Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 246/2021-T
Data da decisão: 2022-06-21  IVA  
Valor do pedido: € 914.220,83
Tema: IVA e IRC – Direito à dedução. Arts. 19.º e 20.º do CIVA. Gastos dedutíveis. Art. 23.º do CIRC
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Alexandra Coelho Martins (presidente), Fernando Marques Simões e Ricardo Rodrigues Pereira, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 6 de julho de 2021, acordam no seguinte:

 

 

            I.         Relatório

 

A..., S.A., doravante designada por “Requerente”, pessoa coletiva n.º..., com sede na..., ...-... ..., veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo e deduzir pedido de pronúncia arbitral (“ppa”), ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, e na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, na redação vigente.

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.

 

A Requerente pretende que seja declarada a ilegalidade, com a consequente anulação, das liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) referentes aos períodos de 2016/12T, 2017/06T, 2017/09T, 2018/06T, 2018/12T, das quais não resulta imposto a cobrar adicionalmente, da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) referente ao período de tributação de 2016, também sem imposto a pagar, e da liquidação de IRC do período de 2017, no valor a pagar de € 87,16, tendo deduzido contra os mesmos Reclamação Graciosa, sobre a qual recaiu decisão de indeferimento.

 

Em 28 de abril de 2021, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação com a notificação à AT.

 

De acordo com o preceituado nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, aqui signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As Partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 6 de julho de 2021.

 

            Em 27 de setembro de 2021, a Requerida apresentou a sua Resposta, com defesa por impugnação, e juntou o processo administrativo (“PA”).

 

Em 25 de novembro de 2021, teve lugar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, com declarações de parte e inquirição de uma testemunha indicada pela Requerente (tendo as demais sido prescindidas), assistidas por intérprete que assegurou a tradução da língua francesa para português, bem como a respetiva retroversão.

 

As Partes foram notificadas para apresentarem alegações escritas e o Tribunal determinou a prorrogação do prazo para prolação da decisão, por dois meses, nos termos do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT, advertindo a Requerente para, até essa data, proceder ao pagamento da taxa subsequente (v. ata que se dá por reproduzida e gravação áudio disponível no SGP do CAAD).

Em 13 de dezembro de 2021, a Requerente apresentou as suas alegações. A Requerida contra-alegou em 14 de janeiro de 2022. Ambas as Partes reafirmaram, no essencial, as posições assumidas nos articulados iniciais.

 

Por despachos de 28 de fevereiro de 2022 e de 21 de abril de 2022, foi prorrogado o prazo para prolação da decisão, ao abrigo do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT, derivado da tramitação processual, da interposição de períodos de férias judiciais e da situação pandémica.

 

Posição da Requerente

 

Como fundamento da sua pretensão, a Requerente alega que os referidos atos padecem de ilegalidade material dada a existência de um nexo de causalidade entre os gastos incorridos e os rendimentos obtidos pela Requerente, nos termos do disposto no artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC, e, bem assim, a necessária conexão entre o IVA deduzido em relação aos inputs e as operações ativas realizadas (v. artigos 19.º e 20.º do Código do IVA). Acrescenta que as correções efetuadas pela AT representam uma ingerência indevida na forma como a Requerente estruturou o seu negócio, devendo suscitar-se, na dúvida, o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça. Neste ponto, argui ainda ilegalidade por falta de fundamentação. 

 

No tocante ao IVA dedutível corrigido dos serviços de construção civil adquiridos à sociedade B..., Lda., por ausência de aplicação da regra de inversão do sujeito passivo (v. alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA), a Requerente alega que este entendimento não é de admitir, uma vez que está demonstrado que o imposto liquidado foi entregue nos cofres do Estado, em linha com o entendimento vertido na decisão do processo arbitral n.º 361/2015-T.

 

Sobre as correções decorrentes da alegada falta de segregação das prestações de serviços e transmissões de bens sujeitos a taxas de IVA distintas relativamente às quais havia aplicado a taxa reduzida de IVA, a Requerente considera incompreensível que a AT tenha adotado tratamento distinto em 2017 e em relação aos anos 2018 e 2019.

 

Posição da Requerida

 

            Para a Requerida, a Requerente, ao ceder gratuitamente o terreno agrícola através de contratos de comodato, ficou privada de retirar dele proveitos económicos, não demonstrando, como se lhe impunha, em que medida o preço faturado pelos serviços prestados inclui as despesas suportadas com o terreno cedido, por forma a permitir a conclusão de que não estamos perante uma liberalidade. A fruição do ativo [terreno] foi atribuída a três entidades comodatárias, que recolhem os respetivos proveitos económicos, porém, os gastos associados a esse ativo estão a ser deduzidos por uma outra sociedade, a Requerente, na qualidade de comodante. Nestes moldes, com a cedência gratuita do terreno, a Requerente não só beneficiou as comodatárias, gerando rendimentos (agrícolas) na esfera destas, como também os sócios detentores daquelas sociedades

 

            Na perspetiva da Requerida, não se comprovou a remuneração pela cedência de exploração, frutos do terreno e equipamentos, com a consequente falta de conexão entre os gastos incorridos pela Requerente – com o financiamento da aquisição do terreno cedido em comodato (€ 194.737,51 e € 217.479,20, para 2016 e 2017), com a depreciação dos estudos de impacto ambiental (descrição de “Projeto DIA”, de € 229.850,00, em 2016, e de € 145.300,00, em 2017) e com a depreciação dos ativos fixos tangíveis implantados no terreno cedido às sociedades comodatárias (nos montantes de € 221,38 e € 70.132,02, em 2016, e de € 2.158,54 e € 208.482,83, em 2017) – e a atividade desenvolvida pela Requerente.

 

            Deste modo, a Requerida conclui pelo não preenchimento dos requisitos de dedutibilidade dos gastos previstos no artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC, bem como, do direito à dedução, nos termos do disposto no artigo 20.º, n.º 1 do Código do IVA, não tendo a cedência do terreno (via comodato) sido sujeita a IVA e servindo os referidos gastos a atividade tributável das comodatárias e não da Requerente.

 

            Sobre o IVA contido nas faturas emitidas pela B..., Lda., a Requerida sustenta que este imposto foi indevidamente deduzido, por incumprimento do artigo 19.º, n.º 8 do Código do IVA, uma vez que respeita a serviços de construção civil submetidos ao regime de autoliquidação (v. artigo 2.º, n.º 1, alínea j) do mencionado Código), que não foi observado, originando uma correção aos períodos de 1709T (€ 1.049,01), 1806T (€ 2.491,66) e 1812T (€ 1.083,36), no montante global de € 4.624,03. Aduz que a perda do direito à dedução nestes casos foi considerada conforme ao sistema do IVA pelo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 6 de fevereiro de 2014, proferido no processo C‑424/12 e que o processo arbitral n.º 361/2015-T respeita a factos anteriores à entrada em vigor do n.º 8 do artigo 19.º do Código do IVA, além de que não foi demonstrado que o prestador tenha efetivamente entregue o imposto ao Estado.

 

            No tocante à falta de liquidação de IVA por aplicação incorreta da taxa única de 6% nas faturas emitidas, a Requerida salienta que a Requerente regularizou voluntariamente os períodos de 201806T e 201901, não o tendo feito para o período de 201709T, por ter decorrido o prazo de dois anos previsto no artigo 78.º, n.º 3 do Código do IVA. Dado o decurso do referido prazo, não lhe assiste também reivindicar essa retificação nos presentes autos.

 

            A Requerida considera ainda não ser de aceitar a dedutibilidade dos gastos em IRC e do IVA inerente, no que se refere à aquisição do direito de exploração cinegética em novembro de 2016, uma vez que não se identifica uma conexão destes com a atividade da Requerente. Com efeito, a Requerente não desenvolve a atividade cinegética, ao contrário do que afirmou inicialmente ser sua intenção, nem demonstrou a necessidade de aquisição do mencionado direito para proteger as culturas da caça em virtude de a herdade se situar numa zona de caça turística.

 

            Quanto à alegada falta de fundamentação dos atos tributários, na parte relativa à dedutibilidade dos gastos e do IVA associados ao terreno cedido através de comodato, a Requerida conclui pela sua não verificação, tendo em conta que o Relatório de Inspeção expressa as razões que justificaram a decisão de forma acessível, clara, congruente, suficiente e completa. Retira idêntica conclusão sobre a fundamentação dos juros compensatórios, tendo sido notificados à Requerente todos os elementos essenciais: as disposições legais aplicáveis, a natureza e quantificação do ato tributário, o período de tributação, período de cálculo, valor base, taxa e valor de juros apurado. 

 

 

II.        Saneamento

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer dos atos de liquidação de IVA e de IRC, atenta a conformação do objeto do processo (v. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

É admissível a cumulação de pedidos, por estarem em causa atos tributários (liquidações de IVA e de IRC) resultantes de correções fixadas no mesmo procedimento e relatório inspetivo, dependendo essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito, conforme previsto no artigo 3.º, n.º 1 do RJAT.

 

De salientar que com a alteração operada pelo Decreto-Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, ao artigo 104.º, n.º 1 do CPPT, passou a estar contemplada de forma expressa a possibilidade de cumulação de pedidos, na impugnação judicial, se a respetiva apreciação tiver por base o mesmo relatório de inspeção tributária, como sucede na situação vertente. Não se vislumbra razão para adotar interpretação mais restritiva no processo arbitral dado o paralelismo e caráter alternativo entre os dois meios processuais.

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea e) do CPPT, contado da notificação da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa pelo Ofício n.º ..., de 21 de dezembro de 2020, tendo em conta a suspensão de prazos procedimentais e processuais, operada pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, no âmbito das medidas da pandemia Covid 19, cuja vigência cessou com a entrada em vigor da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril (tendo a presente ação sido deduzida em 26 de abril de 2021).

 

Não foram identificadas nulidades ou questões que obstem ao conhecimento do mérito.

