Sumário:
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Os atos de avaliação de valores patrimoniais previstos no CIMI são atos destacáveis, para efeitos de impugnação contenciosa, sendo objeto de impugnação autónoma, não podendo na impugnação dos atos de liquidação que com base neles sejam efetuadas discutir-se a legalidade daqueles atos.
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Os vícios de atos de avaliação de valores patrimoniais não podem ser invocados em impugnação de atos de liquidação de IMI que os têm como pressupostos.
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A não impugnação tempestiva dos referidos atos de avaliação conduz à formação de caso decidido ou resolvido sobre a avaliação do prédio em causa.
DECISÃO ARBITRAL
Os Árbitros Guilherme W. d´Oliveira Martins, Marisa Isabel de Almeida Araújo e José Ramos Alexandre, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, decidem o seguinte:
I. Relatório
A - O Requerente A…, S.A., doravante abreviadamente designado por “Requerente”, com o número de identificação fiscal … e sede na …, Porto, vem, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos n.os 1 e 2 do artigo 10.º, ambos do Decreto‐Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ou “RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112‐A/2011, de 22 de Março, requerer a CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL na sequência da formação da presunção de indeferimento tácito da Reclamação Graciosa apresentada pelo Requerente, junto da Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) com vista à anulação (parcial) dos atos tributários do Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”) n.º 2019 …, 2019 … e 2019 …, com referência ao ano de 2019, no valor total de € 129.489,78 (cf. Documento 2), nos termos e com os fundamentos que se expõem de seguida:
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Por não se conformar com o indeferimento tácito da Reclamação Graciosa por si apresentada no passado dia 25 de maio de 2021 (cf. Documento 1 e 3) e, por conseguinte, com a legalidade dos atos de liquidação de IMI que lhe estão subjacentes, o ora Requerente vem suscitar a apreciação junto deste Tribunal da legalidade dos supra referidos atos, requerendo a anulação (parcial) dos mesmos com as devidas consequências legais.
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Em suma, constitui objeto mediato da presente petição, a apreciação da legalidade dos atos tributários de liquidação de IMI n.º 2019 …, 2019 … e 2019 …, com referência ao ano 2019, no montante global de € 129.489,78 (cf. Documento 2).
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O Requerente peticiona igualmente a restituição do IMI indevidamente pago, como consequência natural do deferimento do presente pedido.
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No âmbito da sua atividade, o Requerente é proprietário de diversos prédios, incluindo terrenos para construção.
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Neste contexto, o Requerente foi notificado dos atos tributários de liquidação de IMI, n.ºs 2019 …, 2019 … e 2019 …, com referência ao ano de 2019, no montante global de € 11.168.154,79 (cf. Documento 2).
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O Requerente procedeu ao pagamento, integral e atempado, das respetivas liquidações de IMI supra identificadas.
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Em parte, as liquidações de IMI sub judice tiveram por base, para efeitos de determinação do valor tributável e do correspondente montante de IMI a pagar pelo Requerente, os valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, valores estes que estavam fixados segundo a fórmula erroneamente adotada à data pela AT, a qual considerava a aplicação de coeficientes de (i) localização, (ii) de afetação e / ou (iii) de qualidade e conforto, conforme demonstrado nas cadernetas prediais urbanas anteriores às reavaliações efetuadas em 2020, conforme Documento 4.
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Ora, recentemente, face ao expressamente consagrado no artigo 45.º do Código do IMI (na redação vigente no ano objeto das liquidações de IMI in casu) e nos termos preconizados pela jurisprudência constante do STA quanto à errónea aplicação dos coeficientes acima mencionados na determinação dos valores patrimoniais de terrenos para construção, a AT veio corrigir o cálculo e a fixação dos valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, deixando de aplicar tais coeficientes, conforme resulta das notificações de (re)avaliação efetuadas em 2020, bem como das respetivas cadernetas prediais urbanas ( cf Documento 5).
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Deste modo, no ano 2019, relativamente aos terrenos para construção em apreço, a AT liquidou um montante de IMI superior ao montante legalmente devido face aos valores patrimoniais tributários que deveriam ter sido considerados para efeitos de cálculo da coleta de imposto referente a este ano.
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Porém, relativamente aos terrenos para construção detidos pelo Requerente e que foram igualmente objeto da reavaliação acima mencionada (e com a consequente redução dos valores patrimoniais tributários), a AT não retificou as respetivas coletas de IMI, mantendo‐se assim na ordem jurídica a existência de um montante de IMI superior ao montante legal e efetivamente devido, conforme melhor detalhado na tabela junta em anexo como Documento 6.
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Cumpre notar que, nos terrenos para construção elencados na tabela junta como Documento 6, a desconsideração dos coeficientes acima mencionados traduz‐se numa redução significativa dos valores patrimoniais tributários destes terrenos, e, consequentemente, da (futura) coleta de IMI sobre os mesmos.
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Porém, os novos valores patrimoniais tributários resultantes destes processos de avaliação só têm sido aceites pela AT para as liquidações futuras de IMI.
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Nestes termos, pese embora a AT tenha corrigido, recentemente, a fórmula de cálculo dos valores patrimoniais tributários de alguns dos terrenos para construção detidos pelo Requerente, a mesma não procedeu à total revisão das liquidações de IMI anteriores, apesar de ter conhecimento de ter procedido erroneamente à fixação dos valores patrimoniais tributários dos referidos imóveis.
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Relativamente ao conjunto de terrenos para construção objeto dos atos tributários de liquidação de IMI sub judice, consoante demonstrado pela tabela exposta no Documento 6, afigura‐se claro que, se expurgarmos os coeficientes de localização, de afetação e / ou de qualidade e conforto aplicáveis aos valores patrimoniais tributários destes terrenos que serviram de base para cálculo da coleta de IMI destas liquidações (coeficientes estes que conforme explanado infra não deveriam ter sido aplicados para efeitos de determinação destes valores), resultam diferentes valores patrimoniais tributários de montantes inferiores àqueles que foram efetivamente utilizados para efeitos deste cálculo do imposto.
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Consequentemente, estamos perante um erro na interpretação dos pressupostos de facto e direito do qual resultou em ilegais liquidações (parciais) de IMI, especificamente um erro na determinação da matéria tributável deste imposto que originou uma coleta ilegal de tributo.
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Não se podendo conformar com a posição da AT quanto aos atos tributários de liquidação de IMI sub judice, o Requerente apresentou, no dia 25 de Maio de 2021 (cf. Documento 1 e 3), a correspondente Reclamação Graciosa destes atos tributários.
