SUMÁRIO:
1. A insuficiência do acto de notificação por falta de indicação dos meios de defesa não conduz à nulidade do acto, mas faculta ao notificado o direito de requerer a notificação dos elementos omitidos ou a passagem de certidão que os contenha, dentro do prazo fixado no n.º 1 do art. 37º do CPPT.
2. Não sendo exercida a faculdade prevista no art. 37º, n.º 1 do CPPT, a aludida omissão é irrelevante para afastar os efeitos da notificação já efectuada, pelo que a propositura do pedido de pronúncia arbitral para lá do prazo de 90 dias, previsto no artigo 10º do RJAT, implica a sua intempestividade, com a consequente caducidade do direito de acção.
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
1. A…, NIF …, com residência na Rua … VNG, apresentou, em 15-12-2020, pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos dos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com o artigo 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida, ou ATA).
2. O Requerente pretende, com o seu pedido, a anulação do acto tributário de liquidação do Imposto sobre Veículos, relativo à matrícula automóvel …-…-… ou, em alternativa, a respectiva correcção do valor pago, em integral respeito pelas normas europeias e, especificamente, pelo artigo 110º do TFUE, com a consequente restituição do imposto pago com juros indemnizatórios.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 16-12-2020.
3.1. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral, o qual comunicou a aceitação da designação dentro do respectivo prazo.
3.2. Em 03-05-2021 as partes foram notificadas da designação do árbitro, não tendo sido arguido qualquer impedimento.
3.3. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído em 21-05-2021.
3.4. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.
4. Com o pedido de pronúncia arbitral manifesta o Requerente a sua inconformidade com o acto de liquidação impugnado, por entender por um lado, que deveria beneficiar de isenção de ISV, ao abrigo do disposto nos artigos 58º, 59º e 60º do CISV e, por outro, que, de qualquer modo, o art. 11º do CISV viola directamente o disposto no artigo 110.º do TFUE.
Sustenta, com tal fundamento, que a liquidação de ISV impugnada é ilegal devendo assim ser anulada ou, em alternativa, que a mesma seja rectificada por forma a que o valor devido seja calculado em respeito pela normas europeias e, especificamente, pelo artigo 110º do TFUE.
5. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, por excepção e impugnação.
Defende que o pedido de pronúncia arbitral foi deduzido extemporaneamente quanto à liquidação que ora vem impugnada, porquanto resulta da decisão de indeferimento de reclamação graciosa proferida por despacho do Diretor da Alfândega do … em 08-09-2020, a qual foi notificada ao Requerente em 14-09-2020, data de assinatura do aviso de recepção. Assim, nos termos do disposto no artigo 10º, n.º 1 do RJAT, o prazo para apresentação do pedido arbitral terminou em 12-12-2020 e o mesmo deu entrada em 15-12-2020.
Mais invoca ser o tribunal arbitral incompetente para apreciar a anulação da taxa relativa ao método alternativo, bem como ao apuramento do imposto.
Por impugnação defende, em suma, que o Requerente estaria excluído do âmbito de isenção do ISV e, no mais, que a liquidação impugnada não padece de qualquer ilegalidade.
Conclui, pois, a Requerida pela legalidade do acto de liquidação contestado pelo Requerente que deverá, assim, ser mantido, não podendo haver, em quaisquer circunstâncias, lugar ao pagamento de juros indemnizatórios.
6. Notificado para se pronunciar relativamente às excepções invocadas na resposta, veio o Requerente responder, sustentando não poder ser prejudicado pela informação prestada pela Autoridade Tributária na respectiva notificação do indeferimento da reclamação graciosa, já que na mesma foi indicado que poderia reagir a esse acto através de impugnação judicial no prazo de 3 meses, nos termos do art. 102º do CPPT, o que fez, pelo que a legítima expectativa criada foi de que poderia impugnar judicialmente a decisão de indeferimento da sua reclamação graciosa naquele prazo.
Por outro lado, invoca o excepcional estado de emergência que teve o seu início em 19-03-2020 e, após 15 renovações, terminou no passado dia 30-04-2021.
Invoca, ainda, a aplicação do disposto no artigo 245º, n.º 1, do CPC, defendendo que, tendo a notificação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa sido feita em terceira pessoa, ao prazo de defesa acresce uma dilação de cinco dias.
7. Por despacho de 20-07-2021, foi dispensada a reunião do artigo 18º do RJAT, bem como, com a anuência das partes, a apresentação de alegações.
II – SANEAMENTO
8.1. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.
8.2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4º e 10º, n.º 2, do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
8.3. O processo não enferma de nulidades.
8.4. Nada obsta à apreciação da causa.
III – MATÉRIA DE FACTO E DE DIREITO
III.1. Matéria de facto
Importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.
