua atividade não consubstancia indicador suficiente e determinante do nexo de subordinação. Por outro lado, não tendo Requerida apontado outros factos-índice ou argumentos que manifestem a vinculação dos prestadores aos poderes de direção típicos de uma relação de subordinação, não pode julgar-se preenchido o primeiro requisito previsto do artigo 5.º, alínea b) do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, o que é bastante para afastar a sua inclusão no conceito de “efetivos”.
Em qualquer caso, sempre se dirá que também não se verifica uma situação de equiparação destes prestadores a “assalariados à luz do direito nacional”. Com efeito, continuando a acompanhar o entendimento da Requerente, o artigo 10.º do Código do Trabalho invocado pela AT aplica-se às situações em que não se verifica subordinação jurídica, que é precisamente um dos pressupostos necessários à consideração dos prestadores de serviços como efetivos, para efeitos do disposto no artigo 5.º, alínea b) do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007. Acresce que tal norma não contém uma equiparação a assalariados proprio sensu. Dispõe este artigo 10.º que “As normas legais respeitantes a direitos de personalidade, igualdade e não discriminação e segurança e saúde no trabalho são aplicáveis a situações em que ocorra prestação de trabalho por uma pessoa a outra, sem subordinação jurídica, sempre que o prestador de trabalho deva considerar-se na dependência económica do beneficiário da actividade”. Como resulta da leitura da norma o respetivo âmbito de aplicação é restrito, não podendo ser entendido como uma equiparação a trabalho assalariado, ficando excluídos amplos e importantes aspetos da relação laboral, como férias, feriados, faltas, entre outros.
No que se refere aos artigos 132.º e 140.º do Código Contributivo que a Requerida também convoca, estes estipulam o que se deve considerar como trabalhador independente para efeitos de cumprimento de obrigações contributivas perante a Segurança Social e estabelecem o patamar de 80% do valor total da atividade do trabalhador independente para que este seja assumido como economicamente dependente da entidade que passa, por essa via, a ter também responsabilidades contributivas como entidade contratante. Todavia, esta disciplina não equipara ou assimila os prestadores de serviços a trabalhadores dependentes e profissionais efetivos para os efeitos em análise, nem pressupõe ou postula o requisito da subordinação que, como acima referido, a lei exige para que ocorra a equiparação a “efetivos”.
Por fim, ainda que por hipótese se ultrapassasse o limiar de 50 efetivos em 2017, isso não determinaria ipso facto a perda da qualidade de pequena empresa, uma vez que de acordo com o artigo 4.°, n.ºs 1 e 2 do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, os dados considerados são os do último exercício contabilístico encerrado, tidos em conta a partir da data de encerramento das contas, e se nessa data se constatar uma alteração do limiar de efetivos “esta circunstância não a faz adquirir ou perder a qualidade de média, pequena ou micro empresa, salvo se tal se repetir durante dois exercícios consecutivos.” Assim, só se em 2016 e 2017 (exercícios anteriores ao da transmissão das ações) se tivesse verificado a ultrapassagem consecutiva do limiar de efetivos (ou seja, superior a 50), ocorreria a perda da qualificação de pequena empresa da B... . Neste âmbito, não relevam os dados contemporâneos à data da alienação das participações [2018][1] que a Requerida menciona, sem fazer, contudo, qualquer referência aos elementos pertinentes a um dos anos relevantes, 2016.
Nestes termos, conclui-se não terem sido demonstradas pela Requerida circunstâncias passíveis de indiciar um nexo de subordinação e a equiparação dos 8 prestadores de serviços a assalariados da B..., cabendo-lhe o ónus de demonstrar a ocorrência dos pressupostos legais da sua atuação, de acordo com o artigo 74.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (“LGT”). Devem, assim, ser considerados 48 efetivos da B... em 2017, dentro do limiar de enquadramento na categoria de pequenas empresas, sendo inválido, por erro nos pressupostos de facto e de direito, este fundamento do ato de liquidação.
3.2. Entidade associada
O outro fundamento da liquidação impugnada refere-se à qualidade da C... como empresa associada da B..., e consequente agregação dos dados financeiros e de efetivos de ambas as entidades, daí resultando o enquadramento como média empresa (e não pequena empresa) e, nessa medida, a invalidade do regime de tributação aplicado pelo Requerente.