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A referida Reclamação Graciosa veio a presumir‐se tacitamente indeferida, por inércia da AT em emitir uma decisão dentro do prazo de 4 meses previsto no n.º 1 do artigo 57.º da LGT.
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Assim, e no âmbito daquela competência, por não se conformar com o indeferimento tácito da Reclamação Graciosa por si interposta, e por conseguinte com a legalidade dos atos de liquidação de IMI que lhe estão subjacentes, o ora Requerente vem suscitar a apreciação junto deste Tribunal da legalidade daquela decisão de indeferimento, tacitamente presumida, e dos próprios atos de liquidação, requerendo a respetiva anulação, e da correspondente restituição do imposto indevidamente pago, num montante de € 129.489,78, o que faz nos termos e fundamentos que seguidamente se expõem.
Da errónea determinação do valor patrimonial tributário dos “terrenos para construção” resultante da aplicação ilegal dos coeficientes de localização, de afetação e de qualidade e conforto
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De facto, relativamente à determinação dos valores patrimoniais tributários de prédios urbanos, o Código do IMI prevê, de forma clara e expressa, diferentes métodos de avaliação consoante as espécies de prédios urbanos definidas nos termos da classificação estatuída no artigo 6.º deste mesmo Código, a saber:
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Método de avaliação para a “determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços”, regulamentado no artigo 38.º e seguintes do Código do IMI – i.e. método aplicável a prédios urbanos definidos nos termos da alínea a) e b) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 6.º deste Código;
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Método de avaliação para “terrenos para construção”, regulamentado no artigo 45.º do Código do IMI – i.e. método aplicável a prédios urbanos definidos nos termos da alínea c) do n.º 1 e do n.º 3 do artigo 6.º deste Código;
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Método de avaliação para a “determinação do valor patrimonial tributário dos prédios [urbanos] da espécie «Outros»” regulamentado no artigo 46.º do Código do IMI – i.e. método aplicável a prédios urbanos definidos nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código.
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O referido compêndio legal estabelece as regras para a determinação do valor patrimonial tributário deste tipo de prédios, no seu artigo 45.º, sob a epígrafe “Valor Patrimonial dos terrenos para construção”, à redação vigente à data dos factos tributários que deram origem às liquidações de IMI sub judice – i.e. 31 de dezembro de 2019.
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Com efeito, a Lei de Orçamento do Estado para 2021 (Lei n.º 75‐B/2020, de 31 de dezembro) veio alterar este artigo 45.º do Código do IMI, modificando a fórmula de cálculo dos valores patrimoniais tributários dos “terrenos para construção”.
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Porém tal modificação legislativa à redação do artigo 45.º do Código do IMI só produziu efeitos (e, consequentemente, a nova fórmula só é aplicável) a partir de 1 de janeiro de 2021 – i.e. para efeitos de liquidações de IMI referentes a anos anteriores a 1 de janeiro de 2021 dever‐se‐á aplicar a redação deste artigo 45.º e respetiva fórmula que vigoravam antes desta alteração efetuada pelo legislador.
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Nos termos do n.º 1 do referido artigo 45.º, na redação vigente à data dos factos tributários em apreço, “[o] valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor dos terrenos adjacentes à implantação”.
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À luz do n.º 2 do referido preceito legal na redação vigente à data destes factos tributários, “[o] valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas”.
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Refere‐se, ainda, no n.º 3 do artigo 45.º, igualmente na redação vigente à data dos factos tributários relevantes in casu, que «[n]a fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm‐se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º».
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Deste modo, é inegável que os coeficientes de afetação (estabelecido no artigo 41.º), de localização (definido no artigo 42.º), de qualidade e conforto (regulado no artigo 43.º) e de vetustez (consagrado no artigo 44.º) não eram aplicáveis aos “terrenos para construção”, não fazendo parte da fórmula de cálculo consagrada no n.º 1 do artigo 45.º do Código do IMI na redação vigente à data dos factos tributários relevantes para efeitos dos atos tributários de liquidação de IMI sub judice.
Da anulabilidade (parcial) dos atos tributários de liquidação de IMI em resultado da errónea determinação do valor patrimonial tributário dos “terrenos para construção”
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Deste modo, para efeitos de liquidação de IMI, os valores patrimoniais tributários dos prédios, nomeadamente dos prédios urbanos classificados como “terrenos para construção”, constitui a matéria tributável deste imposto.
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Consequentemente, qualquer erro nos pressupostos de facto e / ou de direito do qual resulte um erróneo cálculo dos valores patrimoniais tributários dos imóveis sobre os quais incide o ato tributário de liquidação de IMI e que, consequentemente, faz com que seja determinado um montante de imposto, superior ou inferior ao legalmente devido nos termos das normas do Código de IMI aplicáveis, constitui um vício que impõe a anulabilidade desse mesmo ato tributário.
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Assim, nos casos em que sejam determinados valores patrimoniais tributários em montante superior àquele que resultaria da aplicação correta das normas de determinação daqueles valores, e, consequentemente, seja liquidado IMI num montante superior àquele que seria legalmente devido, tal liquidação de IMI deverá ser anulada na parte correspondente ao montante de imposto liquidado em excesso, em resultado direto de ter sido considerado, para efeitos de cálculo deste imposto, um valor de matéria tributável superior àquele que deveria ter sido verificado.
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Resulta expressa e diretamente da alínea c) do n.º 1 do artigo 115.º do Código do IMI que as liquidações deverão ser oficiosamente revistas quando “tenha havido erro de que tenha resultado coleta de montante diferente do legalmente devido”.
Da inconstitucionalidade da norma
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Acresce que, sempre será de referir que a aplicação do artigo 38.º do Código do IMI – em concreto, a aplicação dos coeficientes de avaliação ali previstos – na determinação do VPT de terrenos para construção sempre será manifestamente contrária ao princípio da legalidade tributária, conforme consagrado na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”).
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Com efeito, nos termos supra expendidos e demonstrados, a determinação do VPT de terrenos para construção sempre deverá ser efetuada (exclusivamente) com base no regime consagrado no artigo 45.º do Código do IMI (à data dos factos tributários).
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Pelo que, a interpretação do artigo 45.º do Código do IMI, no sentido de que os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º do Código do IMI devem ser atendidos no apuramento do VPT deste tipo de prédios – por analogia ou outra técnica de interpretação –, sempre atentará contra o princípio da legalidade tributária, no sentido de reserva de lei formal, ínsito na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2 do artigo 103.º, ambos da CRP.
