Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 656/2021-T
Data da decisão: 2022-02-22  IRC  
Valor do pedido: € 40.209,36
Tema: IRC - Art. 45º da LGT - Caducidade do direito à liquidação - Art. 23º do CIRC – Dedutibilidade de gastos – Prova relativa à sua indispensabilidade.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I. Relatório

 

1. No dia 15 de Outubro de 2021, a sociedade A, LDA. apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), para impugnação do indeferimento parcial da reclamação graciosa, comunicada pelo ofício n.º 2021S00..., ao abrigo do Relatório de Inspecção Tributária com as Ordens de Serviço n.ºs OI201...1, OI201...2, OI201... e OI201...4, que originou as liquidações em sede de IRC e juros compensatórios 831..., de 10-12-2019 no valor global de € 5.543,82, relativa ao ano de 2012, 831..., de 11-12-2019 no valor global de € 7.391,21, relativa ao ano de 2013, 831..., de 12-12-2019 no valor global de € 16.466,87, relativa ao ano de 2014, e 831..., de 16-12-2019 no valor global de € 10.807,46, relativa ao ano de 2015, no montante global, incluindo os respectivos juros compensatórios, de € 40.209,36.

2. Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou o árbitro ora signatário, disso notificando as partes.

3. O tribunal encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.

4. As alegações que sustentam o pedido de pronúncia arbitral da Requerente são em súmula, as seguintes:

4.1. Uma vez que, nos termos do art. 45º da LGT, o direito de liquidar os tributos caduca no prazo de quatro anos, contados nos impostos sobre o rendimento a partir do ano em que se verificou o termo do período de tributação, a que acrescem seis meses em virtude de ter sido instaurado procedimento de inspecção externa, o direito à liquidação de IRC de 2012, 2013 e 2014 caducou respectivamente a 1/7/2017, 1/7/2018 e 1/7/2019.

4.2. No relatório de inspecção, a Requerida alega que existem facturas que não foram comunicadas à AT, acrescentando o seu valor aos rendimentos declarados pela Requerente.

4.3. Só que essas facturas não foram lançadas pelo simples facto de que os serviços nelas elencados não foram prestados, não tendo o Requerente auferido qualquer proveito.

4.4. Há uma clara violação do princípio do inquisitório, contido no artigo 58.º da LGT, uma vez que a AT não realizou todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material, limitando-se a tributar de forma arbitrária proveitos cuja existência não se encontra demonstrada.

4.5. Conforme é descrito no Relatório da Inspeção Tributária, “a análise aos elementos de contabilidade permitiu verificar que foram considerados na determinação da matéria coletável de 2012, 2013 e 2014 gastos cujos documentos de suporte respeitam a meros documentos internos”.

4.6. Sucede que um dos mais importantes princípios norteadores dos serviços de inspeção tributária, o princípio da verdade material, encontra-se plasmado no artigo 6º do RCPITA, o qual sustenta que “o procedimento de inspecção visa a descoberta da verdade material, devendo a administração tributária adotar oficiosamente as iniciativas adequadas a esse objetivo”.

4.7. Nestes moldes, todos os gastos efetivamente suportados pelos contribuintes devem ser aceites, mesmo não cumprindo os formalismos exigidos, dando relevância à substância e materialidade da operação, considerando-se irrelevante o modo como se demonstra a efetividade do gasto.

4.8. Rastreando as verbas não aceites como gastos, será da mais elementar justiça verificar que existem alguns valores que, embora estejam titulados por “meros documentos internos” estão, de facto, titulados, sendo que alguns desses lançamentos foram realizados numa conta errada, nos termos do SNC, mas que ainda assim não altera o resultado de cada exercício em apreço.

4.9. Note-se ainda que tais movimentos estão também descritos e mencionados nos extratos bancários apresentados pela impugnante o que revela não haver nenhuma tentativa de ocultar o dispêndio com tais despesas e que, em alguns dos casos, não existe documento nos termos do CIRC por extravio ou não envio por parte do fornecedor, o que colide com o já elencado princípio da verdade material.

4.10. Quanto ao valor de € 1.671,01, inserido na conta 626122 (condomínio) de 2012, o imóvel estava incluído no ativo fixo tangível da impugnante em 2012, sendo um facto público que a detenção de uma fração autónoma num prédio com vários proprietários no regime de propriedade horizontal implica o pagamento de despesas de condomínio e este valor corresponde a uma quota média inferior a 140€/mensais, o que para um imóvel localizado na Foz do Douro não se afigura como anormal, antes pelo contrário, o preço até é baixo comparando com outros condomínios equivalentes.

4.11. Assim, ao abrigo do princípio do inquisitório cabia à AT confirmar que o gasto foi efetivamente despendido a favor do K, através da contraposição com a contabilidade do condomínio, a que a impugnante não tem acesso.

4.12. Quanto ao valor de € 5.697,18€, relativo à conta 626322 (seguros – outros seguros) de 2012, esta importância respeita a dois seguros de incapacidade laboral, tendo ambos como beneficiário B… e emitidos em nome de A…, Lda. 4.13. Estes seguros foram emitidos pela “M…”, empresa espanhola e porquanto pouco adstrita ao cumprimento de obrigações fiscais e declarativas em Portugal, pelo que a contribuinte dispõe meramente de um aviso de cobrança.

4.14. Não obstante a Requerente dispõe de avisos de débito e extratos bancários que justificam a totalidade deste valor a favor da mencionada seguradora, uma vez que todos os documentos mencionam a ... como destinatária dos valores pagos.

4.15. Nestes termos, e ao abrigo do princípio da verdade material, não faz qualquer sentido que a impugnante seja prejudicada pelo incumprimento de um terceiro (a ...) que não enviou os documentos legalmente exigidos, na medida em que o documento se encontra verdadeiramente comprovado.

4.16. Relativamente ao valor de € 1.245,71, incluído na conta 622611 (seguros – conservação e reparação) de 2013, apesar da impugnante não se encontrar munida de um documento comprovativo do referido gasto, importa atentar que tal despesa se refere a uma reparação referente à viatura com a matrícula ...-...-..., viatura integrante do imobilizado da impugnante.

4.17. Esta despesa foi paga através do cheque nº 888 destinado à C… SA, tratando-se de uma despesa de conservação, sendo que a não comprovação deste gasto através de uma fatura emitida nos termos do CIRC não implica que o seu gasto não deva ser reconhecido na contabilidade porque, ao abrigo do princípio da verdade material, o resultado tributável deverá ter em conta os proveitos e os gastos acarretados pela impugnante, independentemente de qualquer extravio ou não envio por parte do fornecedor.

4.18. Não obstante, a AT encontra-se munida da contabilidade da sociedade, a qual foi apreendida no dia 01/03/2016, pelo que a AT tinha na sua posse os documentos que comprovavam que o destinatário desse pagamento era outro contribuinte, no caso a C… SA, pelo que, nos termos do nº 2 do artigo 74.º da LGT deveria ter considerado satisfeito o ónus probatório, seguindo a doutrina do acórdão do STA de 21/10/2009, processo 0583/09.

