Decisão Arbitral
Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Gonçalo Marquês de Menezes Estanque e Dr. Álvaro Caneira, designados pelo Conselho Deontológico do CAAD para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 10-09-2021, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., contribuinte n.º ... (”A...”), B..., contribuinte n.º ... (”B..."), C..., contribuinte nº ... (”C...") e D..., contribuinte n.º ... (”D..."), todas com sede na … Lisboa, (conjuntamente designadas "Requerentes") vieram requerer a constituição de Tribunal Arbitral nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), tendo em vista a
a) a anulação do ato tácito de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado pelas Requerentes junto do Serviço de Finanças de Portimão;
b) a anulação dos atos de liquidação de IMI dos anos de 2015, 2016 e 2017 e AIMI referentes aos anos de 2017 e 2018;
c) restituição do IMI e AIMI indevidamente pagos.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT”).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 02-07-2021.
Em 16-06-2021, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação dos Árbitros, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT.
Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 10-09-2021.
A AT apresentou resposta em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral e suscitou excepções da inimpugnabilidade do ato de liquidação com base em vícios da fixação valor patrimonial tributário e da intempestividade do pedido de revisão oficiosa quanto às liquidações de IMI de 2015.
Por despacho de 16-10-2021 foi decidido dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações, com possibilidade de as Requerentes se pronunciarem sobre as questões da inviabilidade de os actos de liquidação serem anulados com fundamento em alegados erros nas avaliações dos prédios e à tempestividade do pedido de revisão oficiosa relativo a liquidações referentes ao ano de 2015.
As Requerentes pronunciaram-se sobre estas e apresentaram um documento, que não foi admitido.
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
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As Requerentes eram em 2015, 2016, 2017 e 2018, proprietárias dos lotes de terreno para construção sitos na freguesia e concelho de Portimão, no distrito de Faro, inscritos na matriz predial urbana sob os seguintes artigos:
(i) U-..., pertencente à A...;
(ii) U-..., pertencente à B...;
(iii) U-..., pertencente à C...; e
(iv) U-..., pertencente à D... (cadernetas prediais e liquidações que constam dos documentos n.ºs 1, 2 e 3 também juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
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Os lotes de terreno referidos foram avaliados em 10-04-2006, nos termos da avaliação geral dos prédios urbanos, sendo aplicado o coeficiente de localização de 1,95 em relação todos eles e sendo considerado o valor base dos prédios edificados com a majoração prevista no artigo 39.º do CIMI, na redacção anterior à da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro (documento n.º 1);
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As Requerentes não requereram segundas avaliações dos prédios referidos;
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Relativamente à A..., foi liquidado e pago IMI e AIMI relativamente ao prédio referido de que era proprietária, de harmonia com os quadros que seguem:
(documentos n.ºs 2, 3 e 4 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
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Relativamente à B..., foi liquidado e pago IMI e AIMI relativamente ao prédio referido de que era proprietária, de harmonia com os quadros que seguem:
(documentos n.ºs 2, 3 e 4 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
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Relativamente à C..., foi liquidado e pago IMI e AIMI relativamente ao prédio referido de que era proprietária, de harmonia com os quadros que seguem:
(documentos n.ºs 2, 3 e 4 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
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Relativamente à D..., foi liquidado e pago IMI e AIMI relativamente ao prédio referido de que era proprietária, de harmonia com os quadros que seguem:
(documentos n.ºs 2, 3 e 4 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
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Por discordarem das referidas liquidações as Requerentes apresentaram, em 04-12-2020, junto do Serviço de Finanças de Portimão, um pedido de revisão oficiosa, solicitando a anulação dos actos de liquidação de IMI dos anos de 2015, 2016 e 2017 e de AIMI dos anos de 2017 e 2018, nos termos do artigo 78.º da LGT (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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A Autoridade Tributária e Aduaneira não se pronunciou sobre o pedido de revisão oficiosa até 01-07-2021, data em que as Requerentes apresentaram o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo;
2.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente.
A Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou processo administrativo.
Não há controvérsia sobre a matéria de facto.
3. Matéria de direito
As Requerentes apresentaram um pedido de revisão oficiosa de liquidações de IMI e AIMI invocando o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 31-10-2019, proferido no processo n.º 2675/12.8BELRS, que reconheceu que os actos de liquidação de IMI podiam ser impugnados através de pedido de revisão oficiosa por vício na avaliação de valores patrimoniais, ao abrigo dos n.ºs 1 e 4 do artigo 78.º da LGT, mesmo que não tivessem sido objecto de impugnação.
Na sequência de pedido de revisão oficiosa, são impugnadas neste processo liquidações de IMI e AIMI, com fundamento em erros de actos de avaliação de valores patrimoniais, pedindo a Requerente a sua anulação.
A Autoridade Tributária e Aduaneira não se pronunciou sobre o pedido de revisão oficiosa e, no presente processo, defende que os vícios dos actos de avaliação de valores patrimoniais não podem servir de fundamento à anulação de actos de IMI ou AIMI que os tenham como pressuposto e que, à face do n.º 4 do artigo 78.º da LGT, foi intempestivo o pedido de revisão oficiosa de liquidações relativas ao ano de 2015.