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Nestes termos, sempre será inconstitucional a norma pretensamente extraída do artigo 45.º do Código do IMI, quando interpretada no sentido de os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º do mesmo compêndio terem aplicação na determinação do VPT de terrenos para construção.
B - A Autoridade Tributária (adiante designada por “Requerida”), na sua resposta, invoca matéria de exceção e, em segundo lugar, defende a legalidade dos atos tributários praticados e alega, em síntese, o seguinte:
DEFESA POR EXCEÇÃO
Da intempestividade de apresentação da Reclamação Graciosa e da caducidade do direito de ação:
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O Requerente pugna pela tempestividade da presente impugnação. Contudo, esta depende da tempestividade da apresentação da Reclamação Graciosa.
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Como se retira do Processo Administrativo que se junta, a Entidade Requerida considerou que a Reclamação Graciosa foi apresentada fora do prazo legal, tendo notificado o Requerente do projeto de decisão em 08-11-2021, conforme folha 13 do PA junto.
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Sucede que, entretanto, o Requerente considerou que se havia verificado o indeferimento tácito e apresentou a presente impugnação.
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No entanto, atendendo a que, a caducidade do direito de Ação é de conhecimento oficioso, cumpre ao presente tribunal verificar o pressuposto processual da tempestividade de apresentação da reclamação graciosa a fim de apreciar a tempestividade do presente pedido de pronúncia arbitral.
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Neste sentido, a intempestividade da Reclamação Graciosa encontra-se verificada, conforme se extrai do projeto de indeferimento da Reclamação Graciosa.
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Verificado que está, que a Reclamação Graciosa apresentada no dia 25-05-2021 é intempestiva, então sendo dessa data que se afere o prazo do indeferimento tácito da Reclamação graciosa, consequentemente o pedido de pronúncia arbitral é manifestamente intempestivo.
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A verificação da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral conduz à absolvição da instância por força dos artigos 278º nº1 alínea e) e 576º nº 2 e 577º do CPC, artigo 89º nº4 alínea k) do CPTA, aplicáveis por via do artigo 29º n.º1 do RJAMT, o que desde já se requer.
Da incompetência do Tribunal Arbitral
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O Requerente pretende a anulação dos atos impugnados com fundamento em vícios, não do ato de liquidação, mas sim dos atos que fixaram o VPT.
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Na verdade, a presente ação não é fundamentada em qualquer vício dos atos de liquidação ou da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa.
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Aos atos impugnados não é imputado qualquer vício específico da operação de liquidação ou do seu procedimento. O que está em causa, ou seja, o que o Requerente contesta é, apenas e só, o ato de fixação da matéria tributável e não o ato de liquidação.
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Acontece que os vícios do ato que definiu o valor patrimonial tributário (VPT) não são suscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo.
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E o tribunal arbitral é incompetente para apreciar vícios de atos de fixação do valor patrimonial, atos esses que são destacáveis e autonomamente impugnáveis e encontra-se consolidados na ordem jurídica.
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Ou seja, o pedido formulado pelo Requerente prende-se com a ilegalidade de um ato destacável, ele próprio autonomamente atacável e não com a declaração de ilegalidade de um qualquer ato tributário previsto no artigo 2.º do RJAT.
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Face ao exposto, conclui-se que a apreciação da legalidade do ato que procedeu à fixação do valor patrimonial não cabe na competência dos tribunais arbitrais.
Exceção dilatória inominada - ilegalidade do pedido
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Pretende o Requerente que o Tribunal Arbitral profira despacho de deferimento dos pedidos de reclamação Graciosa.
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Acontece que não pode o poder judicial arbitral, sob pena de violação do princípio constitucional de separação de poderes, substituir-se aos órgãos administrativos e tributários praticando atos próprios das suas competências.
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Não se nos afigura, por isso, legítimo ao Tribunal encarregado de controlar a legalidade de um ato da administração, pratique atos administrativos ou tributários em concorrência com a administração tributária.
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Também de acordo com o princípio da tipicidade, as competências dos órgãos constitucionais são apenas as expressamente enumeradas na Constituição e as competências constitucionalmente fixadas não podem ser transferidas para órgãos diferentes daqueles a quem a Constituição os atribui.
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Assim, a fixação judicial do conteúdo ato sempre violaria o núcleo essencial dos limites da competência dos tribunais administrativos deslocando para o órgão judicial a atividade administrativa da esfera da Autoridade Tributária, em claro desrespeito pelos princípios da indisponibilidade e da tipicidade de competências.
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Considera a Requerida que o pedido de deferimento de reclamação graciosa é ilegal e inconstitucional por violação do princípio de separação de poderes, previstos nos artigos 266º, nº 2 e 111.º da Constituição da República Portuguesa o que acarreta como consequência a sua improcedência.
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Sendo o princípio da separação e interdependência de poderes, consagrado nos artigos 2.º e 111.º da CRP, constituindo o mesmo referência e limite aos poderes de cognição dos tribunais no exercício da sua função no seio do Estado de Direito (cf. artigos 202.º e 203.º da CRP) afigura-se o pedido de deferimento dos pedidos de reclamação graciosa deve ser julgado totalmente improcedente.
DEFESA POR IMPUGNAÇÃO
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Alega o Requerente que foi incorretamente fixado o Valor Patrimonial Tributários (VPT) dos terrenos para construção supra identificados.
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Considera a Requerida que as liquidações foram efetuadas com base nos valores patrimoniais dos prédios que constavam das matrizes a 31 de dezembro do respetivo ano, os quais, pois por força do decurso do tempo, já não podem ser objeto de anulação administrativa.
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Assim sendo, face ao novo entendimento da Autoridade Tributária no que se refere à fórmula de cálculo do vpt dos terrenos para construção considera-se prejudicado o referido no ppa 35º a 102º, bem como a suscitada inconstitucionalidade do artigo 45º do Código do IMI quando interpretada no sentido de os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38º terem aplicação na determinação do VPT dos terrenos para construção.
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Aqui chegados, colocam-se à partida, no nosso entender, as seguintes questões a serem apreciadas pelo doutro tribunal arbitral:
− A questão de saber se o ato que fixou o VPT está consolidado na ordem jurídica;
− A questão de saber se eventuais vícios próprios e exclusivos do VPT são suscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo;
− A questão de saber se Administração Tributária pode anular todos e quaisquer atos de fixação do VPT, praticados ao longo do tempo, ou apenas os que tenham ocorrido há menos de cinco anos.
a) Sobre a consolidação do ato tributário que determinou o VPT
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O procedimento avaliativo constitui um ato autónomo e destacável para efeito de impugnação arbitral,
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Que, se não for impugnado nos termos e prazo fixado se consolida na ordem jurídica como caso decidido ou resolvido, semelhante ao caso julgado, que a posterior liquidação tem de acolher.