4.19. Relativamente ao valor de 326,50€, incluído na conta 62414 (eletricidade) de 2013, este valor refere-se a gastos com comunicações cuja fatura foi emitida em 2012.

4.20. No entanto, e sabendo que a mesma não foi contabilizada em 2012, este gasto deveria ter sido lançado também numa conta de gastos classe 6, nomeadamente na conta 6881 referente a “correções relativas a períodos anteriores”, uma vez que nesta conta são registados os efeitos negativos de erros de períodos anteriores que não assumem expressão significativa (o que é o caso tendo em conta o valor em apreço, não justificando a sua contabilização em resultados transitados).

4.21. Nestes termos, caso esta despesa tivesse sido contabilizada conforme exigido pelo SNC tal não alteraria o resultado declarado, pelo que deve ser aceite o seu custo para efeitos fiscais

4.22. Relativamente ao valor de 1.617,71€, incluído na conta 626322 (outros seguros) de 2013, tal valor reporta-se a um recibo emitido pela D…-Seguros referente a um seguro de vida em nome de B… e emitido em nome de A…, Lda.

4.23. Como, tal deveria ter sido contabilizado numa rúbrica de “gastos com o pessoal”, concretamente na conta 638 do SNC, mas este lapso no lançamento não interfere com o resultado apurado e o seu erróneo lançamento não implica que perca a sua natureza de gasto, a qual se mantém face ao disposto no artigo 23.º do CIRC.

4.24. Relativamente ao valor de € 530, incluído na conta 312212 (compras – matérias-primas) de 2014, a verba respeita a uma fatcura emitida pela sociedade E…, referente a materiais adquiridos para a atividade desenvolvida pela Clínica que não foi considerada por não dispor do NIF da sociedade emitente”.

4.25. Não obstante o facto descrito, tal situação, extrínseca à impugnante, não deverá influenciar o reconhecimento do gasto, já que tal despesa deveria ter sido confirmada pela inspetora tributária, uma vez que a fatura foi emitida por software certificado e, como tal, seguramente ao alcance da AT.

4.26. Relativamente ao valor de € 627,90, incluído na conta 626311 (seguros – C ...-...-...) de 2014, tal gasto já foi considerado dedutível na notificação de audiência prévia, pelo que a correcção em causa não se mostra devida

4.27. Quanto ao valor de € 471,69, incluído na conta 6918111 (juros de financiamentos obtidos) de 2014, este valor refere-se a juros de um contrato de leasing e já considerados dedutíveis na notificação de audiência prévia, não sendo essa correção considerada.

4.28. No que respeita aos exercícios de 2012 e 2013, ou seja, anteriores à alteração ao CIRC resultante da Lei nº 2/2014 de 16 de janeiro, a alínea g) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC socorria- se da expressão “encargos não devidamente documentados” e a alínea a) do n.º 2 do artigo 123.º do mesmo diploma expressamente refere que os lançamentos contabilísticos devem estar apoiados em documentos justificativos

4.29. A inexistência de um documento externo quando ele devesse existir afecta, como não pode deixar de ser, o valor probatório da contabilidade, não podendo essa falta, por princípio, ser colmatada por um documento de fonte interna, mas daí não resulta que a ausência desse documento seja, no âmbito da determinação do lucro tributável, absolutamente irremediável,

4.30. Efectivamente, a impugnante, ao anexar à presente impugnação os documentos de prova da existência efectiva dos gastos que lhe foram desconsiderados, afasta desde logo a qualificação dos mesmos como “encargos não devidamente documentados”, sendo certo que conforme decorre da natureza dos mesmos, terão que ser aceites à luz do artigo 23.º do CIRC.

4.31. Já para análise dos gastos não aceites nos períodos de 2014 e 2015, um dos temas que preocupou a Comissão para a reforma do IRC, que veio a ser consagrada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, foi justamente o da clarificação das condições de dedutibilidade dos gastos, pretendendo-se eliminar divergências interpretativas, e consequente litigância, sobre a questão da prova documental dos gastos contabilizados que se traduziu em alterações legislativas, de natureza inovadora.

4.32. Assim, consagrou-se no n.º 3 do artigo 23.º do CIRC o razoável princípio de que os gastos dedutíveis devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito.

4.32. Podem assim existirem “documentos justificativos” que não sejam, em sentido próprio, facturas e que, independentemente do respetivo suporte, demonstrem, em termos materiais, a existência das operações objeto de registo contabilístico.

4.33. É relativamente frequente o sujeito passivo não dispor do documento que, por princípio, deveria comprovar a existência do gasto ou, tendo-o, este sofra de irregularidades formais, devendo, nesse caso, o sujeito passivo ser admitido a complementar a prova da existência do custo através do recurso a quaisquer meios admitidos em direito.

 

4.34. De referir ainda que, analisando a redação do artigo 23.º do CIRC imposta pela Lei nº 82-C/2014 de 31-12, no seu sentido literal, o legislador não faz depender os formalismos exigíveis em matéria de IRC dos formalismos contidos no Código do IVA, nomeadamente quando tal não for exigível ao fornecedor dos bens ou prestador de serviços, como sucede com as companhias de seguros, que beneficiarão da dispensa de emissão de fatura, nos termos da alínea a) do nº 3 do artigo 29.º do CIVA, por serem qualificadas como entidades que beneficiam das isenções previstas no artigo 9.º daquele diploma.

4.35. De acordo com a AT, o sujeito passivo reconheceu, em 2015, gastos de portagens e estacionamentos referentes às viaturas ...-...-... (€ 317,90) e ...-...-... (€ 535,46€).

4.36. Sucede que a viatura F ...-...-... tinha sido adquirida pela impugnante em virtude de um contrato de locação financeira, celebrado a 15/04/2011, no qual é possível constatar que os restantes alugueres tinham a duração de 24 meses.

4.37. Assim, a viatura mencionada faz parte do imobilizado da impugnante desde então e aí permanecendo durante o exercício de 2015.

4.38. E do RIT resulta ainda uma contradição por parte da AT que no ponto 1.3.3. considera que “as viaturas associadas àquelas matrículas não pertencem, nem nunca pertenceram ao ativo fixo tangível do sujeito passivo”, ao passo que no 2.1., aí para efeitos de tributação autónoma, já considera as depreciações com a viatura ...-...-....

4.39. Já a viatura ...-...-..., propriedade do sócio da impugnante, foi utilizada ao serviço da sociedade, nomeadamente para a aquisição de materiais a utilizar na clínica.

4.40. Como o nº 1 do artigo 23.º do CIRC não obriga a que os gastos se refiram a viaturas pertencentes à empresa, a AT não tem legitimidade legal para não aceitar tais gastos que foram suportados pelo sujeito passivo para obter rendimentos sujeitos a IRC

4.40. Refere o RIT que o sujeito passivo reconheceu com gastos relativos a seguros do ramo vida, acidentes pessoais, incapacidade laboral e plano de poupança a favor do sócio-gerente (B…), nos montantes de € 3.047,17 em 2012, € 6.717,29 em 2013, € 8.300,83 em 2014 e € 51.661,48 em 2015.