 

 

            III.      Fundamentação de Facto

 

            1.         Matéria de Facto Provada

 

            Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos:

 

  1. Em 30 de abril de 2014, C..., um dos membros da família detentora do Grupo Empresarial de base familiar francês (“D...”) dedicado à produção hortícola e um dos principais produtores em França, adquiriu 50% do capital social da sociedade... , Lda. que era arrendatária da herdade ... . Esta herdade tinha sido identificada pelo Grupo D... como tendo boas condições para o cultivo de produtos hortícolas convencionais e orgânicos de elevada qualidade, como cenouras, batata normal e doce, beterraba, milho e couves, e, portanto, ideal para a realização de investimento em Portugal por parte do Grupo D..., com vista à exploração agrícola – cf. Documento 5 junto pela Requerente, depoimento da testemunha e declarações de parte.
  2. O investimento do Grupo D... em Portugal foi determinado pela necessidade de assegurar o abastecimento de cenouras aos seus clientes nos meses de março e abril, dado não existir produção de cenoura nesse período em França e as condições climáticas e de cultivo no território nacional serem propícias para o efeito – cf. Documento 5 junto pela Requerente, depoimento da testemunha e declarações de parte.
  3. Em junho e julho de 2015, o Grupo D... constituiu duas sociedades de direito português, a F..., Lda., vocacionada para produção agrícola convencional, e a G..., Lda. dedicada à produção de produtos orgânicos (agricultura “biológica”), obedecendo estes dois tipos de produção agrícola a metodologias e requisitos distintos, incluindo regulatórios – cf. RIT e declarações de parte.
  4. Em 29 de outubro de 2015, o Grupo D... constituiu a sociedade A..., S.A., aqui Requerente, à data, sob a forma de sociedade por quotas, com início de atividade reportado a 12 de novembro de 2015, tendo por objeto a “exploração de patrimónios rústicos próprios ou alheios; aquisição e importação de fatores de produção e compra e venda de produtos agrícolas; compra e venda de imóveis e revenda dos mesmos”, inscrevendo-se com o CAE 68200 – Arrendamento de Bens Imobiliários – cf. RIT.
  5. A Requerente está enquadrada, para efeitos de IVA, no regime normal, tendo periodicidade trimestral até 31 de dezembro de 2018 (e mensal a partir de 1 de janeiro de 2019). Em IRC, é tributada pelo regime geral de determinação do lucro tributável, com período de tributação anual fixado entre 1 de outubro e 30 de setembro do ano seguinte – cf. RIT.
  6. A Requerente assumiu-se como entidade de cúpula e financiadora do projeto do Grupo D... em Portugal – cf. depoimento da testemunha e declarações de parte.
  7. Em 28 de dezembro de 2015, a Requerente adquiriu os 645 hectares da herdade do ... (terreno rústico..., …), tornando-se senhoria da E..., Lda., tendo o Grupo D... acabado por adquirir os remanescentes 50% do capital social desta sociedade em 9 de setembro de 2016 – cf. RIT e Documento 6 junto pela Requerente.
  8. Nesta mesma data, a Requerente celebrou um contrato de mútuo com instituição bancária para financiamento da aquisição da herdade do... – cf. RIT.
  9. Em 8 de abril de 2016, ocorreu uma alteração ao contrato de sociedade da Requerente, com a inclusão, no objeto da sociedade, da atividade de “produção e comercialização de produtos agrícolas”, sob os CAE (secundários) 1111 – Cerealicultura (exceto arroz), 1290 – Outras Culturas Permanentes e 2100 – Silvicultura e outras Atividades Florestais. Em 30 de junho do mesmo ano, a Requerente foi transformada em sociedade anónima e aumentou o seu capital social para € 2.100.000,00 – cf. RIT.
  10. Para obter a licença de exploração agrícola na herdade do ..., a Requerente procedeu a um estudo de impacto ambiental e incorreu nos respetivos gastos. A decisão de impacto ambiental proferida pela entidade competente estabeleceu as condições para a exploração agrícola da herdade de ..., impondo um corredor ecológico sem cultivo (reserva ecológica), sendo a parte restante composta por três parcelas com aptidões diferentes, umas mais vocacionadas para culturas convencionais a céu aberto (cenouras, batatas e batata-doce) e a outra com maior aptidão para culturas orgânicas (cenouras biológicas e alhos porros), tendo sido constituídas para a sua exploração, três sociedades distintas:
  1. H..., Lda.;
  2. I..., Lda.; e
  3. J..., Lda.

– cf. RIT, depoimento da testemunha e declarações de parte.

  1. Em 16 de novembro de 2016, foram celebrados entre a Requerente e as sociedades relacionadas H..., Lda.,  I..., Lda., e J..., Lda. três contratos de comodato através dos quais a primeira cedeu, por períodos de trinta anos renováveis, 75% do terreno rústico ..., i.e., 480 hectares do total de 648,9262 hectares, repartido entre 29%, 21% e 25% respetivamente. Os restantes 168,9262 hectares referem-se “a um corredor ecológico onde não é permitido o cultivo e parte do terreno onde estão estabelecidos os armazéns e escritórios da A...” – cf. RIT.
  2. Ao abrigo dos referidos contratos de comodato, as sociedades comodatárias assumiram todos os custos inerentes à instalação e fornecimento de energia elétrica referente à respetiva parcela de terreno que exploram, bem como o pagamento dos consumos de energia – cf. RIT.
  3. Em 6 de dezembro de 2016, a Requerente celebrou contratos de prestação de serviços agrícolas com as três sociedades comodatárias supra identificadas – cf. RIT.
  4. A atividade concretamente exercida pela Requerente divide-se em duas áreas:
  1. Prestação de serviços agrícolas às sociedades relacionadas infra identificadas, ao abrigo dos citados contratos de prestação de serviços, disponibilizando-lhes todos os fatores de produção, funcionando também como central de compras, e procedendo à gestão técnica e operacional, o que envolve, nomeadamente, a aquisição de sementes, combustíveis, fertilizantes, produtos fitossanitários, equipamentos, serviços agrícolas de terceiros, meios humanos e supervisão do trabalho:
    1.   H..., Lda.;
    2.   I..., Lda.;
    3.   J..., Lda.;
  2. Aquisição dos produtos agrícolas produzidos pelas sociedades relacionadas para posterior comercialização, a granel ou embalados, após terem sido submetidos a um processo de lavagem e acondicionamento, que é feito em instalações arrendadas na localidade de Almeirim – cf. RIT e declarações de parte.
  1. A produção de hortícolas das empresas relacionadas e identificadas no ponto antecedente é, na sua maioria, em modo de agricultura biológica – cf. depoimento da testemunha e declarações de parte.
  2. Para a prestação de serviços às sociedades relacionadas, a Requerente incorre em gastos relativos a bens e serviços adquiridos, quer a fornecedores nacionais, quer a fornecedores de outros países europeus. Esta prestação de serviços é remunerada, dando origem a débitos àquelas sociedades, sobre os quais foi liquidado IVA à taxa reduzida de 6% – cf. RIT, depoimento da testemunha e declarações de parte.
  3. Os descritivos das faturas de prestações de serviços realizadas pela Requerente às três sociedades relacionadas acima identificadas contêm as seguintes expressões “espalhamento”, “tratamento de culturas”, “capina”, “trabalhos de cultivo”, “cedência de fertilizantes”, “plantação”, “cedência de plantas”, “sementeira”, “reciclagem plástico”, “cedência de plástico”, “cedência de sementes” – cf. RIT e documentos 16 a 21 juntos pela Requerente.
  4. Em relação à atividade de comercialização, a Requerente adquire os produtos agrícolas às sociedades relacionadas acima identificadas e procede à sua venda aos clientes do Grupo D..., na sua maioria localizados no mercado externo, em especial em França, Alemanha e Noruega, comercializando também alguns produtos, embora com menor expressão, em Portugal – cf. RIT, depoimento da testemunha e declarações de parte.
  5. A Requerente incorre em elevados gastos relativos a transportes, trabalhos especializados referentes a análises e a controlo agroalimentar, embalagens, entre outros. A estação de tratamento e embalamento dos produtos situa-se em Almeirim, dado que a Requerente ainda não tem permissão para a construção de uma unidade no local de produção. Por outro lado, o nível de produção de cenoura é consideravelmente inferior ao que se alcança em França, por falta de matéria orgânica no solo português, o que tem implicado investimento adicional. Estas circunstâncias implicam, de forma conjugada, que a Requerente registe uma margem negativa – cf. RIT, depoimento da testemunha.
  6. A Requerente adquiriu os direitos de caça da zona de caça turística designada por ... à sociedade K..., S.A. – cf. RIT.
  7. A Requerente adquiriu à sociedade B..., Lda. serviços relacionados com instalações elétricas, nomeadamente: “quadro de comando e potência máquina de escolha de batata/cenoura […]”, “montagem de quadro no exterior e ligação ao PT […] eletrificação de 2 escritórios […], motor horizontal 2,2Kw 400v B5, […]”, “grua desmontagem de grupo, deslocação, mão de obra ajudante eletricista, mão de obra oficial eletricista […]”, “Grupo eletrobomba submersível ... tipo E10555/3A + MAC 875 […]”, “quadro de distribuição exterior 100A com saídas para equipamentos e escritórios, cabo XV 5X25 ligação PT/quadro […] quadro a instalar na (oficina nova) equipado com tomadas […]. Estes serviços foram faturados pela sociedade prestadora à Requerente, entre 12 de agosto de 2017 e 27 de dezembro de 2018, perfazendo o total de € 21.300,11, sobre o qual acresceu o IVA, à taxa de 23%, no valor de € 4.624,03, perfazendo o total faturado (base tributável + IVA) a importância de € 25.924,14 – cf. RIT (também provado por acordo).
  8. A Requerente procedeu à dedução do IVA, no valor de € 4.624,03, que lhe foi faturado pela B..., Lda – cf. RIT (também provado por acordo).
  9. Em 12 de outubro de 2018, houve uma nova alteração do contrato de sociedade da Requerente, tendo sido acrescentado ao objeto da sociedade a atividade de “preparação de produtos agrícolas para venda; prestação de serviços agrícolas”, sob os CAE (principal) 1610 – Atividades dos Serviços Relacionados com a Agricultura e (secundários) 1130 – Cultura de Produtos Hortícolas, Raízes e Tubérculos, 46311 – Comércio por Grosso Fruta e Produtos Hortícolas, Exceto Batata e 46312 – Comércio por Grosso de Batata,  tendo sido retirados os anteriores CAE 68200 1111 e 1290 – cf. RIT.
  10. A Requerente foi objeto de um procedimento inspetivo externo, com o âmbito de IVA e IRC, ao abrigo das Ordens de Serviço n.ºs OI2019..., OI2019..., OI2019... e OI2019..., abrangendo os períodos de tributação de 2016, 2017, 2018 e 2019, com o objetivo de análise do pedido de reembolso de IVA solicitado na declaração periódica de janeiro de 2019, apresentado em 11 de março de 2019, no montante de € 1.000.000,00 – cf. RIT.
  11. A Requerente foi notificada do Projeto de Relatório, com proposta de correções de IVA e de IRC, em 7 de novembro de 2019, tendo exercido o direito de audição em 2 de dezembro de 2019, após prorrogação do prazo para o efeito – cf. RIT.
  12. A Requerente procedeu à regularização voluntária parcial de correções relativas à falta de liquidação de IVA por incorreta aplicação da taxa reduzida, substituindo as declarações periódicas de 201806T e 201901, tendo sido mantidas as demais correções propostas no Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”), notificado à Requerente através do ofício n.º ..., de 16 de dezembro de 2019, com os fundamentos que se transcrevem na parte relevante para a apreciação da matéria em discussão nos presentes autos – cf. RIT:

“[…]

II.3.4 – Análise e Enquadramento Fiscal dos Contratos de Comodato

[…]

O contrato de comodato de acordo com o art.º 1129.º do Código Civil é definido como um “contrato gratuito pelo qual uma das partes entrega à outra certa coisa, móvel ou imóvel, para que se sirva dela, com a obrigação de a restituir”.

Assim o bem em questão, prédio rustico, faz parte do património do comodante e não do comodatário embora utilizado, pelo comodatário.

