DECISÃO ARBITRAL
I - Relatório
1. A, titular do número de identificação fiscal ..., residente na …, … (doravante designado por “Requerente”) apresentou, em 11-01-2021, um pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do artigo 2.º n.º 1, alínea a) e do artigo 10.º, n.ºs 1 e 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66- B/2012, de 31 de Dezembro (doravante abreviadamente designado “RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
2. O Requerente pretende a pronúncia do Tribunal Arbitral com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato de liquidação adicional do Imposto do Rendimento sobre as Pessoas Singulares (IRS), identificado sob o n.º 2020 5005..., relativo ao ano de 2018, ordenando-se o reembolso ao Requerente da quantia indevidamente paga e respetivos juros compensatórios num valor total de € 29.520,60 (vinte e nove mil quinhentos e vinte euros e sessenta cêntimos) acrescida ainda de juros indemnizatórios, desde a data do pagamento até à data do efetivo reembolso.
3. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) (adiante designada por “Requerida”).
4. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira, em 12-01-2021.
5. Nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro do tribunal arbitral singular o Exmo. Senhor Dr. Olívio Mota Amador que, no prazo aplicável, comunicou a aceitação do encargo.
6. O Requerente foi notificado, em 03-05-2021, da designação do árbitro, não tendo manifestado vontade de recusar a designação, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
7. De acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral foi constituído em 21-05-2021.
8. A Requerida foi notificada através do despacho arbitral, de 24-05-2021, para os efeitos previstos no artigo 17.º da RJAT.
9. A Requerida, em 28-06-2021, apresentou a Resposta bem como o Processo Administrativo.
10. O Tribunal Arbitral por despacho, de 28-06-2021, determinou: (i) dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, ao abrigo do princípio da autonomia do Tribunal na condução do processo e em ordem a promover a celeridade, a simplificação e a informalidade processuais, de acordo com o disposto nos artigos 19.º e 29.º, n.º 2, do RJAT, tendo em conta que não foi invocada matéria de excepção, requerida a produção de prova testemunhal nem outras diligências probatórias adicionais, nem existem questões que obstem ao conhecimento do pedido; (ii) notificar as partes para proferirem alegações escritas, caso queiram, no prazo de 10 dias, com caracter sucessivo, a partir da notificação do presente despacho; (iii) indicar o dia 30 de setembro de 2021 como prazo limite para a prolação da decisão arbitral; (iv) notificar o Requerente para proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente até à data indicada na alínea anterior.
11. A Requerente e a Requerida não apresentaram alegações.
12. O Tribunal Arbitral através dos despachos, de 29-09-2021 e 15-10-2021, alterou a data limite para a prolação da decisão arbitral.
13. A posição do Requerente, de harmonia com o disposto no pedido de constituição do Tribunal Arbitral é, em síntese, a seguinte:
13.1. No presente caso verifica-se um erro nos pressupostos da liquidação impugnada, porque o Requerente não alienou um terreno para construção.
13.2. A classificação dos prédios para efeitos de IMI (com reflexos em outros impostos, como é o caso do IRS) é legalmente vinculada, não dependendo da vontade do proprietário ou outro sujeito passivo de relações jurídico-tributárias ou de qualquer discricionariedade ou livre margem de interpretação da Administração Tributária.
13.3. É pacífico administrativa, doutrinária e jurisprudencialmente o entendimento de que a eventual declaração no título aquisitivo de que está em causa terreno para construção, desacompanhada de um qualquer dos demais elementos que recortam a noção de terreno para construção, previstos no n.º 3 do artigo 6.º do Código do IMI, não é suficiente para que um prédio seja classificado como terreno para construção. Assim, caberá aos serviços da AT a extração das devidas consequências quando haja declaração do contribuinte para inscrição na matriz de terrenos para construção sem documento autorizador previsto nessa disposição legal, nomeadamente procedendo à correta classificação do prédio em questão com exclusão da aparentemente pretendida (terreno para construção).
13.4. O prédio alienado pelo Requerente e cujas mais-valias estão na base da liquidação aqui sindicada não é fiscalmente um terreno para construção, recaindo sobre a AT, através do Serviço de Finanças da área da localização do prédio, mesmo oficiosamente, sem prejuízo do direito de qualquer interessado o requerer, proceder à sua correta classificação, com todas as legais consequências.
13.5. A AT, através do Serviço de Finanças onde foi entregue a declaração e promoveu a avaliação, no âmbito da vinculação já referida, tinha o poder-dever de classificar o prédio de acordo com os critérios legais, independentemente da classificação feita constar pelo contribuinte da declaração, e mandá-lo avaliar de acordo com a espécie (ou subespécie) respetiva.
