Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 669/2021-T
Data da decisão: 2022-02-25  IMI  
Valor do pedido: € 23.975,73
Tema: IMI, avaliação e determinação do VPT; ato destacável; impugnação autónoma; anulação de indeferimento tácito
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SUMÁRIO:

 

I – O Tribunal Arbitral é competente para conhecer de atos de indeferimento tácito de pedidos de revisão oficiosa, quando os fundamentos do pedido de revisão consistam em ilegalidades praticadas em liquidações de tributos.

II- Impende sobre a Administração Tributária o dever de decisão sobre todos os assuntos da sua competência que lhe sejam apresentados pelos sujeitos passivos (artigo 56.º, n.º 1, da LGT), dentro do prazo estabelecido pelo n.º 1 do artigo 57.º, da LGT, cujo decurso faz presumir o indeferimento para efeitos de reação contenciosa.

III – Deste princípio da decisão resulta a impugnabilidade da decisão que sobre o pedido venha a ser proferida, devendo igualmente admitir-se a possibilidade de o contribuinte poder “reagir contra o silêncio que sobre ele recair”. Estando em causa a apreciação da legalidade de um ato de liquidação, o meio processual adequado é a impugnação judicial.

IV – A utilização analógica dos critérios estabelecidos para avaliação dos prédios urbanos edificados na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, não previstos na norma específica do artigo 45.º, do Código do IMI, constitui erro na aplicação do direito, suscetível de alterar a base tributável e o cálculo do imposto.

V – Diante consolidação do ato de fixação VPT no sistema jurídico, por falta de impugnação atempada do sujeito passivo, o n.º 4 do 78.º do LGT compatibiliza razoavelmente as exigências de justiça material e tutela jurisdicional efetiva com o princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança dos cidadãos.  

 

DECISÃO ARBITRAL

O árbitro Jónatas Eduardo Mendes Machado, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para constituir o presente Tribunal Arbitral, profere a seguinte decisão:

 

1RELATÓRIO

1. A... – FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO, com o número de identificação fiscal …, doravante designado por “Fundo”, aqui devidamente representado pela sua sociedade gestora B... – SOCIEDADE GESTORA DE ORGANISMOS DE INVESTIMENTO COLETIVO, S.A. (“Requerente”), com o número de identificação fiscal 502 801 026, veio, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Decreto‐Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ou “RJAMT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112‐A/2011, de 22 Março, requerer a constituição de tribunal arbitral na sequência da formação da presunção de indeferimento tácito do Pedido de Revisão Oficiosa apresentado pela Requerente, junto da Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”), em 01,06.20 ‐ que aqui se junta como Documento 1 e se dá por reproduzido para todos os efeitos legais –, com vista à anulação parcial dos atos tributários de liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”) n.º 2019 142..., 2019 142... e 2019 142... com referência ao ano de 2019, no montante de € 23.975,73, os quais se juntam sob a designação de Documento 2, nos termos e com os fundamentos que se expõem de seguida.

 

2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD, em 18.10.2021.

 

3. Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 2, alínea a), 6.º, n.º 1 e 11.º, n.º 1 do RJAT, o Conselho Deontológico deste Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) nomeou como árbitro singular o Professor Doutor Jónatas Machado, em 07.12.2021.

 

4. As partes foram devidamente notificadas dessa designação, à qual não opuseram recusa, nos termos conjugados dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas b) e c) e 8.º do RJAT e 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

5. Por força do preceituado na alínea c) do n.º 1 e do n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 27.12.2021.

 

6.A AT, tendo para o efeito sido devidamente notificada, ao abrigo do disposto no artigo 17.º do RJAT, apresentou a sua resposta por exceção e impugnação em 26.01.2022.

 

7. Por não ter sido requerida pelas partes e ser considerada desnecessária, o Tribunal dispensou a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, e determinou o prosseguimento do processo com alegações escritas facultativas, a apresentar pelas partes no prazo simultâneo de 20 dias, conforme previsto no artigo 120.º, n.º 1, do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

 

8. A Requerente apresentou as suas alegações finais em 21.02.2022, respondendo às exceções invocadas pela AT e reiterando a sua argumentação, tendo a Requerida, em alegações de 22.02.2022, remetido para a posição inicialmente expressa e juntado aos autos da decisão arbitral n.º 510/2021-T.

           

1.1.Apresentação dos factos

 

9. O Fundo é um fundo especial de investimento imobiliário fechado, constituído por subscrição particular, gerido e administrado pela sociedade gestora aqui identificada, sendo proprietário, no âmbito da sua atividade, de diversos prédios, incluindo terrenos para construção, estando em causa os terrenos para construção avaliados em 2009 e em 2020 inscritos na matriz predial inscritos na matriz predial da freguesia de Loulé sob os artigos 9..., 9..., 9..., 9..., 9..., 9..., 9... e 9....

 

10. O Fundo foi notificado dos atos tributários de liquidação de IMI, n.ºs 2019 142..., 2019 142... e 2019 142..., com referência ao ano de 2019, no montante global de € 39.012,99, tendo procedido ao pagamento, integral e atempado, das mesmas.