As Requerentes pronunciaram-se sobre esta questão, invocando o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 31-10-2019, proferido no processo n.º 2765/12.8BELRS, e defendendo a possibilidade de anulação das liquidações com fundamento em erro imputável aos serviços de que resultou injustiça grave e notória.
3.1. Questão da possibilidade de conhecer vícios de actos de avaliação em impugnação de actos de liquidação que neles se basearam.
São meios processuais diferentes, com efeitos distintos, a impugnabilidade directa de actos de liquidação, com os efeitos retroactivos próprios da declaração de anulabilidade e direito a juros indemnizatórios, e a possibilidade de revisão oficiosa, com os fundamentos previstos no artigo 78.º da LGT, com efeitos mais limitados, designadamente a nível de direito a juros indemnizatórios, como resulta do disposto no artigo 43.º, n.ºs 1 e 3 da LGT. ( [1] )
No caso em apreço, não foi apresentada reclamação graciosa ou impugnação judicial dos actos de liquidação de IMI e AIMI nos prazos respectivos (previstos nos artigos 70.º, n.º 1, e 102.º n.º 1, do CPPT), mas foi pedida a revisão oficiosa que, nos termos do artigo 78.º da LGT, além de outros casos, pode ser pedida no prazo de quatro anos a contar dos actos de liquidação com fundamento em erro imputável aos serviços nos termos do seu n.º 1, ou nos três anos posteriores ao do acto tributário com fundamento em injustiça grave e notória, nos termos dos seus n.ºs 4 e 5.
Da revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, prevista nos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT, decorre a anulação dos actos de liquidação que se tenham baseado nessa matéria tributável, pois são actos consequentes.
Em qualquer caso, a revisão por iniciativa da administração tributária (dita oficiosa), tanto da liquidação (n.º 1) como da matéria tributável (n.ºs 4 e 5), é admitida também a pedido do contribuinte, como se conclui do teor expresso do n.º 7 do artigo 78.º ou referir que «interrompe o prazo da revisão oficiosa do acto tributário ou da matéria tributável o pedido do contribuinte dirigido ao órgão competente da administração tributária para a sua realização».
Esta questão da invocação de vícios de actos de avaliação em procedimento de revisão oficiosa foi apreciada no acórdão proferido em 10-05-2021, no processo arbitral n.º 487/2020-T, cuja jurisprudência aqui se reafirma, no essencial.
Por força do preceituado no artigo 15.º do CIMI a avaliação dos prédios urbanos é directa e, por isso, ela é «susceptível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa directa» (artigo 86.º, n.º 1, da LGT).
Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo 86.º da LGT, «a impugnação da avaliação directa depende do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão».
Os termos da impugnação da avaliação directa de valores patrimoniais constam do artigo 134.º do CPPT, em que se estabelece que:
– «os atos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de três meses após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade» (n.º 1); e
– «a impugnação referida neste artigo não tem efeito suspensivo e só poderá ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação» (n.º 7).
Como decorre do n.º 1 do artigo 134.º, ao fixar um prazo especial de três meses para impugnação de actos de fixação de valores patrimoniais, «com fundamento em qualquer ilegalidade», e do n.º 7 do mesmo artigo, ao exigir o esgotamento dos meios graciosos, está afastada a possibilidade de essa impugnação com fundamento em ilegalidade se fazer, por via indirecta, na sequência da notificação de actos de liquidação que a tenham como pressuposto, como são os de IMI, sem observância do prazo de impugnação referido e sem esgotamento dos meios de revisão previstos no procedimento de avaliação.
No âmbito do IMI e do AIMI, quando o sujeito passivo não concordar com o resultado da avaliação directa de prédios urbanos, pode requerer ou promover uma segunda avaliação, no prazo de 30 dias contados da data em que o primeiro tenha sido notificado (artigo 76.º, n.º 1, do CIMI).
Só do resultado das segundas avaliações (que esgotam os meios graciosos do procedimento de avaliação) cabe impugnação judicial nos termos do CPPT (artigo 77.º, n.º 1 do CIMI).
Isto significa que os actos de avaliação de valores patrimoniais previstos no CIMI são actos destacáveis, para efeitos de impugnação contenciosa, sendo objecto de impugnação autónoma, não podendo na impugnação dos actos de liquidação que com base neles sejam efectuadas discutir-se a legalidade daqueles actos.
Assim, o sujeito passivo de IMI ou de AIMI pode impugnar as liquidações, mas não são relevantes como fundamentos de anulação eventuais ilegalidades dos antecedentes actos de fixação de valores patrimoniais, que se tenham firmado na ordem jurídica, por falta de tempestivo esgotamento dos meios graciosos previstos nos procedimentos de avaliações e de subsequente impugnação autónoma a deduzir no prazo de três meses, nos termos dos n.ºs 1 e 7 do artigo 134.º do CPPT.
