Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 366/2021-T
Data da decisão: 2022-01-03  ISV  
Valor do pedido: € 561,28
Tema: ISV – Admissão veículo usado da UE – Componente Ambiental.
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DECISÃO ARBITRAL

O árbitro do Tribunal Singular Dr. Armando Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 31.08.2021, decide:

  1. RELATÓRIO

A…, portador do NIF …, com residência na … Póvoa de Varzim, apresentou pedido de pronuncia arbitral e de constituição de tribunal arbitral singular, ao abrigo do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do ato de liquidação de Imposto sobre veículos (ISV) constante nas Declaração Aduaneira de Veículos (“DAV”) n.º 2020/… de 26/11/2020, pelo valor de
€ 561,28, sendo a Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”).

  1. O pedido foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 23 de junho de 2021.
  2. A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 6.º do RJAT, foi designado, pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, a 12 de agosto de 2020, o ora signatário como Árbitro a integrar o Tribunal arbitral singular, o qual se constituiu em 31 de agosto de 2021, em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro.
  3. A Requerente pretende a declaração de ilegalidade e anulação parcial do ato de liquidação do ISV por si liquidado e a restituição do imposto pago acrescido dos juros indemnizatórios calculados sobre o montante indevidamente pago, à taxa legal, contados desde a data do pagamento do ISV até à data do seu efetivo e integral reembolso.
  4. A Requerida, notificada a 7 de setembro de 2021 para apresentar resposta e juntar ao processo arbitral o respetivo PA, optou por não apresentar a resposta.
  5. Por despacho datado de 26 de novembro de 2021, por desnecessário, foram dispensadas (i) a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, e (ii) a apresentação de alegações.
  1. SANEAMENTO
  1. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cf. alínea a) do nº 1 dos artigos 2.º e 5.º do RJAT).
  2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias e mostram-se legítimas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
  1. MATÉRIA DE FACTO
  1. Factos provados
  1. Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:
    1. A Requerente introduziu em Portugal, com origem na Alemanha, um veículo automóvel de passageiros usado, da marca Land Rover, modelo …, movido a Gasóleo, ao qual foi atribuído a matrícula  …-…-ER. (cfr. DAV).
    2. No cumprimento das suas obrigações legais, designadamente tributárias, procedeu entrega da Declaração Aduaneira do referido veículo, através apresentação da DAV acima mencionada, tendo a Autoridade Tributária e Aduaneira liquidado o ISV (Imposto Sobre Veículos) pelo valor de € 3.892,04 (cfr. DAV).
    3. De acordo com a informação constante das referidas DAV, o valor global de ISV liquidado tem como parcelar um montante de € 4.538,12, referente à componente cilindrada e um montante de € 1.305,31, referente à componente ambiental.
    4. No que concerne à componente de cilindrada, foi deduzida uma quantia no valor de € 1.951,39, de acordo com as percentagens de redução constantes da tabela D prevista no n.º 1, do artigo 11.º, do Código do ISV, aplicável aos veículos usados (Cfr. DAV).