4.41. Referindo também que estes gastos foram contabilizados na “conta SNC 62- Fornecimento e Serviços Externos (FSE) – os quais estão devidamente discriminados no Anexo 2” do RIT, não os aceitando como custo porque, nos termos do art. 43º, nº4, CIRC, não foram estabelecidos para a generalidade dos trabalhadores permanentes da empresa.

4.42. Só que a desconsideração do gasto teria que ser fundamentada à luz do artigo 23.º incluso na Subsecção I- Regras gerais e não à luz do artigo 43.º incluído na Subsecção V- Regime de outros encargos, do Código do IRC

4.43. Face àquela disposição, as importâncias despendidas pela impugnante com os seguros do ramo “vida” e planos de poupança a favor do seu sócio-gerente B… (pessoa segura) deveriam ser aceites como gastos, na medida em que configuram inequivocamente rendimentos do trabalho dependente (artigo 2º do CIRS) e que deveriam ser tributados na sua esfera pessoal e não como correcções operadas ao lucro tributável declarado.

4.44. Mesmo que fossem incluídos na conta 63 como gastos com o pessoal, a alínea d) do número 2 do artigo 23.º do CIRC considerava, à data, que os seguros, incluindo os de vida, eram dedutíveis para a determinação do lucro tributável.

4.45. Ora o conceito de remunerações não se esgota nas retribuições pagas ao pessoal uma vez que a conta 63 do SNC – gastos com o pessoal – tem uma subconta 631 com o nome remunerações dos órgãos sociais.

4.46. Como tal, é legítimo considerar-se que sejam pagas remunerações ou seguros ao gerente da sociedade e que esse gasto seja dedutível para efeitos de IRC, nomeadamente na subconta 638 – outros gastos com pessoal.

4.47. Em relação à viatura G…, matrícula ...-...-..., foi considerada como taxa de tributação autónoma o valor de 35%, quando em face do art. 88º, nºs 3 e 17 CIRC essa taxa deveria ter sido de 17,5%.

4.48. As liquidações impugnadas têm origem em erro imputável aos serviços, pelo que, tendo a Requerente já procedido ao pagamento, deverá a AT ser condenada ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do art. 43º da LGT, uma vez que este pagamento indevido de imposto tem origem em erro dos serviços

4.49. Em consequência, a Requerente solicita que sejam anuladas as liquidações de IRC e juros compensatórios, e tributação autónoma referentes aos períodos de tributação de 2012 a 2015.

5. Por seu turno, a Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, na qual se defendeu, em súmula, nos seguintes termos:

5.1. O presente pedido de pronúncia arbitral tem por objecto o acto de indeferimento parcial da reclamação graciosa apresentada contra as liquidações em sede de IRC relativas aos períodos de tributação de 2012 a 2015, as quais tiveram origem nas correcções efectuadas ao abrigo da acção de inspecção credenciadas pelas Ordens de Serviço n.º OI201...1; OI201...2; OI201... e OI201...4.

5.2. A actuação da inspeção tributária foi espoletada por proposta da Área Operacional da Inspecção Tributária, em virtude da necessidade de avaliar o impacto na situação tributária da sociedade A…, Lda dos factos investigados no âmbito do processo de inquérito n.º …/14.3T9PRT

5.3. Embora esse processo de inquérito tenha tido a sua origem numa denúncia anónima, a intervenção da inspeção tributária através do processo de seleção regulado pelo artigo 27º do RCPITA não foi desencadeada pela denúncia anónima.

5.4. No que concerne à caducidade, o artigo 45º da LGT prevê no seu n.º 5 o alargamento do direito à liquidação previsto no seu n.º 1 até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano, quando a liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal.

5.5. O processo de inquérito n.º .../14.3T9PRT incide sobre factos que envolvem a Requerente, independentemente de a mesma já ter sido constituído arguida, ou de ter sido nominalmente identificada na denúncia anónima que releva conhecer.

5.6. A norma coloca a tónica nos factos e é esse o critério utilizado pela AT para concluir pela legitimidade de liquidar os tributos conexos com os procedimentos inspectivos realizados de onde dimanam as correcções objecto de impugnação nos presentes autos, não ocorrendo assim qualquer caducidade do direito à liquidação.

5.7. A Requerente foi objeto de uma ação de inspecção, em cumprimento das Ordens de Serviço n.ºs OI201...1, OI201...2, OI201... e OI201...4, da qual resultaram, entre outras, correções à matéria tributável de IRC, para os exercícios de 2012 a 2015, nos montantes de € 10.415,96, € 17.416,55, € 14.311,68 e € 34.368,47, respectivamente, e tributações autónomas, no montante de € 1.796,42, € 10.520,02 e € 1.800,02, respetivamente, nos exercícios de 2012, 2014 e 2015, bem como IRC relativo a exercícios anteriores, apurado no exercício de 2013 e respetivos juros compensatórios, conforme relatório da inspeção tributária, que se dá por integralmente reproduzido nos presentes autos.

5.8. Em sede de reclamação graciosa, a Requerente contestou apenas parte das correcções, conformando-se com as restantes, as quais constituem caso decidido, não podendo ser objecto de impugnação por vícios geradores de anulabilidade, nos seguintes montantes e exercícios:

• Gastos não aceites, nos valores de € 8.744,95, € 9.907,21, € 9.930,42 e € 51.661,49, respetivamente, nos exercícios de 2012 a 2014; 

• E tributação autónoma, no montante de € 1.800,02, relativa ao exercício de 2015.

5.9. A reclamação foi deferida parcialmente, considerando-se a dedução de gastos, no exercício de 2014, no montante de € 627,90 e € 471,69, correspondendo a um total de € 1.099,59.

5.10. Não assiste razão ao Requerente, uma vez que para cumprimento dos requisitos previstos no nº 1 do artigo 23º do Código do IRC, os respetivos gastos (custos) devem encontrar-se devidamente documentados e devem ser comprovadamente indispensáveis para a realização dos rendimentos (proveitos) sujeitos a imposto ou para a manutenção da força produtora.

5.11. À AT cabe-lhe, analisar e controlar os gastos declarados sob o ponto de vista da sua relevância fiscal.

5.12. Não obstante o conceito de custos desta norma ser abrangente, para que os custos sejam normalmente aceites, é necessário serem comprovados documentalmente e indispensáveis para a realização dos rendimentos (proveitos) ou manutenção da fonte produtora.

5.13. Impendia sobre a Requerente o ónus de demonstrar que os montantes desconsiderados podiam subsumir-se no conceito legal de gasto, o que nunca aconteceu.

5.14. Atento ao regime do ónus da prova constante dos artigos 342.º do Código Civil e 74.°, n.º 1 da Lei Geral Tributária, é manifesto que da documentação apresentada, se verifica que o mesmo não foi cumprido.

5.15. Deste modo, não ocorreu a alegada falta de fundamentação, sendo dado a conhecer o itinerário seguido pelo autor da decisão, em conformidade com o dever consagrado no n.º 3 do artigo 268.º da CRP, no artigo 77.º da LGT e nos artigos 124.º e 125.º do CPA, dela constando todos os elementos de que a Requerente poderia necessitar para compreender e apreender o conteúdo da decisão.