 

11. As referidas liquidações de IMI contabilizaram, para efeitos de determinação do valor tributável tributário (VPT) e do correspondente montante de IMI a pagar pelo Fundo, os VPT dos terrenos para construção, valores estes que estavam fixados segundo a fórmula adotada à data pela AT e que considerava a aplicação de coeficientes de (i) localização, (ii) de afetação e / ou (iii) de qualidade e conforto, conforme resulta das cadernetas prediais urbanas iniciais.

 

12. Entretanto, face ao expressamente consagrado no artigo 45.º do CIMI e nos termos preconizados pela jurisprudência constante do STA quanto à errónea aplicação dos coeficientes acima mencionados na determinação dos VPT para construção, a AT veio corrigir o cálculo e a fixação dos VPT dos terrenos para construção, deixando de aplicar tais coeficientes, conforme resulta das cadernetas prediais urbanas e detalhado na seguinte Tabela:

           

 

 

 

 

13. A desconsideração dos coeficientes acima elencados traduz‐se numa redução significativa dos VPT destes terrenos, embora os novos VPT resultantes destes processos de avaliação só tenham sido aceites pela AT para as liquidações futuras de IMI.

 

14. Pese embora a AT tenha corrigido a fórmula de cálculo dos VPTs de alguns dos terrenos para construção anteriormente detidos pelo Fundo, não procedeu à revisão das liquidações de IMI anteriores, apesar de ter conhecimento de ter procedido erroneamente à fixação dos VPT dos referidos imóveis.

 

15. No ano de 2019, relativamente aos terrenos para construção em apreço, a AT liquidou um montante de imposto superior ao montante legalmente devido face aos VPT que deveriam ter sido considerados à data para efeitos de cálculo da coleta de IMI para esse ano.

 

16. Relativamente ao conjunto de terrenos para construção objeto dos atos tributários de liquidação de IMI, a expurgação dos coeficientes de localização, afetação e/ou qualidade e conforto aplicáveis aos VPT destes terrenos que serviram de base para cálculo da coleta de IMI destas liquidações resulta em VPT de montantes inferiores aos utilizados para efeitos do cálculo do imposto.

 

17. Por entender verificado um erro nos pressupostos de facto e direito do qual resulta uma ilegal liquidação (parcial) de IMI, e não se conformando com a posição da AT quanto aos atos tributários de liquidação de IMI em causa, a Requerente apresentou, em 15.06.2021, pedido de revisão oficiosa destes atos tributários, o qual a mesma presume tacitamente indeferido por inércia da AT em emitir uma decisão dentro do prazo de 4 meses.

 

1.2.Argumentos das partes 

18. Na petição inicial e nas alegações finais a Requerente veio sustentar a procedência do seu pedido com base nos argumentos que aqui se sintetizam:

Indeferimento tácito e impugnação judicial

  1. O pedido de revisão oficiosa sub judice foi submetido dentro do prazo legal de quatro anos consagrado no artigo 78.º da LGT;
  2. A impugnação judicial é o meio processual adequado para reagir contenciosamente contra o ato silente da AT, nas situações em que esta não tenha decidido, dentro do prazo que dispunha para o efeito, quanto à revisão oficiosa formulada pela Requerente, e que, nos termos do n.º 5 do artigo 57.º da LGT, fez presumir o indeferimento (tácito) desse mesmo pedido;
  3. Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT e dos n.os 1 e 2 do artigo 102.º do CPPT, o presente Tribunal Arbitral é competente para conhecer do pedido de declaração de ilegalidade do indeferimento tácito e, bem assim, do ato tributário de IMI subjacente ao mesmo;
  4. O pedido arbitral é tempestivo, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, na medida em que a presunção do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa em análise se formou em 15.10.2021, nos termos do artigo 57.º da LGT, pelo que o prazo para apresentação deste pedido termina em 15.01.2022, tendo o mesmo sido aceite a 18.10.2021.
  5. Conforme o disposto no n.º 3 do artigo 45.º do CIMI, a fixação da percentagem do valor do terreno de implantação – esta sim um dos elementos legais para efeitos de cálculo dos VPT de “terrenos para construção” –    tem em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º, disposição normativa esta que diz respeito à fixação do coeficiente de localização, estipulando que deve ter‐se em consideração certas características tais como: a acessibilidade; a proximidade de equipamentos sociais, designadamente escolas, serviços públicos e comércio; os serviços de transporte públicos; a localização em zonas de elevado valor de mercado imobiliário;
  6. O fator de localização do “terreno para construção” é, já, considerado na percentagem prevista no n.º 3 do artigo 45.º do CIMI, ao passo que nos prédios urbanos classificados como habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, por sua vez, o fator de localização é considerado através da aplicação do coeficiente de localização;
  7. Os coeficientes de afetação (estabelecido no artigo 41.º), de localização (definido no artigo 42.º), de qualidade e conforto (regulado no artigo 43.º) e de vetustez (consagrado no artigo 44.º) não são aplicáveis aos “terrenos para construção”, não fazendo parte da fórmula de cálculo consagrada no n.º 1 do artigo 45.º do CIMI, mas sem prejuízo de este mesmo cálculo poder considerar elementos e características igualmente relevantes para efeitos de determinação estes coeficientes;
  8. A consideração do coeficiente de localização aquando do cálculo do VPT de “terrenos para construção” determina que a mesma realidade fáctica (a localização) seja duplamente tida em consideração – i.e. na determinação da percentagem do valor do “terreno de implantação” – que é a percentagem legalmente prevista para efeitos de cálculo de “terrenos para construção” – e na determinação do  VPT considerando o coeficiente de localização per si – coeficiente este que não se encontra previsto como um dos elementos de cálculo do VPT destes terrenos;
  9. A aplicação, pela AT, dos coeficientes de afetação e de localização, constantes do artigo 38.º do CIMI, – especificamente aplicáveis a prédios edificados – na determinação do VPT do terreno para construção, duplica os critérios utilizados e resulta na determinação ilegal de um VPT excessivo e, consequentemente, na emissão de liquidações de IMI igualmente excessivas;
  10. A Lei de Orçamento do Estado para 2021 (Lei n.º 75‐B/2020, de 31 de dezembro) veio alterar este artigo 45.º do CIMI, modificando a fórmula de cálculo dos valores patrimoniais tributários dos “terrenos para construção”;
  11. A modificação legislativa à redação do artigo 45.º do Código do IMI só produziu efeitos (e, consequentemente, a nova fórmula só é aplicável) a partir de 01.01.2021 – i.e. para efeitos de liquidações de IMI referentes a anos anteriores a essa data dever‐se‐á aplicar a redação deste artigo 45.º e respetiva fórmula que vigoravam antes desta alteração efetuada pelo legislador;
  12. A jurisprudência do STA tem sido constante e reiterada de que a fórmula de cálculo / determinação do VPT dos “terrenos para construção” não deve considerar (i) o coeficiente de localização, (ii) o coeficiente de afectação, e (iii) o coeficiente de qualidade e conforto, jurisprudência esta que foi fundamental para a recente alteração do paradigma da fórmula final que deverá ser aplicada para a avaliação dos prédios que integram a espécie de terrenos para construção, introduzida recentemente pela AT;
  13. Uma vez que a composição da percentagem do valor da área de implantação e o coeficiente de localização assentam nas mesmas características, a utilização simultânea de ambos os fatores na fórmula de cálculo do VPT dos terrenos para construção resultaria (e tem resultado) numa situação em que temos a mesma realidade a influenciar duplamente o valor fiscal destes imóveis;
  14. Os coeficientes de localização, qualidade e conforto, fatores multiplicadores do VPT contidos na expressão matemática do artigo 38.º do CIMI com que se determina o VPT dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços e bem assim o coeficiente de afetação não podem ser aplicados analogicamente por serem suscetíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do IMI;
  15. A própria AT reconheceu, recentemente, o erro por si cometido ao longo dos últimos anos quanto à determinação (e avaliação) destes VPT, tendo alterado o método (ilegal) por si utilizado para estes efeitos, passando a desconsiderar, conforme os termos fixados na lei, os coeficientes de localização, de afetação e de qualidade e conforto;
  16. Os VPT dos “terrenos para construção” detidos pelo Fundo no ano 2019, ainda consideravam a aplicação (errónea, conforme supra demonstrado) dos coeficientes de localização, de afetação e / ou de qualidade e conforto, existindo um erro flagrante nos pressupostos de facto e de direito quanto à determinação dos VPT dos mesmos, erro este da responsabilidade exclusiva da AT, e que, conforme infra demonstrado, teve repercussões prejudiciais para o Fundo quanto ao IMI devido (e pago) no ano em apreço;

Resposta às exceções da AT

  1. Tanto a apreciação da legalidade das liquidações como a da legalidade de atos de fixação de valores patrimoniais se inserem nas competências dos tribunais arbitrais, nos termos do artigo 2.º, n.º1, alíneas a) e b), do RJAT;
  2. Nos termos do artigo 66.º, n.º1 e 2, da LGT, a suscetibilidade de impugnação administrativa dos atos interlocutórios de um determinado procedimento tributário não impede que os interessados possam recorrer ou impugnar a decisão final daquele mesmo procedimento com fundamento em qualquer ilegalidade; 
  3. As exceções ao princípio da impugnação unitária foram criadas para assegurar o pleno cumprimento do princípio da tutela jurisdicional efetiva, sendo contraproducente tais exceções serem indiscriminadamente invocadas de uma forma que possa pôr em causa este mesmo princípio da tutela jurisdicional efetiva;
  4. Nos termos do artigo 99.º do CPPT, a errónea quantificação dos valores patrimoniais (bem como de demais valores / matérias coletáveis de tributos) constitui ilegalidade que fundamenta a apresentação de impugnações judiciais de atos tributários de liquidação de tributo, não tem razão de ser (nem base legal como acima referido) que tal fundamento seja afastado pelo mero facto de o ato de quantificação desses valores patrimoniais ser suscetível de impugnação prévia e autónoma pelo contribuinte;
  5. Estando consolidado na ordem jurídica o VPT de cada um dos prédios aqui em causa, a anulação parcial dos atos impugnados não terá de acarretar consigo a alteração desses valores, mas antes e apenas a correção dos atos tributários de liquidação de IMI ou AIMI cuja ilegalidade não pode deixar de ser reconhecida e cuja possibilidade de impugnação não se extinguiu;
  6. A possibilidade de uma impugnação autónoma de um ato  intermédio ou preparatório (v.g. inscrição da matriz, atualização da matriz, fixação do valor patrimonial tributário) não impede o contribuinte em impugnar / contestar o ato de liquidação cuja ilegalidade assenta nesse ato lesivo ‐ i.e. a impugnabilidade autónoma do ato preparatório ou interlocutório (enquanto regra especial) não impede a impugnação unitária do ato final (i.e. do ato de liquidação que dai resulte) com base em vícios assentes naqueles atos, quando estes atos não tenham sido objeto de impugnação autónoma pelo contribuinte (e, acrescente‐se, no âmbito da qual tais atos já tenham sido julgados como não sofrendo de nenhuma ilegalidade);
  7. Não se admitindo, in casu, a impugnação dos atos tributários com fundamento em ilegalidade, sempre será de se admitir a impugnação dos atos com fundamento na manifesta situação de injustiça grave ou notória, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 78.º da LGT, que aqui resulta patente.

