Sumário:
I. A excepção ao princípio da impugnação unitária que permite a impugnação contenciosa, directa e autónoma, dos actos de fixação do VPT, consiste numa faculdade concedida aos sujeitos passivos que não preclude a sindicância das suas ilegalidades no âmbito do acto final do procedimento, isto é, no âmbito da impugnação do acto de liquidação subsequente;
II. O artigo 78.º, n.º 1, da LGT permite a revisão oficiosa do acto de liquidação de AIMI no prazo de quatro anos com base em erro na fixação do VPT que seja imputável aos serviços;
III. O artigo 45.º do Código do IMI, na redacção anterior à Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro, não previa a aplicação à determinação do VPT dos terrenos para construção dos coeficientes de afectação, de localização e/ou de qualidade e conforto previstos no artigo 38.º do Código do IMI;
IV. O factor de majoração de 25% do valor do metro quadrado do terreno de implantação previsto no artigo 39.º do Código do IMI quanto aos prédios edificados, na redacção anterior à Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro, não era aplicável à determinação do VPT dos terrenos para construção.
DECISÃO ARBITRAL
Os Árbitros Carla Castelo Trindade, Henrique Nunes e Rita Guerra Alves, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, decidem no seguinte:
I. RELATÓRIO
1. A..., com o número de identificação fiscal …, com sede na … Lisboa, na qualidade de sociedade gestora e em representação do B..., com o número de identificação fiscal n.º … (“Requerente”), vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”) e do artigo 102.º, n.º 1, alínea d), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), com vista à pronúncia deste Tribunal relativamente à anulação da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado e, em consequência, à anulação parcial da liquidação de Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (“AIMI”) n.º 2017.46..., de 30 de Junho de 2017, que incidiu sobre os terrenos para construção referentes aos prédios urbanos U-...4, U-...5, U ...6, U ...7, U-...8, U-...9, U-...0, U-...1, U-...2, U-...3, U-...4 e U-...5, sitos na freguesia de Marvila.
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 3 de Setembro de 2021 pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”).
3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 25 de Outubro de 2021, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
4. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo ficou constituído em 15 de Novembro de 2021.
5. A Requerente veio sustentar a procedência do seu pedido, em síntese, tendo em conta os seguintes argumentos:
Começou a Requerente por referir que o tribunal arbitral é competente para conhecer de pedidos apresentados no seguimento da formação de presunção de indeferimento tácito de pedidos de revisão oficiosa. Segundo a Requerente, resulta da aplicação conjugada dos artigos 78.º, n.ºs 1, 4 e 5, da Lei Geral Tributária (“LGT”) e 115.º, n.º 1, alínea c), do código do Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”), a possibilidade de solicitar a revisão oficiosa do acto de liquidação de AIMI n.º 2017.46..., de 30 de Junho de 2017, seja com fundamento em erro imputável aos serviços, seja com fundamento em injustiça grave ou notória. Com fundamento em erro imputável aos serviços porque, no entender da Requerente, o acto de liquidação contestado resulta exclusivamente de uma actuação ilegal da AT, na medida em que foi esta que procedeu à avaliação dos prédios em questão, que inscreveu os valores patrimoniais tributários (“VPT’) na matriz predial de cada um dos prédios e que emitiu a liquidação de AIMI. Com fundamento em injustiça grave ou notória porque, no entender da Requerente, pagou um valor de AIMI manifestamente (mais de 50%) superior àquele que seria devido nos termos legais. A este respeito, referiu ainda a Requerente que a interpretação dos artigos 78.º, n.ºs 1, 4 e 5, da LGT e 115.º, n.º 1, alínea c), do Código do IMI que mais se conforma com os princípios constitucionais da justiça, igualdade e legalidade tributárias é aquela que defendeu no pedido arbitral, segundo a qual o mecanismo de revisão oficiosa é um meio legítimo e apto à reposição da legalidade de actos de liquidação de AIMI emitidos com base em erros cometidos pela AT na fórmula de cálculo de activos imobiliários e dos quais tenha resultado um excesso relevante de colecta.
Quanto à concreta ilegalidade do acto de liquidação, referiu a Requerente que AT não aplicou as normas em vigor à data dos factos quanto à avaliação dos terrenos para construção tendo, ao invés, aplicado as normas legais relativas às avaliações de prédios edificados. Segundo a Requerente, ao contrário do que sucede expressamente no caso da avaliação dos prédios da espécie “Outros” em que existe uma remissão expressa para as regras gerais de avaliação previstas no artigo 38.º do Código do IMI, na avaliação dos terrenos para construção não existe semelhante remissão intra-sistemática. De acordo com a Requerente, as regras de avaliação aplicáveis aos terrenos para construção são as que constam especificamente do artigo 45.º do Código do IMI, sendo que nele não se prevê a aplicação de coeficientes de afectação e de localização. Daquele artigo decorre apenas, na perspectiva da Requerente, que o VPT resulta da área de implantação do edifício a construir, a qual varia entre 15% e 45% das edificações autorizadas ou previstas em função das características que servem de base à determinação do coeficiente de localização, acrescida da área do terreno adjacente à implantação. Sublinhou ainda a Requerente que, caso assim não se entendesse, o VPT dos terrenos para construção seria duplamente influenciado, por exemplo, pelo coeficiente de localização.
Prosseguiu a Requerente por referir que o acto de liquidação ora impugnado também era ilegal pelo facto de a AT ter aplicado uma majoração de 25% do terreno de implantação nas avaliações que efectuou, ao abrigo do disposto no artigo 39.º, n.º 1, do Código do IMI, quando aquela majoração apenas era aplicável, à data dos factos, em relação a prédios edificados e já não quanto a terrenos para construção. Isto, sem contar que quanto a estes últimos o VPT já resultava, segundo a Requerente, do somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, devidamente ponderada pela percentagem de área de implantação e o coeficiente de ajustamento de áreas, acrescido do valor do terreno adjacente à implantação.
Por último, sublinhou a Requerente que só com a entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2021 é que se passou a prever a aplicação aos terrenos para construção do factor de majoração e dos coeficientes de afectação e de localização previstos, respectivamente, nos artigos 39.º e 45.º, ambos do Código do IMI.
6. A Requerida, tendo sido devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta em 10 de Dezembro de 2021, tendo concluído pela improcedência da presente acção e, consequentemente, pela sua absolvição do pedido. A Requerida sustentou a sua resposta, sumariamente, com base nos seguintes argumentos:
No entender da Requerida, o pedido arbitral formulado pela Requerente visa a anulação da liquidação com fundamento em vícios que não são próprios e específicos desta, mas sim dos actos que fixaram o VPT. De acordo com a Requerida, o que está em causa é apenas a impugnação da matéria tributável e não do acto de liquidação, sendo que os vícios do VPT não são susceptíveis de impugnação no âmbito da sindicância do acto de liquidação que seja praticado com base no mesmo. Por conseguinte, entendeu a Requerida que o tribunal arbitral era incompetente para apreciar os vícios de actos de fixação do VPT, porquanto estes são actos destacáveis e autonomamente impugnáveis que já se encontravam consolidados na ordem jurídica.