Na verdade, não sendo impugnado tempestivamente o acto de fixação de valores patrimoniais, forma-se caso decidido ou resolvido sobre a avaliação, que se impõe em sede de liquidação de IMI e AIMI, sendo que «o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita» (artigo 113.º do CIMI).
Este regime de impugnação autónoma justifica-se por razões de coerência do sistema jurídico tributário inerentes ao facto de cada acto de avaliação poder servir de suporte a uma pluralidade de actos de liquidação de impostos (liquidações anuais de IMI e AIMI e eventuais liquidações de IMT) e ser relevante para vários efeitos a nível de IRS ( [2] ), IRC ( [3] ) e Imposto do Selo ( [4] ), o que não se compagina com a possibilidade de plúrima avaliação incidental que se reconduzisse à fixação de diferentes valores patrimoniais tributários para o mesmo prédio, no mesmo momento.
Por outro lado, a caducidade do direito de acção derivada da inércia do lesado por actos administrativos durante um prazo razoável, é generalizadamente justificada por razões de segurança jurídica, necessária para adequado funcionamento da administração pública, que é um valor constitucional ínsito no princípio do Estado de Direito democrático e é reconhecida generalizadamente em matéria administrativa e tributária.
O prazo de impugnação de três meses para impugnação de actos de fixação de valores patrimoniais é perfeitamente razoável, sendo o prazo geral previsto na lei para a impugnação da generalidade dos actos administrativos com fundamentos geradores de vícios de anulabilidade (artigo 58.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e artigo 102.º do CPPT).
A natureza de actos destacáveis que é atribuída aos actos de avaliação de valores patrimoniais é, há muito, reconhecida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, desde o tempo em que regime idêntico ao do artigo 134.º, n.ºs 1 e 7 do CPPT, previsto nos n.ºs 1 e 6 do artigo 155.º do Código de Processo Tributário de 1991, quer em sede de Sisa, quer de contribuição autárquica, quer de IMI quer de IMT, como pode ver-se pelos seguintes acórdãos:
– de 30-06-1999, processo n.º 023160 ([5] ):
– de 02-04-2003, processo n.º 02007/02;
– de 06-02-2011, processo n.º 037/11;
– de 19-09-2012, processo n.º 0659/12 ([6] )
– de 5-2-2015, processo n.º 08/13;
– de 13-7-2016, processo n.º 0173/16;
– de 10-05-2017, processo n.º 0885/16.
Pelo exposto, as ilegalidades dos actos de avaliação invocados pela Requerente, que não foram objecto de impugnação tempestiva autónoma, não podem considerar-se ilegalidades dos actos de liquidação de AIMI, susceptíveis de serem invocadas em processo impugnatório destes actos.
Por outro lado, o pedido de revisão não foi efectuado no prazo a reclamação administrativa a que se refere a 1.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, pelo que só poderia ser feita a revisão com fundamento em erro imputável aos serviços, nos termos da 2.ª parte daquele número.
Ora, os actos de liquidação de IMI e AIMI que são impugnados no presente processo não enfermam, em si mesmos, de qualquer erro imputável aos serviços, designadamente a nível do valor patrimonial a que foram aplicadas as taxas de IMI e AIMI, pois, por força do disposto no artigo 135.º-C, n.º 1, do CIMI «o valor tributável corresponde à soma dos valores patrimoniais tributários, reportados a 1 de janeiro do ano a que respeita o adicional ao imposto municipal sobre imóveis, dos prédios que constam nas matrizes prediais na titularidade do sujeito passivo».
Assim, tendo as liquidações sido efectuadas com base nos valores patrimoniais dos prédios que constavam das matrizes a 1 de Janeiro dos anos a que respeitam o IMI e AIMI, não há erro da Administração Tributária ao efectuar as liquidações e, por isso, o pedido de revisão oficiosa não podia ser deferido ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.
3.2. Questão da admissibilidade de revisão oficiosa dos actos com fundamento em injustiça grave ou notória
Diferente da questão da impugnabilidade dos actos de liquidação de AIMI com fundamento em ilegalidade, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, é a da possibilidade da revisão da matéria tributável com fundamento em injustiça grave ou notória, prevista no n.º 3 do artigo 78.º da LGT, que a Requerente também pediu subsidiariamente no pedido de revisão oficiosa invocando o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 31-10-2019, proferido no processo n.º 2675/12.SBELRS (artigo 15.º do requerimento), e reafirma no presente processo no artigo 20.º do pedido de pronúncia arbitral e artigo 58.º do requerimento de 04-11-2021.
Na verdade, a utilidade prática da revisão com fundamento em injustiça grave ou notória verifica-se apenas após o decurso do prazo da reclamação administrativa, precisamente quanto a actos que não podem ser impugnados com fundamento em qualquer ilegalidade ou em erro imputável aos serviços.