Este entendimento é alicerçado no n.º 3 do artigo 3.º do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2017, segundo o qual as empresas que por intermédio de uma pessoa singular ou de um grupo de pessoas singulares atuem concertadamente, com a detenção da maioria dos direitos de voto, ou o direito de nomear ou exonerar os titulares do órgão de administração ou de controlo, ou do direito de exercer influência dominante, são consideradas empresas associadas desde que exerçam as suas atividades, ou parte delas, no mesmo mercado ou em mercados contíguos.
Os argumentos em que a Requerida se suportou para inferir a associação entre as duas sociedades foram, por um lado, a detenção em conjunto, por parte de dois acionistas (D... e E...), de uma participação maioritária na B... – de 66,6% - e na C...– de 89,8%, e, por outro lado, a atuação destas empresas no mesmo mercado ou em mercados contíguos, na parte relacionada com a indústria vidreira, em que considerou que ambas forneciam soluções de equipamento para as várias fases dessa indústria, corroborado pela circunstância de o primeiro pedido de certificação apresentado para 2018 ter resultado, com base neste enquadramento, no estatuto de média empresa.
Sem prejuízo de estarem provadas as percentagens de participação de dois sócios que, em conjunto, é amplamente maioritária, garantindo a maioria dos direitos de voto e o direito de exercer uma influência dominante não foi identificada qualquer elemento factual passível de integrar o conceito de atuação concertada, não bastando para esse efeito a existência de posições acionistas comuns.
Sublinha-se que a Comunicação de 14 de janeiro de 2011 da Comissão Europeia que consagra Orientações sobre a aplicação do artigo 101.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”) aos acordos de cooperação horizontal preconiza que “[e]m conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, a noção de prática concertada refere-se a uma forma de coordenação entre empresas que, sem se ter desenvolvido até ao estádio da celebração de uma convenção propriamente dita, substitui cientemente os riscos da concorrência por uma cooperação prática entre elas. Os critérios de coordenação e de cooperação constitutivos de uma prática concertada, longe de exigirem a elaboração de um verdadeiro plano, devem ser entendidos à luz da concepção inerente às disposições do Tratado relativas à concorrência, segundo a qual qualquer operador económico deve determinar de maneira autónoma a política que pretende seguir no mercado interno e as condições que deseja aplicar à sua clientela.
61. Se é verdade que esta exigência de autonomia não exclui o direito dos operadores económicos de se adaptarem inteligentemente ao comportamento conhecido ou previsto dos seus concorrentes, opõe-se todavia rigorosamente a qualquer estabelecimento de contactos directos ou indirectos entre tais operadores, que tenha por objectivo ou efeito conduzir a condições de concorrência que não correspondam às condições normais do mercado em causa, atendendo à natureza dos produtos ou das prestações fornecidas, à importância e ao número das empresas e ao volume do referido mercado.”
O Acórdão do Tribunal de Justiça, de 27 de fevereiro de 2014, processo C‑110/13, declara em sintonia que o “requisito da atuação concertada de um grupo de pessoas singulares é preenchido quando essas pessoas se coordenam para exercer influência nas decisões comerciais das empresas em causa, o que exclui que estas empresas possam ser consideradas economicamente independentes uma da outra. A verificação deste requisito depende das circunstâncias do processo e não está necessariamente subordinada à existência de relações contratuais entre essas pessoas”.
A “prática concertada” é, pois, uma forma de coordenação entre empresas, sem que estas tenham chegado a estabelecer um acordo, no sentido formal. Em plano distinto se coloca a da decisão de venda das participações sociais, tomada pelos (na esfera dos) acionistas (e não na das empresas participadas) conforme entendimento entre estes. Tal decisão não se subsume ao conceito de “prática concertada”, pois não se dirige à atividade das empresas participadas mas tão-só à (cessação da) qualidade de acionista.
Impõe-se, desta forma, concluir que nem o RIT, nem os presentes autos contêm elementos que permitam deduzir uma atuação concertada dos acionistas para exercer influência nas decisões comerciais das duas sociedades, não se tendo demonstrado (ónus que, reitera-se, recaía sobre a AT), designadamente, que estas tivessem os mesmos clientes, que existissem fornecimentos ou relações comerciais entre elas ou que produzissem produtos similares ou com alguma interdependência na cadeia de valor. Não se tendo demonstrado a referida concertação, propriedade essencial do conceito de empresa associada, não há que efetuar a agregação dos elementos quantitativos relevantes, mantendo a B... os critérios de qualificação como pequena empresa, relativos, quer ao número de efetivos (48), quer ao volume de negócios (inferior a 10 milhões de euros).