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E cuja impugnação não abrange os erros ou vícios que eventualmente tenham ocorrido nessa avaliação,
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Não tendo o Requerente colocado em causa o valor patrimonial obtido pela 1.ª avaliação, requerendo uma 2.ª avaliação, o mesmo fixou-se, não sendo possível conhecer na posterior liquidação, de eventuais erros ou vícios cometidos nessa avaliação,
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Ou seja, a errónea qualificação e quantificação do valor patrimonial apenas pode ser conhecida em sede de impugnação da 2.ª avaliação e não na posterior liquidação consequente.
b) Sobre a impugnabilidade dos atos de liquidação com fundamento em vícios próprios do ato de fixação do VPT
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O tribunal arbitral está limitado pelo princípio do pedido, vide n.º 1 do art.º 609º do Código de Processo Civil aplicável ex vi art.º 29.º do RJAT.
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O pedido é o meio de tutela jurisdicional pretendido pelo autor, a quem incumbe dizer com precisão o que pretende do tribunal, que efeito jurídico quer obter com a ação.
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Assim, importa delimitar com exatidão o âmbito do pedido de pronúncia arbitral e da causa de pedir tal como o Requerente o configura.
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Constitui jurisprudência assente, quer dos Tribunais judiciais quer dos Tribunais arbitrais, bem como da mais abalizada doutrina, o entendimento que o ato de avaliação do valor patrimonial tributável é um ato destacável, autonomamente impugnável.
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Pelo que os vícios da fixação do VPT, não sindicáveis na análise da legalidade do ato de liquidação, porquanto os mesmos, sendo destacáveis e antecedentes destes, já se consolidaram na ordem jurídica.
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Os atos de fixação do VPT, regulados no artigo 134.º do Código de Procedimento e Processo Tributário visam determinar a base tributável de imóveis, ou seja, determinam o valor de imóveis que posteriormente servirá de base à liquidação do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) ou Impostos Municipal sobre a Transmissão de Imóveis (IMT).
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Ora, os atos de fixação do VPT não são atos de liquidação,
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São atos autónomos e individualizados com eficácia jurídica própria e diretamente sindicáveis, sendo que aliás, o princípio da impugnação unitária é expressamente afastado neste caso pelo artigo 86.º da LGT.
c) Sobre os requisitos legais da anulação administrativa
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No que respeita à avaliação dos terrenos para construção, a jurisprudência, tem entendido que, na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, na redação do artigo 45.º do CIMI anterior a 1 de janeiro de 2021, não há lugar à consideração do coeficiente de afetação e do coeficiente de localização.
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Assim importa aferir se, face do entendimento jurisprudencial, as avaliações dos prédios urbanos terrenos para construção que tenham considerado esses coeficientes podem ser anuladas.
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A revogação e a anulação dos atos administrativos em matéria tributária, estão previstas no artigo 79º da LGT, sendo subsidiariamente aplicável o regime previsto nos artigos 165° a 174° do Código de Procedimento Administrativo (CPA), por força do artigo 2. c) da LGT.
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Decorre do texto da lei que apenas são passíveis de anulação os atos de fixação dos VPT que contrariam o recente entendimento jurisprudencial nos casos em que não tenha decorrido cinco anos desde a respetiva emissão.
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Ainda se pronuncia sobre o pedido de juros indemnizatórios, invocando, contudo, que não lhe assiste razão.
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Ao abrigo do princípio da imparcialidade e da legalidade previsto no artigo 266º da Constituição e concretizado nos artigos 55º da LGT e no artigo 3.º do CPA a Administração Tributária tem de praticar os atos tributários de acordo com as normas legais aplicáveis ao caso concreto, o que fez na situação sub judice.
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O princípio da legalidade tem uma formulação positiva, nos termos da qual o bloco de legalidade aplicável não é apenas um limite à atuação da Administração, mas também o fundamento da ação administrativa, o que implica que a Administração só pode fazer aquilo que a legalmente lhe for permitido e não tudo o que não é proibido.
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Estando assim, a Administração tributária vinculada ao princípio da legalidade, não pode deixar de dar integral cumprimento aos normativos que o legislador ordinário criou e que estejam em vigor no ordenamento jurídico, como se verificou no caso em apreço. Destarte impugna-se por infundado todo o aduzido no pedido de pronúncia arbitral que contrarie todo o exposto devendo decidir-se a final que os atos impugnados não padecem dos vícios que lhe foram assacados nem de nenhuns outros.
d) Sobre a alegada violação do princípio constitucional da legalidade tributária
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Pede o Requerente que seja desaplicada, no caso concreto, a norma pretensamente extraída do artigo 45.º do Código do IMI, por violação do princípio da legalidade tributária.
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O que importa referir nesta sede não é a violação do princípio da legalidade tributária, mas sim a constitucionalidade do regime da consolidação dos atos administrativos tributários por falta da sua impugnação atempada.
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Sendo inatacável ato que fixe o VPT a lei veda a possibilidade de se tornear a falta de impugnação contenciosa tempestiva reabrindo a sua impugnabilidade no sentido de vir a obter por esta via os efeitos típicos da impugnação que não foi efetuada no devido tempo.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral apresentado em 13-10-2021, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 14-10-2021.
Em 06-12-2021, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou os árbitros, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As Partes foram devidamente notificadas dessa designação, em 06-12-2021, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
O Tribunal Arbitral Coletivo ficou, assim, constituído em 24-12-2021, tendo sido proferido despacho arbitral na mesma data em cumprimento do disposto no artigo 17.º do RJAT, notificado à AT para, querendo, apresentar resposta.
A AT apresentou Resposta, em tempo, em 02-02-2022, juntamente com o processo administrativo.
Em 16-02-2021 foi proferido Despacho arbitral com o seguinte teor:
«Notifique-se o Requerente para se pronunciar sobre a matéria de exceção suscitada pela Requerida.
Notifiquem-se, ainda, ambas as partes da intenção de o Tribunal Arbitral dispensar a reunião prevista, bem como da dispensa de produção de alegações, conforme previsto no art. 18.º do RJAT, por desnecessidade, para se pronunciarem, querendo.
Prazo: 5 (cinco) dias.»
O Requerente apresentou a resposta às matérias invocadas em 03-03-2022.