 

19.A Requerida respondeu sustentando a sua posição, por via de exceção e impugnação, com os argumentos que em seguida se sintetizam:

Exceção

  1. O pedido formulado pela Requerente prende-se com a ilegalidade de um ato destacável, ele próprio autonomamente atacável e não com a declaração de ilegalidade de um qualquer ato tributário previsto no artigo 2.º do RJAT;
  2. Aos atos de liquidação impugnados não é imputado qualquer vício específico da operação de liquidação ou do seu procedimento, sendo antes invocados vícios dos atos que fixaram o VPT;
  3. O tribunal arbitral é materialmente incompetente para apreciar vícios de atos de fixação do VPT, atos esses que são destacáveis e autonomamente impugnáveis e encontram-se consolidados na ordem jurídica;
  4. Por força do artigo 168, n.º 1, do CPA os atos de avaliação – de que resulta a fixação do VPTs – praticados há mais de cinco anos não podem ser objeto de anulação administrativa;
  5. Não se verifica qualquer ilegalidade dos atos impugnados, nem qualquer erro por parte dos serviços, pois a AT limitou-se a dar integral cumprimento ao disposto na lei;
  6. De acordo com o princípio da tipicidade, as competências dos órgãos constitucionais são apenas as expressamente enumeradas na Constituição e as competências constitucionalmente fixadas não podem ser transferidas para órgãos diferentes daqueles a quem a Constituição os atribui;
  7. A fixação judicial do conteúdo ato sempre violaria o núcleo essencial dos limites da competência dos tribunais administrativos deslocando para o órgão judicial a atividade administrativa da esfera da Autoridade tributária, em claro desrespeito pelos princípios da indisponibilidade e da tipicidade de competências;

Impugnação

  1. As liquidações foram efetuadas com base nos VPT dos prédios que constavam das matrizes a 31 de dezembro do respetivo ano os quais, pois por força do decurso do tempo, já não podem ser objeto de anulação administrativa;
  2. Face ao novo entendimento da AT no que se refere à fórmula de cálculo do VPT dos terrenos para construção considera-se prejudicado o referido no ppa 39º a 102º, bem como a suscitada inconstitucionalidade do artigo 35º do Código do IMI quando interpretada no sentido de os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º terem aplicação na determinação do VPT dos terrenos para construção;
  3. Tendo o pedido de revisão oficiosa sido apresentado a 15/06/2021, tem necessariamente de se concluir que o pedido de revisão oficiosa de atos de liquidação calculados sobre os atos de avaliação dos terrenos para construção anteriores de 2009 são intempestivos;
  4. Os atos de fixação do VPT são atos destacáveis direta e autonomamente impugnáveis, sendo o princípio da impugnação unitária expressamente afastado neste caso pelo artigo 86.º da LGT; 
  5. Não tendo a Requerente colocado em causa o VPT obtido pela 1.ª avaliação, requerendo uma 2.ª avaliação, o mesmo fixou-se, não sendo possível conhecer na posterior liquidação, de eventuais erros ou vícios cometidos nessa avaliação;
  6. Na ausência durante um certo lapso de tempo de contestação ou de qualquer manifestação de oposição, o valor patrimonial tributário consolida-se na ordem jurídica, por força do princípio da segurança jurídica;
  7. Os atos administrativos podem ser objeto de anulação administrativa no prazo de 6 meses, a constar da data do conhecimento do órgão da causa da invalidade ou, nos casos de invalidade resultante de erro do agente, desde o momento da cessação do erro e em qualquer caso, desde que não tenham decorrido 5 anos, a contar da respetiva emissão, nos termos artigo 168,º, n.º1, do CPA;
  8. As avaliações, em que foram considerados os coeficientes de localização e afetação na determinação do VPT dos terrenos para construção, efetuadas há mais de cinco anos já não podem ser objeto de anulação administrativa por determinação legal;
  9. Já se encontra precludido o prazo para anulação administrativa do ato que fixe VPT o qual se encontra sanado e produz efeitos jurídicos, nomeadamente para efeitos de cálculo de IMI;
  10. Sendo inatacável ato que fixe o VPT a lei veda a possibilidade de se tornear a falta de impugnação contenciosa tempestiva reabrindo a usa impugnabilidade no sentido de vir a obter por esta via os efeitos típicos da impugnação que não foi efetuada no devido tempo, sem que isso represente uma violação do princípio constitucional da igualdade;
  11. Uma vez que, à data dos factos, a AT fez a aplicação da lei, não lhe pode imputado qualquer erro para efeitos de pagamento de juros indemnizatórios ao contribuinte, nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT.