Face aos factos, contrato de comodato, importava analisar o seu enquadramento face ao IVA, ou seja, quem poderia deduzir o IVA em eventuais benfeitorias atendendo ao disposto no artº 19º nº 7, que refere “Não pode deduzir-se o imposto relativo a bens imóveis afetos à empresa, na parte em que esses bens sejam destinados a uso próprio do titular da empresa, do seu pessoal ou, em geral, a fins alheios à mesma” e o artigo 20º, nº 1, que refere que:

“Só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes:

  1. Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas;
  2. Transmissões de bens e prestações de serviços que consistam em:

I)    Exportações e operações isentas nos termos do artigo 14.º;

II)   Operações efetuadas no estrangeiro que seriam tributáveis se fossem efetuadas no território nacional;

[…]”

Importa também verificar se os gastos e custos suportados, juros, depreciações, etc., seriam ou não aceites como gasto fiscal, face ao disposto no nº 1 do art.º 23º do CIRC, que refere que “Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC…”

Sobre este assunto existe um entendimento emanado no processo 6070/09, com o despacho concordante do Senhor Subdiretor-geral dos Impostos, de 18 de novembro de 2009, que refere que se um bem do ativo fixo tangível foi cedido por contrato de comodato e está a ser utilizado pelo comodatário, as despesas relacionadas com a manutenção do ativo poderão ser consideradas como gasto para a determinação do lucro tributável na esfera do comodatário.

Nesse entendimento é defendido que caso o ativo fixo tangível ”objeto do comodato estivesse afeto a alguma atividade desenvolvida pelo comodante, este deverá proceder à sua desafetação do imobilizado.”

Ou seja, os gastos incorridos pelos comodatários com a utilização dos bens, alvo do contrato de comodato, no exercício da atividade, são considerados fiscalmente na determinação do seu resultado, não o sendo, porém, na pessoa dos comodantes, dado que estes deixaram de os utilizar na sua esfera empresarial ou pessoal.

A entidade comodante deve desafetar do seu ativo tangível o bem atendendo ao facto de o mesmo não concorrer, de modo algum, para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, pelo que nenhum gasto que lhe seja imputável será aceite fiscalmente, de acordo com o disposto no artigo 23.º do Código do IRC.

Por sua vez, na entidade comodatária, com base no respetivo contrato, são dedutíveis fiscalmente todos os gastos imputáveis ao bem, desde que os correspondentes documentos de suporte sejam emitidos com a sua denominação e identificação fiscal.

Note-se ainda que o IVA, constante desses documentos, com exceção da exclusão do direito à dedução a que se refere o artigo 21.º do Código do IVA, é dedutível pelo comodatário, se os respetivos documentos contiverem os requisitos a que alude o n.º 5 do artigo 36.º do CIVA.

Com base no enquadramento fiscal efetuado são propostas as correções constantes do ponto III do presente relatório.

CAPÍTULO III – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS

III.1 – Em sede de IVA

III.1.1 – Dedução indevida de IVA

III.1.1.1 – Serviços de construção civil – Inversão do sujeito passivo

Da análise aos extratos de conta “24322131 IVA - Dedutível investimentos NAC Tx. Nor. C”, “24323131 IVA-Dedutível out. bens serv. NAC Tx. Nor. C” e “24322121 IVA - Dedutível investimentos NAC Tx. int. C” (anexo 5), verificou-se que se encontravam registadas faturas emitidas por B..., Lda, NIF..., as quais se encontram discriminadas no Quadro X, e que se juntam como anexo 5.

Constatamos que se trata de serviços relacionados com instalações elétricas, nomeadamente, “quadro de comando e potência máquina de escolha de batata/cenoura …”, “ montagem de quadro no exterior e ligação ao PT, … eletrificação de 2 escritórios …, motor horizontal 2,2Kw 400v B5, …”, “grua desmontagem de grupo, deslocação, mão de obra ajudante eletricista, mão de obra oficial eletricista, …”, “Grupo eletrobomba submersível ... tipo E10555/3A + MAC 875 …”, “quadro de distribuição exterior 100A com saídas para equipamentos e escritórios, cabo XV 5X25 ligação PT/quadro, … quadro a instalar na (oficina nova) equipado com tomadas …”, conforme faturas a seguir discriminadas.

Quadro X

N.º Fatura

Data

Base Tribut.

Taxa

IVA

Total

Anexo 5, pág.n.º

FA 2017/296

12-08-2017

4.560,90 €

23%

1.049,01 €

5.609,91 €

1 e 2

FA 2018/21

06-03-2018 a)

3.220,00 €

23%

740,60 €

3.960,60 €

3 e 4

FA 2018/61

19-05-2018

2.384,96 €

23%

548,54 €

2.933,50 €

5 a 8

FA 2018/62

19-05-2018

3.674,00 €

23%

845,02 €

4.519,02 €

9 a 11

FA 2018/63

19-05-2018

2.750,00 €

13%

357,50 €

3.107,50 €

12 e 13

FA 2018/303

27-12-2018

4.710,25 €

23%

1.083,36 €

5.793,61 €

14 e 15

 

Total

21.300,11 €

-

4.624,03 €

25.924,14 €

 

 

 

  1. A fatura foi registada na contabilidade em abril de 2018

De acordo com a alínea a) do n.º 1 do art.º 1.º do CIVA, as transmissões de bens e prestações de serviços, a título oneroso, efetuadas em território nacional por um sujeito passivo, estão sujeitas a imposto.

Por sua vez, a alínea a) do n.º 1 do art.º 2.º do mesmo Diploma, refere que são sujeitos passivos, aqueles que habitualmente e de forma independente, de entre outras atividades, exerçam atividades de prestação de serviços e comércio.

Sendo a “A...”, uma pessoa coletiva que exerce em território português, as atividades de prestação de serviços agrícolas e de comércio de produtos agrícolas, conclui-se que o mesmo é sujeito passivo de imposto, neste mesmo território.

Analisada a incidência objetiva e subjetiva, iremos, agora, abordar a questão da dedução do IVA pela aquisição de serviços de construção civil3 à empresa B..., Lda, NIPC: ..., pela “A...”.

Face ao disposto no Of. Circulado n.º 30101/2007, de 24 de maio, da Direção de Serviços do IVA, concluímos estar perante serviços de construção civil (veja-se anexo I – Lista exemplificativa de serviços aos quais se aplica a regra da inversão, onde constam, entre vários, os serviços de “instalações elétricas”), caso em que a obrigação de liquidação do IVA cabe ao adquirente, de acordo com a alínea j) do n.º 1 do art.º 2.º do CIVA.

É de salientar que o que está sujeito à regra da inversão é a obra, independentemente da venda do equipamento e a instalação do equipamento serem faturados em separado pelo vendedor/prestador de serviços.

Assim, sendo a “A...” um sujeito passivo de IVA, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 2.º do CIVA, com sede em território nacional, e que aqui pratica operações que conferem o direito à dedução do imposto, enquanto adquirente de serviços de construção civil, cabe-lhe a liquidação e respetiva entrega do imposto, sem prejuízo do direito à dedução previsto nos artigos 19.º a 21.º do CIVA.

No entanto, e apesar dos serviços faturados por B..., Lda, configurarem serviços de construção civil, o mesmo não aplicou a regra da inversão, pelo que por força do n.º 8 do art.º 19.º do CIVA, o adquirente dos serviços, (“A...”), fica impedido da dedução desse imposto.

Face ao exposto, conclui-se que o sujeito passivo deduziu indevidamente o IVA contido nas faturas discriminadas no Quadro X deste relatório, originando uma correção aos períodos de 1709T (1.049,01 €), 1806T (2.491,66 €) e 1812T (1.083,36 €), no montante de 4.624,03 €, por incumprimento ao n.º 8 do art.º 19.º do CIVA, em conjugação com o já citado Ofício Circulado n.º 30101/2007 da DSIVA.

III.1.1.2 – Ativos Fixos Intangíveis

Após análise aos extratos do IVA dedutível, em particular ao extrato da conta 24322131 – IVA – Dedutível investimentos NAC tx nor. C “(anexo 5, página 1), do período 1709T, constatou-se que o sujeito passivo deduziu o IVA nos montantes de 52.865,50€ e 33.419,00 €, os quais respeitam à aquisição de estudos de impacte ambiental (descrição de “Projeto DIA”, nos montantes de 229.850,00€ e 145.300,00€).

Estes valores estão incluídos nas faturas n.º 18 emitida por F..., Lda (anexo 6, páginas 1 e 2) e n.º 24 emitida por G..., Lda. (anexo 6, páginas 3 e 4), ambas de 30/9/2017.

Os estudos de impacte ambiental visam essencialmente identificar e atenuar os impactes significativos ao nível do ambiente, decorrentes da realização do projeto agrícola implantado no prédio rústico, sito no ... (Alcácer do Sal), propriedade da “A...”, que se encontra a ser explorado pelas comodatárias.

Para o enquadramento desta situação importa referir o seguinte:

- A atividade efetivamente exercida pela “A...” consiste na prestação de serviços agrícolas às empresas relacionadas, bem como na comercialização (compra e venda) dos produtos hortícolas produzidos por essas empresas, recorrendo, para tal, a vários fornecedores de bens e serviços, nacionais e estrangeiros, nomeadamente, fornecedores de sementes, fertilizantes, plantas, eletricidade, água, combustíveis, mão-de-obra (agrícola, e não agrícola), serviços administrativos, de contabilidade, e de transporte de mercadorias;

- A “A...”, desde 28/12/2015, é legítima proprietária do prédio rústico, da atual União de Freguesias de ... e ..., com o art.º... (anterior art.º...) da secção ... (anterior secção...), com a área de 648,9262ha;

- Em 16 de novembro de 2016, a “A...”, celebrou um contrato de comodato, em que a comodante (“A...”), entrega a título gratuito, uma parcela do prédio rústico identificado no parágrafo anterior, às comodatárias, H..., Lda, (com a área de 185ha, que corresponde a 29% da área total do prédio), I..., Lda (com a área de 135ha, que corresponde a 21% da área total do prédio) e J..., Lda, (com a área de 160ha, que corresponde a 25% da área total do prédio), para que cada uma das comodatárias, a utilize para o exercício da atividade constante do objeto social da empresa (produção e comércio de produtos hortícolas);

- Ouvida em auto de declarações no dia 31 de maio do corrente ano, a contabilista certificada da empresa, declarou que os restantes hectares do prédio rústico (168,9262ha = 648,9262ha - 185ha - 135ha – 160ha), que corresponde a 25% da área total do prédio, respeitam a um corredor ecológico (onde não é permitido cultivar) e parte corresponde à área onde se encontram implantados os armazéns e escritórios da “A...” (anexo 4).

Assim, conclui-se que estes serviços foram adquiridos pela “A...”, mas não contribuem para a realização das suas operações ativas, vendo, por essa razão, vedada a possibilidade de deduzir o IVA suportado aquando da aquisição dos estudos. Deste modo no período 1709T (anexo 5, página 1), a “A...” deduziu indevidamente o IVA contido nas faturas n.º 18 e n.º 24, nos montantes a seguir discriminados:

Quadro XI

Fatura n.º

DATA DA FATURA

FORNECEDOR

NIPC

BASE TRIBUTÁVEL

IVA

23%

CORREÇÃO

(1)

(2)=(1)X23%

(3)=(2)

24

30-09-2017

G..., Lda

[…]

229.850,00 €

 

52.865,50 €

52.865,50 €

18

30-09-2017

F..., Lda

[…]

145.300,00 €

33.419,00 €

33.419,00 €

 

 

 

 

 

TOTAL

86.284,50 €

 

 

Deste modo não é aceite o IVA dedutível no montante de 86.284,50 €, no período de 1709T, por não se encontrarem cumpridos os requisitos dos art.º 19.º nºs 1 e 7 e artigo 20.º nº 1 al. a) ambos do CIVA.