Entendeu também a Requerida que o pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente em 4 de Dezembro de 2020 era intempestivo, na medida em que o prazo para solicitar a revisão da matéria tributável é o prazo mais reduzido de três anos posteriores ao do acto tributário, conforme previsto no n.º 4 do artigo 78.º da LGT. Acresce que, segundo o juízo da Requerida, não existiu qualquer erro da AT ao liquidar o imposto, visto que este se limitou a utilizar como base de cálculo o valor dos VPT’s que constavam das matrizes a 31 de Dezembro do respectivo ano, tal como determina o artigo 131.º do Código do IMI.
Prosseguiu a Requerida por registar que os actos de fixação do VPT consistem em actos destacáveis com lesividade própria e autonomamente contestáveis, traduzindo um afastamento do princípio da impugnação unitária previsto no artigo 86.º da LGT. Quer isto dizer que, no entender da Requerida, forma-se caso decidido ou resolvido na eventualidade de aqueles actos não serem impugnados nos termos e no prazo fixado para o efeito, já que o objectivo do legislador ao prever a sua impugnação autónoma foi a de alcançar a estabilização e consolidação da matéria tributável em momento anterior ao da efectivação da liquidação. Com base neste pressuposto, concluiu a Requerida que os actos de avaliação se consolidaram na ordem jurídica, já que a Requerente não pediu uma segunda avaliação nem procedeu à impugnação do VPT fixado quanto a cada um dos terrenos para construção em causa nos presentes autos. Por considerar a Requerida que a errónea qualificação e quantificação do VPT não pode ser apreciada no âmbito da liquidação que lhe é consequente e por considerar que os tribunais arbitrais não têm competência para apreciar a legalidade dos actos de fixação do VPT, defendeu a Requerida que o tribunal arbitral era incompetente para apreciar e anular o acto de liquidação impugnado nos presentes autos.
Por fim, registou a Requerida que a jurisprudência tem entendido que da redacção do artigo 45.º do Código do IMI anterior a 1 de Janeiro de 2021 resulta que na determinação do VPT dos terrenos para construção não há lugar à consideração do coeficiente de afectação e do coeficiente de localização. Sucede que, de acordo com a Requerida, apenas são passíveis de anulação os actos de fixação do VPT nos casos em que não tenham decorrido cinco anos desde a respectiva emissão, nos termos conjugados dos artigos 79.º da LGT e 165.º a 174.º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”). Ao terem as referidas avaliações ocorrido há mais de cinco anos, concluiu a Requerida que já não podiam ser objecto de anulação administrativa.
7. Por despacho proferido em 14 de Dezembro de 2021, foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAT ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo e da celeridade, simplificação e informalidade processuais, previstos nos artigos 16.º, alínea c) e 29.º, n.º 2, ambos do RJAT, tendo-se ainda concedido às partes a faculdade de, querendo, apresentarem alegações escritas, direito que estas vieram a exercer em 18 de Janeiro de 2022.
8. A Requerente, nas suas alegações finais, para além de reiterar os argumentos que havia anteriormente avançado quanto à ilegalidade que imputou ao acto de liquidação impugnado nos presentes autos, referiu ainda o seguinte:
O objecto imediato do pedido arbitral é a decisão de indeferimento tácito de um pedido de revisão oficiosa, sendo que, no entender da Requerente, suportado com jurisprudência do STA e com jurisprudência arbitral, a competência dos tribunais arbitrais para conhecer de tal pedido está abrangida pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT. De resto, segundo a Requerente, são várias as decisões arbitrais que apreciaram actos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de liquidações de imposto com fundamento em fixação ilegal de VPT’s de terrenos para construção que haviam sido apresentados ou com fundamento exclusivamente em erro imputável aos serviços ou com duplo fundamento em erro imputável aos serviços e injustiça grave ou notória.
Sublinhou também a Requerente que não se verificava a intempestividade do pedido de revisão oficiosa alegada pela Requerida na sua resposta, visto que, no seu entender, quer o prazo mais alargado previsto no n.º 1, do artigo 78.º, da LGT quer o prazo mais reduzido previsto no n.º 4 daquele artigo foram cumpridos, na medida em que o acto de liquidação contestado foi emitido em 2017 e o pedido de revisão foi apresentado em 30 Dezembro de 2020.
Por fim, referiu a Requerente com recurso a extensa jurisprudência que não se verificava a inimpugnabilidade dos actos de liquidação com fundamento em vícios próprios do acto de fixação do VPT tal como alegou a Requerida na sua resposta, na medida em que a sindicabilidade autónoma dos actos de fixação do VPT não afasta a discussão das ilegalidades destes actos no âmbito dos actos de liquidação com base neles emitidos e que são, segundo a Requerente, os verdadeiras actos lesivos de direitos e interesses cuja tutela jurisdicional efectiva a Constituição da República Portuguesa (“CRP”) garante. Acresce que, segundo a apreciação da Requerente, o regime regra que vigora no ordenamento jurídico-tributário é o da impugnação unitária, pelo que a ser aplicável alguma excepção a tal regime teria de ter como finalidade o reforço das garantias contribuintes que passariam a poder reagir imediatamente contra actos lesivos, e não a eliminação total das garantias dos contribuintes e do direito que lhes assiste de solicitar à AT que reveja actos tributários ostensivamente ilegais onde se constate que foi liquidado, de forma ilegal, imposto em excesso aos contribuintes em resultado de actos prévios ou preparatórios dos procedimentos de avaliação.
II. SANEAMENTO
9. O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º, e 5.º, todos do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Apesar de a AT não ter identificado de forma expressa na sua resposta o tipo de defesa que efectuou, a verdade é que a argumentação que realizou incluiu igualmente matéria de excepção, cujo conhecimento será feito a título prévio no âmbito da matéria de direito, logo após a fixação da matéria de facto.