A possibilidade de revisão oficiosa de actos de avaliação de valores patrimoniais não está prevista no CIMI. Designadamente, o artigo 115.º do CIMI reporta-se a actos de liquidação e não a actos de fixação de valores patrimoniais.
Assim, só à face do regime geral da revisão oficiosa, previsto no artigo 78.º da LGT, se pode aventar a possibilidade de revisão, nos termos dos seus n.ºs 4 e 5, que estabelecem o seguinte:
4. O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.
5. Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.
Da revisão da matéria tributável prevista no n.º 4 do artigo 78.º decorrerá a anulação dos actos consequentes que a tenham como pressuposto, como são os actos de liquidação de IMI.
Apesar de neste n.º 4 do artigo 78.º da LGT se referir que «o dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente» a «revisão da matéria tributável», trata-se de um poder-dever, estritamente vinculado, cujo cumprimento é sujeito a controle jurisdicional, como tem entendido o Supremo Tribunal Administrativo:
– «o facto de a lei determinar que “o dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente,” a revisão, não obsta à possibilidade de convolação da reclamação graciosa em pedido de revisão com fundamento em injustiça grave ou notória pois tal poder de autorização não é mera faculdade mas, antes, um verdadeiro poder-dever»; trata-se de «um poder estritamente vinculado»; ( [7] )
– «a previsão constante do dito art. 78.º n.º 4, como excepcional, é de entender como correspondendo a um poder-dever que implica a sua aplicação a todos os casos, verificados que sejam os referidos requisitos». ( [8] )
Por outro lado, como decorre do n.º 7 do artigo 78.º das LGT, esta revisão com fundamento em injustiça grave ou notória pode ser efectuada a pedido do contribuinte e, neste caso, pode ser efectuada após o prazo de três anos, pois o pedido do contribuinte interrompe o prazo inicial, contando-se um novo prazo a partir da apresentação do pedido. ( [9] )
Nestas situações em que o erro está na fixação da matéria tributável e não propriamente nos subsequentes actos de liquidação, a revisão não depende da existência de erro imputável aos serviços ou de ilegalidade desses actos, mas apenas que se esteja perante «injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte».
Por outro lado, como entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no citado acórdão de 17-02-2021, a previsão da autorização como excepcional, não afasta o «poder-dever que implica a sua aplicação a todos os casos, verificados que sejam os referidos requisitos».
3.2.1. Tempestividade do pedido de revisão oficiosa para efeitos do n.º 4 do artigo 78.º da LGT
O prazo para ser autorizada a revisão da matéria tributável pelo dirigente máximo do serviço não é o previsto no n.º 1, mas sim o prazo reduzido aos «três anos posteriores ao do acto tributário», previsto no n.º 4 do artigo 78.º.
Os «três anos posteriores ao do acto tributário» terminam no dia 31 de Dezembro do terceiro ano posterior àquele em que foi praticado o acto tributário.
As liquidações foram emitidas em 2016, 2017, 2018 e 2019 (relativamente a IMI e AIMI dos anos de 2015, 2016, 2017 e 2018, respectivamente).
No que concerne às liquidações relativas a IMI do ano de 2015, emitidas em 2016, em relação às quais a Autoridade Tributária e Aduaneira questiona a tempestividade do pedido de revisão oficiosa, os três anos posteriores terminaram em 31-12-2019.
Por isso, tendo o pedido de revisão oficiosa sido apresentado em 04-12-2020, tem de se concluir que foi apresentado intempestivamente, quanto às liquidações relativas a IMI do ano de 2015.
Assim, quanto a estas liquidações relativas a 2015 justificava-se o indeferimento do pedido de revisão oficiosa, que foi presumido, nos termos do artigo 57.º, n.º 5, da LGT.
Pelo exposto, improcede o pedido de pronúncia arbitral quanto à impugnação das liquidações relativas ao IMI do ano de 2015.
Quanto às restantes liquidações de IMI e AIMI, importa apreciar se se verificam os requisitos previstos nos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT.
3.2.2. Apreciação da verificação ou não dos Requerentes previstos nos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT
3.2.2.1. Exigência de que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte
A fixação da matéria tributável foi efectuada pela Administração, com base numa fórmula prevista na lei, sem que se tenha demonstrado que a Requerente tenha fornecido qualquer informação errada quanto à natureza dos prédios, pelo que o eventual erro na aplicação na fórmula de avaliação invocado pela Requerente não pode ser considerado imputável a um seu comportamento negligente.
3.2.2.2. Erros imputados pela Requerente à fixação de valores patrimoniais relativos à aplicação de coeficientes aplicáveis a prédios edificados
As Requerentes imputam à fixação de valores patrimoniais subjacente às liquidações impugnadas terem aplicado à avaliação de terrenos para construção, normas legais relativas às avaliações dos prédios edificados, designadamente os artigos 39.º, 41.º, 42.º e 45.º do CIMI, nas redacções da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (vigente até à Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro), estabelecem o seguinte, no que aqui interessa:
Artigo 39.º
Valor base dos prédios edificados
1 - O valor base dos prédios edificados (Vc) corresponde ao valor médio de construção, por metro quadrado, adicionado do valor do metro quadrado do terreno de implantação fixado em 25% daquele valor.