 

1.3. Saneamento  

 

20. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, nos termos n.º 1 do artigo 10.º do RJAT e as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e mostram-se devidamente representadas.

 

21. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído (artigos 5.º, n.º 2, 6.º, n.º 1, e 11.º do RJAT), e é materialmente competente (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT), de acordo com os fundamentos infra. 

 

22. O processo não padece de nulidades podendo prosseguir-se para a decisão da causa.

 

2FUNDAMENTAÇÃO

2.1Factos dados como provados

23. Com base nos documentos trazidos aos autos são dados como provados os seguintes factos relevantes para a decisão do caso sub judice:

  1. O Fundo é um fundo especial de investimento imobiliário fechado, constituído por subscrição particular, gerido e administrado pela sociedade gestora aqui identificada, sendo proprietário, no âmbito da sua atividade, de diversos prédios, incluindo terrenos para construção.
  2. O Fundo foi notificado dos atos tributários de liquidação de IMI, n.ºs 2019 142..., 2019 142... e 2019 142..., com referência ao ano de 2019, no montante global de € 39.012,99 (cf. Documento 2), tendo procedido ao pagamento, integral e atempado, das mesmas.
  3. As liquidações de IMI n.ºs 2019 142..., 2019 142... e 2019 142... contabilizaram, para efeitos de determinação do valor tributável e do correspondente montante de IMI a pagar pelo Fundo, os valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, valores estes que estavam fixados segundo a fórmula adotada à data pela AT e que considerava a aplicação de coeficientes de (i) localização, (ii) de afetação e / ou (iii) de qualidade e conforto, conforme resulta das cadernetas prediais urbanas iniciais (Documento 3)
  4. A AT corrigiu o cálculo e a fixação dos valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, deixando de aplicar tais coeficientes (Documento 4)

 

 

2.2Factos não provados

 

24. Com relevo para a decisão sobre o mérito não existem factos alegados que devam considerar-se como não provados.

 

2.3Motivação

25. Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada (cf. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

26. Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões objeto do litígio (v. 596.º, n.º 1, do CPC, ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

27. Assim, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

2.4Questão decidenda

 

2.4.1. Indeferimento tácito

 

28. A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT). Incluem-se ainda nas competências dos tribunais arbitrais do CAAD competências para apreciar atos de segundo ou terceiro grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de atos daqueles tipos, designadamente de atos que decidam reclamações graciosas ou pedidos de revisão oficiosa e recursos hierárquicos, como se depreende das referências expressas que se fazem no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT ao n.º 2 do artigo 102.º do CPPT (que se reporta à impugnação judicial de decisões de reclamações graciosas), aos «atos suscetíveis de impugnação autónoma» e à «decisão do recurso hierárquico».[1]

 

29. Não obstante, a impugnação judicial é o meio processual adequado para reagir contenciosamente contra o ato silente da AT, nas situações em que esta não tenha decidido, dentro do prazo que dispunha para o efeito, quanto ao pedido de revisão oficiosa formulado por um contribuinte, e que, nos termos do n.º 5 do artigo 57.º da LGT, fez presumir o indeferimento (tácito) desse mesmo pedido. Este é uma ficção jurídica destinada a possibilitar ao interessado o acesso aos tribunais, para obter tutela para os seus direitos ou interesses legítimos, nos casos de inércia da administração tributária sobre pretensões que lhe foram apresentadas[2]. Em caso de indeferimento tácito de reclamação graciosa, recurso hierárquico ou pedido de revisão, poderá ser apresentada impugnação judicial, por força do disposto na alínea d), n.º 1 do artigo 102.º do CPPT. Em face do exposto, julga-se improcedente a exceção de incompetência deste Tribunal Arbitral para julgar a presente ação.

 

30. Nos termos do artigo 15.º do CIMI, a avaliação dos prédios urbanos é direta sendo, por esse motivo, também objeto de impugnação contenciosa direta, dependendo esta do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão (artigo 86.º, n.ºs 1 e 2, da LGT). De acordo com o disposto no artigo 134.º, n.º s1 e 7, do CPPT, a impugnação dos atos de fixação dos VPT pode ser levada a cabo no prazo de três meses após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade, não tendo a mesma um efeito suspensivo e só podendo ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação.

 

31. O legislador quis afastar a possibilidade de impugnação indireta da fixação do VPT, na sequência da notificação de atos de liquidação que a tenham como pressuposto, como são os de IMI. Não foi criada uma exceção de ilegalidade que o sujeito passivo pudesse invocar sempre que fosse efetuada uma liquidação com base num VPN ilegal não impugnado tempestivamente. Pelo contrário, o legislador parece ter vindo a exigir a observância de um prazo de impugnação de três meses juntamente com o esgotamento dos meios de revisão previstos no procedimento de avaliação, dessa forma reclamando do sujeito passivo uma medida razoável de due dilligence.[3]

 

32. Se o sujeito passivo não se conformar com o resultado da avaliação direta de prédios urbanos, o mesmo sempre pode requerer ou promover uma segunda avaliação, no prazo de 30 dias contados da data em que tenha sido notificado (artigo 76.º, n.º 1, do CIMI). Do resultado das segundas avaliações, e só dele, cabe impugnação judicial nos termos do CPPT (artigo 77.º, n.º 1 do CIMI), visto que aí se esgotam os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação.