III. DO MÉRITO
III.1. MATÉRIA DE FACTO
III.1.1. Factos provados
10. Analisada a prova produzida no âmbito do presente Processo Arbitral, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:
a) O B... é um Organismo de Investimento Colectivo na modalidade de Fundo de Investimento Imobiliário Fechado de Subscrição Particular, gerido e administrado pela A...;
b) Em 2017 a Requerente era proprietária dos prédios inscritos na matriz predial urbana da freguesia de Marvila sob os artigos matriciais U-...4, U-...5, U ...6, U-...7, U-...8, U-...9, U-...0, U-...1, U-...2, U-...3, U-...4 e U-...5, os quais correspondem aos lotes n.ºs 1, 2, 2A, 3, 4, 4A, 5, 6, 7, 9 e 10, respectivamente, do Alvará de Loteamento n.º …/2010 conforme alterado pelo aditamento n.º 1, emitido em 31 de Julho de 2015 e pelo aditamento n.º 2 emitido em 14 de Dezembro de 2017;
c) Os referidos prédios deram origem a terrenos para construção, inscritos na matriz predial urbana sob os artigos matriciais U-...5, U-...6, U-...7, U-…8, U-...9, U ...0, U-...1, U-...2, U-...3, U-...5 e U-...6, sendo que o terreno para construção inscrito na matriz predial urbana sob o artigo U ...3 deu entretanto origem a um prédio constituído em propriedade horizontal;
d) A Requerente foi notificada do acto de liquidação de AIMI n.º 2017.46..., de 30 de Junho de 2017, emitida por referência ao ano de 2017, quanto aos terrenos para construção referidos no ponto anterior, no valor agregado total de € 202.792,20;
e) A Requerente procedeu ao pagamento integral do valor liquidado a título de AIMI no prazo de que dispunha para o efeito;
f) O montante de € 202.792,20 resultou da aplicação da taxa de 0,40% de AIMI aos VPT’s de cada um dos terrenos para construção, no montante agregado total de € 50.698.050,00, conforme evidenciado na seguinte tabela resumo:
g) O VPT de cada um dos terrenos para construção foi determinado pela AT através da aplicação de uma fórmula de cálculo que teve em consideração coeficientes multiplicadores de afectação, de localização e/ou de qualidade e conforto;
h) Na determinação do VPT dos terrenos para construção inscritos na matriz predial urbana da freguesia de Marvila sob os artigos matriciais ...4, ...5, ...7, ...8, ...9, ...0, ...1, ...2, ...3 e ...4, a AT aplicou um coeficiente de afectação de 1,2 e um coeficiente de localização de 1,9 nas parcelas dos terrenos para construção com edificação prevista ou autorizada para comércio e, bem assim, um coeficiente de localização de 2 e um coeficiente de qualidade e conforto de 1,03 nas parcelas dos terrenos para construção destinadas a habitação;
i) Na determinação do VPT do terreno para construção inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Marvila sob o artigo matricial ...6 a AT aplicou um coeficiente de afectação de 1,2 e um coeficiente de localização de 1,9 na parcela do terreno para construção com edificação prevista ou autorizada para comércio e, bem assim, um coeficiente de afectação de 1,1 e um coeficiente de localização de 2 na parcela do terreno para construção destinada a serviços;
j) Na determinação do VPT do terreno para construção inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Marvila sob o artigo matricial ...5 a AT aplicou um coeficiente de afectação de 1,1 e um coeficiente de localização de 1,9;
k) Na determinação do VPT dos terrenos para construção a AT aplicou uma majoração de 25% do terreno de implantação;
l) Não existem elementos probatórios que evidenciem que a Requerente tenha procedido à impugnação autónoma dos actos de fixação do VPT de cada um dos terrenos para construção objecto do presente processo;
m) Em 30 de Dezembro de 2020 a Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa quanto ao acto de liquidação de AIMI n.º 2017.46...;
n) A AT não proferiu decisão no âmbito daquele procedimento no prazo de quatro meses de que dispunha para o efeito;
o) Em 3 de Setembro de 2021 a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral.
III.1.2. Factos não provados
11. Com relevo para a decisão da causa, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
III.1.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
12. Ao Tribunal incumbe o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
Assim sendo, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é determinada tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objecto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
Considerando as posições assumidas pelas partes nas respectivas peças processuais, o disposto nos artigos 110.º, n.º 7 e 115.º, n.º 1, ambos do CPPT e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
III.2. MATÉRIA DE DIREITO
III.2.1. Questões prévias
13. Antes de se analisar o mérito do pedido formulado pela Requerente cumpre apreciar a título prévio a matéria de excepção invocada pela Requerida na sua resposta.
Quanto à alegada incompetência do tribunal arbitral, cumpre começar por precisar que a Requerente conformou o pedido arbitral de tal modo que o seu objecto imediato reside na impugnação da legalidade da “ficção de decisão” de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado contra o acto de liquidação de AIMI n.º 2017.46..., de 30 de Junho de 2017, que consiste no objecto mediato do pedido. Dito de outro modo, a Requerente pretende em última instância sindicar a legalidade do acto de liquidação objecto do pedido de revisão oficiosa e não a legalidade dos actos de fixação do VPT em si considerados.
A jurisprudência tem entendido uniformemente que a competência dos tribunais arbitrais para a apreciação da ilegalidade de actos de liquidação de tributos, fixada nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, compreende a apreciação de actos de segundo grau objecto de indeferimento tácito por falta de decisão no prazo previsto no artigo 57.º, n.º 5, da LGT. Neste preciso sentido, sublinhou-se no âmbito do acórdão arbitral proferido em 30 de Abril de 2021, no âmbito do processo n.º 540/2020-T, que:
“Nos casos de indeferimento tácito não há, obviamente, apreciação expressa da legalidade de acto de liquidação, mas, tratando-se de uma ficção de acto destinada a assegurar a impugnação contenciosa em meio processual que tem por objecto um acto de liquidação, o meio de impugnação adequado depende do conteúdo ficcionado.
No caso de impugnação administrativa directa de um acto de liquidação (através de reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa), com fundamento na sua ilegalidade, o conteúdo ficcionado é de indeferimento do pedido que foi formulado, de anulação do acto de liquidação. Isto é, ficciona-se que o pedido foi indeferido por ter sido dada resposta negativa a todas as questões de legalidade colocadas pelo Sujeito Passivo. Por isso, presume-se o indeferimento tácito de meio de impugnação administrativa (reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa) que tem por objecto directo acto de liquidação se baseia em razões substantivas e não por razões formais.
(…)
De harmonia com o exposto, no caso em apreço, estando-se perante indeferimento tácito de um pedido de revisão oficiosa, que tem por objecto directo actos de liquidação, é de considerar que o acto ficcionado conhece da legalidade de actos de liquidação e, por isso, o meio processual adequado para a sua impugnação contenciosa é o processo de impugnação judicial, nos termos das alíneas d) e p) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT, de que é meio alternativo o processo arbitral.
Neste sentido, tem vindo a decidir uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo, como pode ver-se pelos seguintes acórdãos:
– de 6-10-2005, processo n.º 01166/04: «o indeferimento tácito de um pedido de revisão oficiosa de acto de liquidação, baseado na sua ilegalidade, deve considerar-se, para efeito das alíneas d) e p) do n.º 1 do art. 97.º do CPPT, como um acto que comporta a apreciação da legalidade de acto de liquidação»;
– de 02-02-2005, processo n.º 01171/04, de 08-07-2009, processo n.º 0306/09, de 23-09-2009, processo n.º 0420/09, de 12-11-2009, processo n.º 0681/09: «o meio processual adequado para reagir contenciosamente contra o acto silente atribuído a director-geral que não decidiu o pedido de revisão oficiosa de um acto de liquidação de um tributo é a impugnação judicial».
