Sumário
I. Se, após a constituição do Tribunal Arbitral, o Requerente obtém a plena satisfação do seu pedido em virtude da revogação do ato impugnado por parte da AT, estão verificados os pressupostos para a inutilidade superveniente da lide e consequente extinção da instância.
A árbitro Raquel Franco, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral singular constituído em 21.05.2021, profere a decisão que se segue:
DECISÃO ARBITRAL
I. Relatório
A, contribuinte fiscal n.º …, residente em …, Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, apresentou um pedido de pronúncia arbitral no dia 21.05.2021, nos termos do disposto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 05.02.2021.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, a Árbitro designada pelo Conselho Deontológico comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 03.05.2021 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do disposto no artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação atual, o tribunal arbitral singular foi constituído em 21.05.2021.
II. Do pedido de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide
No pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo, a Requerente pedia, a título principal, a declaração de ilegalidade da liquidação de IRS n.º 2020 500..., referente ao ano de 2019, no montante total de € 57.016,86, e, a título subsidiário, caso o pedido principal não colhesse, que fosse considerada parcialmente ilegal a referida liquidação, por errónea quantificação. Pedia ainda a restituição do que, a esse título, tivesse sido pago indevidamente, bem como o pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios considerando o pagamento efetuado a 28.08.2020.
A Requerente alegou, então, ter tido um rendimento de mais-valias imobiliárias naquele ano, enquanto era não residente em Portugal. Ao declarar esse rendimento, declarou ser residente num Estado Membro da UE e declarou ainda que pretendia ser tributada nos termos mesmos dos residentes em Portugal tendo ainda, para esse efeito, declarado os rendimentos obtidos fora de Portugal.
Alegou ainda a Requerente que a AT, ao efetuar a liquidação do imposto, desconsiderou a aplicação da regra prevista no n.º 2 do artigo 43.º do CIRS, que permite a tributação em apenas 50% do valor do saldo referido. Desse modo, a AT aplicou a taxa de 28% à mais-valia imobiliária apurada de € 203.631,66, i.e., à totalidade do valor das mais-valias apuradas.
Donde conclui que a mais-valia que deveria ter sido considerada, para efeitos de incidência do I.R.S., deveria ter sido de € 101.815,83 (à qual se aplicaria, então, a taxa de 28%, resultando daí o valor de imposto apurado de € 28.508,43). O imposto liquidado foi integralmente pago pela Requerente.
No dia 01.06.2021, o Tribunal notificou a Requerida para apresentar contestação e requerer, querendo, a produção de prova adicional.
No dia 02.07.2021, a Requerida veio informar este Tribunal que, por despacho de 2021-06-29, da Subdiretora-Geral do Rendimento, foi revogado o ato objeto de impugnação, conforme consta da Informação n.º …/2021 da DSIRS, que anexou. Atendendo a que o objeto do pedido de pronúncia arbitral se extinguiu por revogação, requer que seja declarada a inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277.º, alínea e) do Código de Processo Civil (CPC), aplicável subsidiariamente conforme o artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
No dia 19.07.2021, o Tribunal convidou a Requerente a pronunciar-se sobre o requerimento da AT, e a requerer o que tivesse por conveniente, mas esta não se pronunciou.
Assim, e uma vez que se encontra decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 21.º do RJAT, o Tribuna proferirá agora a sua decisão.
III. Decisão
1. Decisão sobre o pedido de declaração da inutilidade superveniente da lide e extinção da instância
Conforme se referiu supra, por despacho de 2021-06-29, da Subdiretora-Geral do Rendimento, foi revogado o ato objeto de impugnação no presente processo. Na informação que o antecede, e que constitui a respetiva fundamentação, pode ler-se o seguinte:
“14.Na Lei vigente, o saldo apurado entre as mais-valias e menos-valias imobiliárias, quando auferido por residentes em território português, é sujeito a englobamento obrigatório, sendo, como tal, tributado às taxas progressivas previstas no n.º 1 do artigo 68.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares ("IRS"), em 50% do seu valor, por força do disposto na alínea b) do n.º 2 do 43.º do Código do IRS e, quando auferido por não residentes em território português, é tributado, na sua totalidade, à taxa autónoma de 28%, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 72.º do Código do IRS, sem prejuízo dos residentes noutro Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu (com intercâmbio de informação em matéria fiscal) poderem optar pelo englobamento dos rendimentos, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes, considerando-se para efeitos de determinação da taxa todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território.
15.No entanto, a jurisprudência tem vindo a considerar que o quadro legal em vigor não é conforme com os artigos 63.º e 65.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia ("TFUE") por constituir uma discriminação negativa suscetível de restringir a circulação de capitais na União, com destaque para o Acórdão de uniformização de jurisprudência do Supremo Tribunal de Administrativo ("STA") de 09.12.2020, proferido no âmbito do Processo n.º 75/20.6BALSB, bem como para a Decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia ("TJUE") de 18.03.2021, proferida no âmbito do Processo C-388/19 (Caso “MK”).
16.Ora, nos termos da alínea b) do n.º 4 do artigo 68.º·A da Lei Geral Tributária ("LGT"), a administração tributária deve rever as orientações genéricas quando, entre outros fatores, exista acórdão de uniformização de jurisprudência proferido pelo STA.
17.Assim, nos procedimentos administrativos e processos judiciais pendentes, no quadro normativo vigente e até ser concretizada a necessária alteração legislativa, foi, por despacho do SEAAF nº 177/2021-XXII, de 04/06/2021, decidido aplicar, caso a caso, o disposto no nº 2 do artigo 43º do CIRS aos sujeitos passivos não residentes, mantendo-se a tributação autónoma à taxa especial de 28%.
18.Quanto ao pedido de juros indemnizatórios, é o artigo 43.º da Lei Geral Tributária (LGT) que define os pressupostos do direito aos mesmos a favor do contribuinte, consignando, na sua redação atual, sob a epígrafe «Pagamento indevido da prestação tributária»: “1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. …”
19.Uma vez que foi agora assumido pela AT a aplicação do nº2 do artigo 43º do CIRS ao saldo das mais valias da requerente, refletindo-se na exclusão de 50% do mesmo, consubstancia, assim, um erro imputável aos serviços e, dado que o tributo já se encontra totalmente pago, tem a requerente direito aos juros indemnizatórios relativamente ao valor pago superiormente ao devido.”
Em suma, não só a AT dá razão à Requerente relativamente ao cerne da questão, como também lhe reconhece o direito à restituição do imposto indevidamente pago e ao pagamento de juros indemnizatórios.
Perante estes factos, verificam-se os pressupostos legais da inutilidade superveniente da lide, sendo também manifesta a concordância de ambas as Partes, pelo que determino a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do disposto no artigo 277.º, alínea e) do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 29, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Nos termos do disposto nos números 3 e 4 do artigo 536.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, determina-se ainda que as custas sejam suportadas pela Requerida.
2. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 57.016,86.
3. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.142,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.
Lisboa, 21.11.2021
A Árbitro,
Raquel Franco