III.1.1.3 – Ativos fixos tangíveis

Por análise aos extratos do IVA dedutível, em particular aos extratos das contas 24322131 – IVA – Dedutível investimentos NAC tx nor. C “(anexo 5, página 1), 243221421 – “IVA - Dedutível investim. NAC inv.s.p. tx. Int. C” (anexo 7, página 1), 243221431 – “IVA - Dedutível investim. NAC inv.s.p. tx. nor. C” (anexo 7, página 2), constatou-se que o sujeito passivo deduziu imposto inerente à aquisição de ativos fixos tangíveis, implantados nos terrenos cedidos gratuitamente, e os quais estão a ser utilizados nas atividades das comodatárias

Nesta situação encontram-se as alguns dos bens/serviços incluídos nas faturas a seguir discriminadas […] Sistema rega Center Pivo marca ... […] Montagem […]

Quadro XII

[…]

Período de 201706T

74.985,70 €

 

 

 

Quadro XIII

[…]

Fatura n.º

Data

Fatura

Emitente da Fatura

Descrição

Base Tributável

Taxa

IVA deduzido não aceite

Anexo 6

 

 

 

18

 

 

 

 

30-09-2017

 

 

 

F... LDA

Pompes flowserve

[…]

[…]

[…]

[…]

Furo para captação de água

[…]

[…]

[…]

[…]

Betão para pivot

[…]

[…]

[…]

[…]

Pompes flowserve

[…]

[…]

[…]

[…]

Trabalhos pivot

[…]

[…]

[…]

[…]

Bomba doseadora+carrinho p/bomba (injetora de produtos no pivot)

[…]

[…]

[…]

[…]

Furo para captação de água

[…]

[…]

[…]

[…]

24

30-09-2017

G... LDA.

Melhoramento fundiário

[…]

[…]

[…]

[…]

Pompes flowserve

[…]

[…]

[…]

[…]

Período de 201709T

62.452,49 €

 

 

 

 

Como relatado nesse ponto e com os factos aí expostos, conclui-se que os referidos ativos fixos tangíveis não contribuem para as operações ativas do sujeito passivo, pelo que não cumprem o disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 20.º do CIVA, que refere que “só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes:

a) Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas;…

Assim, não são aceites as deduções de IVA nos montantes de 74.985,70 € e de 62.452,49 €, nos períodos de 201706T e 201709T, respetivamente.

III.1.1.4 – Direito de exploração cinegética

Por análise ao extrato da conta 24323131 – “Imposto sobre o valor acrescentado (IVA) – IVA dedutível – em outros bens ou serviços – NAC – tx normal - C“ (anexo 8, pág.1 e 2), conclui-se que o sujeito passivo no período de 1612T, deduziu o IVA referente a um “acordo prévio de cedência do direito de exploração cinegética …”, contido na seguinte fatura:

Quadro XIV

N.º

FAT

 

DATA

 

 

FORNECEDOR

 

NPC

 

DESIGNAÇÃO

BASE TRIBUTÁVEL

IVA DEDUZIDO TAXA 23%

 

CORREÇÃO

 

32

 

03-11-2016

 

K..., SA

 

[…]

Acordo prévio de cedência do direito de exploração cinegética na zona da caça turística designada por..., sito na freguesia de ... […]

 

1.101,60 €

 

253,37 €

 

253,37 €

 

 

Atendendo à atividade exercida pela “A...”, o serviço por esta adquirido, respeitante ao direito de exploração cinegética, não contribui para as operações ativas do sujeito passivo, não cumprindo, assim, o disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 20.º do CIVA, pelo que a dedução do IVA não é aceite, originando uma correção ao imposto no período de 201612T e no valor de 253,37 €.

III.1.2 – Falta de liquidação de IVA

Analisadas as faturas de prestação de serviços agrícolas emitidas pela “A...” às suas clientes (anexos 9, 10 e 11), verificamos que na sua designação, apenas consta, “prestação de serviços”, “prestação de serviços - espalhamento, prestação de serviços - tratamento de culturas, prestação de serviços - trabalhos de cultivo, prestação de serviços - de plantação”, etc ou “prestação de serviços com imposto dedutível 6%, conforme mapa em anexo”, sendo que para prestar estes serviços a “A...” tem de dispor de mão de obra agrícola, supervisão dos trabalhos agrícolas, de horas máquina, de eletricidade, de água, de serviços administrativos e contabilísticos, entre outros, sujeitos a diferentes taxas de IVA, sem que tais serviços se encontrem discriminados nas faturas.

Sublinhe-se que o número 1 da cláusula sétima dos contratos de comodato celebrados em 16/11/2016 entre a “A...” e as 3 comodatárias, refere que os custos inerentes à instalação e fornecimento de energia elétrica são da responsabilidade da comodatária, conforme contratos que constituem o anexo 3, gastos esses que a “A...” deveria faturar nos serviços prestados às comodatárias à taxa de IVA de 23%.

Para a prestação dos serviços agrícolas foram celebrados contratos de prestação de serviços entre a A... e as empresas relacionadas, conforme anexo 18.

Na cláusula terceira é mencionado que, os valores a pagar pelas empresas à A..., corresponde:

- “Montante dos custos totais necessários à prestação de serviços …”

- “Uma remuneração correspondente a uma percentagem sobre os serviços efetivamente prestados.”

Mencione-se que a A... não dispõe de pessoal, recorrendo a empresas externas de trabalho temporário, sendo que a cedência de pessoal por estas empresas, ainda que associada a trabalhos agrícolas, não se afigura como uma prestação de serviços agrícolas, pelo que tais operações, mesmo quando incluídas nos serviços prestados pela A... às comodatárias, são tributadas à taxa normal nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 18.º do CIVA.

Constatando-se que a “A...” aplica um preço global único ao conjunto de vários serviços prestados e sujeitos a diferentes taxas de IVA, e dada a designação genérica nas faturas por si emitidas, foi o sujeito passivo notificado para “discriminar, por fatura, todos os serviços e bens constantes das faturas contabilizados na conta 72 – “Prestação de serviços”, …, referentes aos períodos de 2016 (01-10-2016 a 30-09-2017), 2017 (01-10-2017 a 30-09-2018) …, com a indicação “da quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável”, conforme determina as alíneas b) e c) do n.º 5 do art.º 36.º do CIVA”.

Porém, os elementos enviados pelo sujeito passivo em resposta à notificação (anexo 13) continuam a não permitir identificar o tipo de serviços efetuados ou bens transmitidos, limitando-se a apresentar designações genéricas e a não possibilitar a determinação da taxa de imposto ou taxas de imposto aplicáveis.

O n.º 1 do art.º 18.º do CIVA, conjugado com as listas I e II, anexas ao CIVA, define as taxas aplicáveis às transmissões de bens e prestações de serviços, sendo fundamental que o emitente/fornecedor especifique na fatura, os bens transmitidos e/ou serviços prestados.

Por sua vez, artigo 36.º do CIVA, estabelece os prazos e formalidades das faturas, sendo que o n.º 5 refere que “as faturas devem ser datadas, numeradas sequencialmente…”, e conter, entre outros elementos, os definidos na alínea b), ou seja, “a quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável; …”, que tem como propósito permitir, não só à Autoridade Tributária (AT), mas também ao cliente, conhecer a taxa aplicável, e perceber se a que foi aplicada é a correta.

Em suma, constatando-se que as faturas emitidas pela “A...” incluem serviços prestados e transmissão de bens, sujeitos a diferentes taxas e que apenas foi aplicada a taxa reduzida de 6%, procede-se à correção do imposto através da aplicação da taxa de IVA de 23%, prevista no n.º 1 do artigo 18.º, aos serviços prestados e bens transmitidos pela “A...”, originando para os períodos de 201706T, 201709T, 201806T e 201901, as seguintes correções:

Período de 201706T

[…] Correção […] 51,00 €  […]

Período de 201709T

[…] Correção […] 124,511,06 €  […]

Período de 201806T

[…] Correção […] 203.288,04 €  […]

Período de 201901

[…] Correção […] 539.056,74 €  […]

III.2 – Em sede de IRC

III.2.1 – Gastos de financiamento pela aquisição do terreno, não aceites fiscalmente

Após análise aos elementos contabilísticos de “A...”, constatou-se que, nos períodos de 2016 e 2017, os gastos reconhecidos com juros bancários suportados6,com a aquisição do prédio rústico identificado neste ponto do Relatório, encontram-se contabilizados na conta 6911121 – “Juros suportados – financiamento obtidos – (banco) – (bancos específicos) – isentos IVA” (anexo 14), e a influenciar o apuramento do lucro tributável, dos respetivos períodos foram no montante de 194.737,51€ e 217.479,20€, respetivamente para o período de 2016 e 2017.

Tal como já foi referido no ponto II.3.4. importa analisar se o gasto contabilístico cumpre ou não os requisitos para ser dedutível fiscalmente nos termos do art.º 23.º do CIRC.

Para o enquadramento da presente situação, importa relembrar o seguinte:

- A atividade efetivamente exercida pela “A...” consiste na prestação de serviços agrícolas e comercialização de produtos hortícolas;

- Em 28/12/2015 adquiriu o prédio rústico da atual União de Freguesias de ... e..., com o art.º ... (anterior art.º ...) da secção ... (anterior secção...), suportando juros bancários com a aquisição;

- Em 16/11/2016, cedeu a título gratuito, 75% do terreno agrícola acima identificado a H..., Lda (29%), I..., Lda (21%), e J..., Lda (25%).

Refere o art.º 23.º do CIRC que “para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”, entendendo-se que apenas são dedutíveis os gastos e perdas contraídos no âmbito da atividade da empresa, isto é, os necessários ao processo produtivo, sendo estes, os que contribuem para desenvolver a atividade da empresa, e consequentemente contribuem para atingir o fim a que a mesma se destina, o lucro.

Face ao exposto, conclui-se que os gastos relativos aos juros bancários suportados pela “A...” para aquisição do terreno rústico, relativamente à quota-parte correspondente às parcelas cedidas gratuitamente a H..., Lda, I..., Lda, e J..., Lda, a partir da data da celebração dos contratos de comodato (16/11/2016), não contribuem para garantir a fonte de rendimentos da “A...”. Como tal não cumprem o disposto no n.º 1 do art.º 23.º do CIRC, não devendo influenciar o apuramento do lucro tributável dos períodos de 2016 e 2017, pelo que deve ser corrigido através do acréscimo ao resultado fiscal. conforme determina o n.º 1 do art.º 17.º do CIRC, nos seguintes montantes:

Atendendo a que o período de tributação não é coincidente com o ano civil o valor a desconsiderar fiscalmente em 2016 é de 131.120,29€ e em 2017 é de 163.109,40€ […]

III.2.2 – Ativos Fixos Intangíveis – Estudos de impacte ambiental

Nos períodos de 2016 e 2017, constatou-se que a “A...”, contabilizou na conta 6432 – “Gastos de depreciação e amortização – Ativos intangíveis – Projetos de desenvolvimento” (anexo 15), gastos com amortizações de ativos fixos intangíveis, mais concretamente de estudos de impacte ambiental, que se encontram a influenciar o apuramento do lucro tributável, nos montantes de 10.420,83€ e 125.037,50€, respetivamente.