Assim, na linha desta jurisprudência, é de entender que o acto ficcionado quando ocorre indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa é um acto que comporta a apreciação da legalidade do acto de liquidação cuja revisão foi pedida, dando resposta negativa aos fundamentos invocados, pelo que o meio contencioso adequado para o impugnar é o processo de impugnação judicial e o processo arbitral.”
Ora, à semelhança daquele processo, também nos presentes autos ocorreu o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente quanto ao acto de liquidação de AIMI já referido, razão pela qual se ficciona que a AT conheceu e indeferiu aquele pedido por entender que o mesmo é legal. Significa isto que o processo arbitral, enquanto meio alternativo à impugnação judicial, é um meio contencioso adequado à sua impugnação, sendo incontestável a competência deste tribunal para conhecer do pedido formulado pela Requerente.
Improcede, assim, a excepção de incompetência material invocada pela Requerida.
14. Alegou ainda a AT na sua resposta a intempestividade do pedido de revisão oficiosa, a consolidação do acto tributário que determinou o VPT e a inimpugnabilidade dos actos de liquidação com fundamento em vícios próprios do acto de fixação do VPT.
Tendo em conta que a Requerente conformou o pedido de revisão oficiosa do acto de liquidação de AIMI com fundamento em erro imputável aos serviços nos termos do n.º 1, do artigo 78.º, da LGT e, subsidiariamente, com fundamento em injustiça grave ou notória na determinação da matéria tributável nos termos do n.º 4, do artigo 78.º, da LGT, apenas fará sentido apreciar a intempestividade do pedido de revisão invocada pela AT por referência a este último fundamento após se determinar a procedência ou improcedência das excepções invocadas a respeito do pedido de revisão principal efectuado por referência ao n.º 1, do artigo 78.º, da LGT. Assim sendo, e na medida em que a consolidação do acto tributário que determinou o VPT e a inimpugnabilidade dos actos de liquidação com fundamento em vícios próprios do acto de fixação do VPT são questões que estão intrinsecamente ligadas, a apreciação destas excepções será feita em primeiro lugar e de forma conjunta.
Enquanto ponto de partida, cumpre determinar o sentido e o alcance que deve ser conferido ao princípio da impugnação unitária, que se encontra previsto no artigo 54.º do CPPT, bem como as consequências que dele resultam nos casos em que, como sucedeu nos presentes autos, a legalidade do VPT fixado apenas é objecto de discussão pelo sujeito passivo no âmbito da impugnação da legalidade do acto de liquidação subsequente.
No artigo 54.º do CPPT, dispõe-se o seguinte:
“Artigo 54.º
Impugnação unitária
Salvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são susceptíveis de impugnação contenciosa os actos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida.”.
Portanto, a regra vigente no contencioso tributário é a de que os vícios dos actos interlocutórios apenas são invocáveis no âmbito da impugnação do acto final do procedimento, designadamente na impugnação do acto de liquidação. Isto a menos que estejam em causa actos interlocutórios imediatamente lesivos, isto é, actos do procedimento que embora sejam proferidos numa “fase intermédia” vão condicionar o sentido do acto/decisão final, produzindo desde logo um efeito lesivo externo na esfera jurídica do sujeito passivo.
Apesar de se prever a impugnação contenciosa directa e autónoma dos actos interlocutórios, ressalva-se no citado artigo a possibilidade de a impugnação dos respectivos vícios apenas ser feita no âmbito da decisão final do procedimento.
Um exemplo de um acto interlocutório é precisamente o acto de fixação do VPT que, enquanto acto de avaliação directa, vai estabelecer a base de incidência para efeitos de tributação e condicionar inevitavelmente os actos de liquidação subsequentes.
Quanto a esta precisa qualificação dos actos de fixação do VPT, registou-se no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no âmbito do processo n.º 2765/12.8BELRS, em 31 de Outubro de 2019, o seguinte:
“[a] fixação do VPT constitui, como se disse, um acto administrativo em matéria tributária, destacável e, por isso, passível de impugnação autónoma. A impugnação autónoma dos actos destacáveis tem como propósito oferecer uma maior garantia aos administrados, permitindo-lhes reagir atempadamente de molde a evitar a produção de efeitos lesivos, que se projectam no acto final do procedimento ou em actos externos a este.
A impugnabilidade autónoma constitui um desvio ao princípio da impugnação unitária (cfr. artigo 54.º do CPPT), que postula que em princípio só é possível impugnar o acto final do procedimento tributário, por só este apresentar efeitos lesivos na esfera jurídica do contribuinte. Este artigo prevê a possibilidade de impugnabilidade autónoma dos actos imediatamente lesivos e a possibilidade de, na impugnação do acto final de liquidação, serem invocados todos os vícios de que padeçam os actos prévios a essa liquidação (actos instrumentais, preparatórios ou prodrómicos dessa decisão final).
Como assim, sendo a fixação do VPT um acto destacável, ele goza de possibilidade de impugnação autónoma, independentemente da existência ou não de liquidação (…)”.
A susceptibilidade de impugnação contenciosa directa dos actos de fixação do VPT resulta, desde logo, do disposto no artigo 86.º da LGT e do artigo 134.º do CPPT que na redacção prevista à data dos factos determinavam, ao que aqui importa, o seguinte:
“Artigo 86.º
Impugnação judicial
1 – A avaliação directa é susceptível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa directa.”
2 – A impugnação da avaliação directa depende do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão.”
“Artigo 134.º
Objecto da impugnação
1 – Os actos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de 90 dias após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade.
(…) 7 - A impugnação referida neste artigo não tem efeito suspensivo e só poderá ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação.”.
Apesar de se prever a sua impugnação contenciosa directa, determinava-se igualmente nos citados artigos que a respectiva impugnação estava dependente do esgotamento dos meios graciosos previstos no procedimento de avaliação do VPT. Enquanto exemplo destes meios graciosos destaca-se a possibilidade de requerer uma segunda avaliação dos prédios urbanos, nos termos dos artigos 76.º e 77.º do Código do IMI, nos quais se previa, à data dos factos, e ao que aqui importa, o seguinte:
“Artigo 76.º
Segunda avaliação de prédios urbanos
1 – Quando o sujeito passivo, a câmara municipal ou o chefe de finanças não concordarem com o resultado da avaliação directa de prédios urbanos, podem, respectivamente, requerer ou promover uma segunda avaliação, no prazo de 30 dias contados da data em que o primeiro tenha sido notificado.
2 – A segunda avaliação é realizada com observância do disposto nos artigos 38.º e seguintes, por uma comissão composta por um perito regional designado pelo director de finanças em função da sua posição na lista organizada por ordem alfabética para esse efeito, que preside à comissão, um vogal nomeado pela respectiva câmara municipal e o sujeito passivo ou seu representante.”.