5.16. No caso sub judice, a AT fundamentou a sua decisão de forma cognoscível, tendo esclarecido, de modo suficiente, as razões da não dedutibilidade dos gastos não fiscalmente aceites, não se verificando, por conseguinte, o alegado vício de falta de fundamentação.

5.17. Não tendo a Requerente logrado provar a ilegalidade das correcções, pelo que resulta manifesto que as correções devem manter-se, por corresponderem ao correcto enquadramento jurídico-tributário das operações sob análise.

5.18. No que se refere às Faturas Não Reconhecidas na Contabilidade, a Requerente emitiu as faturas-recibo relativas aos serviços prestados, em documentos processados por tipografia autorizada, até 31/10/2015, enquanto que, a partir de 01/01/2013, nos termos do DL 198/2012, de 24 de agosto, mesmos as facturas manuais deveriam ter sido comunicadas à AT, o que não fez.

5.19. No decurso do procedimento, foi transcrito para ficheiro tipo excel toda a informação constante das faturas recibo emitidas nos anos em análise (2012 a 2015, ambos inclusive).

5.20. Com referência a 2013, por confronto entre o somatório dos valores das faturas recibo emitidas (€ 314.607,00), obtido no referido ficheiro com o saldo da conta do SNC 7222 - Prestação de Serviços - Isentas de IVA - (€ 311.907,00) concluiu-se que não foram objeto de reconhecimento na contabilidade de réditos no valor total de € 2.700,00.

5.21. Relativamente aos anos de 2014 e 2015, ainda por confronto entre as listagens elaboradas com a informação das faturas recibo e os registos nas contas de réditos Prestação de Serviços (72), verificaram-se as irregularidades descritas no quadro seguinte, que se consubstanciam no reconhecimento dos réditos por valores inferiores aos constantes das faturas/recibo:

5.22. Uma vez que os valores em causa também não contribuíram para a determinação do lucro tributável declarado pelo sujeito passivo, será de acrescer à matéria coletável nos respetivos períodos, os montantes de € 2.700,00, em 2013, € 200,00, em 2014, e € 2.200,00, em 2015, conforme decorre dos art.º 17º e 20.º, ambos do CIRC.

5.23. O princípio da verdade material, que a Requerente acusa a AT de violar, preceitua que “a Administração Tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material (…).”.

5.24. Em conformidade com o disposto na norma mencionada, os serviços de inspecção tiveram o cuidado de reunir, analisar e validar, todos os elementos necessários e suficientes para efetuar o enquadramento e a requalificação das operações que foram objeto de correcções.

5.25. Com efeito, evidencia o relatório de inspeção tributária que foi efectuado um exame efectivo aos elementos da contabilidade da Requerente – “Os elementos contabilísticos foram consultados na Direção de Finanças do Porto, uma vez que estão na posse e guarda destes Serviços de Inspeção, em sequência da sua apreensão”, bem como aos elementos disponibilizados no decurso da notificação para apresentar, com referência a 2015, o ficheiro SAFT-PT da contabilidade, pedido que resultou de, à data da apreensão da contabilidade e dos respectivos documentos de suporte (01/03/2016), a contabilidade ainda não estar encerrada.

5.26. Acrescente-se que, conforme determina o art. 123.º do CIRC, as sociedades comerciais devem dispor de contabilidade organizada nos termos da lei, que permita o controlo do lucro tributável e, nos termos do n.º 2 do mesmo normativo, todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e suscetíveis de serem apresentados sempre que necessário, os quais deveriam ser parte integrante da própria contabilidade.

5.27. Contrariamente ao alegado pela Requerente, as correcções descritas em sede de relatório, nomeadamente, o que resulta do quadro descritivo das correcções, do Capítulo III.1.3.1 do relatório de inspeção, a título de gastos não devidamente documentados, não permite identificar a natureza dos gastos e questionar os fornecedores dos serviços, no sentido de aferir da indispensabilidade dos gastos postos em causa.

5.28. Nos termos do n.º 1 do art. 23.º do CIRC, na redacção anterior à Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, aplicável aqui aos exercícios de 2012 e 2013, baseando-se os gastos contabilizados em meros documentos internos, estes não permitem a identificação concreta da natureza do gasto, nomeadamente, por não terem em anexo qualquer documento ou elemento que permita aferir da indispensabilidade do gasto para a obtenção dos rendimentos sujeitos a imposto.

5.29. Já no que se refere a gastos posteriores a 2014, e por força do n.º 3 do art. 23.º do CIRC, na redação da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, em conjugação com o n.º 1 al. c) do art. 23.º-A, conclui-se que não basta a sua relevação contabilística e a afetação a determinadas rubricas de gastos, para aferir da sua indispensabilidade, dependendo a sua dedutibilidade, igualmente da devida comprovação documental, nos termos do n.º 4 do art. 23.º do CIRC.

5.30. No que se refere aos Gastos com Condomínio, a Requerente não impugnou estes gastos em sede graciosa, conformando-se com as mesmas, as quais constituem caso decidido, não podendo ser objecto de impugnação por vícios geradores de anulabilidade.

5.31. Não obstante, a Requerente reconheceu, em 2013, gastos na subconta da conta do SNC FSE - 626122 - Condomínio 8º piso K-, que ascenderam ao montante total de € 4.809,34, quando o referido prédio foi alienado em 2012, conforme resulta dos registos contabilísticos e do contrato apresentado pela Requerente.

5.32. Não sendo a Requerente proprietária do referido activo tangível, os gastos associados ao mesmo não podem ser aceites como gasto fiscal nos termos do art. 23º do CIRC, na redação antes da republicação do código do IRC ocorrida em 2014.

5.33. Relativamente ao valor de € 5.697,18, inserido na conta 626322 - Outros seguros de 2012, o Aviso de Cobrança apresentado, datado de 16 de maio de 2012, faz referência a um seguro do ramo Incapacidade Laboral Total, do qual não se mostra possível aferir nem o respectivo beneficiário, nem as efectivas coberturas da apólice.

5.34. Por outro lado, verifica-se dos movimentos descritos, quer nos avisos de débito bancário, quer em sede de extratos bancários, a existência de dois movimentos a débito distintos, cujo destinatário é a referida “...”, um que se presume relacionado com a apólice n.º 730..., identificada no referido aviso de cobrança, cuja descritivo corresponde a “DD-7303...-... PORTUGAL” e outro com o descritivo “DD-7101...-... PORTUGAL”, que parece indicar a existência de uma outra apólice.

5.35. Sem prescindir, ainda que a documentação e argumentação apresentada em sede de reclamação graciosa e nos presentes autos permitisse justificar a natureza dos gastos ora postos em causa, e qualificá-los como seguros de incapacidade laboral, como o alegado, penderia sobre os mesmos a sua não aceitação como gasto fiscal, nos termos e com os fundamentos das correções descritas no Capítulo III.1.3.4 do relatório de inspeção, a título de gastos com seguros de vida, acidentes pessoais e outros.

5.36. Continuando por justificar a natureza dos gastos em causa, bem como a sua indispensabilidade, para efeitos do art. 23.º do CIRC, pelo que deverá manter a correspondente correção ao exercício de 2012, no montante de € 5.697,18€.