(...)
Artigo 41.º
Coeficiente de afectação
O coeficiente de afectação (Ca) depende do tipo de utilização dos prédios edificados, de acordo com o seguinte quadro:
(...)
Artigo 42.º
Coeficiente de localização
(...)
3 - Na fixação do coeficiente de localização têm-se em consideração, nomeadamente, as seguintes características:
a) Acessibilidades, considerando-se como tais a qualidade e variedade das vias rodoviárias, ferroviárias, fluviais e marítimas;
b) Proximidade de equipamentos sociais, designadamente escolas, serviços públicos e comércio;
c) Serviços de transportes públicos;
d) Localização em zonas de elevado valor de mercado imobiliário.
4 - O zonamento consiste na determinação das zonas homogéneas a que se aplicam os diferentes coeficientes de localização do município e as percentagens a que se refere o n.º 2 do artigo 45.º
Artigo 45.º
Valor patrimonial tributário dos terrenos para construção
1 - O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação.
2 - O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.
3 - Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º
4 - O valor da área adjacente à construção é calculado nos termos do n.º 4 do artigo 40.º .
5 - Quando o documento comprovativo de viabilidade construtiva a que se refere o artigo 37.º apenas faça referência aos índices do PDM, devem os peritos avaliadores estimar, fundamentadamente, a respectiva área de construção, tendo em consideração, designadamente, as áreas médias de construção da zona envolvente. (aditado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30-12)
O Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a decidir, uniformemente, na esteira Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 23-10-2019, processo n.º 170/16.6BELRS 0684/17, que
I – Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção há que observar o disposto no artigo 45.º do Código do IMI, não havendo lugar à consideração do coeficiente de qualidade e conforto (cq).
II – O artigo 45 do CIMI é a norma específica que regula a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção.
III – O coeficiente de qualidade e conforto, factor multiplicador do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços não pode ser aplicado analogicamente por ser susceptível de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto
Na fundamentação deste acórdão refere-se o seguinte:
O terreno em causa nos autos integra uma das espécies de prédios urbanos na categoria de terreno para construção. E, tratando-se de uma das espécies de prédio urbano o valor patrimonial deverá ser determinado por avaliação directa (nº 2 do artigo 15 do CIMI) devendo ser avaliado de acordo com o disposto no artigo 45º do mesmo compêndio normativo pois que a fórmula prevista no nº 1 do artigo 38 do CIMI (Vt= Vc x A x CA x CL x Cq x Cv) apenas tem aplicação aos prédios urbanos aí discriminados ou seja àqueles que já edificados estão para habitação, comércio, indústria e serviços (assim se decidiu no ac. deste STA de 20/04/2016 tirado no recurso 0824/15 disponível no site da DGSI - Jurisprudência do STA) onde se expendeu:
(…)
Todavia o legislador não incluiu aí os terrenos para construção que também classifica de prédios urbanos no artigo 6º do CIMI.
Para a determinação do valor patrimonial tributário dos mesmos há a norma do artigo 45 já referida onde apenas é relevada a área de implantação do edifício a construir e o terreno adjacente e as características do nº 3 do artigo 42.
Os restantes coeficientes não estão aí incluídos porquanto apenas podem respeitar aos edifícios, como tal.
O coeficiente de afectação só pode relevar face à comprovada utilização do prédio edificado e bem assim o de conforto e qualidade.
Tais coeficientes multiplicadores do valor patrimonial tributário apenas respeitam ao edificado mas não têm base real de sustentação na potencialidade que o terreno para construção oferece.
A aplicação destes factores valorizadores na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos de construção só poderia ser levada a cabo por analogia com o disposto no artigo 38 do CIMI.
Mas porque a aplicação desses factores tem influência na base tributável tal analogia está proibida por força do disposto no nº 4 do artigo 11 da LGT por se reflectir na norma de incidência na medida em que é susceptível de alterar o valor patrimonial tributário. A aplicação desses coeficientes na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção seria violadora do princípio da legalidade e da reserva de lei consagrado no artigo 103 nº 2 da CRP.
A própria remissão para os artigos 42 e 40 do CIMI constante do artigo 45 e mesmo a redacção dada ao artigo 46 relativo ao valor patrimonial tributário dos prédios da espécie “outros” em que expressamente se refere que “o valor patrimonial tributário é determinado nos termos do artigo 38 com as necessárias adaptações “é demonstrativo de que na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não entram outros factores que não sejam o valor da área da implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação.
É que mesmo a remissão feita para os artigos 42 e 40 do CIMI não consagra a aplicação dos coeficientes aí referidos mas apenas acolhe, respectivamente as características que hão-de determinar o valor do coeficiente a utilizar e o modo de cálculo.