O facto de a B... ter efetuado em 2018 um pedido de certificação que resultou na sua qualificação pelo iapmei como empresa média não assume natureza constitutiva, relevando antes a qualificação material resultante da subsunção dos elementos factuais à previsão legal. De notar que a jurisprudência arbitral é constante no sentido da não valorização do certificado emitido pelo iapmei, que, perante circunstâncias que conduzam a qualificação distinta ao abrigo do Decreto-Lei n.º 372/2007, não pode validamente manter ou justificar a liquidação de IRS sindicada (v. decisões arbitrais nos processos n.ºs 510/2014-T, de 13 de março de 2015, e 362/2014-T, de 23 de janeiro de 2015).
A própria Requerida assim o parece sufragar no RIT ao mencionar que “[o] que o CIRS indica é o recurso ao anexo do referido Decreto-Lei e não o recurso ao certificado emitido pelo IAPMEI, no âmbito do mesmo, pelo que os documentos apresentados pelo sujeito passivo, mesmo que incluíssem o respetivo certificado, não comprovariam, por si, que o enquadramento como micro ou pequena empresa estaria correto.”
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Juros Indemnizatórios
O Requerente, peticiona, como decorrência da invocada anulabilidade (parcial) do ato de liquidação de IRS e juros compensatórios, a restituição da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios.
A jurisprudência arbitral tem reiteradamente afirmado a competência destes Tribunais para proferir pronúncias condenatórias derivadas do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios originados em atos tributários ilegais que aí sejam impugnados, ao abrigo do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) e n.º 5 do RJAT e 43.º e 100.º da LGT.
Esta disciplina deriva do dever, que recai sobre a AT, de reconstituição imediata e plena da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, como resulta do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT e 100.º da LGT, fazendo este último preceito referência expressa ao pagamento de juros indemnizatórios, compreendido nesse efeito repristinatório do statu quo ante.
O que significa que na execução do julgado anulatório a AT deve reintegrar totalmente a ordem jurídica violada, restituindo as importâncias de imposto pagas em excesso e, neste âmbito, a privação ilegal dessas importâncias deve ser objeto de ressarcimento por via do cálculo de juros indemnizatórios, por forma a reconstituir a situação atual hipotética que “existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado”.
Sobre os juros indemnizatórios rege o disposto no artigo 43.º da LGT que, no seu n.º 1, o faz depender da ocorrência de erro imputável aos serviços do qual tenha resultado o pagamento de prestação tributária superior à legalmente devida.
Na situação vertente, em relação ao ato de liquidação controvertido, conclui-se pela errada interpretação e aplicação pela Requerida do artigo 43.º do Código do IRS e do disposto no Decreto-Lei n.º 372/2007, o que configura um erro substantivo imputável à AT, pelo que é devida a restituição do montante de € 543.165,24 acrescido de juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT por forma ao restabelecimento da situação que existiria se o ato tributário não tivesse sido praticado com as ilegalidades acima supra descritas.
* * *
Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil, nomeadamente a apreciação da questão relativa ao exercício de atividade no mesmo mercado ou em mercados contíguos por parte da B... e da C... e da alegada falta de fundamentação – v. artigo 608.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
V. Decisão
De harmonia com o supra exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar a ação procedente, com as legais consequências de anulação parcial do ato de liquidação de IRS e juros compensatórios no valor de € 543.165,24, acrescido de juros indemnizatórios nos termos legais.
VI. Valor do Processo
Fixa-se o valor do processo em € 543.165,24 correspondente ao valor da liquidação de IRS que foi impugnado, incluindo juros compensatórios – cf. artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).
VII. Custas
Custas no montante de € 8.262,00, a cargo da Requerida, em razão do decaimento, de acordo com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Notifique-se.
Lisboa, 24 de junho de 2022
Os árbitros,
Alexandra Coelho Martins, Relatora
André Festas da Silva
Adelaide Moura
[1] Que apenas poderia produzir efeitos para factos tributários de período posterior (2019).