5.37. Quanto ao valor de € 1.245,71, incluído na conta 622611-Conservação e Reparação de 2013, a Requerente não dispõe de nenhum documento comprovativo da despesa, limitando-se a alegar o seu pagamento como resulta do extrato bancário, com a indicação de que se trata de despesas de conservação com a viatura ...-...-....

5.38. Do descritivo do movimento no referido extrato bancário apenas se mostra possível aferir a compensação de um cheque 00000888, no valor do gasto, no entanto, não tendo sido apresentados quaisquer elementos que permitam comprovar a alegada natureza do gasto, pelo que se deverá manter a correspondente correção ao exercício de 2013, no valor de € 1.245,71.

5.39. Quanto ao valor de € 326,50, incluído na Conta 62414 – Energia – Electricidade de 2013, alega a Requerente que se trata de gastos com eletricidade, cujo pagamento está referenciado no extrato bancário, em Anexo n.º 3 à petição inicial.

5.40. Ora, o referido Anexo reporta-se a uma fatura emitida pela Vodafone, que se supõe relativa à prestação de serviços de comunicações, pelo que não corresponde a serviços de eletricidade, respeita ao período de 01/05/2012 a 31/05/2012, e foi emitida 05/06/2012, enquanto o gasto desconsiderado foi contabilizado em 31/05/2013, e o valor não corresponde ao montante contabilizado, mas sim a € 326,60.

5.41. Nestes termos, não se encontra provado o alegado pela Requerente, pelo que se deverá manter a correspondente correção ao exercício de 2013, no valor de € 326,50.

5.42. Relativamente ao valor de € 1.617,71, incluído na Conta 626322 – Outros seguros de 2013, alega a Requerente tratar-se do pagamento de um seguro de vida, da D… Seguros, em nome de B, pelo que deveria estar contabilizado em gastos com pessoal, sem que com isso perca a sua natureza de gasto.

5.43. Ora, conforme resulta do relatório de inspecção a propósito do exercício da atividade da Requerente, os serviços são prestados através da pessoa do sócio gerente, B…, doravante B…, e são executados essencialmente nas instalações da H…, SA, doravante H…, que, nos anos em análise, tinha apenas um trabalhador (I…) que, de acordo com a categoria profissional constante dos recibos de vencimentos era "assistente de consultório".

5.44. Neste caso, em que o sócio não aufere quaisquer remunerações como trabalhador dependente, o gasto com o seguro de vida não pode ser aceite na esfera da sociedade, nem pelo disposto no artigo 23.º, nem pelo artigo 43.º, ambos do Código do IRC.

5.45. Por um lado, o benefício não é atribuído ao sócio em razão da prestação de trabalho e, por outro lado, o sócio não é um trabalhador dependente nem o benefício tem carácter geral, ficando afastada a dedutibilidade dos gastos ao abrigo do regime do artigo 43.º do Código do IRC, pelo que será de manter a correcção respetiva ao exercício de 2013, no montante de € 1.617,71€.

5.46. Relativamente ao valor de € 530.00, inserido na conta 312212 Compras de 2014, que respeita alegadamente a uma fatura emitida pela empresa “E…”, referente a materiais adquiridos para a atividade desenvolvida pela clinica, da análise ao documento em anexo verifica-se que a 2.ª via da fatura apresentada, não dispõe do NIF da sociedade emitente, motivo pelo qual será de manter a correção em sede de inspeção, no montante de € 530,00, por incumprimento do n.º 4 do art. 23.º do CIRC, em conjugação com o art. 23.º-A do mesmo diploma.

5.47. Quanto à tributação autónoma sobre os encargos com a viatura ...-...-... de 2015, alega a Requerente que a tributação autónoma que recaiu, no exercício de 2015, sobre encargos com a viatura ...-...-..., deve ser apurada pela taxa de 17,5%, de acordo com o n.º 17 do art. 88.º do CIRC, por se tratar de uma viatura híbrida plug-in, e não de 35%, como apurado em sede de relatório de inspecção.

5.48. Com efeito, o n.º 17 do art. 88.º do CIRC, na redação que resulta da Lei n.º 82-D/2014, de 31 de dezembro, prevê que “no caso de viaturas ligeiras de passageiros híbridas plug-in, as taxas referidas nas alíneas a), b) e c) do n.º 3 são, respetivamente, de 5 %, 10 % e 17,5 %”.

5.49. No entanto, dos elementos apresentados pela Requerente, nomeadamente o livrete da viatura em causa, resulta apenas que estamos perante um veículo híbrido, não se mostrando devidamente comprovado que o mesmo disponha da tecnologia plug-in, a que se refere o normativo legal, e que contempla a redução de taxa reclamada.

5.50. Nestes termos, não se mostrando devidamente comprovado o direito à aplicação das taxas reduzidas, as correções impugnadas devem manter-se no ordenamento jurídico.

5.51. Relativamente aos gastos com seguros de vida, acidentes pessoais e outros, em sede inspectiva, foram desconsiderados esses gastos contabilizados por se verificar que aqueles não abrangeram todos os trabalhadores da empresa e constituem um direito adquirido e individualizado de B… (sócio-gerente não remunerado), pelo que não reúnem os pressupostos do n.º 4 do art. 43.º do CIRC, para a sua dedutibilidade fiscal.

5.52. Dos factos apurados em sede inspectiva, evidencia-se que os gastos em causa são relativos a seguros do ramo vida, acidentes pessoais, incapacidade laboral e plano poupança, todos a favor do sócio gerente B…, e em alguns casos, e em caso de morte, a favor dos seus herdeiros, nos montantes de € 3.047,77, € 6.717,29, € 8.300,83 e € 51.661,49, respetivamente, nos exercícios de 2012, 2013, 2014 e 2015.

5.53. Uma vez que a Requerente tinha ao seu serviço apenas uma trabalhadora estes seguros não abrangem todos os trabalhadores da empresa, uma vez que aquela não é beneficiária nas apólices em causa, pelo que os gastos em causa não reúnem as condições do n.º 2 do art. 43.º do CIRC, conjugado com o n.º 4 do mesmo artigo, para efeitos da sua dedução como gastos a título de realizações de utilidade social.

5.54. Constituindo estes seguros direito adquirido e individualizado de B…, sócio gerente, e como tal trabalhador da empresa, ainda que não remunerado, os benefícios que decorrem dos seguros em causa, tratando-se de remunerações acessórias, seriam considerados rendimentos do trabalho dependente, nos termos da al. b) do n.º 3 do art. 2.º do CIRS.

5.55. Nas circunstâncias descritas, os encargos em questão poderiam ser considerados gastos, nos termos do art. 23.º do CIRC, e não do art. 43.º do mesmo código, mas desde que os rendimentos tivessem sido tributados como rendimentos de trabalho dependente, na esfera do sócio gerente, o que, no caso em concreto, não se verificou, uma vez que em nenhum dos anos em causa, aquele foi tributado por qualquer rendimento de trabalho dependente pago pela Requerente.