Nesse enquadramento, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
a) O Requerente foi notificado do despacho de indeferimento da reclamação graciosa n.º …, do Diretor da Alfândega do …, relativa à DAV 2016/…, cujo ofício tinha o seguinte teor:
- “Fica por este meio notificado de que no procedimento supra identificado, em 08-09-2020, foi proferido despacho de indeferimento, pelo Diretor de Alfândega, ao abrigo de competência própria.
Fica ainda notificado de que deste despacho pode recorrer hierarquicamente no prazo de trinta dias, nos termos dos n.º 1 e 2 do art. 66º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) ou interpor impugnação judicial no prazo de três meses, nos termos do art. 97º e do art. 102º, ambos do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT).
A contagem dos prazos referidos inicia-se no dia útil seguinte àquele em que a notificação se concretizou, nos termos do n.º 10 do art. 39º do CPPT.
Nos termos do art. 77º da Lei Geral Tributária (LGT), em anexo consta a fundamentação da decisão ora notificada”.
b) A referida notificação foi remetida por via postal, mediante aviso de recepção.
c) O referido aviso de recepção foi assinado por pessoa diversa do Requerente, no seu domicílio, em 14-09-2020;
d) O presente pedido arbitral deu entrada nos serviços do CAAD em 15-12-2020.
Fundamentação da matéria de facto:
A matéria de facto dada como provada assenta no exame crítico da prova documental apresentada e não contestada, que aqui se dá por reproduzida, bem como do processo administrativo junto aos autos.
Não foram dados como não provados factos com relevo para a decisão da causa.
III.2. Matéria de Direito
A primeira questão a apreciar reside na questão da tempestividade da presente lide, face à invocação, pela Requerida, da caducidade do direito de acção. Vejamos.
Dispõe o artigo 10º, n.º 1 do RJAT, que:
- “O pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado:
a) No prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.º 1 e 2 do artigo 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos actos de susceptíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico.
b) No prazo de 30 dias, contado a partir da notificação dos actos previstos nas alíneas b) e c) do artigo 2º, nos restantes casos”.
Para o que ao caso importa, estabelece o n.º 1 do artigo 102º do CPPT, para que aquele artigo remete, que a impugnação será apresentada no prazo de três meses a partir da notificação dos restantes actos tributários, mesmo quando não deem origem a qualquer liquidação [alínea b)].
Assim, nos termos conjugados da alínea a) do n.º 1 do artigo 10º do RGIT e da alínea b) do n.º 1 do artigo 102º do CPPT, o presente pedido arbitral será tempestivo se apresentado no prazo de 90 dias, contados da notificação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que, no caso, se concretizou no dia 14-09-2020.
Quer dizer que, atento o disposto no artigo 279º do Código Civil, o prazo para apresentação do pedido arbitral se iniciou ao dia seguinte ao da assinatura do aviso de recepção, ou seja, a contagem do prazo teve início no dia 15-09-2020.
Diga-se, desde já, que contrariamente ao que o Requerente sustenta, a dilação de 5 dias prevista no artigo 245º, n.º 1, do CPC, pelo facto de o aviso de recepção não ter sido assinado por si, só é aplicável a processos já entrados em juízo para efeitos de citação, a qual consiste no “acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo” (artigo 219º, n.º 1 do CPC).
No caso, o Requerente não recebeu qualquer citação, na medida em que não existe qualquer processo instaurado contra si, mas uma mera notificação dando-lhe conta da sua situação tributária, através do indeferimento de uma sua pretensão formulada num procedimento de reclamação graciosa.
No contraditório à excepção deduzida pela Requerida, argumenta o Requerente que a notificação apenas faz referência ao prazo de 3 meses, o que o induziu em erro, invocando, designadamente, por um lado, que os meios de defesa devem constar obrigatoriamente da notificação do acto e, por outro, “que a errónea indicação do prazo para reagir judicialmente deve ser valorado, face ao princípio geral de direito da boa-fé, sob pena de total frustração da confiança que os administrados devem depositar nas informações emanadas da própria administração”.
Uma primeira nota, para referir que não se tratará de indicação de erróneo prazo para reacção contenciosa do acto de que o Requerente foi notificado, uma vez que o prazo para apresentação de impugnação judicial é efectivamente de 3 meses, como consta da notificação. Estará sim em causa uma eventual insuficiência da notificação por omissão da totalidade dos meios de reacção: no caso, da possibilidade de recurso ao CAAD com a apresentação de pedido arbitral, como o Requerente veio a fazer.