Importa analisar, se tais despesas cumprem o disposto do art.º 23.º do CIRC:

- Os estudos de impacte ambiental encontram-se escriturados na conta 4421111 – “Projetos desenvolvimento vida útil finita Nac – IVA dedutível”, tendo sido adquiridos em 30/9/2017, parte à sociedade G..., Lda NIPC: ...(fatura n.º 24 - ver anexo 6), e parte à sociedade F..., Lda, NIPC: ... (fatura n.º 18 -ver anexo 6);

- Conforme referido no ponto III.1.1.2 deste relatório, estes estudos visam essencialmente identificar e atenuar os impactes significativos ao nível do ambiente, decorrentes da execução do projeto agrícola implantado no prédio rústico, sito no ... (...), propriedade da “A...”, cujas utilizadoras/beneficiárias são as empresas comodatárias, H..., Lda, I..., Lda, e J..., Lda.

Assim, constata-se que os gastos com as amortizações dos estudos de impacte ambiental não contribuem para a atividade efetivamente exercida pela A... (atendendo o fim a que se destinam e a atividade efetivamente exercida pela “A...”), e como tal não concorrem para a obtenção dos rendimentos sujeitos a IRC da “A...”, pelo que os mesmos não cumprem o disposto no art.º 23.º do CIRC, não sendo aceites fiscalmente, devendo, para a determinação do lucro tributável ser acrescidos ao resultado liquido do período de 2016 e de 2017, conforme dispõe o n.º 1 do art.º 17.º do CIRC.

Face ao exposto, o resultado líquido dos períodos de 2016 e 2017 deve ser corrigido nos seguintes montantes:

[…] 2016 […] 10.420,83 €

[…] 2017 […] 125.037,50 €

III.2.3 – Ativos Fixos Tangíveis (AFT)

Nos períodos de 2016 e 2017, a “A...”, contabilizou nas contas 6422-Gastos de depreciação e de amortização – Ativos fixos tangíveis - Edifícios e outras construções (anexo 16, pág. 1) e 6423-Gastos de depreciação e de amortização – Ativos fixos tangíveis - Equipamento básico (anexo 16, pág. 7), gastos com depreciações dos ativos fixos tangíveis (AFT), nos montantes de 221,38€ e 70.132,02€, em 2016 e 2.158,54€ e 208.482,83€ em 2017 […].

Quanto aos AFT referidos neste ponto do relatório, importa referir o seguinte:

- Foram adquiridos à sociedade G..., Lda NIPC: ..., através das faturas n.ºs 15, 16, 17, 18, 19 e 20, todas de 30/6/2017 (ver anexo 7), e fatura n.º 24 de 30/9/2017 (ver anexo 6) e à sociedade F..., Lda, NIPC:..., através das faturas n.ºs 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14 e 15, todas de 30/6/2017 (ver Anexo 7), e fatura n.º 18 de 30/9/2017 (ver anexo 6), e que desde logo começou a depreciar (ver mapa depreciações e conta 64 – “gastos de depreciação e de amortização” do balancete analítico dos períodos de 2016 e 2017, como anexo 16).

- Os ativos fixos encontram-se implantados na quota-parte do terreno, propriedade da “A...”, cedido em 16/11/2016, por contrato de comodato às 3 comodatárias, H..., Lda, I..., Lda e J..., Lda, para uso destas na atividade por elas desenvolvida (produção agrícola).

Analisados tais gastos face ao disposto no art.º 23º do CIRC conjugado com o entendimento emanado no processo 6070/09 e já referido no ponto II.3.4, conclui-se que os gastos suportados inerentes aos ativos fixos, cedidos gratuitamente pelo comodante ao comodatário, não são dedutíveis na esfera do comodante, sendo apenas dedutíveis pelo comodatário as despesas referentes a manutenção e conservação desses ativos fixos, por este suportadas.

Assim os gastos de depreciação referentes aos AFT a seguir discriminados, não cumprem os pressupostos do n.º 1 do art.º 23.º do CIRC, isto é, não contribuem para a manutenção da fonte de rendimento da “A...” (comodante), devendo ser acrescidos ao lucro tributável dos respetivos períodos, originando as seguintes correções:

PERÍODO DE 2016

[…]

TOTAL 26.130,04 €

PERÍODO DE 2017

[…]

TOTAL 104.139,02 €

III.2.4 – Direito de exploração cinegética

A “A...”, no período de 2016, contabilizou na conta “622111131 – Fornecimentos e serviços externos, serviços especializados, trabalhos especializados, gerais, nacionais, IVA dedutível, Taxa normal, C”, que se junta como anexo 17, o gasto referente a um “acordo prévio de cedência do direito de exploração cinegética na zona da caça turística designada por ..., sito na freguesia de ..., concelho de Alcácer do Sal …”, suportado pela fatura n.º 32 de 3/11/2016, emitida pela sociedade, K..., SA, NIF: ... (ver anexo 8, página 2).

Sendo a atividade do sujeito passivo a prestação de serviços agrícolas e a comercialização de produtos hortícolas, conclui-se que o referido gasto, não tem qualquer conexão com os rendimentos do sujeito passivo, ou seja, não contribui para a obtenção do rendimento da “A...”, logo, não cumpre o disposto no n.º 1 do art.º 23.º do CIRC, devendo, o resultado líquido do período de 2016, ser corrigido através do acréscimo desse valor, conforme determina o n.º 1 do art.º 17.º do CIRC e se demonstra no quadro seguinte:

Quadro XXIV

N.º

FATURA

 

DATA

 

 

FORNECEDOR

 

NPC

 

DESIGNAÇÃO

GASTO DEDUZIDO-CONTA 622111131

 

CORREÇÃO

 

32

 

03-11-2016

 

K..., SA

 

[…]

Acordo prévio de cedência do direito de exploração cinegética na zona da caça turística designada por..., sito na freguesia de ...[…]

 

1.101,60 €

 

1.101,60 €

 

 

[…]”.

  1. Nesta sequência, a Requerente foi notificada dos atos tributários de liquidação adicional de IVA identificados com os números:
    1. ...; de 23.12.2019, referente ao período de 2016/12T, do qual não resulta valor de imposto a cobrar adicionalmente;
    2. ..., de 23.12.2019, referente ao período de 2017/06T, do qual não resulta valor de imposto a cobrar adicionalmente;
    3. ..., de 23.12.2019, referente ao período de 2017/09T, do qual não resulta valor de imposto a cobrar adicionalmente;
    4. ..., de 23.12.2019, referente ao período de 2018/06T, do qual não resulta valor de imposto a cobrar adicionalmente;
    5. ..., de 23.12.2019, referente ao período de 2018/12T, do qual não resulta valor de imposto a cobrar adicionalmente;

            – cf. Documento 1 junto pela Requerente.

  1. A Requerente foi ainda notificada dos atos de liquidação adicional de IRC a que correspondem os números:
  1. 2019 ..., de 30 de dezembro de 2019, relativo ao período de 2016, de acordo com o qual não resulta imposto adicional a pagar, e respetiva Demonstração de Acerto de Contas n.º 2020..., de 3 de janeiro de 2020 – cf. Documento 2 junto pela Requerente; e
  2. 2020..., de 2 de janeiro de 2020, referente ao período de 2017, do qual resulta um valor a pagar de € 87,16 e respetivas Demonstração de Acerto de Contas n.º 2020..., de 6 de janeiro de 2020 e Demonstração de Liquidação de Juros n.º 2020 ..., de 6 de janeiro de 2020 – cf. Documento 3 junto pela Requerente.
  1. A demonstração de liquidação de juros compensatórios notificada à Requerente contém a menção ao período de tributação a que respeita, ao imposto (IRC) e respetivo valor base, ao período de cálculo, à taxa de juro, ao montante dos juros compensatórios apurado e às normas legais aplicáveis (artigos 102.º do CIRC e 35.º da LGT) – cf. Documento 3 junto pela Requerente.
  2. Inconformada com estes atos tributários, a Requerente deduziu Reclamação Graciosa contra os mesmos, a qual veio indeferida por despacho de 21 de dezembro de 2020, notificado por ofício da mesma data, do Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Setúbal, ao abrigo de delegação de competências, após exercício do direito de audição – cf. Documento 4 junto pela Requerente.
  3. Mantendo a discordância em relação aos atos tributários impugnados e à decisão da Reclamação Graciosa que os confirmou, a Requerente apresentou no CAAD, em 26 de abril de 2021, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral na origem da presente ação – cf. registo de entrada no SGP do CAAD.

 

            2.         Motivação da Decisão da Matéria de Facto

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.

 

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se essencialmente na análise crítica da prova documental junta aos autos, complementada pelas declarações de parte de C... e pelo depoimento da testemunha L..., ambos tendo revelado conhecimento direto e pormenorizado das atividades do Grupo D... em Portugal e da atividade desenvolvida pela Requerente desde a sua criação, respondendo de forma objetiva e detalhada às perguntas que lhes foram dirigidas.

 

Não se deram como provadas, nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

            3.         Factos não Provados

 

Não se provou que o IVA liquidado pelo prestador de serviços de instalações elétricas, B..., Lda., nas faturas emitidas à Requerente tenha sido, por aquele, entregue ao Estado (artigo 10.º do ppa).

 

De igual modo, não se provou que na parcela não cultivável a Requerente construiu armazéns e montou o estaleiro para servir as sociedades participadas (artigo 51.º do ppa). Resultou claro da prova produzida que o corredor ecológico não deve comportar qualquer edificação. A edificação de estruturas de apoio está prevista e pedida a licença para a sua construção, mas fora da zona de reserva ecológica. Essa licença ainda não foi aprovada pela Câmara Municipal, pelo que foram colocados no terreno, provisoriamente, alguns contentores não fixos e amovíveis.

 

Também não se provou o alegado nos artigos 62.º a 64.º do ppa, em concreto que, sendo a herdade do ... localizada em zona de caça turística, se a Requerente não detivesse os direitos de caça poderia ver as suas culturas prejudicadas. Aliás, ficou patente nas declarações de parte que esta questão é alheia à exploração agrícola e que a aquisição destes direitos derivou da indicação de um terceiro sem explicação dos motivos deste.

 

Por fim, não se provou que os serviços prestados pela Requerente e faturados em 2017 à taxa de 6% de IVA sejam decompostos em duas taxas de IVA, de 6% e de 23%, nas proporções indicadas no artigo 204.º do ppa. Com efeito, os quadros incluídos nesse artigo com a discriminação das atividades e itens incluídos nos serviços faturados não são suportados por qualquer meio de prova documental, nomeadamente contabilístico, ou outro.

 

Com relevo para a decisão não existem outros factos alegados que devam considerar-se não provados.

 

 

            IV.      Do Mérito

 

            1.         Questões a Decidir

 

Discute-se na presente ação, em primeiro lugar, a dedutibilidade do IVA suportado pela Requerente relativamente aos seguintes inputs, assim como a sua consideração como gastos fiscalmente dedutíveis para efeitos de IRC:

  • Aquisição de ativos fixos intangíveis (estudos de impacto ambiental);
  • Aquisição de ativos fixos tangíveis (infraestruturas de rega – sistema e montagem);
  • Aquisição do direito de exploração cinegética; e
  • Gastos de financiamento para aquisição do terreno na parte cedida em comodato às sociedades participadas (só IRC).

 

            São também questões decidendas a indedutibilidade do IVA liquidado pelo prestador de serviços de construção civil à Requerente, a falta de liquidação de IVA por aplicação incorreta da taxa única de 6% em faturas emitidas pela Requerente, e a falta de fundamentação relativa à primeira correção mencionada e à liquidação de juros compensatórios.