5.56. Assim, estes gastos não reúnem as condições de dedutibilidade, nem para efeitos do art. 23.º, nem do art. 43.º, ambos do CIRC, pelo que serão de manter as correcções impugnadas.

5.57. Em conclusão, sendo legais as correções impugnadas, não enfermando de qualquer vício, devem ser mantidas na ordem jurídica, julgando-se o pedido totalmente improcedente, mantendo-se o acto tributário impugnado na ordem jurídica.

6. A 3 de Fevereiro de 2022 foi dispensada a reunião prevista no art. 18º RJAT, a menos que as partes solicitassem a sua realização.

7. As partes não requereram a realização da reunião prevista no art. 18º do RJAT.

 

 

II – Factos provados

8. Com interesse para a discussão da causa, julgam-se provados os seguintes factos:

8.1. A Requerente é uma sociedade por quotas, estando enquadrada no regime normal trimestral de IVA e no regime geral de IRC.

8.2. Em 18 de Dezembro de 2013 a D… Seguros emitiu à requerente o aviso de débito Recibo nº 368... do ramo Vida do qual era beneficiário B.

8.3. Em 14 de Maio de 2014 a E… Lda emitiu a favor da Requerente a Factura 2051, relativa a dois implantes mamários no valor total de € 500 mais IVA.

8.4. Foi celebrado entre a Requerente e a sociedade J… em 15 de Abril de 2011 um contrato de locação financeira para aquisição do veículo F ...-...-... com um valor inicial de € 8.079,08, 24 prestações mensais de € 513,80, um valor residual de € 402,56, e uma comissão de activação de € 158,54.

8.5. Em cumprimento das OI201...1, OI201...2, OI201... e OI201...4, notificadas em 31/10/2016, a Requerente foi sujeita a procedimento de inspecção externa relativa aos exercícios de 2012, 2013, 2014 e 2015, visando a confirmação do cumprimento das obrigações dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários.

8.6. A acção inspectiva foi realizada na sequência do processo de inquérito nº .../14.3T9PRT, instaurado na sequência de denúncia anónima, apresentada na Polícia Judiciária.

8.7. Os Serviços de Inspecção Tributária consideraram que a Requerente não demostrou que parte dos gastos incorridos foram suportados para garantir os rendimentos sujeitos a IRC de acordo com o artigo 23º do CIRC.

8.8. Em consequência, os Serviços de Inspecção Tributária concluíram pela desconsideração dos valores em questão como gastos aceites fiscalmente, por não terem comprovado a necessidade do gasto, para garantir os rendimentos sujeitos a IRC, pelo que propuseram correcções à matéria tributável de IRC, para os exercícios de 2012 a 2015, nos montantes de € 10.415,96, € 17.416,55, € 14.311,68 e € 34.368,47, respectivamente, e tributações autónomas, no montante de € 1.796,42, € 10.520,02 e € 1.800,02, respectivamente, nos exercícios de 2012, 2014 e 2015, bem como IRC relativo a exercícios anteriores, apurado no exercício de 2013 e respetivos juros compensatórios.

8.9. Em consequência, dessa proposta, a Requerida efectuou as liquidações em sede de IRC e juros compensatórios 831..., de 10-12-2019 no valor global de € 5.543,82, relativa ao ano de 2012, 831..., de 11-12-2019 no valor global de € 7.391,21, relativa ao ano de 2013, 831..., de 12-12-2019 no valor global de € 16.466,87, relativa ao ano de 2014, e 831..., de 16-12-2019 no valor global de € 10.807,46, relativa ao ano de 2015, no montante global, incluindo os respectivos juros compensatórios, de € 40.209,36.

8.10. Em 2 de Junho de 2020 a Requerente apresentou a Reclamação Graciosa 3182... dos referidos actos tributários, contestando as conclusões do relatório de inspecção.

8.11. A reclamação foi parcialmente deferida em 10 de Junho de 2021, tendo-se aceite a dedução de gastos, no exercício de 2014, no montante de € 627,90 e € 471,69, correspondendo a um total de € 1.099,59, relativos respectivamente aos seguros da viatura C ...-...-... e aos juros do contrato de leasing da viatura G ...-...-....

 

III - Factos não provados

9. Por não haver evidência nesse sentido nos documentos que se encontram juntos aos autos, não se consideram provados os seguintes factos:

9.1. O processo de inquérito n.º .../14.3T9PRT incide sobre os mesmos factos que determinaram as liquidações oficiosas de IRC objecto do presente procedimento arbitral.

9.2. Os gastos foram incorridos pelo sujeito passivo para obter ou garantir rendimentos sujeitos ou IRC.

A não consideração como provados destes factos resulta de não haver qualquer evidência no processo administrativo em relação ao objecto do processo de inquérito n.º .../14.3T9PRT e de o sujeito passivo não ter demonstrado a indispensabilidade para a obtenção de rendimentos dos poucos gastos em relação aos quais apresentou um mínimo de suporte documental.

 

IV - Do Direito

13. São as seguintes as questões a decidir neste processo:

-  Da ilegalidade das liquidações de IRC e juros compensatórios referentes aos exercícios de 2012, 2013, 2014 e 2015, com os números 831..., de 10-12-2019, 831..., de 11-12-2019, 831..., de 12-12-2019, e 831..., de 16-12-2019.

- Do direito a juros indemnizatórios.

Examinar-se-ão assim sucessivamente estas questões:

 

 

DA ILEGALIDADE DAS LIQUIDAÇÕES DE IRC E JUROS COMPENSATÓRIOS REFERENTES AOS EXERCÍCIOS DE 2012, 2013, 2014 e 2015, COM OS NÚMEROS 831..., DE 10-12-2019, 831..., DE 11-12-2019, 831..., DE 12-12-2019, e 831..., DE 16-12-2019.

 

 

16. Analisemos assim a legalidade das liquidações em sede de IRC e juros compensatórios 831..., de 10-12-2019 no valor global de € 5.543,82, relativa ao ano de 2012, 831..., de 11-12-2019 no valor global de € 7.391,21, relativa ao ano de 2013, 831..., de 12-12-2019 no valor global de € 16.466,87, relativa ao ano de 2014, e 831..., de 16-12-2019 no valor global de € 10.807,46, relativa ao ano de 2015

Invoca a Requerente em primeiro lugar a ilegalidade das liquidações relativas aos anos de 2012, 2013, e 2014, uma vez que, nos termos do art. 45º da LGT, o direito de liquidar os tributos caduca no prazo de quatro anos, contados nos impostos sobre o rendimento a partir do ano em que se verificou o termo do período de tributação, a que acrescem seis meses em virtude de ter sido instaurado procedimento de inspecção externa. Assim, o direito à liquidação de IRC de 2012, 2013 e 2014 teria caducado respectivamente a 1/7/2017, 1/7/2018 e 1/7/2019.

Por sua vez a Requerida vem invocar que o artigo 45º da LGT prevê no seu n.º 5 o alargamento do direito à liquidação previsto no seu n.º 1 até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano, quando a liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal. Ora, teria sido instaurado o processo de inquérito n.º .../14.3T9PRT, que incide sobre factos que envolvem a Requerente, independentemente de a mesma já ter sido constituído arguida, ou de ter sido nominalmente identificada na denúncia anónima que releva conhecer.