II. Saneamento
O tribunal arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vd. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
Em face das questões prévias colocadas (relativas à competência material do tribunal arbitral), impõe-se o conhecimento prioritário das mesmas. Seguir-se-á – se a resposta àquelas o permitir – a análise do mérito do pedido.
III. Fundamentação
III.1. Matéria de facto
Com relevância para a presente decisão, consideram-se assentes e provados os seguintes factos:
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No âmbito da sua atividade, o Requerente é proprietário de diversos prédios, incluindo terrenos para construção.
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Neste contexto, o Requerente foi notificado dos atos tributários de liquidação de IMI, n.ºs 2019 …, 2019 … e 2019 …, com referência ao ano de 2019, no montante global de € 11.168.154,79.
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O Requerente procedeu ao pagamento, integral e atempado, das respetivas liquidações de IMI supra identificadas.
Factos provados e fundamentação da matéria de facto
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pelos Requerentes e pelo processo administrativo junto pela AT.
A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Singular e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos.
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.os 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do CPC, aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º do CPPT.
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.
Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
Questões a decidir
Nesta sequência, tendo em atenção as pretensões e posições do Requerente e da Requerida constantes das suas peças processuais, acima descritas, são as seguintes as questões que o Tribunal Arbitral deve apreciar [sem prejuízo de a solução dada a certa questão poder prejudicar o conhecimento de outra ou outras questões – cfr. artigo 608.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT]:
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Se as invocadas exceções procedem;
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Se os atos de indeferimento silente dos pedidos de reclamação graciosa apresentados no dia 25/05/2021 devem ser anulados, bem como as subjacentes liquidações de IMI, por aplicação ilegal dos coeficientes de localização, de afetação e de qualidade e conforto na determinação do VPT dos terrenos para construção;
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Quanto à inconstitucionalidade da norma constante do artigo 38.º do CIMI;
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Se o Requerente tem direito ao reembolso do imposto pago em excesso - € 129.489,78;
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Se o Requerente tem direito a juros indemnizatórios pelo pagamento de imposto indevidamente liquidado e pago.
III. 2. Matéria de Direito
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Quanto à exceção invocada - Da intempestividade de apresentação da Reclamação Graciosa e da caducidade do direito de ação:
Segundo alega a Requerida na sua Resposta, através de transcrição do ponto exposto no projecto de decisão de indeferimento em apreço, “[t]odavia, tendo em conta as “Medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS‐CoV‐2 e da doença COVID‐19” a Lei nº 4‐B/2021, de 2 de fevereiro, veio introduzir alterações à Lei nº1‐A/2020, de 19 de março, no sentido de estabelecer, no respectivo artº 6º C, um regime de suspensão de prazos pelo período de 22 de janeiro a 6 de abril. Entretanto, a Lei nº 13‐B/2021, de 5 de abril, que de harmonia com o seu artº 7º, entrou em vigor no dia 6 de abril, vem revogar esse artigo e, consequentemente, cessar o regime de suspensão”. 7.º E, no entender da Requerida, “verificado que está, que a Reclamação Graciosa apresentada no dia 25‐ 05‐2021 é intempestiva, então, sendo dessa data que se afere o prazo de indeferimento tácito da Reclamação graciosa, consequentemente o pedido de pronúncia arbitral é manifestamente intempestivo”, o que “conduz à absolvição da instância por força dos artigos 278º nº1 alínea e) e 576º nº2 e 577º do CPC, artigo 89º nº4 alínea k) do CPTA, aplicáveis por via do artigo 29º n.º1 do RJAMT.
Não perfilhamos deste entendimento.
De facto, e como invoca o Requerente, nas circunstâncias adversas resultantes da situação pandémica de COVID‐19, foi aprovada a Lei n.º 4‐B/2021, de 1 de Fevereiro, que procedeu à nona alteração à Lei n.º 1‐A/2020, de 19 de Março, referente “às medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS‐CoV‐2 e da doença COVID‐19”.
E acrescenta que, concretamente à matéria dos prazos de actos procedimentais – nomeadamente, prazos de apresentação de reclamação graciosa nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) – a Lei n.º 4‐B/2021 veio aditar o artigo 6.º‐C à Lei n.º 1‐A/2020, de 19 de Março, através do qual, na sua alínea c) do n.º 1, estabelece que “[s]ão suspensos os prazos para a prática de atos em (…) Procedimentos administrativos e tributários no que respeita à prática de atos por particulares”, determinando o n.º 2 que, “[a] suspensão dos prazos em procedimentos tributários, referida na alínea c) do número anterior, abrange apenas os atos de interposição de impugnação judicial, reclamação graciosa, recurso hierárquico, ou outros procedimentos de idêntica natureza, bem como os atos processuais ou procedimentais subsequentes àqueles” (realces nossos). Esta suspensão dos prazos para prática de actos administrativos e tributários teve efeitos desde 22 de Janeiro de 2021 (inclusive), nos termos da norma específica de produção de efeitos consagrada no artigo 4.º da Lei n.º 4‐B/2021, e prevista para o disposto nos artigos 6.º‐B, 6.º‐C e 6.º‐D aditados por este diploma legislativo à Lei n.º 1‐A/2020 de Lei n.º 4‐B/2021.
Assim, e seguindo o argumentado pelo Requerente, e deste modo, a 22 de janeiro de 2021 – data de início da produção de efeitos da suspensão dos prazos administrativos e tributários no artigo 6.º‐C da Lei n.º 1‐A/2020 aditado pela Lei n.º 4‐ B/2021 –, a contagem do prazo de 120 dias para a apresentação da Reclamação Graciosa sub judice suspendeu‐se, a saber, no 52.º dia deste prazo (data correspondente ao dia anterior ao inicio de produção de efeitos da suspensão em apreço (21 de Janeiro de 2021)).
Com a cessação do regime excecional de suspensão dos prazos administrativos e tributários através da entrada em vigor da Lei n.º 13‐B/2021, de 5 de Abril, no dia 6 de Abril de 2021, retomou‐ se a contagem do prazo para apresentação da Reclamação Graciosa in casu, a saber, a partir do 53.º dia do prazo de 120 dias – faltando assim, no dia 6 de Abril de 2021, 68 dias para o Requerente apresentar tal Reclamação Graciosa.
Conclui‐se que o termo do prazo para a apresentação da Reclamação Graciosa terminou no dia 14 de junho de 2021 (considerando que dia 13 de Junho, data de término dos 120 dias ocorre num domingo, e, consequentemente, o término do prazo passou para o dia útil seguinte), pelo que a mesma deve ser considerada tempestiva.
Nestes termos, improcede a exceção invocada.