“Artigo 77.º
Impugnação
1 – Do resultado das segundas avaliações cabe impugnação judicial, nos termos definidos no Código de Procedimento e de Processo Tributário.
2 – A impugnação referida no número anterior pode ter como fundamento qualquer ilegalidade, designadamente a errónea quantificação do valor patrimonial tributário do prédio.
3 – A iniciativa da impugnação a que se refere o n.º 1 cabe ao sujeito passivo, à câmara municipal ou à junta de freguesia, quando esta última seja beneficiária da receita.”.
Esta última remissão para o CPPT efectuada no n.º 1, do artigo 77.º, do Código do IMI, deve considerar-se como feita para a alínea f), do n.º 1, do artigo 97.º, daquele primeiro código, no âmbito do qual se prevê que o processo judicial tributário compreende “a impugnação dos actos de fixação de valores patrimoniais”.
Cabendo concatenar devidamente o regime jurídico que resulta das normas acabadas de citar, julga-se que de uma interpretação sistemática e teleológica, feita à luz dos princípios norteadores do procedimento tributário, designadamente do princípio da impugnação unitária, não resulta a atribuição de um efeito preclusivo à falta de impugnação autónoma e directa do acto de fixação do VPT.
De facto, o que o legislador determina é que, na eventualidade de o sujeito passivo e, bem assim, a câmara municipal ou o chefe de finanças, não concordarem com o resultado da avaliação directa de prédios urbanos, onde se incluem terrenos para construção, podem desde logo exercer a faculdade de impugnação directa desse acto interlocutório recorrendo, por exemplo, a uma segunda avaliação realizada por uma comissão composta para o efeito.
Sublinhe-se que esta excepção à “regra” que resulta do princípio da impugnação unitária é uma mera faculdade concedida ao sujeito passivo e demais interessados e não um ónus, não sendo, portanto, a impugnação do acto de fixação do VPT uma condição necessária à posterior impugnação do acto de liquidação.
Ainda que se entendesse que do n.º 2, do artigo 86.º, da LGT e do n.º 7, do artigo 134.º, do CPPT resulta um regime de tutela administrativa prévia, esta necessidade de impugnação graciosa sempre teria de ser entendida na estrita óptica do acto interlocutório impugnado, porquanto é por referência a este que se consagra aquele regime. Quer isto dizer que, no limite, aquela necessidade de impugnação administrativa prévia reporta-se à contestação directa do acto de fixação do VPT e já não ao acto de liquidação que lhe é subsequente e relativamente ao qual não é feita qualquer referência.
Veja-se que do artigo 185.º do CPA aplicável ex vi artigo 2.º, alínea c), da LGT, resulta que apenas poderão ser consideradas impugnações administrativas necessárias aquelas que sejam expressamente qualificadas como tal por disposição legal, conforme sucede nos casos previstos nos artigos 131.º a 133.º-A do CPPT. Acresce que nos termos do artigo 51.º, n.º 3, do CPA aplicável ex vi artigo 2.º, alínea c), da LGT, resulta ainda que a impugnação de actos procedimentais interlocutórios – como é o caso do acto de fixação do VPT – assume um carácter facultativo, não ficando impedida a impugnação do acto final do procedimento com base em vícios desse acto intermédio.
Solução esta que no contencioso tributário resulta, desde logo, do princípio da impugnação unitária previsto no artigo 54.º da LGT, já que apesar de este excepcionar a possibilidade de impugnação contenciosa directa de actos interlocutórios não deixa de salientar que as respectivas ilegalidades podem ser invocadas na impugnação da decisão final. O que, de resto, está em sintonia com o intuito de reforçar as garantias dos contribuintes e de assegurar uma tutela jurisdicional efectiva através da antecipação da discussão de ilegalidades ocorridas no decurso do procedimento tributário.
Caso se entendesse esta faculdade de “discussão antecipada da legalidade” do acto interlocutório de fixação do VPT como um efectivo ónus de impugnação, ao qual está associado um efeito preclusivo da sindicância futura da sua legalidade, no âmbito da contestação do acto de liquidação, o legislador não estaria a excepcionar a ratio subjacente à previsão do princípio da impugnação unitária de forma a assegurar e incrementar a tutela jurisdicional efectiva, bem pelo contrário. É que, repare-se, o prazo de reacção do sujeito passivo – de 30 dias no caso da segunda avaliação – passaria a ser substancialmente inferior ao prazo previsto para a discussão da legalidade do VPT no âmbito do impugnação do acto final de liquidação – de 3 meses no caso da impugnação judicial e de 90 dias no caso de pedido de constituição de tribunal arbitral.
Acresce que se o objectivo do legislador era encurtar aquele prazo de forma a consolidar na ordem jurídica o acto de fixação do VPT, tornando-o inimpugnável, por via da formação de caso decidido, seria incoerente a previsão no artigo 115.º, do Código do IMI da possibilidade de requerer a revisão oficiosa do acto de liquidação com base em “erro de que tenha resultado colecta de montante diferente do legalmente devido”, onde se inclui, como se verá, o erro na fixação da base tributável, isto é, na fixação do VPT.
Num sentido próximo ao aqui defendido, julgou-se no acórdão arbitral, proferido no âmbito do processo n.º 760/2020-T, em 22 de Julho de 2021, o seguinte:
“A nosso ver, a questão não é a de saber se a lei configura a fixação do VPT como um ato destacável, prevendo a sua impugnação judicial autónoma – o que é um facto –, mas sim saber se existem razões que obstem a que tal ato, quando surja como instrumental relativamente a um ato de liquidação, possa, também, ser objeto de apreciação em processo dirigido à impugnação desta. Há, pois, que ponderar sobre a ratio das normas que preveem a impugnabilidade judicial autónoma de atos administrativos que constituem pressuposto de outros atos administrativos.
Estas razões serão, essencialmente, três:
(i) O ato ser imediatamente lesivo, produzir diretamente efeitos negativos na esfera do particular, o que não é o caso, pois a ablação do património pela via do imposto só acontece após a prática de um ato de liquidação.
(ii) A sindicância judicial imediata oferecer maiores garantias ao particular: é o caso, desde logo porquanto o decidido em tal recurso produzirá efeitos de caso julgado relativamente a todas as liquidações que tiverem por base o VPT impugnado.
Está, pois, presente uma intencionalidade garantística (consagração de meio de garantia mais abrangente) e não um intuito de restrição dos normais meios de garantia, como resultaria do acolhimento do pensamento sufragado pela Requerida)
(iii) Previsão legal de um “filtro” pré-judicial que possa contribuir para reduzir o número de casos que os tribunais sejam chamados a apreciar, quando a decisão dependa essencialmente de conhecimentos técnicos próprios de outras áreas do saber, que não a jurídica (o “filtro” aqui existe - a segunda avaliação dos prédios urbanos).