A propósito da insuficiência do acto de notificação por falta de indicação dos meios de defesa, já se pronunciou o STA, através de acórdão de 08-07-2015 – Proc. 0389/15, concluindo que:
- “I – A insuficiência do acto de notificação por falta de indicação dos meios de defesa não conduz à nulidade do acto, mas faculta ao notificado o direito de requerer a notificação dos elementos omitidos ou a passagem de certidão que os contenha, dentro do prazo fixado no n.º 1 doi art. 37º do CPPT; usando dessa faculdade, o prazo para reagir contra o acto tributário conta-se a partir da notificação dos requisitos omitidos ou da passagem de certidão que os contenha.
II – Não sendo exercida a faculdade prevista no art. 37º, n,º 1 do CPPT, a aludida omissão irreleva para afastar os efeitos da notificação já efectuada,
III – O prazo para deduzir impugnação judicial é um prazo de caducidade, de natureza substantiva, que se conta nos termos do art. 279º do Código Civil, como dispõe o art. 20º, n.º 1 do CPPT”.
Nessa mesma linha, se considerou na decisão arbitral de 11-02-2019, proferida no proc. 145/2018-T:
- “… concorde-se, ou não, a jurisprudência tributária superior tem entendido que, confrontado com uma notificação que não indica (ou, por maioria de razão, que não indica suficientemente, ou que o faz de modo obscuro) os meios de reacção, o contribuinte deve pedir os esclarecimento de que careça, sob pena de não o fazendo, assumir o risco de utilizar deficientemente os meios de defesa que lhe cabem.
No caso, a notificação que lhe foi dirigida não continha a menção da possibilidade de ser realizada impugnação pela via arbitral e os respectivos termos.
Confrontada com a notificação, a Requerente, tendo dúvidas sobre se podia ou não utilizá-la, ou sobre os termos de o fazer, deveria ter usado a faculdade do art. 37º, n.º 1 do CPPT.
Não o fazendo, assumiu os riscos inerentes à sua opção, não sendo caso da aplicação da norma do artigo 11º do CPA, uma vez que o CPPT tem norma própria, o referido artigo 37º, n.º 1 do CPPT, a regular a questão”.
Acresce que o Requerente utilizou meio alternativo à impugnação judicial pese embora isso, a dedução de pedido arbitral, não estivesse expresso na notificação.
De qualquer forma, pretende o Requerente retirar efeitos da regra de suspensão de prazos processuais e procedimentais decorrentes da situação epidemiológica SARS-Cov2 - Covid-19, alegando que, com base na Lei 1-A/2020, de 19 de Março, se estabeleceu como regra geral a suspensão de todos os prazos para a prática de atos processuais e procedimentais, designadamente nos tribunais arbitrais.
No que tem, parcialmente razão, uma vez que a aludida suspensão de prazos também teve aplicação na contagem de prazos para a apresentação de pedidos arbitrais.
Sucede que tal suspensão não teve o alcance pretendido pelo Requerente que alega que o mesmo teve início em 19-03-2020 e o seu fim em 30-04-2021.
Efectivamente, nos termos do estabelecido pela Lei 1-A/2020 de 19 de Março, alterada pela Lei nº 4-A/2020, de 6 de Abril, foi determinada a suspensão generalizada dos prazos processuais e procedimentais, incluindo no âmbito de processos arbitrais. Suspensão que cessou em 03-06-2020, por força do disposto na Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio.
Entretanto, por virtude da Lei 4-B/2021, de 1 de fevereiro, foi alterada a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, estabelecendo-se novo regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais decorrente das medidas adotadas no âmbito da pandemia. Suspensão que se iniciou em 22-01-2021 e se manteve até 06-04-2021, por força da Lei n.º 13-B/2021, de 05 de Abril.
Quer dizer, houve dois períodos de suspensão da prática de actos processuais e procedimentais: um de 9-03-2020 a 03-06-2020 e outro de 22-01-2021 a 06-04-2021.
Ora, a prática do acto praticado pelo Requerente, consubstanciado na apresentação do presente pedido arbitral, por referência à data da notificação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, não está abrangido temporalmente nos períodos em que vigorou a suspensão da prática de actos processuais e procedimentais, pelo que nenhuma relevância tem para a questão em apreço.
Face o exposto, forçosamente se conclui que a apresentação do pedido arbitral é intempestiva, pois se deu já para lá do prazo de 90 dias previsto no artigo 10º, n.º 1, a) do RJAT, tendo, por isso, caducado o direito de acção do Requerente e, sendo extemporânea a apresentação do pedido, tal determina a absolvição da Requerida do pedido.
Face ao decidido, que obsta ao conhecimento do mérito da causa, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitada no pedido.
IV. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
a) Julgar extemporânea a apresentação do pedido arbitral, por caducidade do direito de acção, absolvendo-se a Requerida do pedido.
b) Condenar o Requerente nas custas do processo.
V. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em 3.413,45 €, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VI. CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 612,00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Lisboa, 18 de Novembro de 2021
O Árbitro
(António Alberto Franco)