O que se compreende face à definição de terrenos para construção do nº 3 do artigo 6 do C.I.M.I.(…)
Concordando e não olvidando a doutrina expressa por José Maria Fernandes Pires in Lições de Impostos Sobre o Património e do Selo 2012, 2ª edição pp104 de que “o valor de um terreno para construção corresponde, fundamentalmente, a uma expectativa jurídica, consubstanciada num direito de nele se vir a construir um prédio ou prédios com determinadas características e com determinado valor,” e que para a avaliação de terrenos para construção a lei manda separar duas partes do terreno (uma primeira parte a do terreno onde vai ser implantado o edifício a construir) e uma segunda parte a restante constituída pelo terreno que fica livre no lote de terreno para construção expressando que para alcançar o valor da primeira parte é necessário proceder à avaliação do edifício a construir como se ele já estivesse construído.
Com o devido respeito, não se acolhe integralmente esta doutrina pelas dúvidas e imprecisões que pode acarretar e que em matéria fiscal devem ser evitadas. Desde logo a lei, no artº 6º nº 3 do CIMI classifica de terrenos para construção realidades que não têm aprovado qualquer projecto de construção pelo que a sua inexistência determina por si só a inviabilidade de efectuar o cálculo da chamada área de implantação do edifício porque inexistente mesmo em projecto e por outro lado, nos casos em que existe esse projecto (parece ser o caso dos autos uma vez que no processo administrativo apenso se faz referência a uma moradia unifamiliar (vide fls.48 a 56)) cumpre salientar que a qualidade e o conforto têm de ser efectivos o que se compreende porque o direito tributário se preocupa com realidades e verdades materiais não podendo a expectativa ou potencial construção de um edifício com anunciados/programados índices de qualidade e conforto integrar um conceito que objectivamente, só é palpável e medível se efectivada a construção e se, realizada sem desvios ao constante da comummente conhecida “memória descritiva” que acompanha cada projecto de construção. Também é certo que a valorização imediata do prédio por efeito da atribuição do alvará de terreno para construção não deixará de ser levada em conta para efeitos de tributação, em caso de alienação, com a tributação noutra sede tributária.
Como se expressou no acórdão deste STA a que supra fizemos referência
(…) Efectivamente o coeficiente de afectação tem a ver com o tipo de utilização do prédio já edificado e o mesmo se diga do coeficiente de qualidade e conforto.
Nos terrenos em construção as edificações aprovadas são meramente potenciais e é o valor dessa capacidade construtiva, geradora de acréscimo de valor patrimonial ou riqueza para o seu proprietário que se procura taxar. E não factores ainda não materializados (…).
Tendo em conta a realidade o legislador consagrou para a determinação do valor patrimonial tributário desta espécie de prédios a regra específica constante do supra referido artigo 45 do CIMI e não outra, onde reitera-se se tem em conta o valor da área de implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação bem como as características de acessibilidade, proximidade, serviços e localização descritas no nº 3 do artigo 42, tendo em conta o projecto de construção aprovado, quando exista, e o disposto no nº 2 do artigo 45 do C.I.M.I, mas não outras características ou coeficientes.
Isto só pode significar que na determinação do seu valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação integral a fórmula matemática consagrada no artigo 38º do CIMI onde expressamente se prevê, entre outros o coeficiente, aqui discutido, de qualidade e conforto relacionado com o prédio a construir. O que, faz todo o sentido e dá coerência ao sistema de tributação do IMI uma vez que os coeficientes previstos nesta fórmula só podem ter a ver com o que já está edificado, o que não é o caso dos terrenos para construção alvo de tributação específica, sim, mas na qual não podem ser considerados para efeitos de avaliação patrimonial factores ainda não materializados. E, sendo verdade que para calcular o valor da área de implantação do edifício a construir a lei prevê que se pondere o valor das edificações autorizadas ou previstas (artº 45º nº 2 do CIMI) para tal desiderato, salvo melhor opinião não necessitamos/devemos entrar em linha de conta, necessariamente, com o coeficiente de qualidade e conforto pois que não estando materializado não é medível/quantificável, sendo consabido da experiência comum que um projecto de edificação contemplando possibilidades modernas de inserção acessória de equipamentos vulgarmente associados ao conceito de conforto tais como ar condicionado, videovigilância robótica doméstica, luzes inteligentes etc, se edificado/realizado com defeitos pode não se traduzir em qualquer comodidade ou bem estar, antes pelo contrário ser fonte de problemas/insatisfações e dispêndios financeiros.
Esta jurisprudência foi posteriormente reafirmada pelo Supremo Tribunal Administrativo, como pode ver-se, entre vários outros, pelos acórdãos seguintes acórdãos:
– de 05-04-2017, processo n.º 01107/16 («Na fórmula final de cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação do coeficiente de localização, na medida em que esse factor de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no nº 3 do art. 45º do CIMI»);
– de 28-06-2017, processo n.º 0897/16 («II – Os coeficientes de afectação e conforto, factores multiplicadores do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços não podem ser aplicados analogicamente por serem susceptíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto. III – Na fórmula final de cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação do coeficiente de localização, na medida em que esse factor de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no nº 3 do art. 45º do CIMI»).