 

33. Os atos de avaliação e fixação dos VPT previstos no CIMI são atos destacáveis, para efeitos de impugnação contenciosa, sendo suscetíveis de impugnação direta autónoma. Por conseguinte, não pode a impugnação dos atos de liquidação transformar-se num meio de impugnação indireta e sem prazo daqueles atos. Os mesmos sedimentaram-se na ordem jurídica a partir do momento em que não se verificou o tempestivo esgotamento dos meios graciosos previstos nos procedimentos de avaliações e a subsequente impugnação direta e autónoma a deduzir no prazo de três meses, nos termos dos n.ºs 1 e 7 do artigo 134.º do CPPT.

 

34. Por razões de segurança jurídica e proteção da confiança, ínsitas no princípio do Estado de direito, o ato de fixação do VPT adquire então força jurídica, em termos análogos ao caso julgado, valendo desse modo relativamente aos atos subsequentes de liquidação de IMI, sendo que esta, nos termos do artigo 113.º do CIMI, é levada a cabo anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos VPT dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita.

 

35. A natureza de atos destacáveis que é atribuída aos atos de avaliação de valores patrimoniais é, há muito, reconhecida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo[4], de onde decorre que os alegados vícios dos atos cálculo do VPT que   que não foram tempestivamente impugnados não podem ser fundamento de anulação das liquidações de IMI, sob pena de não fazer sentido o regime do 134.º, n.º s1 e 7, do CPPT.

 

36. Como se diz no Acórdão do CAAD no Processo n.º 480/2020-T, de 10.05.2021, “este regime de impugnação autónoma justifica-se por razões de coerência do sistema jurídico tributário inerentes ao facto de cada ato de avaliação poder servir de suporte a uma pluralidade de atos de liquidação de impostos (liquidações anuais de IMI e eventuais liquidações de IMT) e ser relevante para vários efeitos a nível de IRS (   ), IRC (   ) e Imposto do Selo (   ), o que não se compagina com a possibilidade de plúrima avaliação incidental que se reconduzisse à fixação de diferentes valores patrimoniais tributários para o mesmo prédio, no mesmo momento.”

 

37. Assim, o regime de impugnação autónoma dos atos de determinação do VPT justifica-se por referência aos  princípios da unidade e coerência do sistema jurídico tributário, sendo que cada ato de avaliação pode servir de base a múltiplos atos de liquidação posteriores e adquirir relevância no contexto de diversos impostos, não podendo aqueles atos de avaliação ficar à mercê de fiscalizações sucessivas, concretas e incidentais, introduzindo incoerência, insegurança, imprevisibilidade e desigualdade no sistema.  

 

38. O contribuinte que se considere lesado por um ato de determinação do VPT sempre dispõe de um prazo razoável para impugnação, sendo que, transcorrido o mesmo, o princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança, com os seus corolários de previsibilidade, igualdade e regularidade da atuação administrativa, impõem a consolidação desse VPT na ordem jurídica, daqui resultando que, em princípio, as liquidações de IMI não podem ser anuladas com  fundamento nos alegados erros dos atos de avaliação e fixação do VPT. Com efeito, do teor literal do artigo 78.º, n.º1, da LGT, parece resultar que a expressão “qualquer ilegalidade” nele contida se reporta aos atos tributários em si mesmos, no caso, aos atos de liquidação, e não a atos anteriores, com os atos de fixação do VPT. Reconhece-se, não obstante, que a questão controvertida[5].

 

39. Refira-se, porém, que em nome do princípio da justiça material os n.ºs 4 e 5 do art. 78.º da LGT admitem a possibilidade de revisão oficiosa de atos de fixação da matéria tributável, a que se reconduzem os atos de fixação do VPT, a título excecional, «com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte». Tem sido entendido que o facto de a lei determinar que o dirigente máximo do serviço possa autorizar, excecionalmente, a revisão, não obsta à possibilidade de convolação da reclamação graciosa em pedido de revisão com fundamento em injustiça grave ou notória pois tal poder de autorização não é mera faculdade mas, antes, um verdadeiro poder-dever, poder estritamente vinculado, suscetível de aplicação a todos os casos, verificados que sejam os referidos requisitos[6].

 

40. Ora, invocando o Requerente erros na aplicação do direito exclusivamente imputáveis à AT de que resultou uma coleta em IMI consideravelmente superior àquela que seria legalmente devida, em termos suscetíveis de configurar uma injustiça grave ou notória para efeitos do artigo 78.º, n.º 4, da LGT, há que apreciar a questão de saber se estão reunidos os requisitos desta revisão excecional. 