Porém, atenta a razão de ser destes sistemas, há que entender que a previsão da impugnabilidade direta e imediata, em processo a tal diretamente dirigido, do «resultado das segundas avaliações», como diz a lei, só se mostra «indispensável» quando esteja em causa o resultado da aplicação da lei (das normas que regulam o procedimento de avaliação) num caso concreto, pois é em tal aplicação que poderão estar envolvidos conhecimentos técnicos, não jurídicos, e não, como acontece no presente caso, quando esteja em causa a determinação da lei aplicável à avaliação. Esta é uma questão exclusivamente jurídica, para a qual, por definição, um tribunal é mais qualificado para a precisar que uma comissão de peritos avaliadores.”.
Dito isto, entende-se que a ora Requerente podia ter legitimamente optado por impugnar de forma autónoma o acto de avaliação directa no âmbito do qual se fixou o VPT dos terrenos para construção ou, em alternativa, podia ter apenas impugnado – como fez – o acto final de liquidação de AIMI, aí arguindo os vícios próprios dos actos de fixação do VPT que inquinam igualmente de ilegalidade aquele acto final de liquidação. Isto, repita-se, ainda que as ilegalidades dos actos de fixação do VPT não tenham sido objecto de impugnação autónoma.
Em face do exposto, julgam-se improcedentes as excepções dilatórias invocadas pela Requerida na sua resposta quanto à alegada consolidação do acto tributário que determinou o VPT e quanto à alegada inimpugnabilidade dos actos de liquidação com fundamento em vícios próprios do acto de fixação do VPT.
15. Assente que está a possibilidade de discussão das ilegalidades do acto de fixação do VPT, enquanto base de incidência, no âmbito da impugnação da legalidade do acto de liquidação de AIMI, cumpre por fim apreciar a alegada intempestividade do pedido de revisão oficiosa e, consequentemente, do pedido arbitral apresentado pela Requerente. Ainda que a Requerida apenas tenha formulado esta excepção por referência ao n.º 4, do artigo 78.º, da LGT, cumpre igualmente aferir da tempestividade do pedido de revisão por referência ao n.º 1 daquele mesmo artigo e por referência ao artigo 115.º do Código do IMI que também prevê a possibilidade de se proceder à revisão oficiosa dos actos de liquidação daquele imposto.
Ao que aqui importa, previa-se o seguinte na redacção daqueles artigos à data dos factos:
“Artigo 115.º
Revisão oficiosa da liquidação e anulação
1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária, as liquidações são oficiosamente revistas:
(…) c) Quando tenha havido erro de que tenha resultado colecta de montante diferente do legalmente devido”
“Artigo 78.º
Revisão dos actos tributários
1 - A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.
(…)
4 - O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.
5 - Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.”.
Quanto à aplicabilidade do regime resultante destas normas aos casos como o dos presentes autos, em que a Requerente impugnou o acto de liquidação de AIMI com base em erros verificados nos actos de fixação do VPT, pronunciou-se já de forma extensa, e num sentido que se acompanha, o já citado acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no âmbito do processo n.º 2765/12.8BELRS, em 31 de Outubro de 2019, no qual se considerou o seguinte:
“(…) ciente da natureza agressiva das leis fiscais, que afectam coercivamente o património dos contribuintes, criou válvulas de escape para as situações de ilegalidade, permitindo que a própria Administração reveja as suas decisões, a fim de corrigir as ilegalidades que porventura tenha cometido.
É o que sucede com o artigo 78.º da LGT, que prevê a possibilidade de revisão dos actos tributários com fundamento em ilegalidade ou erro, mecanismo que se encontra presente na legislação tributária de outros países, como sucede em Espanha com o artigo 219.º da Ley General Tributária.
O artigo 78.º da LGT consagra um verdadeiro direito do contribuinte, permitindo-lhe exigir da administração tributária que expurgue da ordem jurídica, total ou parcialmente, um acto ilegal, bem como a restituição do que tenha sido ilegalmente cobrado, com base no artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que não permite a cobrança de tributos, nem os respectivos montantes, que não estejam previstos na lei.
Todavia, como já se disse, o artigo 78.º é inaplicável aos actos de fixação do VPT (actos administrativos em matéria fiscal), na medida em que visa apenas os actos tributários stricto sensu, incluindo o acto de determinação da matéria tributável, quando não dê lugar à liquidação e qualquer tributo(2). O que não quer dizer que seja de todo imprestável para o caso sub judice, visto que a coberto de um VPT ilegal foram produzidas liquidações de tributo (IMI) que foram exigidas à recorrida.
Ora, ultrapassada que está actualmente a questão de saber se a iniciativa de revisão pela administração pode ser desencadeada a impulso do interessado, da interpretação conjugada do n.º 1 do artigo 78.º da LGT com o disposto no artigo 115.º, n.º 1, alínea c), do CIMI, resulta que a revisão oficiosa das liquidações deve ser realizada pela administração tributária, ainda que sob impulso inicial do contribuinte, quando tenha ocorrido erro imputável aos serviços.
O que se verifica, precisamente, no caso em apreço, erro esse que se traduziu até numa injustiça grave e notória concretizada na fixação de um VPT em valor claramente superior ao que resultaria das disposições legais que deveriam ter sido aplicadas.”. (destaque nosso)
Resulta, portanto, da referida jurisprudência, que a revisão oficiosa dos actos tributários de liquidação pode ser requerida pelos sujeitos passivos com base em erros/ilegalidades subjacentes à qualificação e quantificação dos actos de fixação do VPT, na precisa medida em que tais erros se “comunicam” e inquinam os actos de liquidação que lhe são subsequentes. Erros estes que, caso se julguem verificados nos presentes autos, são unicamente imputáveis aos serviços, visto que a responsabilidade da fixação do VPT é da AT, que aplicou nas avaliações que fez os coeficientes multiplicadores de afectação, de localização e/ou de qualidade e conforto, tal como se julgou provado no âmbito da matéria de facto acima fixada. Por conseguinte, ao ter sido o acto de liquidação de AIMI n.º 2017.46... emitido em 30 de Junho de 2017 e ao ter sido o pedido de revisão oficiosa apresentado em 30 de Dezembro de 2020, ainda não tinha à data decorrido o prazo de 4 anos após a liquidação para que a Requerente solicitasse a revisão daquele acto tributário, sendo o mesmo tempestivo.
Sem prejuízo, mesmo que se entendesse que o n.º 1, do artigo 78.º, da LGT não era aplicável ao presente caso e que à Requerente apenas assistia a possibilidade de requerer a revisão da matéria tributável com fundamento em injustiça grave ou notória, nem por isso estaria verificada a excepção de intempestividade do pedido alegada pela Requerida. Isto, admitindo que se venham a julgar verificados os erros na determinação do VPT que, segundo invocou a Requerente no seu pedido arbitral, terão implicado uma situação de injustiça grave ou notória consubstanciada no alegado facto de a Requerente ter suportado um valor de IMI manifestamente (mais de 50%) superior àquele que alegadamente seria devido nos termos da lei. Erros esses que, a serem julgados procedentes, e conforme já se precisou, não resultam de comportamento negligente da Requerente, sendo antes imputáveis à AT.