Conforme resulta do ac. do STA de 01 de outubro de 2014 – Proc. 0178/14, “a contagem do prazo de caducidade do direito de liquidar tributos, nos termos do art. 45.º, n.º 5 da LGT, só ocorre se o ato tributário de liquidação e a investigação criminal se referirem aos mesmos factos”, acrescentando que nem sequer é possível apreciar tal questão caso “não se encontrarem fixados nos autos os concretos factos que motivaram a liquidação oficiosa impugnada, nem aqueles que são alvos da investigação criminal”.

Ora, sendo a Requerida a interessada no alargamento do prazo de caducidade caber-lhe-ia demonstrar, nos termos do art. 74º, nº1, da LGT que o inquérito criminal referido incide sobre os mesmos factos que determinaram a liquidação oficiosa, o que em momento algum ocorreu.

Como tem sido jurisprudência deste CAAD, designadamente nos processos 644/2018-T e 682/2019-T, para aplicação do art. 45º, nº5, da LGT não basta a invocação da existência de processo de inquérito nem a referência, em abstracto, a que os factos do relatório integrarão o âmbito desse processo-crime. Para efeitos dessa norma era essencial que a AT demonstrasse que as liquidações objecto do presente pedido de pronúncia arbitral respeitam a factos relativamente aos quais tivesse sido instaurado inquérito criminal nos termos do n.º 5 do art. 45.º da LGT. 

Pelo exposto é forçoso concluir que, não tendo sido feita a demonstração de que o apuramento da situação tributária estava dependente de factos apurados em inquérito criminal, não podem considerar-se verificados os pressupostos da aplicação do disposto no n.º 5 do art. 45.º da LGT e, nessa esteira, não pode operar o alargamento do prazo geral de caducidade, o que torna ilegais as liquidações de IRC relativas aos anos de 2012, 2013 e 2014, que por isso têm que ser anuladas.   

Nos termos do n.º 2 do artigo 608.º do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 29.º do RJAT, este Tribunal Arbitral Singular não está obrigado a apreciar todos os argumentos das Partes quando a decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, o que no presente processo se traduz na decisão proferida de ilegalidade das liquidações por caducidade, ficando, assim, prejudicado o conhecimento de outras questões carreadas para os autos relativas a essas liquidações.  Fica, assim, prejudicado o conhecimento dos demais vícios invocados nessas liquidações por procedência da excepção peremptória de caducidade.

Resta, porém, ainda analisar a ilegalidade da liquidação de IRC e juros compensatórios, 831..., de 16-12-2019 no valor global de € 10.807,46, relativa ao ano de 2015, uma vez que em relação a esta não foi invocada nem é procedente a excepção de caducidade do direito à liquidação.

Invoca a Requerente a ilegalidade das correcções, uma vez deverão ser considerados os gastos e perdas invocados e deduzidos os mesmos na determinação do lucro tributável, ao abrigo do artigo 23º do Código do IRC.

Invoca a Requerida a falta de elementos probatórios que permitam confirmar que os gastos foram efectuados no interesse da sociedade, não se encontrando cumprido o requisito previsto no artigo 23º do CIRC, que exige que a demonstração da necessidade desses gastos e perdas para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

Cumpre decidir.

Antes de mais, veja-se se estão cumpridos os requisitos para a dedução, em sede de IRC.

Refere o artigo 23º do CIRC, na redacção da Lei 82-C/2014, de 31 de Dezembro:

“1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC. 

2 - Consideram-se abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os seguintes gastos e perdas: 

a) Os relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão-de-obra, energia e outros gastos gerais de produção, conservação e reparação; 

b) Os relativos à distribuição e venda, abrangendo os de transportes, publicidade e colocação de mercadorias e produtos; 

c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efectivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;

d) De natureza administrativa, tais como remunerações, incluindo as atribuídas a título de participação nos lucros, ajudas de custo, material de consumo corrente, transportes e comunicações, rendas, contencioso, seguros, incluindo os de vida, doença ou saúde, e operações do ramo 'Vida', contribuições para fundos de poupança-reforma, contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares da segurança social, bem como gastos com benefícios de cessação de emprego e outros benefícios pós-emprego ou a longo prazo dos empregados; 

e) Os relativos a análises, racionalização, investigação, consulta e projetos de desenvolvimento
f) De natureza fiscal e parafiscal; 

g) Depreciações e amortizações;

h) Perdas por imparidade; 

i) Provisões; 

j) Perdas por reduções de justo valor em instrumentos financeiros; 

k) Perdas por reduções de justo valor em ativos biológicos consumíveis que não sejam explorações silvícolas plurianuais;  

l) Menos-valias realizadas; 

m) Indemnizações resultantes de eventos cujo risco não seja segurável. 

3 — Os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito. 

4 - No caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo a que se refere o número anterior deve conter, pelo menos, os seguintes elementos: 

a) Nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário; 

b) Números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional; 

c) Quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados; 

d) Valor da contraprestação, designadamente o preço; 

e) Data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados. 

5 — (Revogado). 

6 - Quando o fornecedor dos bens ou prestador dos serviços esteja obrigado à emissão de fatura ou documento legalmente equiparado nos termos do Código do IVA, o documento comprovativo das aquisições de bens ou serviços previsto no n.º 4 deve obrigatoriamente assumir essa forma.

7 - Os gastos respeitantes a ações preferenciais sem voto classificadas como passivo financeiro de acordo com a normalização contabilística em vigor, incluindo os gastos com a emissão destes títulos, são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável da entidade emitente” (sublinhados nossos).

Refere o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 2 de Fevereiro de 2010, Proc. Nº 03669/09:

“A Jurisprudência tem entendido que na questão atinente à dedutibilidade de custos cabe ao contribuinte o ónus da prova da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora (Vide Acórdãos do TCA Sul de 18/01/2005 e de 05/05/2005. processo 00452/04), resultando a comprovação e indispensabilidade dos custos das circunstâncias de cada caso, de acordo com as práticas geralmente aceites, as provas existentes e os critérios de razoabilidade, dependendo a relevância fiscal de um custo da sua afectação à exploração, atendendo às normais circunstâncias do mercado, ao risco normal da actividade económica, em termos de adequação económica do acto à finalidade da obtenção maximizada de resultados”.

Dispondo ainda o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 27 de Março de 2012, Proc. nº 05312/12:

“Ora, crê-se inquestionável que, quer a AF, num primeiro momento, quer a decisão recorrida, na medida em que deu cobertura à actuação daquela, vieram a entender que não se encontrava demonstrado, - cabendo o respectivo ónus à impugnante -, que as importâncias aqui em causa e não aceites como custos fiscais relevantes foram indispensáveis à obtenção de proveitos da recorrente, em juízos de valor que se prendem com a bondade e oportunidade de tais despesas, segundo critérios de (boa) gestão, uma vez que não questionam, em concreto, nem a realização de tais despesas pela recorrente, nos montantes indicados, nem que elas fossem adequadas à concretização do seu escopo societário».