– de 16-05-2018, processo n.º 0986/16 («O coeficiente de qualidade e conforto, factor multiplicador do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços e bem assim o coeficiente de afectação não podem ser aplicados analogicamente por serem susceptíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto (IMI)»;
– de 14-11-2018, processo n.º 0133/18 («No cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação do coeficiente de localização, na medida em que esse fator de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no nº 3 do art. 45º do CIMI»;
– 23-10-2019, processo n.º 170/16.6BELRS 0684/17 («os coeficientes de localização, qualidade e conforto, factores multiplicadores do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços e bem assim o coeficiente de afectação não podem ser aplicados analogicamente por serem susceptíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto (IMI).»
– de 13-01-2021, processo n.º 0732/12.0BEALM 01348/17 («Relativamente à avaliação de terrenos para construção, sobre o que regula o art. 45.º do C.I.M.I., não são de aplicar os coeficientes ou características não especificamente previstos, entre os quais o coeficiente de qualidade e conforto».
Na linha desta jurisprudência, é de entender que a avaliação dos terrenos para construção devia ser efectuada sem aplicação dos coeficientes não especificamente previstos, entre os quais os coeficientes de localização, de qualidade e conforto e de afectação.
No caso em apreço, como se vê pelas cadernetas prediais foram aplicados coeficientes de localização.
Assim, à face da jurisprudência referida, tem de se concluir que a fixação de valores patrimoniais destes prédios enferma dos erros que a Requerente lhes imputa, que são exclusivamente imputáveis à Administração Tributária que praticou os actos de avaliação.
3.2.2.3. Erro na aplicação da majoração de 25% prevista o artigo 39.º, n.º 1, do CIMI
O artigo 39.º, n.º 1, do CIMI, na redacção anterior à Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro, estabelece que «o valor base dos prédios edificados (Vc) corresponde ao valor médio de construção, por metro quadrado, adicionado do valor do metro quadrado do terreno de implantação fixado em 25% daquele valor».
A Requerente imputa aos actos de avaliação ainda erro por a fórmula de cálculo utilizada pela Autoridade Tributária e Aduaneira na avaliação dos terrenos para construção considerar indevidamente o valor base dos prédios edificados (€ 603,00) ao invés do valor médio de construção, por metro quadrado, em vigor até 2018 (€ 482,40) sem aplicação da majoração de 25% relativa ao valor do metro quadrado do terreno de implantação constante do artigo 39.º, n.º 1, do Código do IMI.
O valor médio da construção por metro, para efeitos do artigo 39.º do CIMI, manteve-se em € 482,40 entre os anos de 2012 a 2016, em que foram efectuadas e aplicadas as avaliações em causa (Portarias n.ºs 307/2011, de 31 de Dezembro, 424/2012, de 28 de Dezembro, 370/2013, de 27 de Dezembro, 280/2014, de 30 de Dezembro, e 419/2015, de 31 de Dezembro).
Como resulta do teor daquele artigo 39.º, n.º 1, a majoração de 25% nele prevista reporta-se apenas a «prédios edificados». ( [10] )
Por outro lado, o artigo 45.º do CIMI, na redacção anterior à Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro, que estabelece as regras da determinação do Valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não remete para o artigo 39.º em contém qualquer alusão ao «valor base dos prédios edificados», que veio apenas a ser introduzida por aquela Lei.
Assim, na linha da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo sobre os coeficientes, é de entender que não havia suporte legal para aplicar a majoração prevista no artigo 39.º do CIMI a avaliação de terrenos para construção.
Por isso, não tendo nas avaliações em causa sido aplicado aquele valor médio da construção por metro de € 482,40, mas o valor com a majoração de 25%, os actos de avaliação são também ilegais por violação dos artigos 39.º, n.º 1 , e 45.º do CIMI, nas redacções referidas.
3.2.2.4. Injustiça grave ou notória
O último requisito da revisão oficiosa ao abrigo do n.º 4 do artigo 78.º da LGT é o de o apuramento da matéria tributável consubstanciar «injustiça grave ou notória».
O n.º 5 do artigo 78.º esclarece o alcance destes conceitos, estabelecendo que «para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional».
Aquele requisito é exigido em alternativa, como se depreende do uso da conjunção «ou».
No caso em apreço, afigura-se ser manifesta a natureza «grave» da injustiça gerada com as erradas avaliações, pois, a tributação em IMI dos prédios referidos foi consideravelmente superior ao devido, em mais de 90%, pois foi aplicado o coeficiente de localização de 1,90 e ainda foi aplicada ao valor base o valor médio de construção, por metro quadrado, com a majoração prevista no artigo 39.º do CIMI.
3.2.3. Conclusão
Verificam-se, assim, todos os requisitos de que depende a revisão da matéria tributável prevista nos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT, pelo que em vez do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, a Autoridade Tributária e Aduaneira deveria ter efectuado a revisão e anulado parcialmente as liquidações de IMI e AIMI relativas aos anos de 2016, 2017 e 2018.