 

            2.    IVA Indedutível por Falta de Conexão com Operações Tributáveis – Caráter Gratuito do Comodato

 

2.1. Ativos intangíveis (estudos de impacto ambiental) e ativos fixos (sistema de rega)

 

            Tendo como ponto de partida a gratuitidade do contrato de comodato[1] de três parcelas de terreno agrícola que a Requerente celebrou com as sociedades H..., Lda.,  I..., Lda., e J..., Lda., a Requerida conclui que as aquisições de bens e serviços conexas com essas parcelas não têm relação com, nem contribuem para, a atividade da Requerente, pelo que não se verifica o indispensável nexo direto entre os inputs e as suas operações tributáveis ativas, pressuposto do exercício do direito à dedução exigido pelos artigos 19.º, n.º 1 e 20.º, n.º 1, ambos do Código do IVA.

 

            Resulta dos autos que a Requerente desenvolve apenas duas atividades tributáveis, as quais manifestam evidente correlação com as despesas de investimento feitas nas mencionadas parcelas agrícolas. A primeira respeita à prestação de serviços agrícolas àquelas três sociedades. Estes serviços, tributáveis em IVA, têm por objeto dotar o terreno, que se mantém na titularidade da Requerente, das condições essenciais à respetiva exploração hortícola levada a efeito pelas comodatárias. A segunda atividade prende-se com a comercialização dos produtos hortícolas que as sociedades comodatárias produzem e vendem, na íntegra, à Requerente, que, por seu turno, as vende aos clientes do Grupo D... no mercado europeu e, residualmente, em território nacional.

 

            Em ambos os casos – de prestação de serviços às sociedades comodatárias e de comercialização dos hortícolas por estas produzidos – as atividades exercidas pela Requerente têm conexão direta com as parcelas de terreno dadas em comodato. Aliás, as prestações de serviços agrícolas contratualizadas têm considerável latitude e implicam a disponibilização pela Requerente de todos os fatores de produção e também o seu funcionamento como central de compras, ou seja, ao abrigo desses contratos a Requerente compromete-se a fornecer equipamentos e outros bens e serviços necessários à exploração agrícola que as sociedades comodatárias realizam. Neste contexto, o comodato apresenta-se com caráter instrumental, orientado à prossecução colaborativa das atividades interdependentes da Requerente e das comodatárias.

 

            Nestes termos, apesar de a cedência das parcelas de terreno ser realizada a título gratuito e não consubstanciar uma operação tributável que confira o direito à dedução, os equipamentos de rega nele implantados (incluindo montagem), cujo IVA perfaz € 137 438,19[2], e a realização dos estudos de impacto ambiental, com IVA suportado no valor de € 86.284,50, são essenciais para a realização de serviços agrícolas, para o licenciamento da exploração agrícola no terreno em questão, para a determinação das ações a empreender quanto à sua aptidão produtiva e manutenção das condições adequadas à exploração. Exprimem, desta forma, uma clara e estreita correlação com a atividade remunerada da Requerente, de prestação de serviços agrícolas e de comercialização de produtos hortícolas adquiridos às sociedades comodatárias.

 

             Verifica-se, por conseguinte, uma correlação direta entre a referida instalação de um sistema de rega para cultivo de produtos hortícolas e a realização de estudos de impacto ambiental para desenvolver as atividades agrícolas no terreno de que a Requerente é proprietária, por um lado, e a realização por parte desta, a jusante, de prestações de serviços agrícolas às comodatárias, nem sequer havendo necessidade de apelar à tese da dedutibilidade de “despesas gerais”, pois, como acima dito, a conexão é direta e não difusa.

 

            Dito de outro modo, não estamos perante o estabelecimento de um vínculo único entre as despesas cujo IVA foi deduzido e os contratos de comodato isoladamente[3], antes, a ligação é feita com os serviços prestados e faturados pela Requerente com IVA e, também, com as operações de venda de produtos agrícolas.

 

            Como salienta a Requerente, os estudos de impacto ambiental constituem um requisito prévio da exploração agrícola, sem o qual esta não poderia desenvolver a sua atividade, que depende da produção agrícola. De igual modo, a instalação de sistema de rega nos terrenos contribui de forma inequívoca para as suas operações ativas, pois constitui um meio material e técnico, um fator de produção abrangido no âmbito das prestações de serviços agrícolas e também indispensável ao cultivo dos produtos agrícolas que a Requerente comercializa.

 

            Neste quadro, o aproveitamento económico dos estudos de impacto ambiental e do sistema de rega não é privativo das sociedades comodatárias, beneficiando a Requerente que, por essa via, desenvolve uma atividade remunerada de prestação de serviços e assegura da melhor forma a obtenção dos produtos que comercializa.

 

            À face do exposto, devem considerar-se cumpridas as condições materiais de que depende o exercício do direito à dedução relativas à existência de um nexo direto e imediato entre os inputs em apreço e as operações ativas da Requerente, como resulta da prova produzida e do enquadramento da situação fáctica na previsão dos artigos 19.º, n.º 1 e 20.º, n.º 1 do Código do IVA e dos correspondentes artigos 168.º e 169.º da Diretiva IVA (Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de novembro).

 

            Esta posição conforma-se com a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, segundo a qual o direito à dedução do IVA faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado, atenta a parametria do princípio da neutralidade. A dedução visa libertar inteiramente o sujeito passivo do “peso” do IVA incorrido e garante a neutralidade da carga fiscal de todas as atividades económicas que conferem o direito à dedução[4]

 

            De notar ainda que o referido nexo direto tanto pode ser com específicas operações a jusante que conferem o direito à dedução, como com a atividade geral dos sujeitos passivos, globalmente considerada (se e na medida em que confira tal direito)[5], sendo que, no caso concreto, a relação das despesas se estabelece, logo em primeiro plano, com as prestações de serviços agrícolas e, em segundo plano, com a comercialização dos produtos hortícolas.

 

            Convém ressaltar que, não releva, para este efeito (de dedução do IVA), a circunstância de o valor faturado pela Requerente ser inferior ao montante dos gastos incorridos. O Código do IVA e a Diretiva não consagram, nem postulam que as despesas tenham de ser repercutidas por valor igual ou superior (com margem de lucro) para que se possa constatar uma conexão direta e imediata entre aquelas e as operações /atividades que conferem o direito à dedução, indispensável para o exercício do mesmo. Se assim fosse, sempre que as operações ou atividades fossem realizadas com prejuízo, i.e., por valor inferior ao dos gastos incorridos, estaríamos numa situação de indedutibilidade de gastos, que não só seria de difícil validação em momento contemporâneo ao da realização das operações (a análise da margem das operações pode não ser linear e depende de alguns elementos que frequentemente só são conhecidos em fase ulterior), como comprometeria a neutralidade do imposto, pelo que esta conceção não é de acolher.

 

O nexo direto (“direct link”) entre os inputs e os outputs não reclama o “lucro” das operações/atividades, ou que estas sejam realizadas com margem, registando um superavit. É, de igual modo, irrelevante o preço de mercado dos bens e serviços transacionados, prevalecendo a contraprestação real resultante do acordo das partes[6], a menos que o fundamento das correções seja o regime dos preços de transferência ou a aplicação da cláusula geral anti-abuso, o que não ocorre na situação vertente.

 

            A este respeito, convém relembrar que o Tribunal de Justiça se pronunciou no sentido de que mesmo que as partes (relacionadas) acordem um preço inferior ao preço de mercado, a Diretiva IVA (à data a Sexta Diretiva 388/77/CEE) se opõe a que os Estados-Membros apliquem as regras aplicáveis à afetação ou utilização de bens e de prestações de serviços ao uso privado[7], pelo que não tem cabimento a suscitação pela Requerida do disposto no artigo 19.º, n.º 7 do Código do IVA[8].

 

            Atento o supra exposto, conclui-se pela invalidade das correções efetuadas em relação ao IVA deduzido nos estudos de impacto ambiental e sistema de rega instalado no terreno, nos termos do estatuído no artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), por ter sido demonstrado o nexo de ligação entre a aquisição destes bens e serviços e as operações ativas da Requerente, que conferem o direito à dedução.

 

            2.2.      Direito de exploração cinegética

 

            Alega a Requerente que a aquisição de direitos de caça teve o intuito de proteger as culturas agrícolas de dependem dos serviços que presta. Neste âmbito, a AT demonstrou os pressupostos da sua atuação, pois a atividade cinegética não faz parte da atividade exercida pela Requerente, nem resulta evidente a sua imputação às prestações de serviços agrícolas ou à atividade de comercialização de produtos agrícolas, constituindo estas circunstâncias factos-índice que suscitam fundadas dúvidas sobre os requisitos materiais da dedução do IVA, subjacentes aos atos de liquidação deste imposto.

 

Acresce que estando em causa o exercício do direito à dedução do IVA, recai sobre o sujeito passivo o ónus de demonstrar os pressupostos do direito que invoca, nos termos previstos no artigo 74.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (“LGT”). Porém, a Requerente não logrou demonstrar o alegado, nomeadamente de que forma é que a licença de exploração cinegética e a atividade que permite podem beneficiar ou são atribuíveis à exploração agrícola das três parcelas de terreno da herdade ... . De onde resulta não estarem reunidos os pressupostos materiais constitutivos do direito à dedução do IVA constantes do artigo 20.º, n.º 1 do Código deste imposto, em concreto o nexo entre os gastos incorridos e as operações ativas da Requerente.

 

À face do exposto, não se verifica a ilegalidade da correção de IVA no valor de € 253,37, respeitante à aquisição do direito de exploração cinegética, que se mantém válida.

 

            3.    Desconsideração de Gastos – Artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC

 

Dispõe o artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC que “[p]ara a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”, estabelecendo o princípio da dedutibilidade fiscal sempre que resulte demonstrada a ligação entre os gastos e a atividade prosseguida pelo sujeito passivo. “«Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a atividade produtiva da empresa» (TOMÁS CASTRO TAVARES, Da Relação..., loc. cit., pág. 136.). Dito de outro modo, só não serão indispensáveis os custos que não tenham relação causal e justificada com a atividade produtiva da empresa.” (v. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28 de junho de 2017, processo n.º 0627/16, e, no mesmo sentido, o acórdão de 5 de novembro de 2014, processo n.º 570/13).

 

De salientar neste âmbito que no caso de correções relativas a gastos não aceites para efeitos fiscais, a presunção de veracidade das declarações dos contribuintes, prevista no artigo 75.º, n.º 1 da LGT “não tem o alcance de afastar a necessidade de satisfação dos requisitos de que depende a dedutibilidade de gastos, como resulta do próprio teor expresso da parte final desta norma:

«Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos

Isto é, em matéria de dedutibilidade de gastos, não se aplica esta presunção, pelo que tem aplicação a regra geral do artigo 74.º, n.º 1, da LGT que estabelece que «o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque».” (v. decisão arbitral de 9 de novembro de 2021, proferida no processo n.º 604/2020T)

 

Assim, o ónus da prova, em matéria de dedutibilidade de gastos, recai sobre o contribuinte que pretende ver deduzidos os encargos.