Sobre a matéria em discussão, na esteira do Ac. TCAN de 14.2.2007, proc. 291/04, perfilhamos, a título de premissa, só não serem indispensáveis “os custos que não tenham relação causal e justificada com a actividade produtiva da empresa”, isto é, a indispensabilidade, dos gastos fiscais, tem de entender-se “como referida à ligação dos custos à actividade desenvolvida pelo contribuinte”. Por outro lado, também, é seguro afirmar não recair sobre o contribuinte o ónus provatório da indispensabilidade dos seus custos. Contudo, se a AT, atuando submetida ao princípio da legalidade, fundamentadamente, despoleta a dúvida sobre a relação justificada de uma determinada despesa com a atividade do sujeito passivo, necessária e logicamente, por se encontrar mais habilitado para o efeito, compete a este uma explicação sobre a “congruência económica” da operação, a qual não se cumpre com a alegação abstrata e conclusão de que a despesa se insere no interesse societário e/ou da existência de relação justificada com a atividade desenvolvida, exigindo-se, sim, que o contribuinte alegue e comprove factos concretos, sindicáveis, capazes de demonstrar a realidade, veracidade, das atuações empresariais provocantes dos gastos registados, em ordem a que, entre o mais, não resulte inviabilizada a função fiscalizadora da AT”.

Em relação a 2015, verifica-se antes de mais que a Requerente se insurge contra a decisão da AT de não reconhecer gastos de portagens e estacionamentos referentes às viaturas ...-...-... (€ 317,90) e ...-...-... (€ 535,46€), quando considera que esses gastos foram realizados no interesse da sociedade. A verdade, no entanto, é que a Requerente não apresenta qualquer documentação relativa a esses despesas que permita ao Tribunal Arbitral averiguar da sua justificação. Em relação à primeira viatura, esta nem sequer pertence à Requerente, mas antes ao seu sócio, e em relação à segunda viatura, apenas foi apresentado o contrato de leasing celebrado em 2011 com a duração de 24 meses, o que não permite avaliar da sua situação em 2015.

Da mesma forma a Requerente discorda de que a Requerida não tenha considerado dedutíveis os gastos relativos a seguros do ramo vida, acidentes pessoais, incapacidade laboral e plano de poupança a favor do sócio-gerente (B…), no montante de € 51.661,48 em 2015, não os aceitando como custo porque, nos termos do art. 43º, nº4, CIRC, não foram estabelecidos para a generalidade dos trabalhadores permanentes da empresa. No entender da Requerente, o art. 23º, nº2 d) do CIRC admitia a dedução desses gastos.

Como bem salienta, no entanto, a Requerida, esses gastos em benefício do sócio gerente B…, apenas poderiam ser considerados gastos, nos termos do art. 23.º do CIRC, e se os rendimentos tivessem sido tributados como rendimentos de trabalho dependente, na esfera do sócio gerente, o que, no caso concreto, não se verificou, uma vez que em nenhum dos anos em causa, aquele foi tributado por qualquer rendimento de trabalho dependente pago pela Requerente. Assim sendo, essa correcção é plenamente justificada.

Da mesma forma a Requerente não apresenta qualquer justificação para que as facturas 4..., 4... e 4..., relativas a 2015, no montante respectivamente de € 875, € 975 e €1975 apresentem réditos na contabilidade pelo valor apenas de € 75, € 75 e €1475, gerando assim, uma diferença de € 2.200.

Quanto à tributação autónoma sobre os encargos com a viatura ...-...-... de 2015, que a Requerente sustenta que, no exercício de 2015, deveria ser apurada pela taxa de 17,5%, de acordo com o n.º 17 do art. 88.º do CIRC, por se tratar de uma viatura híbrida plug-in, e não de 35%, como apurado em sede de relatório de inspecção, não foi demonstrado que o veículo dispusesse da tecnologia plug-in, o que afasta a possibilidade de aplicação dessa taxa.

Verifica-se assim que a documentação que serve de suporte a grande parte dos gastos não cumpre os requisitos previstos no artigo 23º, nºs 3, 4, e 6, do CIRC, e é manifestamente insuficiente para percepcionar o tipo exacto de gasto e em que termos é que o mesmo se encontra relacionado com a actividade da sociedade.

Tenha-se ainda em conta que, nos termos do artigo 17º, nº 3, e 123º do CIRC, a contabilidade tem de estar assente em documentação que possibilite aferir da relevância fiscal dos registos contabilísticos para a determinação do lucro tributário.

Como tal, e considerando também que a Requerente não cumpriu o seu dever de esclarecimento da sua situação tributária, não se considera aplicável a presunção prevista no artigo 75º, nº 1, da Lei Geral Tributária, nos termos do nº 2 b) do mesmo artigo.

Nesses termos, considera-se que a Requerente não cumpriu o disposto no artigo 23º do CIRC, pelo que não estão reunidos os requisitos para a dedução das despesas alegadas pela mesma, sendo integralmente legal a liquidação relativa a 2015 efectuada pela Autoridade Tributária.

Efectivamente, verificando-se que, no que se reporta à matéria de facto, não logrou a Requerente fazer prova de que os gastos invocados foram efectuados no estrito interesse da sociedade para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, ou que preencham os requisitos formais exigidos para a dedução, naturalmente que caberia à Autoridade Tributária corrigir o rendimento declarado, excluindo esses gastos, como legitimamente o fez.

 

— DO DIREITO A JUROS INDEMNIZATÓRIOS.

 

Apesar de a Requerente alegar já ter procedido ao pagamento do imposto abrangido pelas liquidações anuladas, e referir ter direito ao pagamento de juros indemnizatórios, a verdade é não chegou a formular qualquer pedido autónomo nesse sentido, limitando-se a solicitar a este Tribunal Arbitral a anulação dos actos de liquidação em questão.

Assim sendo, e por força do princípio do dispositivo não pode o Tribunal Arbitral pronunciar-se sobre um eventual direito a juros indemnizatórios da Requerente, em relação ao qual nenhum pedido foi formulado. Não há por isso que apreciar esta questão.

 

V - Decisão

Nestes termos e consequentemente:

Julgam-se procedentes os pedidos de declaração de ilegalidade das liquidações de IRC e juros compensatórios 831..., de 10-12-2019 no valor global de € 5.543,82, relativa ao ano de 2012, 831..., de 11-12-2019 no valor global de € 7.391,21, relativa ao ano de 2013, e 831..., de 12-12-2019 no valor global de € 16.466,87, relativa ao ano de 2014.

Julga-se improcedente o pedido de anulação da liquidação de IRC e juros compensatórios 831..., de 16-12-2019 no valor global de € 10.807,46, relativa ao ano de 2015, dele se absolvendo a Requerida.

Fixa-se ao processo o valor de € 40.209,36 (valor indicado e não contestado) e o valor da correspondente taxa de arbitragem em € 2.142,00, nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária.

Uma vez que houve decaimento parcial de ambas as partes, as custas serão suportadas em 25% pela Requerente e em 75% pela Requerida.

 

Lisboa, 22 de Fevereiro de 2022

 

O Árbitro

 

 

 

(Luís Menezes Leitão)