 

41. Não está em causa, deve ser dito em primeiro lugar, a revisão oficiosa ao abrigo do CIMI e do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, visto que, como decorre do teor literal do artigo 115.º, ele reporta-se a revisão oficiosa de atos de liquidação de IMI e não a atos de fixação dos valores patrimoniais. Por outro lado, como se está diante de normas especiais aplicáveis sem prejuízo do disposto no artigo 78.º da LGT, a revisão oficiosa está limitada pelas condições aí indicadas, designadamente a de que, quando o pedido de revisão não é apresentado dentro do prazo da reclamação administrativa, a revisão só pode ser efetuada se existir erro imputável aos serviços.

 

42. No caso em apreço, os atos de liquidação de IMI sindicados não enfermam, em si mesmos, de qualquer erro imputável aos serviços, visto que, tal como se dispõe no artigo 113.º, n.º 1, do CIMI  «o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita». Foi exatamente isso que foi feito pela AT.

 

43. Assim, tendo as liquidações sido efetuadas com base nos valores patrimoniais dos prédios que constavam das matrizes em 31.12.2018, não se pode dizer que existem erros por parte da AT nas liquidações, pelo que indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa não enferma de ilegalidade. Como se disse anteriormente, os atos de fixação dos VPT já tinham adquirido estabilidade e força jurídica por não terem sido impugnados tempestivamente.

 

44. Resta indagar, em seguida, se existe margem para admitir a revisão oficiosa de atos de fixação de VPT ao abrigo dos n.ºs 3 e 4 do artigo 78.º da LGT. Se é verdade que no caso dos n.ºs 1 e 6 estão em causa atos de liquidação (como se infere do termo inicial do prazo de quatro anos previsto no n.º 1), já as situações previstas no âmbito normativo dos seus n.ºs 4 e 5 deste artigo 78.º abrangem atos de fixação do VPT, sendo que estes fixam a matéria tributável relativamente ao IMI.

 

45. Como anteriormente se disse, embora o n.º 4 do artigo 78.º da LGT disponha que “o dirigente máximo do serviço pode autorizar, excecionalmente» a «revisão da matéria tributável», trata-se de um poder-dever estritamente vinculado sujeito a controle jurisdicional, como tem entendido o Supremo Tribunal Administrativo, que constitui uma espécie de válvula de segurança do sistema jurídico imposta pela justiça e pela verdade materiais.

 

46. Há muito que se entende que os tribunais arbitrais do CAAD não estão impedidos de apreciar o cumprimento pela AT do dever de efetuar a revisão oficiosa de atos de fixação da matéria tributável com fundamento em injustiça grave e notória, pois, «a forma processual adequada à apreciação do pedido de anulação do ato de fixação da matéria tributável com fundamento em injustiça grave ou notória é, igualmente, a impugnação judicial (arts. 78.º, n.º 3, da LGT e 97.º n.º, 1 alínea b), do CPPT)».

 

47. Neste domínio, a revisão não depende da existência de erro imputável aos serviços, mas apenas de que se esteja perante «injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte». Se for esse o caso, este poder-dever implica a sua aplicação, verificados que sejam os referidos requisitos.

 

48. O prazo dentro do qual deve ser autorizada a revisão da matéria tributável pelo dirigente máximo do serviço é o previsto no n.º 4, do artigo 78.º. da LGT, reduzido aos três anos posteriores ao do ato tributário de liquidação. Estando em causa liquidações referentes ao ano de 2019, o pedido de revisão oficiosa, apresentado pela Requerente, junto da AT em 01.06.2021, não é intempestivo, pelo que tem de se apreciar se se verificam os requisitos da revisão.

 

49. A fixação da matéria tributável foi levada a cabo pela AT, com base numa fórmula prevista na lei, sem que se tenha demonstrado que a Requerente de alguma maneira forneceu qualquer informação errada quanto à natureza dos prédios, pelo que o eventual erro na aplicação na fórmula de avaliação invocado pela Requerente não pode ser considerado imputável a um seu comportamento negligente. O erro que a Requerente imputa à fixação de valores patrimoniais levada a cabo pela AT é o de ter aplicado à avaliação de terrenos para construção, normas legais relativas às avaliações dos prédios edificados, erro que a própria AT reconheceu e corrigiu, seguindo a jurisprudência do STA[7].

 

50. Relativamente ao coeficiente de afetação, o artigo 45º do CIMI é a norma específica que regula a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, pelo que os coeficientes de afetação, fatores multiplicadores do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38º do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços não podem ser aplicados analogicamente por serem suscetíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto[8]

 

51. No entender da Requerente, a interpretação do artigo 45.º do CIMI, no sentido de que os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º do CIMI devem ser atendidos no apuramento do VPT deste tipo de prédios – por analogia ou outra técnica de interpretação –, sempre atentará contra o princípio da legalidade tributária, no sentido de reserva de lei formal, ínsito na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2 do artigo 103.º, ambos da CRP. Ainda que fosse julgado procedente, atentas as razões substantivas em que se baseia, este entendimento não implicaria necessariamente a reabertura das situações ocorridas no passado e que, entretanto, adquiriram força jurídica análoga ao caso julgado, como é o caso dos atos de fixação dos VPT não impugnados tempestivamente, por aplicação analógica do artigo 282.º, n.º 3, da CRP.