 

            3.1. Ativos intangíveis (estudos de impacto ambiental) e ativos fixos (sistema de rega)

           

Suportada em silogismo idêntico ao acima descrito em matéria de IVA, a Requerida desconsiderou, para efeitos de IRC, a dedução de gastos com amortizações de ativos fixos intangíveis incorridos pela Requerente (estudos de impacto ambiental que influenciam o apuramento do lucro tributável em € 10.420,83, em 2016, e € 125.037,50, em 2017) e de gastos de depreciação de ativos fixos tangíveis relativos à aquisição do sistema de rega implantado no terreno agrícola da herdade ...(nos montantes de € 26.130,04, em 2016, e de € 104.139,02, em 2017), entendendo que aqueles não contribuíram para a atividade exercida pela Requerente e não concorreram para a obtenção de rendimentos sujeitos a IRC.

 

            Como acima explicitado, os gastos em causa foram suportados em relação direta com a atividade da Requerente e com o seu objeto social. Enquadram-se nas prestações de serviços e vendas realizadas e constituem fatores de produção da exploração agrícola constitutivos do objeto daqueles serviços, pelo que se conclui pela demonstração, reclamada pelo artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC, do nexo causal de tais gastos com a atividade da Requerente e com a obtenção de rendimentos sujeitos ao imposto. São, pois, anuláveis as correções efetuadas neste âmbito pela AT (v. o disposto no artigo 163.º do CPA).

 

            3.2. Direitos de exploração cinegética

           

            Tal como foi referido em sede de IVA, a Requerente não logrou evidenciar o contributo da aquisição dos direitos de caça, reconhecidos como gastos na conta de fornecimentos e serviços externos [622111131], no valor de € 1.101,60, para a atividade que exerce de prestação de serviços agrícolas e de comercialização de produtos hortícolas. Assim, também para efeitos de IRC fica por demonstrar a ligação entre estes gastos e a atividade prosseguida pelo sujeito passivo, ónus que impende sobre este, pelo que nada existe a apontar à correção efetuada pela Requerida, que se mantém válida.

 

            3.3. Gastos de financiamento

           

            As correções subjacentes aos atos de liquidação impugnados nos presentes autos derivam ainda da desconsideração fiscal em IRC dos encargos financeiros (bancários) suportados pela Requerente com a aquisição do terreno da herdade ..., no valor de € 131.120,20, em 2016, e de € 163.109,40, em 2017, relativos à quota-parte das parcelas cedidas em comodato, com fundamento na não contribuição para a obtenção de rendimentos passíveis de IRC.

 

            À semelhança do que se assinalou a propósito da aquisição e implantação do sistema de rega no terreno e dos estudos de impacto ambiental, o terreno está igualmente afeto à atividade da Requerente. Com efeito, é nele que é desenvolvida a atividade de produção hortícola em relação à qual a Requerente presta os seus serviços agrícolas a título oneroso, geradores de rendimentos na sua esfera. É também neste terreno, do qual a Requerente é proprietária, que são cultivados os produtos hortícolas que esta comercializa, após aquisição às sociedades comodatárias. Verifica-se, assim, uma clara conexão do terreno adquirido, e encargos inerentes, com a atividade da Requerente que daquele retira benefícios económicos. Deste modo, não estamos perante uma simples cedência gratuita de parcelas de terreno, sem mais, mas face a um conjunto articulado e interdependente de ativos e de operações que permitem à Requerente desenvolver a sua atividade e obter rendimentos que concorrem para a formação do lucro tributável, pelo que se encontra satisfeito o critério causal previsto no artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC, entre os gastos incorridos e a atividade exercida.

 

            Sobre a orientação administrativa invocada pela AT na sua fundamentação, a mesma não versa sobre uma situação fáctica similar à dos presentes autos, nem constitui fonte autónoma de obrigações fiscais, que terá sempre de reconduzir-se a uma proposição legal.

 

4.    IVA não Dedutível – Liquidação pelo Prestador em Serviços de Construção Civil

 

            Reúne o consenso das Partes que a Requerente adquiriu serviços de construção civil[9] à sociedade B..., Lda., que procedeu à respetiva faturação, liquidando IVA no valor de € 4.624,03, tendo a Requerente procedido à dedução do imposto.

 

            No caso de serviços de construção civil, o artigo 2.º, n.º 1, alínea j) do Código do IVA prevê um regime especial que constitui uma exceção ao regime-regra de liquidação do IVA, através do mecanismo de inversão do sujeito, em transposição da faculdade contemplada no artigo 199.º da Diretiva IVA[10].

 

            A opção do legislador nacional inseriu-se, como salienta o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de janeiro, num “conjunto de medidas destinado a combater algumas situações de fraude, evasão e abuso que se vêm verificando na realização das operações imobiliárias sujeitas a tributação” e visa acautelar “algumas situações que redundam em prejuízo do erário público, atualmente decorrentes do nascimento do direito à dedução do IVA suportado, sem que esse imposto chegue a ser entregue nos cofres do Estado.” Susana Claro & Catarina Mendonça Medeiros salientam a este respeito que o Estado Português aplicou o mecanismo de reverse charge a “vários setores de atividade identificados como tendencialmente fraudulentos, entre os quais o setor da construção civil” – Cadernos IVA 2016, “A Regra de Inversão do Sujeito Passivo nos Serviços de Construção Civil”, Coord. Sérgio Vasques, Almedina pp. 389-408 (cit. p. 393). 

 

            Flui do exposto que foi incumprida a obrigação de autoliquidação pelo adquirente [a aqui Requerente] estabelecida pela citada alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA. Nestas circunstâncias, o artigo 19.º, n.º 8 deste diploma determina que o direito à dedução não pode ser exercido, pois apenas confere direito a dedução o imposto que foi autoliquidado, nos termos da disciplina introduzida pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro.

 

            Deste modo e em linha com a Requerida, não se constata qualquer ilegalidade por duplicação de coleta (v. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27 de fevereiro de 2013, processo n.º 01079/12), nem desconformidade ao direito da União Europeia, tendo-se já pronunciado o Tribunal de Justiça sobre esta questão no processo de reenvio prejudicial C-424/12, SC Factorie, com acórdão de 6 de fevereiro de 2014, no sentido de que no âmbito de uma operação sujeita ao regime da autoliquidação, a Diretiva IVA e o princípio da neutralidade fiscal não se opõem a que o beneficiário dos serviços fique privado do direito à “dedução do IVA que pagou indevidamente ao prestador de serviços com base numa fatura mal passada, incluindo quando for impossível corrigir esse erro, devido à falência do referido prestador.”

 

            Não se trata apenas de um mero formalismo, mas de uma medida que faz incorrer o Estado num risco de perda efetiva de receitas fiscais. O referido aresto acrescenta que “o exercício do direito a dedução está limitado apenas aos impostos devidos, isto é, aos impostos correspondentes a uma operação sujeita ao IVA, ou pagos na medida em que sejam devidos (acórdãos de 13 de dezembro de 1989, Genius, C‑342/87, Colet., p. 4227, n.° 13, e de 19 de setembro de 2000, Schmeink & Cofreth e Strobel, C‑454/98, Colet., p. I‑6973, n.° 53). Assim, visto que o IVA pago pela Fatorie à Megasal não era devido e que esse pagamento não preenchia um requisito substantivo do regime da autoliquidação, a Fatorie não pode invocar o direito a dedução desse IVA.” [pontos 39 e 40]

 

            Adicionalmente, a decisão arbitral do processo n.º 361/2015-T invocada pela Requerente reporta-se a factos ocorridos em 2010, período em que ainda não tinha sido adotado o n.º 8 do artigo 19.º do Código do IVA, cuja entrada em vigor se verificou em 2013 (v. Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro).

 

            Por fim, importa notar que a Requerente afirma mas não prova que o IVA liquidado pelo prestador de serviços de construção civil foi entregue nos cofres do Estado.

 

            Conclui-se, neste segmento, que os atos tributários de liquidação de IVA não enfermam do vício material que foi suscitado pela Requerente, mantendo-se válidos na ordem jurídica.

 

5.    Falta de Liquidação de IVA

 

            A Requerente procedeu à liquidação de IVA à taxa reduzida, de 6%, pelas prestações de serviços efetuadas às sociedades comodatárias, sem, contudo, proceder à descrição suficientemente detalhada dos serviços, nem indicar a(s) respetiva(s) verba(s) de enquadramento na Lista I anexa ao Código do IVA. Ao aplicar um preço global único ao conjunto dos serviços prestados, utilizando descrições genéricas que não identificam, nem segregam as operações sujeitas às diferentes taxas, nomeadamente a cedência de pessoal (que, ainda que associada a trabalhos agrícolas, não é uma prestação de serviços agrícola na aceção da Lista I anexa ao Código do IVA, sendo passível de IVA à taxa normal, de 23%), a taxa de imposto aplicável ao conjunto terá de ser, como preconiza a AT, a taxa máxima, porquanto o conjunto de serviços não é subsumível a uma verba específica da Lista I, nos termos do disposto no artigo 18.º, n.º 1, alínea c) do Código do IVA.

 

            Em relação aos períodos de 201806T e 201901, a Requerente procedeu a regularizações voluntárias, pelo que estas não constituem objeto da presente ação, que se restringe ao IVA dos períodos de 201706T, de € 51,00 e de 201709T, de € 124.511,06. 

 

            No que se refere aos períodos do ano 2017, a Requerente alega que uma parte significativa respeita a serviços agrícolas abrangidos pela taxa reduzida, apresentando quadros contendo descritivos detalhados com discriminação de valores. No entanto, estes quadros e o seu teor não têm corroboração em suporte documental ou noutro meio de prova, pelo que a alegação é insubsistente, por não provada.

 

            O distinto tratamento que a Requerente invoca ter sido adotado pela AT em relação aos anos 2018 e 2019, os quais, reitera-se, não estão aqui em discussão, não constitui vício invalidante dos atos de liquidação respeitantes ao ano 2017. Desde logo, porque em relação àqueles anos a Requerente emitiu documentos retificativos e alterou os elementos declarativos (que, relembra-se, beneficiam da presunção de veracidade do artigo 75.º da LGT), não o tendo feito em relação a 2017. Acresce que, desprovido da alteração dos elementos declarativos pertinentes a 2017 e sem a produção de qualquer meio de prova relativo à natureza e segregação dos serviços prestados em 2017, não pode alcançar-se conclusão distinta da Requerida relativamente ao ano em causa.

 

            A não pronúncia da AT em sede de Reclamação Graciosa não constitui ilegalidade invalidante dos atos tributários precedentes, de primeiro grau. Nestes termos, improcede o vício material suscitado pela Requerente relativamente às liquidações de IVA, na parte em que derivam da falta de liquidação deste imposto nos serviços prestados pela Requerente, por incorreta aplicação da taxa reduzida, de 6%, em vez da taxa normal, de 23%.

 

6.    Vício de Fundamentação

 

6.1. Fundamentação da (in)dedutibilidade do iva e dos gastos em irc

 

A Requerente suscita o vício de fundamentação das liquidações em crise em relação à dedutibilidade do IVA e dos gastos associados ao terreno cedido em comodato às sociedades relacionadas.