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Quanto à exceção invocada - Incompetência do Tribunal
Seguindo de perto o Processo 540/2020-T, deste Centro[1], a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT.
Refere-se nesta norma que a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais; (redação da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro)
Para além da apreciação direta da legalidade de atos deste tipo, incluem-se ainda nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, competências para apreciar atos de segundo ou terceiro grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de atos daqueles tipos, designadamente de atos que decidam reclamações graciosas ou pedidos de revisão oficiosa e recursos hierárquicos, como se depreende das referências expressas que se fazem no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT ao n.º 2 do artigo 102.º do CPPT - que se reporta à impugnação judicial de decisões de reclamações graciosas), aos «atos suscetíveis de impugnação autónoma» e à «decisão do recurso hierárquico».
Aliás, esta interpretação no sentido da identidade dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e do processo arbitral é a que está em sintonia com a referida autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, em que se revela a intenção de o processo arbitral tributário constituir «um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária» (n.º 2).
Mas, resulta do teor do artigo 2.º do RJAT que a arbitragem tributária não foi implementada quanto às matérias suscetíveis de serem objeto de ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo, pois é manifesto que não se enquadram em qualquer das situações previstas.
De qualquer forma, extrai-se também da referida autorização legislativa, designadamente da alínea a) do n.º 4 do referido artigo 124.º, ao fazer referência aos «atos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de atos de liquidação», que não se pretendeu estender o âmbito da arbitragem tributária à apreciação de atos que, nos termos do CPPT, não podem ser objeto de impugnação judicial. Na verdade aquela expressão tem ínsita a exclusão dos «atos administrativos que não comportem a apreciação da legalidade de atos de liquidação», e das alíneas d) e p) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 97.º do CPPT infere-se a regra de a impugnação de atos administrativos em matéria tributária dever ser feita no processo judicial tributário através de impugnação judicial ou ação administrativa (que sucedeu ao recurso contencioso, nos termos do artigo 191.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos – “CPTA”), conforme esses atos comportem ou não a apreciação da legalidade de atos administrativos de liquidação.
Porém, como exceção a esta regra de delimitação dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da ação administrativa, poderão considerar-se os casos de impugnação de atos de indeferimento de reclamações graciosas, independentemente do seu conteúdo, pelo facto de a utilização do processo de impugnação judicial ter sido prevista numa norma especial, que é o n.º 2 do artigo 102.º do CPPT, atualmente revogado, em de que se pode depreender que a impugnação judicial é sempre utilizável. No mesmo sentido aponta a alínea c) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT, ao referir «a impugnação do indeferimento total ou parcial das reclamações graciosas dos atos tributários».
No caso em apreço, o Requerente apresentou uma reclamação graciosa que não foi apreciada no prazo previsto no artigo 57.º, n.º 5, da LGT, pelo que se formou indeferimento tácito.
Nos casos de indeferimento tácito não há, obviamente, apreciação expressa da legalidade do ato de liquidação, mas, tratando-se de uma ficção de ato destinada a assegurar a impugnação contenciosa em meio processual que tem por objeto um ato de liquidação, o meio de impugnação adequado depende do conteúdo ficcionado.
No caso de impugnação administrativa direta de um ato de liquidação (através de reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa), com fundamento na sua ilegalidade, o conteúdo ficcionado é de indeferimento do pedido que foi formulado, de anulação do ato de liquidação. Isto é, ficciona-se que o pedido foi indeferido, por ter sido dada resposta negativa a todas as questões de legalidade colocadas pelo Sujeito Passivo. Por isso, presume-se o indeferimento tácito do meio de impugnação administrativa (reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa) que tem por objeto direto o ato de liquidação que se baseia em razões substantivas e não por razões formais.
Diferente é a situação nos casos em que se está perante o indeferimento tácito de um recurso hierárquico, subsequente a indeferimento expresso de reclamação graciosa, pois este não tem por objeto direto um ato de liquidação, mas sim um anterior ato de indeferimento da impugnação administrativa (reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa). Se o ato expresso proferido na impugnação administrativa não conheceu da legalidade do ato de liquidação (por ter entendido existirem obstáculos formais, como a ilegitimidade ou a intempestividade), o indeferimento tácito presume-se ter mantido o ato anterior e, por isso, se este não comporta a apreciação da legalidade de ato de liquidação, o indeferimento tácito do recurso hierárquico também não a comporta.
Com efeito, nos casos de recurso hierárquico, em que é impugnado um anterior ato expresso, existe já um anterior ato impugnável, pelo que, no caso de indeferimento tácito do recurso hierárquico, é esse anterior ato expresso e não o indeferimento tácito o objeto da impugnação, como resulta do preceituado no artigo 198.º, n.º 4, do CPA, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT: o decurso do prazo para decisão do recurso hierárquico «sem que haja sido tomada uma decisão, confere ao interessado a possibilidade de impugnar contenciosamente o ato do órgão subalterno ou de fazer valer o seu direito ao cumprimento, por aquele órgão, do dever de decisão». Assim, o ato do subalterno, que se presume confirmado tacitamente, no caso de o recurso hierárquico não ser decidido no prazo legal, é o relevante para aferir a idoneidade do meio processual. É neste sentido a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo sobre o indeferimento tácito de recurso hierárquico (à face do artigo 175.º, n.º 3, do CPA de 1991, que, para este efeito, tem alcance substancialmente idêntico ao artigo 198.º, n.º 4, do CPA de 2015), como pode ver-se pelo acórdão de 21-11-2007, processo n.º 0444/07, em que se entendeu: «Nos casos de indeferimento tácito de recurso hierárquico considera-se indeferido o recurso (art. 175.º, n.º 3, do CPA), pelo que, quando a decisão da reclamação graciosa impugnada conheceu da legalidade de ato de liquidação (no caso, deferindo parcialmente a pretensão formulada), aquele indeferimento tácito considera-se também ter por objeto a legalidade do ato de liquidação cuja legalidade foi apreciada na decisão da reclamação.»
Assim, nos casos de indeferimento tácito de recurso hierárquico interposto de ato expresso, é à face do conteúdo deste ato recorrido que se afere se foi ou não apreciada a legalidade do ato de liquidação.
De harmonia com o exposto, no caso em apreço, estando-se perante o indeferimento tácito de uma reclamação graciosa, que têm por objeto direto atos de liquidação, é de considerar que o ato ficcionado conhece da legalidade dos atos de liquidação e, por isso, o meio processual adequado para a sua impugnação contenciosa é o processo de impugnação judicial, nos termos das alíneas d) e p) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT, de que é meio alternativo o processo arbitral.