    5. Relativamente ao montante de € 1.305,31, respeitante à parte do ISV incidente sobre a componente ambiental, não foi aplicada qualquer percentagem de dedução (cfr. DAV).
    6. Por não se conformar com a liquidação de ISV efetuada pela AT, na medida em que o respetivo cálculo não contemplou qualquer redução de taxa da componente ambiental, a Requerente apresentou junto da Alfândega de Peniche, Reclamação Graciosa do correspondente ato de liquidação de ISV.
    7. Por decisão datada de 12 de maio de 2021, a Requerente foi notificada da decisão final de indeferimento da Reclamação Graciosa.
  1. Factos não provados
  1. Não há factos relevantes para esta Decisão Arbitral que não se tenham provado
  1. Fundamentação da decisão da matéria de facto
  1. Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. n.º 2 do artigo 123.º do CPPT e n.º 3 do artigo 607.ºdo CPC, aplicáveis ex vi alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT).
  2. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de direito (cfr. n.º 1 do anterior artigo 511.º, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º, do RJAT).
  3. Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º do CPPT e a prova documental apresentada pela Requerente, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, com base nos elementos documentais aí indicados.
  1. DO DIREITO E DO MÉRITO
  1. Questões a decidir
  1. O presente pedido de pronúncia arbitral tem como fundamento a ilegalidade da norma vertida no artigo 11.º do Código do ISV, relevante na liquidação ora impugnada, por violação do disposto no artigo 110.º do Tratado sobre o Funcionamento de União Europeia (TFUE).
  1. Os fundamentos da Requerente quanto à ilegalidade parcial dos atos de liquidação de ISV
  1. Alega a Requente que o valor de ISV correspondente à componente ambiental, sem a redução emergente do número de anos de veículo, à semelhança do que se verificou no cálculo da componente cilindrada, contagia, de acordo com o seu entendimento, a liquidação efetuada pela AT (do valor total a pagar a título de ISV pelo contribuinte) por vício de ilegalidade.
  2. Assim, entende a Requerente que a atual redação do artigo 110.º do TFUE não é tida em conta pelos atuais contornos do artigo 11.º do Código do ISV.
  3. Para o efeito, alega que o artigo 11.º do Código do ISV não pode, em conformidade com o que o artigo 110.º do TFUE prescreve, calcular o imposto sobre veículos usados, oriundos de outro Estado Membro sem ter em conta a depreciação dos mesmos na componente ambiental.
  1. Os fundamentos da Requerida quanto à legalidade dos atos de liquidação de ISV
  1. A Requerida, ainda que notificada para o fazer, optou por não apresentar resposta.
  1. Apreciação
    1. Desconformidade do artigo 11.º, n.º 1 do Código do ISV com o artigo 110.º do TFUE
  1. Face ao exposto, a questão que se apresenta a resolver no presente processo arbitral visa a declaração de ilegalidade parcial do ato de liquidação de ISV acima identificado e a sua subsequente anulação parcial e restituição do imposto pago, bem como os juros indemnizatórios calculados sobre o referido montante.
  2. Ora, o artigo 110º do TFUE dispõe expressamente o seguinte:

"Nenhum Estado-Membro fará incidir, directa ou indirectamente, sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, directa ou indirectamente, sobre produtos nacionais similares. Além disso, nenhum Estado-Membro fará incidir sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas de modo a proteger indirectamente outras produções".

  1. Por outro lado, de acordo com o disposto no Código do ISV, estão sujeitos a este imposto, no seu regime regra – de acordo com a alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Código, nomeadamente, “os veículos automóveis ligeiros de passageiros (…)”, sendo, nos termos do n.º 1 do artigo 3.º que “sujeitos passivos do imposto os operadores registados, os operadores reconhecidos e os particulares (…) que procedam à introdução no consumo dos veículos tributáveis, considerando -se como tais as pessoas em nome de quem seja emitida a declaração aduaneira de veículos”.
  2. Por sua vez, o artigo 5.º do Código do ISV dispõe que, “constitui facto gerador do imposto o fabrico, montagem, admissão ou importação dos veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal”, sendo que, para este efeito, de acordo com o n.º 3 alínea a) do mesmo artigo, “(…) entende-se por admissão, a entrada de um veículo originário ou em livre prática noutro Estado-Membro da União Europeia em território nacional”.
  3. Sendo de referir que as taxas a aplicar para efeito de cálculo do ISV não incidem sobre o valor da viatura mas têm por base os centímetros cúbicos por cilindrada (cm3) - componente cilindrada - e os gramas de CO2 por quilómetro - componente ambiental - , sendo que foram estruturadas em taxa normal, taxa intermediária e taxa reduzida e taxa para veículos usados, nos termos do disposto nos artigos 7.º a 11.º do Código do ISV.
  4. Desta forma, as taxas de imposto aplicáveis têm como base tributável uma componente cilindrada e uma componente ambiental, sendo que a primeira prevê uma taxa a aplicar consoante a cilindrada e o tipo de veículo e a segunda estabelece uma discriminação positiva entre os veículos a gasolina e os veículos a gasóleo, prevendo uma tributação progressiva em função do nível de CO2 g/km.
  5. Nas situações de veículos usados portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados membros da União Europeia, os n.º 1 e 2 do artigo 11.ºdo Código do ISV dispõe que “o imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados membros da União Europeia é objeto de liquidação provisória nos termos das regras do presente Código, com exceção da componente cilindrada à qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respetiva, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional (…)”.
  6. Acresce, nos termos do n.º 3 e 4º do mesmo artigo, que “sem prejuízo da liquidação provisória efetuada, sempre que o sujeito passivo entenda que o montante do imposto apurado nos termos do n.º 1 excede o imposto calculado por aplicação da fórmula (…) [aí] indicada, pode requerer ao diretor da alfândega, mediante o pagamento prévio de taxa (…) que a mesma seja aplicada à tributação do veículo, tendo em vista a liquidação definitiva do imposto (…)”, sob pena de se presumir “(…) que o sujeito passivo aceita como definitiva a liquidação do imposto feita por aplicação da tabela constante do n.º 1”.
  7. Ora, sobre esta situação o CAAD já se pronunciou várias vezes e de forma unanime sobre a ilegalidade do ato de liquidação de ISV sem ter em conta a depreciação dos mesmos na componente ambiental.
  8. A título meramente exemplificativo referimos o processo n.º 660/2019-T, onde a situação sub judice é basicamente a mesma.
  9. Seguimos o referido acórdão, com o qual concordamos na íntegra.
  10. Também aqui entendemos que o teor do artigo 11.º, do Código do ISV, viola o disposto no direito comunitário, nomeadamente, o artigo 110.º, TFUE.
  11. O que veio a ser confirmado pelo TJUE que, por decisão de 2 de setembro de 2021, confirmou o entendimento da Comissão, condenando a República Portuguesa pelo incumprimento, neste tema, do artigo 110.º do TFUE.
  12. Destarte, será de anular parcialmente o ato tributário, na medida em que o mesmo padece de ilegalidade na parte em que não se considerou a aplicação das percentagens de redução em resultado dos 'Anos de Uso' da componente ambiental, conforme determina o citado artigo 110.º do TFUE.
  1. Do pagamento de juros indemnizatórios
  1. Determina o n.º 5 do artigo 24.º, do RJAT que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.
  2. Nos processos arbitrais tributários pode haver lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 43.º, e artigo 100.º, da LGT, quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
  3. Determina ainda a alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT, que “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.
  4. Consequentemente, terá de se proceder ao reembolso parcial do montante pago pelo Requerente, relativo ao ISV na parte em que a liquidação é anulada, de modo a que se reconstitua a situação que existiria se não se tivesse cometido a ilegalidade já referida.
  5. Assim, considerando o disposto no artigo 61.º, do CPPT, como se verificam preenchidos os requisitos do direito a juros indemnizatórios, o Requerente terá direito a esses juros, calculados à taxa legal sobre o montante de ISV pago indevidamente, contabilizados de acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 61.º, do CPPT, isto é, desde a data do pagamento do imposto indevido até à data do efetivo reembolso.

 

 

  1. DECISÃO

De harmonia com o exposto, este Tribunal Arbitral decide:

  1. Julgar procedente o pedido de anulação parcial da liquidação de ISV;
  2. Anular parcialmente a liquidação impugnada, quanto ao valor global de € 561,28;
  3. Julgar procedente o pedido de reembolso do ISV acrescido de juros indemnizatórios e condenar a AT a pagar à Requerente a quantia de € 561,28, acrescida de juros indemnizatórios, desde a data do pagamento indevido até que ocorra o reembolso.
  1. VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em 561,28 euros, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

  1. CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 306 €, os termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento, a cargo da Requerida.

Notifique-se o Ministério Público da presente decisão.

Lisboa, 3 de janeiro de 2022

 

(Armando Oliveira)