 

A este respeito interessa assinalar que o dever de fundamentação dos atos da Administração Pública que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos dos contribuintes deriva de imperativo constitucional, abrangendo os atos lesivos e impositivos (v. artigo 268.º, n.º 3 da Constituição). Este dever de fundamentação, desempenha a função primordial de permitir que o destinatário do ato se inteire das razões que subjazem à decisão administrativa, permitindo o controlo da sua validade, através da análise dos respetivos pressupostos, e o acesso à garantia contenciosa, dando a conhecer ao sujeito passivo o itinerário cognoscitivo e valorativo para a AT ter decidido no sentido em que decidiu.

 

No caso vertente, e contrariamente ao que a Requerente alega, o Relatório de Inspeção Tributária é explícito em relação às razões que justificam as correções operadas, tendo a Requerida dado a conhecer as razões da sua atuação e as normas em que se alicerça, pelo que, do ponto de vista formal, e independentemente dos seus méritos, o ato se encontra suficientemente justificado com a enunciação clara e percetível dos motivos que determinaram o autor a proferir a decisão com um concreto conteúdo. Relatório que foi adequadamente compreendido pela Requerente, que o refuta de forma pormenorizada na presente ação arbitral.

 

Questão distinta, atrás apreciada, é a da validade, já não formal (relativa à enunciação dos motivos), antes substancial dos fundamentos do ato, que “tem já a ver com o mérito da decisão e com a legalidade «stricto sensu» do próprio ato”, quer por os factos não corresponderem à realidade, quer por terem sido extraídas conclusões erradas ou não serem “suficientes para legitimar a concreta atuação administrativa (VIEIRA DE ANDRADE, O Dever de Fundamentação Expressa de Atos Administrativos, Almedina, 2003, pág. 231)” – acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 23 de abril de 2014, processo n.º 1690/13, e de 21 de novembro de 2019, processo 0404/13.9BEVIS.

 

Como sublinhado pela Requerida, dizer que a existência de um comodato não justifica as correções em causa, não é apontar um vício de falta de fundamentação (formal), mas um erro nos pressupostos de direito (fundamentação material ou substantiva) – v. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 10 de setembro de 2014, processo n.º 01226/13. Tendo a Requerente sido notificada do Relatório de Inspeção Tributária contendo a fundamentação circunstanciada das razões subjacentes às liquidações de IVA e IRC aqui discutidas, conclui-se que foram observados os requisitos de fundamentação previstos no artigo 77.º da LGT e 153.º do CPA, não se constatando a este respeito a ilegalidade formal suscitada pela Requerente.

 

6.2. Fundamentação dos juros compensatórios e imputação a título de culpa

 

De igual modo, julga-se devidamente fundamentada a liquidação de juros compensatórios, que contém as menções indispensáveis à clara perceção dos seus elementos constitutivos, nomeadamente ao período de tributação a que respeita, ao imposto (IRC) e respetivo valor base, ao período de cálculo, à taxa de juro, ao montante dos juros compensatórios apurado e às normas legais aplicáveis, evidenciando, desta forma os requisitos previstos no artigo 35.º, n.º 9 da LGT. 

 

No que respeita à existência de um nexo de causalidade que permita imputar a conduta ilícita a um dado contribuinte, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo sufraga a tese, que se acompanha, de que “quando uma determinada conduta constitui um facto qualificado por lei como ilícito”, deve fazer-se decorrer “do preenchimento da hipótese normativa, por ilação lógica, a existência de culpa, na forma pressuposta na previsão do tipo de ilícito respetivo.” Isto, não porque a culpa se presuma, mas por ser algo que, em regra, se liga ao carácter ilícito-típico do facto praticado. Por essa via, deve partir-se do pressuposto de que existe culpa sempre que a atuação do contribuinte integra a hipótese de qualquer infração tributária[11] (v. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 19 de novembro de 2008, processo n.º 0325/08).

 

À face do exposto, conclui-se pela improcedência da ilegalidade formal dos atos tributários arguida pela Requerente. 

 

7.    Juros Compensatórios – Ilegalidade Substantiva

 

            Os juros compensatórios que constituem objeto da presente ação referem-se apenas aos atos tributários de liquidação de IRC, que, nos moldes acima enunciados, se julgam inválidos, por erro nos pressupostos, com exceção da correção da dedução dos gastos de € 1.101,60 referentes à aquisição do direito de exploração cinegética (licença de caça). 

            Dependendo os juros compensatórios do retardamento, por facto imputável ao sujeito passivo, da liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido, conforme preceituado no artigo 35.º, n.º 1 da LGT e 102.º do Código do IRC, a anulação das liquidações de imposto [IRC] repercute-se na obrigação de juros, que somente pode persistir na medida em que se verifique prestação tributária em dívida.

 

            No caso concreto, dada a existência de prejuízos fiscais significativos, o acréscimo de € 1.101,60 à matéria coletável da Requerente, única correção de IRC subsistente, não se traduz ou materializa numa prestação tributária de IRC em dívida no período de tributação de 2017, pelo que, não existindo imposto em falta e/ou cujo pagamento tenha sido retardado, não estão reunidas as condições legais para a liquidação de juros compensatórios, de acordo com as normas acima referidas.

 

8.    Desnecessidade de Reenvio Prejudicial

 

             As questões discutidas nos autos com relevância para a decisão estão clarificadas pelo Tribunal de Justiça conforme a jurisprudência que foi atrás referenciada.

 

            Neste contexto, de acordo com o entendimento do Tribunal de Justiça, a partir do acórdão Cilfit[12], a obrigação de suscitar a questão prejudicial de interpretação pode ser dispensada quando:

  1. A questão não for necessária, nem pertinente para o julgamento do litígio principal; ou
  2. O Tribunal de Justiça já se tiver pronunciado de forma firme sobre a questão a reenviar, ou quando já exista jurisprudência sua consolidada sobre a mesma; ou
  3. O juiz nacional não tenha dúvidas razoáveis quanto à solução a dar à questão de Direito da União, por o sentido da norma em causa ser claro e evidente.  

 

No caso sub judice, verifica-se o preenchimento dos requisitos previstos:

  • na  alínea a) em relação à questão suscitada pela Requerente sobre a conformidade da recusa, por parte da AT, do direito à dedução com fundamento na estrutura organizativa do sujeito passivo, uma vez que esse não foi o fundamento das correções realizadas e
  • nas alíneas b) e c), podendo afirmar-se que o “ato” em questão está devidamente aclarado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça no processo C-424/12, SC Factorie, que já se pronunciou de forma firme e clara no sentido de os Estados-Membros podem recusar a dedução do IVA que tenha sido indevidamente liquidado pelo prestador quando seja aplicável o regime de inversão do sujeito passivo.

 

            À face do exposto, conclui este Tribunal Arbitral pela desnecessidade de reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça.

 

* * *

 

Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil (artigo 608.º do CPC, ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

 

V.        Decisão

 

De harmonia com o supra exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e:

  1. Anular as liquidações de IVA acima identificadas na parte em que correspondem ao imposto deduzido nos estudos de impacto ambiental (IVA de € 86.284,50) e nos equipamentos e montagem do sistema de rega (IVA de € 74.985,70, em 2016, e de € 62.452,49, em 2017), mantendo-se válidas as correções ao IVA deduzido nos serviços de construção civil (€ 4.624,03), na aquisição do direito de exploração cinegética (€ 253,37) e relativas à falta de liquidação de IVA por erro na aplicação da taxa reduzida (€ 124.562,07);
  2. Anular parcialmente as liquidações de IRC supra identificadas, na parte em que corrigiram a dedução de gastos de financiamento (€ 131.120,29, em 2016, e € 163.109,40, em 2017), de gastos com amortizações de ativos intangíveis – estudos de impacto ambiental (€ 10.420,83, em 2016, e € 125.037,50, em 2017), e de gastos com a depreciação de ativos fixos – sistema de rega (€ 26.130,04, em 2016, e € 104.139,02, em 2017), mantendo-se válida a correção de € 1.101,60 relativa à desconsideração fiscal do gasto associado ao direito de exploração cinegética;
  3. Anular a liquidação de juros compensatórios;

tudo com as legais consequências.

 

 

VI.      Valor do Processo

 

            Fixa-se ao processo o valor de € 914.220,83, indicado pela Requerente, respeitante ao montante das liquidações de IVA cuja anulação pretende, e não impugnado pela Requerida, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

 

VII.     Custas

 

            Custas no montante de € 12.852,00 (doze mil oitocentos e cinquenta e dois euros), sendo € 11.052,72 a cargo da Requerida (86%) e € 1.799,28 da Requerente (14%), na proporção do decaimento, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e 4.º do RCPAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 21 de junho de 2022.

 

Os árbitros,

 

 

Alexandra Coelho Martins, Relatora

 

 

 

Fernando Marques Simões

 

 

Ricardo Rodrigues Pereira

 

 

 

 



[1] O artigo 1129.º do Código do Civil recorta a definição de comodato como o contrato gratuito pelo qual uma das partes entrega à outra certa coisa, móvel ou imóvel, para que se sirva dela, com a obrigação de a restituir.

[2] Abrangendo 2016 e 2017, nos valores respetivos de € 74.985,70 e € 62.452,49.

[3] Nestas circunstâncias, não se identificaria uma relação suficiente das despesas com operações ativas que conferissem o direito à dedução, pelo que o imposto, se assim fosse, não seria dedutível.

[4] V. Acórdãos do Tribunal de Justiça de 6 de julho de 21 de março de 2000, C-110/98, Gabalfrisa; de 15 de novembro de 2017, C-374/16, Rochus Geissel.

[5] V., a título ilustrativo, os Acórdãos do Tribunal de Justiça, de 27 de setembro de 2001, C-16/00, Cibo Participations; de 26 de maio de 2005, C-465/03, Kretztechnik; de 29 de outubro de 2009, C-29/08, SKF; de 6 de setembro de 2012, C-496/11, Portugal Telecom; e de 16 de julho de 2015, C-108/14, Larentia e Minerva.  

[6] V. Acórdãos do Tribunal de Justiça de 20 de janeiro de 2005, C-412/03, Hotel Scandic; e de 9 de junho de 2011, C-285/10, Campsa Estaciones de Servicio.

[7] V. Acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de junho de 2011, C-285/10, Campsa Estaciones de Servicio.

[8] Segundo o qual “Não pode deduzir-se o imposto relativo a bens imóveis afectos à empresa, na parte em que esses bens sejam destinados a uso próprio do titular da empresa, do seu pessoal ou, em geral, a fins alheios à mesma”.

[9] V. sobre a delimitação deste conceito o teor do Ofício-Circulado n.º 30101, de 25 de maio de 2007.

[10] Norma que determina, no seu n.º 1, alínea a), que os Estados-Membros podem prever que o devedor do imposto seja o sujeito passivo destinatário (ou seja, o adquirente), em operações de “Prestação de serviços de construção, incluindo reparação, limpeza, manutenção, alteração e demolição respeitantes a bens imóveis”, prerrogativa que foi exercida pelo legislador nacional, em relação aos serviços de construção civil, com a alteração ao artigo 2.º do Código do IVA resultante do Decreto-lei n.º 21/2007, de 29 de janeiro, no uso da autorização legislativa concedida pelo artigo 45.º, n.º 3 da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de dezembro.

[11] Sem prejuízo de essa culpa poder ser excluída quando se mostre, à luz das regras de experiência e das provas obtidas, que o contribuinte atuou com a diligência normal no cumprimento das suas obrigações fiscais, condição inaplicável na situação em análise.

[12] Acórdão de 6 de outubro de 1982, processo n.º 283/81.