Assim, é de entender que o ato ficcionado quando ocorre indeferimento tácito da reclamação graciosa é um ato que comporta a apreciação da legalidade do ato de liquidação que foi pedida, dando resposta negativa aos fundamentos invocados, pelo que o meio contencioso adequado para o impugnar é o processo de impugnação judicial e o processo arbitral.
Nestes termos, improcede a exceção invocada.
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Quanto à exceção inominada – ilegalidade do pedido
A AT alega que o Tribunal não tem competência para proferir despachos de deferimento de pedidos de reclamação graciosa, sob pena de violação do princípio da separação de poderes. Argumenta ainda que não pode o poder judicial arbitral, sob pena de violação do princípio constitucional de separação de poderes, substituir-se aos órgãos administrativos e tributários praticando atos próprios das suas competências.
Porém, o pedido feito pelo Requerente no PPA é bem explícito e de modo algum é peticionado a este Tribunal Arbitral que profira despachos administrativos.
Assim, no Pedido de Pronúncia Arbitral apresentado a este Tribunal, o Requerente começa por requerer a constituição de Tribunal arbitral para que haja a anulação da decisão de indeferimento tácito do pedido de reclamação graciosa e a anulação parcial das liquidações do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), com fundamento no erro nos pressupostos de facto e de direito, bem como o reembolso do imposto pago acrescido de pagamento de juros indemnizatórios.
E afinal peticiona:
«a) Seja declarada a legalidade da Reclamação Graciosa acima identificada e declarada a ilegalidade do seu indeferimento (tacitamente presumido);
b) Se anulem os atos tributários que constituem o seu objeto, relativos às liquidações de IMI supra identificadas, porque contrários à lei, por padecerem de erro nos pressupostos de facto e de direito;»
Contudo, o Requerente efetua no seu pedido de pronuncia arbitral um pedido subsidiário de:
«Seja desaplicada, no caso concreto, a norma pretensamente extraída do artigo 45.º do Código do IMI, na redação vigente à data da verificação do facto tributário, no sentido de que os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º do mesmo compêndio legal deveriam ter aplicação na determinação do VPT de terrenos para construção, por manifesta inconstitucionalidade, por violação do princípio da legalidade tributária, no sentido de reserva de lei for‐ mal, ínsito na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2 do artigo 103.º, ambos da CRP e, consequentemente, seja declarada a ilegalidade dos atos tributários de liquidação de IMI sub judice, porque assentes em normas inconstitucionais, sendo os mesmos pronta‐ mente anulados, com todas as consequências legais.»
Atendendo ao já exposto, quanto a exceção da competência material do tribunal arbitral para conhecer do presente pedido arbitral, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD não tem competência para desaplicar ou alterar a aplicação das avaliações em sede de IMI, como peticiona subsidiariamente o Requerente, tem apenas como refere a norma, competência para a “declaração de ilegalidade de atos”, o qual não se insere no presente pedido subsidiário do Requerente.
Procede, assim, a exceção dilatória inominada de ilegalidade do pedido, suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, apenas quanto ao pedido subsidiário do Requerente.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
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Questão de fundo
O Requerente vem impugnar atos de liquidação de IMI de 2019, com fundamento em erros dos atos de fixação dos VPTS dos prédios sobre que incidiu o imposto, pelo que é necessário averiguar os seguintes pontos:
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Questão da possibilidade de impugnar liquidações IMI com fundamento e vícios de atos de fixação de valores patrimoniais, tendo em conta os argumentos invocados pela Requerida: (i) A questão de saber se o ato que fixou o VPT está consolidado na ordem jurídica; e (ii) A questão de saber se eventuais vícios próprios e exclusivos do VPT são suscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo.
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Questão relacionada com a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 38.º do CIMI, – em concreto, a aplicação dos coeficientes de avaliação ali previstos – na determinação do VPT de terrenos para construção sempre será manifestamente contrária ao princípio da legalidade tributária, conforme consagrado na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”).
Cumpre decidir.
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Questão da possibilidade de impugnar liquidações de IMI com fundamento e vícios de atos de fixação de valores patrimoniais
Antes de mais, é necessário esclarecer se os vícios de atos de avaliação de valores patrimoniais podem ser invocados em impugnação de atos de liquidação de IMI que os têm como pressupostos.
A AT defende globalmente o seguinte:
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«O procedimento avaliativo constitui um ato autónomo e destacável para efeito de impugnação arbitral,
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Que, se não for impugnado nos termos e prazo fixado se consolida na ordem jurídica como caso decidido ou resolvido, semelhante ao caso julgado, que a posterior liquidação tem de acolher.
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E cuja impugnação não abrange os erros ou vícios que eventualmente tenham ocorrido nessa avaliação,
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Não tendo Requerente colocado em causa o valor patrimonial obtido pela 1.ª avaliação, requerendo uma 2.ª avaliação, o mesmo fixou-se, não sendo possível conhecer na posterior liquidação, de eventuais erros ou vícios cometidos nessa avaliação,
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Ou seja, a errónea qualificação e quantificação do valor patrimonial apenas pode ser conhecida em sede de impugnação da 2.ª avaliação que não na posterior liquidação consequente.»
Afigura-se correto este entendimento da AT.
Na verdade, podemos até acrescentar, e seguindo de perto o Processo 540/2020-T, deste Centro[2], por força do preceituado no artigo 15.º do CIMI a avaliação dos prédios urbanos é direta e, por isso, ela é «suscetível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa direta» (artigo 86.º, n.º 1, da LGT).
Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo 86.º da LGT, «a impugnação da avaliação direta depende do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão».
Os termos da impugnação da avaliação direta de valores patrimoniais constam do artigo 134.º do CPPT em que se estabelece que:
– «os atos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de três meses após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade» (n.º 1); e
– «a impugnação referida neste artigo não tem efeito suspensivo e só poderá ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação» (n.º 7).
Como decorre do n.º 1 do artigo 134.º, ao fixar um prazo especial de três meses para impugnação de atos de fixação de valores patrimoniais e do n.º 7 do mesmo artigo, ao exigir o esgotamento dos meios graciosos, está afastada a possibilidade de essa impugnação se fazer, por via indireta, na sequência da notificação de atos de liquidação que a tenham como pressuposto, como são os de IMI o, sem observância do prazo de impugnação referido e sem esgotamento dos meios de revisão previstos no procedimento de avaliação.
No âmbito do IMI, quando o sujeito passivo não concordar com o resultado da avaliação direta de prédios urbanos, pode requerer ou promover uma segunda avaliação, no prazo de 30 dias contados da data em que o primeiro tenha sido notificado (artigo 76.º, n.º 1, do CIMI).