Porquanto relevante para o que aqui importa, vejam-se uma vez mais as considerações do Tribunal Central Administrativo Sul, no acórdão proferido no âmbito do processo n.º 2765/12.8BELRS, em 31 de Outubro de 2019, onde se deixou clara a possibilidade de revisão oficiosa com base neste último fundamento. Naquela decisão referiu-se, a este respeito, o seguinte:
“(…) a revisão oficiosa das liquidações deve ser realizada pela administração tributária, ainda que sob impulso inicial do contribuinte, quando tenha ocorrido erro imputável aos serviços.
O que se verifica, precisamente, no caso em apreço, erro esse que se traduziu até numa injustiça grave e notória concretizada na fixação de um VPT em valor claramente superior ao que resultaria das disposições legais que deveriam ter sido aplicadas.
Erro esse que, independente da inércia impugnatória da recorrida após a notificação do VPT, não pode ser imputável a qualquer comportamento negligente desta, visto que o erro no cálculo e fixação do VPT ocorre num procedimento desencadeado e concretizado pela administração e que sempre justificaria a revisão ao abrigo do n.º 4 do normativo em questão, se o n.º 1 não fosse inteiramente aplicável.”
Portanto, estando também assente a possibilidade de recurso a esta “modalidade” de revisão oficiosa – que a Requerente peticionou a título subsidiário no seu pedido de revisão –, verifica-se que a mesma sempre teria sido apresentada tempestivamente, porquanto o pedido de revisão foi efectuado pela Requerente em 30 de Dezembro de 2020, sendo que o prazo previsto para o efeito apenas terminava no terceiro ano posterior ao do acto tributário praticado em 30 de Junho de 2017, ou seja, apenas terminava em 31 de Dezembro de 2020.
Em face do exposto, sempre seria de julgar improcedente a excepção de intempestividade do pedido de revisão e, consequentemente, do pedido arbitral, invocada pela Requerida na sua resposta.
III.2.3. Aplicação do artigo 38.º do Código do IMI aos terrenos para construção
15. Não existindo obstáculos ao conhecimento do mérito da causa, cumpre então apreciar a legalidade da aplicação aos terrenos para construção dos coeficientes de afectação, de localização e/ou de qualidade e conforto. Para o efeito, caberá ter presente a seguinte base legal aplicável à data dos factos:
“Artigo 38º
Determinação do valor patrimonial tributário
1 – A determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços resulta da seguinte expressão:
Vt = Vc x A x Ca x Cl x Cq x Cv
em que:
Vt = valor patrimonial tributário;
Vc = valor base dos prédios edificados;
A = área bruta de construção mais a área excedente à área de implantação;
Ca = coeficiente de afectação;
Cl = coeficiente de localização
Cq = coeficiente de qualidade e conforto;
Cv = coeficiente de vetustez.
2 – O valor patrimonial tributário dos prédios urbanos apurado é arredondado para a dezena de euros imediatamente superior.
3 – Os prédios comerciais, industriais ou para serviços, para cuja avaliação se revele desadequada a expressão prevista no n.º 1, são avaliados nos termos do n.º 2 do artigo 46.º
4 – A definição das tipologias de prédios aos quais é aplicável o disposto no número anterior é feita por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, sob proposta da Comissão Nacional de Avaliação de Prédios Urbanos.”.
“Artigo 45.º
Valor patrimonial tributário dos terrenos para construção
1 – O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação.
2 – O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.
3 – Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º
4 – O valor da área adjacente à construção é calculado nos termos do n.º 4 do artigo 40.º.
5 – Quando o documento comprovativo de viabilidade construtiva a que se refere o artigo 37.º apenas faça referência aos índices do PDM, devem os peritos avaliadores estimar, fundamentadamente, a respectiva área de construção, tendo em consideração, designadamente, as áreas médias de construção da zona envolvente.”.
Ora, do teor literal das citadas normas resulta que as regras de determinação do VPT dos prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços são determinadas nos termos do artigo 38.º do Código do IMI, cuja aplicação não se prevê para os prédios urbanos que consistam em terrenos para construção e que seguem o regime fixado no artigo 45.º daquele mesmo código. Significa isto que os coeficientes previstos no artigo 38.º do Código do IMI não eram, à data dos factos, aplicáveis aos terrenos para construção. Tanto assim é que só por via da alteração legislativa efectuada pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro, que alterou a redacção do artigo 45.º do Código do IMI, é que se passou a prever a aplicação dos coeficientes de afectação e de localização aos terrenos para construção.
A não aplicabilidade daqueles coeficientes aos terrenos para construção, na redacção das citadas normas à data dos factos, é uma questão pacífica na jurisprudência, que foi inclusive objecto de uniformização pelo STA no acórdão proferido no âmbito do processo n.º 0183/13, em 21 de Setembro de 2016, no qual se decidiu que:
“(…) na determinação do seu valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação integral a fórmula matemática consagrada no artigo 38º do CIMI onde expressamente se prevê, entre outros o coeficiente, aqui discutido, de qualidade e conforto relacionado com o prédio a construir. O que, faz todo o sentido e dá coerência ao sistema de tributação do IMI uma vez que os coeficientes previstos nesta fórmula só podem ter a ver com o que já está edificado, o que não é o caso dos terrenos para construção alvo de tributação específica, sim, mas na qual não podem ser considerados para efeitos de avaliação patrimonial factores ainda não materializados”.
Esta jurisprudência, proferida quanto ao coeficiente de qualidade e conforto foi conformada por vários acórdãos posteriores do STA, que incidiram sobre os demais coeficientes previstos no artigo 38.º do Código do IMI. A título de exemplo vejam-se, por todos, os acórdãos do STA proferidos no âmbito do processo n.º 0165/14.4BEBRG, em 9 de Outubro de 2019, e no âmbito do processo n.º 0170/16.6BELRS, em 23 de Outubro de 2019, onde se concluiu o seguinte:
“(…) os coeficientes de localização, qualidade e conforto, factores multiplicadores do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços e bem assim o coeficiente de afectação não podem ser aplicados analogicamente por serem susceptíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto (IMI)”.
De resto, foi a própria Requerida que reconheceu na sua resposta que “[n]o que respeita à avaliação dos terrenos para construção, a jurisprudência, tem entendido que na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, na redação do artigo 45.º do CIMI anterior a 1 de janeiro de 2021, não há lugar à consideração do coeficiente de afetação e do coeficiente de localização”.
Ora, sendo este um entendimento pacífico ao qual o presente tribunal adere, julga-se procedente a ilegalidade invocada pela Requerente a este respeito, impondo-se a anulação parcial do acto de liquidação contestado nos presentes autos na concreta medida em que determinou a liquidação de imposto em excesso em face do que resultaria da aplicação da lei.