Pelo exposto, justifica-se a anulação do indeferimento tácito do pedido de revisão, quanto à revisão da matéria tributável, bem como as anulações parciais das consequentes liquidações de IMI e AIMI, nas partes em que excederam o que seria devido se tivessem tido como pressupostos avaliações realizadas nos termos legais [artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT].
4. Reembolso de quantias pagas
A Requerente pede o reembolso do imposto indevidamente pago.
Como consequência da anulação parcial das liquidações há lugar a reembolso das quantias indevidamente pagas.
Não havendo elementos para determinar exactamente os valores a reembolsar, eles deverão ser determinado em execução do presente acórdão, de harmonia com o disposto no artigo 609.º, n.º 2, do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
5. Decisão
De harmonia com o exposto acordam neste Tribunal Arbitral em:
-
Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral;
-
Anular parcialmente as seguintes liquidações de IMI:
– n.ºs 2016 103..., 2016 103... e 2016 103...;
– n.ºs 2017 118..., 2017 118... e 2017 118...;
– 2016 104..., 2016104... e 2016 104...;
– 2017 118…, 2017 118... e 2017 118...;
– 2016 087…, 2016 087... e 2016 087...;
– 2017 052…, 2017 052... e 2017 052...;
– 2016 100…, 2016 100... e 2016 100...;
– 2017 119…, 2017 119... e 2017 119…;
-
Anular parcialmente as seguintes liquidações de AIMI:
– n.º 2017 004… e 2018 007…;
– n.ºs 2017 004… e 2018 007…;
– n.ºs 2017 004… e 2018 007…;
– n.ºs 2017 004… e 2018 007…,
-
Anular parcialmente o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa na parte correspondente às liquidações anuladas;
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Julgar procedente o pedido de reembolso e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar a cada uma das Requerentes os valores pagos em excesso relativamente às liquidações anuladas;
-
Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto às liquidações relativas a IMI do ano de 2015 e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira deste pedido, na parte respectiva.
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 555.295,01, atribuído pela Requerente, sem contestação da Autoridade Tributária e Aduaneira.
7. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 8.568,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo das Requerentes na percentagem de 22,73% e a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira na percentagem de 77,27%.
Lisboa, 11-11-2021
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(Gonçalo Marquês de Menezes Estanque)
(Álvaro Caneira)
[1] Sobre os diferentes efeitos da impugnação judicial ou reclamação graciosa nos prazos respectivos e os efeitos da revisão oficiosa pedido para além desses prazos, pode ver-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-07-2006, processo n.º 0402/06.
[2] Artigos 10.º, n.º 6, alínea d), 31.º, n.º 13, alínea d), 41.º, n.º 4, 43.º, n.º2, alínea b), 45.º, n.º 3, 46.º, n.º 3, e 51.º, n.º 2, do CIRS.
[3] Artigos 56.º, n.º 2, 64.º, n.ºs 2, 3, alíneas a) e b), 4 e 5, 139.º, n.º 1, 2, e 3 do CIRC.
[4] Artigos 13.º, n.ºs 1, 6 e 7, 31º, n.º 2, , 32.º do Código do Imposto do Selo ,
[5] Publicado em https://dre.pt/web/guest/pesquisa/-/search/3997226/details/normal?q=23160.
[6] Refere-se neste aresto:
Na verdade, em sede de IMI, a lei prevê um procedimento de determinação da matéria tributável – a avaliação do prédio (art. 14.º do CIMI) – que termina com o acto de fixação do VPT que serve de base à liquidação do imposto. Este acto, como é sabido, é um acto destacável para efeitos de impugnação contenciosa, pelo que é autonomamente impugnável, numa excepção ao princípio da impugnação unitária que, em regra, vigora no processo tributário (cfr. art. 134.º do CPPT) e que se encontra «em sintonia com o preceituado no art. 86.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que os actos da avaliação directa são directamente impugnáveis»
(...)
[t]ratando-se de actos destacáveis e inexistindo qualquer restrição relativa às ilegalidades que podem ser objecto de impugnação contenciosa, os vícios de que enferme o referido acto de avaliação apenas poderão ser arguidos em impugnação do acto de avaliação e não do acto de liquidação que seja praticado com base naquele, já que a atribuição da natureza de acto destacável tem por fim, precisamente, autonomizar os vício deste acto para efeitos de impugnação contenciosa »
[7] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07-10-2009, processo n.º 0476/09.
No mesmo sentido, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 02-11-2011, processo n.º 329/11 e de 14-12-2011, processo n.º 366/11.
[8] Neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17-02-2021, processo n.º 39/14.9BEPDL 0578/18.
[9] Como está ínsito no conceito de «interrupção», explicitado no artigo 326.º do Código Civil.
[10] A Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro, deu nova redacção a este artigo 39.º, em que se suprime esta expressão, mas não é aplicável a factos anteriores à sua entrada em vigor.