Só do resultado das segundas avaliações (que esgotam os meios graciosos do procedimento de avaliação) cabe impugnação judicial, nos termos do CPPT (artigo 77.º, n.º 1 do CIMI).
Isto significa que os atos de avaliação de valores patrimoniais previstos no CIMI são atos destacáveis, para efeitos de impugnação contenciosa, sendo objeto de impugnação autónoma, não podendo na impugnação dos atos de liquidação que com base neles sejam efetuadas discutir-se a legalidade daqueles atos.
Assim, o sujeito passivo de IMI pode impugnar as liquidações, mas não são relevantes como fundamentos de anulação eventuais vícios dos antecedentes atos de fixação de valores patrimoniais, que se firmaram na ordem jurídica, por falta de tempestivo esgotamento dos meios graciosos previstos nos procedimentos de avaliações e de subsequente impugnação autónoma a deduzir no prazo de três meses, nos termos dos n.ºs 1 e 7 do artigo 134.º do CPPT.
Na verdade, não sendo impugnado tempestivamente o ato de fixação de valores patrimoniais, forma-se caso decidido ou resolvido sobre a avaliação, que se impõe em sede de liquidação de IMI, sendo que «o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita» (artigo 113.º do CIMI).
A natureza de atos destacáveis que é atribuída aos atos de avaliação de valores patrimoniais é, há muito, reconhecida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo[3], desde o tempo em que regime idêntico ao do artigo 134.º, n.ºs 1 e 7 do CPPT, previsto nos n.ºs 1 e 6 do artigo 155.º do Código de Processo Tributário de 1991, quer em sede de Sisa, quer de contribuição autárquica, quer de IMI, quer de IMT.
Podemos até citar a decisão proferida no Processo 540/2020-T, deste Centro[4]:
«Na verdade, este regime de impugnação autónoma justifica-se por razões de coerência do sistema jurídico tributário inerentes ao facto de cada ato de avaliação poder servir de suporte a uma pluralidade de atos de liquidação de impostos (liquidações anuais de IMI e eventuais liquidações de IMT) e ser relevante para vários efeitos a nível de IRS ( ), IRC ( ) e Imposto do Selo ( ), o que não se compagina com a possibilidade de plúrima avaliação incidental que se reconduzisse à fixação de diferentes valores patrimoniais tributários para o mesmo prédio, no mesmo momento.
Por outro lado, a caducidade do direito de ação derivada da inércia do lesado por atos administrativos durante um prazo razoável, é generalizadamente justificada por razões de segurança jurídica, necessária para adequado funcionamento da administração pública, que também é um valor constitucional ínsito no princípio do Estado de Direito democrático e é reconhecida generalizadamente em matéria administrativa e tributária.
O prazo de impugnação de três meses para impugnação de atos de fixação de valores patrimoniais é perfeitamente razoável, sendo o prazo geral previsto a lei para a impugnação da generalidade dos atos administrativos com fundamentos geradores de vícios de anulabilidade (artigo 58.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e artigo 102.º do CPPT).
Para além disso, neste caso, a pretensão da Requerente reconduz-se a impugnar, em 2020, atos de avaliação praticados até 2015, muito depois do prazo legal de impugnação de três meses e mesmo depois do decurso do prazo de três anos em que a lei admite a revisão oficiosa de atos de fixação da matéria tributável, com fundamento em injustiça grave ou notória (artigo 78.º, n.º 4 da LGT).
Num Estado de Direito, assente no primado da Lei (artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa), estando os tribunais arbitrais obrigados a decidir «de acordo com o direito constituído» (artigo 2.º, n.º 2, do RJAT), o intérprete tem de acatar os ditames legislativos que não colidam qualquer norma de hierarquia superior, não podendo sobrepor ao entendimento legislativo manifestado na lei os critérios classificativos pessoais que ele próprio eventualmente adotaria se, em vez de ser intérprete, fosse o legislador.»
Pelo exposto, os alegados vícios dos atos de avaliação invocados pelo Requerente, que não foram objeto de impugnação tempestiva autónoma, não podem ser fundamento de anulação da liquidação de IMI, pelo que improcede necessariamente pedido de pronúncia arbitral quanto ao ano de 2019.
Por isso, as liquidações de IMI não podem ser anuladas com fundamento nos alegados erros nas avaliações dos prédios.
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Quanto à inconstitucionalidade da norma constante do artigo 38.º do CIMI
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma, que quanto à aplicação do artigo 38.º do CIMI, «em concreto, a aplicação dos coeficientes de avaliação ali previstos – na determinação do VPT de terrenos para construção sempre será manifestamente contrária ao princípio da legalidade tributária, conforme consagrado na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”).
O princípio da legalidade consubstancia-se na sua vinculação pela interpretação adotada, por força dos princípios da boa-fé e da segurança jurídica, subjacentes ao n.º 1 do artigo 68.º-A da LGT do artigo 38.º do CIMI.
Este artigo 38.º do CIMI contém uma norma aprovada pela Assembleia da República, que se encontra em vigor e é a expressão da legalidade legislativamente considerada adequada para estas situações. Por isso, a interpretação do Requerente não contraria o princípio da legalidade, sendo, antes, a sua expressão.
IV. DECISÃO
Em face do supra exposto, o Tribunal Arbitral decide:
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Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à anulação do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa e, bem assim, quanto à anulação parcial da liquidação de IMI respeitante ao período de tributação de 2019;
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Julgar improcedente o pedido de reembolso da quantia de € 129.489,78 com as demais consequências legais;
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Absolver a Requerida do pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios.
V. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 129.489,78 (cento e vinte e nove mil quatrocentos e oitenta e nove euros e setenta e oito cêntimos), nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).
VI. Custas
Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 3.060,00 (três mil e sessenta euros), a pagar pelo Requerente, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 3 de junho de 2022.
Os Árbitros,
(Guilherme W. d’Oliveira Martins)
(Marisa Isabel de Almeida Araújo)
(José Ramos Alexandre)
Texto elaborado em computador, nos termos do disposto
no art. 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art.º. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.
[3] Conforme podemos consultar nos seguintes processos: de 30-06-1999, processo n.º 023160; de 02-04-2003, processo n.º 02007/02; de 06-02-2011, processo n.º 037/11; de 19-09-2012, processo n.º 0659/12; de 5-2-2015, processo n.º 08/13; de 13-7-2016, processo n.º 0173/16; de 10-05-2017, processo n.º 0885/16.