III.2.4. Aplicação da majoração de 25% prevista no artigo 39.º, n.º 1, do Código do IMI aos terrenos para construção
16. Quanto a este ponto, cabe aferir a legalidade da aplicação aos terrenos para construção da majoração de 25% ao valor base dos prédios edificados prevista no artigo 39.º, n.º 1, do Código do IMI.
À data dos factos, estabelecia-se naquele artigo o seguinte:
“Artigo 39.º
Valor base dos prédios edificados
O valor base dos prédios (Vc) corresponde ao valor médio de construção, por metro quadrado, adicionado do valor do metro quadrado do terreno de implantação fixado em 25 % daquele valor.
2 - O valor médio de construção é determinado tendo em conta, nomeadamente, os encargos directos e indirectos suportados na construção do edifício, tais como os relativos a materiais, mão-de-obra, equipamentos, administração, energia, comunicações e outros consumíveis.”.
Ora, conforme se constata, o referido artigo tinha o seu âmbito de aplicação delimitado por referência aos prédios edificados e não aos terrenos para construção, sendo que a sua aplicabilidade também não resultava de qualquer remissão constante do artigo 45.º do Código do IMI. Neste preciso sentido, considerou-se no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no âmbito do processo n.º 105/07.7BELRS, em 9 de Junho de 2021, que:
“[a] avaliação do vpt de terreno para construção assenta no custo médio de construção por metro quadrado e não no valor base do prédio edificado, pelo que o valor do terreno de implantação não deve acrescer ao primeiro”.
Num sentido próximo, referiu-se no acórdão arbitral proferido no âmbito do processo n.º 41/2021-T, em 27 de Julho 2021, o seguinte:
“Como resulta do teor daquele artigo 39.º, n.º 1, na redacção anterior à Lei n.º 75 B/2020, de 31 de Dezembro, a majoração de 25% nele prevista reporta-se apenas a «prédios edificados».
Por outro lado, o artigo 45.º do CIMI, na redacção anterior à Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro, que estabelece as regras da determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não remete para o artigo 39.º nem contém qualquer alusão ao «valor base dos prédios edificados», que veio apenas a ser introduzida por aquela Lei.
Assim, na linha da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo sobre os coeficientes, é de entender que não havia suporte legal para aplicar a majoração prevista no artigo 39.º do CIMI à avaliação de terrenos para construção.”.
De facto, não existia base legal que legitimasse a aplicação aos terrenos para construção do factor de majoração de 25% do valor do metro quadrado do terreno de implantação previsto no artigo 39.º do Código do IMI quanto aos prédios edificados. Por conseguinte, julga-se procedente a ilegalidade invocada pela Requerente a este respeito, cabendo anular parcialmente o acto de liquidação de AIMI objecto de impugnação mediata nos presentes autos.
III.2.5. Questões de conhecimento prejudicado
17. Tendo-se julgado procedentes os vícios imputados no pedido arbitral ao acto de liquidação de AIMI, com a consequente anulação parcial do acto nos exactos termos peticionados pela Requerente, fica prejudicado o conhecimento do vício de inconstitucionalidade invocado pela Requerente, na medida em a sua apreciação se afigura nesta fase a prática de um acto inútil no processo, proibida nos termos conjugados dos artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
III.2.6. Reembolso do imposto indevidamente liquidado e juros indemnizatórios
18. No seu pedido arbitral peticionou a Requerente que fosse determinada a “anulação total da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado (acto imediato do presente pedido arbitral) e a anulação parcial da Liquidação Contestada (ato mediato do presente pedido arbitral) com base em todos os vícios acima elencados e com todas a consequências legais incluindo o reembolso do imposto indevidamente pago (€ 123.922,69) pela Requerente”.
Cabe a este respeito precisar que o indeferimento tácito consiste numa ficção de acto que visa abrir ao sujeito passivo a via contenciosa de impugnação, não existindo, portanto, um acto material passível de anulação.
Quanto ao reembolso do imposto indevidamente liquidado, ficou demonstrado nos presentes autos que o acto mediato de liquidação de AIMI contestado implicou por parte da Requerente o pagamento indevido de imposto em face do que resultava da lei vigente à data. Por conseguinte, deverá a Requerida proceder ao reembolso da quantia de € 123.922,69, correspondente ao AIMI indevidamente liquidado.
19. No seu pedido arbitral a Requerente peticionou ainda o pagamento de juros indemnizatórios “calculados à taxa legal em vigor de 4% por ano sobre o valor de imposto pago em excesso, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT”.
Ao que aqui importa, dispõe-se o seguinte no artigo 43.º da LGT:
“Artigo 43.º
Pagamento indevido da prestação tributária
1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
2 - Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.
3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:
(…)
c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária”.
Quanto à aplicação deste artigo, resulta da jurisprudência uniforme do STA, designadamente no acórdão de 4 de Novembro de 2020, proferido no âmbito do processo n.º 038/19.4BALSB, que nos casos em que o sujeito passivo peticiona a revisão do acto tributário ao abrigo do disposto na 2.ª parte, do n.º 1, do artigo 78.º, da LGT e o mesmo vem a ser anulado, os juros indemnizatórios apenas “são devidos depois de decorrido um ano contado da apresentação do pedido de revisão, por aplicação do artigo 43.º, n.º 3, alínea c) da LGT, e não desde a data do pagamento indevido do imposto, porque o contribuinte poderia ter “obtido anteriormente a anulação do acto”, e ao não fazê-lo “desinteressou-se temporariamente pela recuperação do seu dinheiro”, o que justifica que o direito a juros indemnizatórios haja de ter uma extensão mais reduzida por contraposição à situação em que o contribuinte, suscita a questão da ilegalidade do acto de liquidação imediatamente”.
Nestes termos, ao ter sido o pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente em 30 de Dezembro de 2020, são devidos juros indemnizatórios desde o dia 30 de Dezembro de 2021, calculados à taxa legal de 4% até à data da emissão das respectivas notas de crédito a favor do sujeito passivo, devendo o apuramento do concreto montante a pagar ser determinado em sede de execução de julgados.
IV. DECISÃO
Termos em que se decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente e, em consequência:
a) Anular parcialmente o acto de liquidação de AIMI objecto do procedimento de revisão oficiosa nos termos acima evidenciados;
b) Condenar a Requerida a restituir à Requerente o montante indevidamente pago, acrescido do pagamento de juros indemnizatórios à taxa legal em vigor nos termos acima referidos;
c) Condenar a Requerida nas custas do processo.
V. VALOR DO PROCESSO
Atendendo ao disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixando-se ao processo o valor de € 123.922,69.
VI. CUSTAS
Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 3.060,00, a cargo da Requerida, conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
Notifique-se.
Lisboa, 6 de Maio de 2022.
Os Árbitros,
Carla Castelo Trindade
(relatora)
Henrique Nunes
Rita Guerra Alves