 

52. No que diz respeito à existência de uma injustiça grave ou notória, para efeitos do n.º 4 do artigo 78.º da LGT, importa atentar para o n.º 5 do mesmo artigo onde se dispõe que «para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional». No caso vertente, a tabela junta aos autos afigura-se evidente a natureza «grave» da injustiça gerada com as erradas avaliações, na medida em que a errónea utilização em duplicado dos coeficientes na determinação do VPT se traduz, em 2019, na mais do que duplicação, e nalguns casos triplicação, da coleta, no montante total de € 23.975,73. Por outro lado, considera-se observado, pela Requerente, o prazo de três anos.

 

53. Verificam-se, assim, todos os requisitos de que depende a revisão da matéria tributável prevista nos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT, pelo que em vez do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, AT deveria ter efetuado a revisão e anulado parcialmente a liquidação relativa ao ano de 2019[9]. Pelo exposto, justifica-se a anulação do indeferimento tácito, na parte respeitante à liquidação relativa ao exercício de 2019, bem como a anulação parcial destas liquidações, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do CPA subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT. Diante da possibilidade de consolidação do ato de fixação VPT no sistema jurídico, por falta de impugnação atempada do sujeito passivo, o n.º 4 do 78.º da LGT compatibiliza razoavelmente as exigências de justiça material e tutela jurisdicional efetiva com o princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança dos cidadãos, todos eles ínsitos no princípio do Estado de direito.

 

 

2.4.2. Reembolso de quantia paga e juros indemnizatórios

 

54. A Requerente pagou em excesso a quantia de € 23.975,73, requerendo o respetivo reembolso, com juros indemnizatórios. Decorre do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT e 100.º da LGT que sobre a AT impende o dever de reconstituição imediata e plena da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, como resulta, fazendo este último preceito referência expressa ao pagamento de juros indemnizatórios, compreendido nesse efeito repristinatório do statu quo ante.

 

55. No n.º 1 do artigo 43.º da LGT reconhece-se o direito a estes juros quando se determinar em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços. O artigo 43.º, n.º 3, alínea c) da LGT institui uma disciplina específica para os casos de revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte, constituindo-se a obrigação de indemnizar na esfera da Requerida somente depois de decorrido um ano a contar do pedido de revisão, salvo se o atraso não for imputável à AT.  No caso, a serem devidos juros indemnizatórios, os mesmos só se contarão a partir de 02.06.2022, visto o pedido de revisão oficiosa ter sido apresentado em 01.06.2021. 

 

 

3. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar procedente o Pedido e determinar:

  1. A anulação parcial dos atos tributários que constituem o seu objeto, relativos às liquidações de IMI n.º 2019 142..., 2019 142... e 2019 142... com referência ao ano de 2019, porque contrários à lei, por padecerem de erro nos pressupostos de facto e de direito;
  2. A condenação da AT a reembolsar a Requerente do valor do IMI pago em excesso, no montante global de a € 23.975,73, relativamente às liquidações sub judice, e, bem assim, ao pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, até ao reembolso integral do montante referido, na eventualidade de se verificarem os pressupostos do artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT.

 

4VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 23.975,73, nos termos do artigo 306.º, n.º 1 do CPC e do 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, interpretados em conformidade com o artigo 10.º, n.º 2, alínea e), do RJAT.

 

5CUSTAS

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 1 224.00, a cargo da Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e do artigo 4.º, n.º 4, do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I anexa ao mesmo.

 

 

 

Notifique-se.

Lisboa, 25 de fevereiro de 2022

 

O Árbitro

 

 

Jónatas E. M. Machado

 

 

 



[1] Mais desenvolvidamente, Processo n. 510/2020-T, de 25.10.2021

[2] Neste sentido, Acórdão do CAAD, Processo n.º 597/2020-T, de 30.09.2021; Decisão do CAAD Processo n. 501/2020-T, de 25.10.2021.

[3] Acórdãos do CAAD, Processo n.º 254/2021-T, 05.10.2021; Processo n.º 487/2020-T, 10.05.2021.

[4] Cfr., por exemplo, Acórdãos do STA nos Processos n.º 023160, de 30.06.1999; n.º 02007/02 de 02.04.2003; n.º 037/11 de 06.02.2011 n.º 0659/12 de 19.09.2012; n.º 08/13, de 05.02.2015; n.º 0173/16 de 13.07.2016; n. º 0885/16, de 10.05.2017.

[5] Reconhece-se ampla divergência jurisprudencial e doutrinal quanto a este aspeto. Cfr. Acórdão do TCAS, Processo n.º 2765/12.8BELRS, 31.10.2019; Acórdão do STA, proferido no processo n.º 0312/15, 31.03.2017.

[6] Neste sentido, STA, IISec, Processo n.º 0329/11, 02.11.2011.

[7] Cfr. entre outros, Processos n.º 0732/12.0BEALM 01348/17, de 13.01.2021, n.º 0133/18, de 14.11.2018; n.º 0897/16, de 28.06.2017; n.º 01107/16, de 05.04.2017.

[8] Cfr., Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA de 03/07/2019 (Processo nº 016/10.9BELLE); e ainda, Acórdão do STA no Processo nº 824/15, de 20.04.2016.

[9] Cfr., em sentido convergente, Decisão do CAAD no Processo n. 501/2020-T, de 25.10.2021.