13.6. Atendendo ao regime legal de classificação dos prédios urbanos, não pode restar qualquer dúvida que o prédio alienado pelo ora Requerente, ao tempo da apresentação da declaração modelo 1 do IMI e ao tempo da sua venda, era um prédio urbano da subespécie “Outros” (alínea d) do n.º 1 e n.º 4 do artigo 6.º do Código do IMI).
13.7. É, pois, claro que a liquidação impugnada assenta no errado pressuposto de que o prédio em causa é terreno para construção, do que decorre a ilegalidade da liquidação. De modo absolutamente claro, a certidão camarária junta à declaração modelo 1 do IMI atesta que não se verifica qualquer dos pressupostos relevantes para a classificação do terreno vendido como terreno para construção.
13.8. Isto significa que na liquidação cuja validade se sindica foi erradamente tomado em consideração que o valor patrimonial pressuposto da decisão respeita a um terreno para construção, quando, na realidade, respeita a um prédio da subespécie “outros” Há, pois, incontornável erro nos pressupostos da liquidação impugnada, determinante da sua ilegalidade.
13.9. Nos termos do n.º 5 do artigo 44.º do Código do IRS, não é aplicável a regra da utilização como valor de realização do valor patrimonial superior ao preço se for feita prova de que o valor de realização foi inferior ao valor patrimonial tributário (VPT), devendo essa prova ser efetuada de acordo com o procedimento previsto no artigo 139.º do Código do IRC, com as necessárias adaptações, nos termos do n.º 6 do referido artigo 44.º. Dispõe, por sua vez, o artigo 139.º do Código do IRC que tal prova deve ser efetuada em procedimento instaurado mediante requerimento dirigido ao diretor de finanças competente e apresentado em janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreram as transmissões, caso o VPT já se encontre definitivamente fixado, ou nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se tornou definitiva, nos restantes casos.
13.10. Trata-se de um regime perverso, de constitucionalidade pelo menos duvidosa, sobretudo nos casos em que o VPT não se encontre definitivamente fixado aquando da alienação onerosa. Na verdade, mal se compreende que um contribuinte, pessoa singular, na posição de ocasional alienante de um imóvel, que, por azar seu, tenha um VPT superior ao preço, e se encontre arredado de um qualquer envolvimento profissional nos negócios imobiliários, sofra o pesado ónus de “conhecer” que tem de desencadear o referido procedimento numa data distante daquela em que tem que cumprir a obrigação declarativa dos rendimentos sujeitos a IRS. Coloca-se, assim, a questão de saber se as normas do artigo 44.º, n.ºs 5 e 6, do Código do IRS e do artigo 139.º, n.ºs 3 e 7, do Código do IRC violam princípios constitucionais como o da capacidade contributiva, o da proporcionalidade, o da justiça e mesmo o da tutela jurisdicional efetiva, caso não se encontre caminho interpretativo que ultrapasse aquilo que parece ser a mera literalidade dos preceitos legais que têm sido citados.
13.11. Efetivamente, não se descortinam razões bastantes para a limitação da elisão da presunção do n.º 2 do artigo 44.º do Código do IRS ao procedimento a que se refere o artigo 139.º do Código do IRC, que só ocorre no mês de janeiro do ano seguinte ao dos rendimentos ou nos 30 dias posteriores à data em que se torne definitivo o VPT. Do mesmo modo não se descortinam razões para impedir que a elisão da referida presunção seja feita nos típicos meios administrativos (reclamação graciosa) ou judiciais (impugnação judicial) de reação contra os atos de liquidação de impostos, constituindo a barreira do n.º 7 do artigo 139.º do Código do IRC um inaceitável obstáculo à tutela jurisdicional efetiva.
13.12. Decorrendo do exposto que a ilegalidade da liquidação resulta de erro imputável aos serviços e tendo o Requerente efetuado o respetivo pagamento, deve a AT a ser condenada na restituição de tudo quanto pagou acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios.
14. A posição da Requerida, expressa na resposta, pode ser sintetizada no seguinte:
14.1. A liquidação contestada foi efetuada tendo em conta o disposto no n.º 2 do artigo 44.º do Código do IRS, o qual comina que, para efeitos do apuramento do valor de realização de bens imóveis prevalecerá, sobre o valor da contraprestação (previsto como regra na alínea f) do número anterior), aquele pelo qual o bem tiver sido considerado para efeitos de liquidação do IMT. Ora, nos termos do n.º 1 do artigo 12.º do Código do IMT esse tributo “incidirá sobre o valor constante do ato ou contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior.” Acrescendo o n.º 2 do artigo 31.º do CIMT que a liquidação adicional deve ser promovida “nos casos em que haja lugar a avaliação”.
14.2. Ora, a liquidação de IRS efetuada não pode ser posta em causa com base no VPT apurado em sede de procedimento de avaliação. A contestação das conclusões do procedimento de avaliação segue rituais procedimental e processual próprios, cabendo ao contribuinte requerer segunda avaliação sempre que discorde dos valores apurados na primeira e, caso discorde também do VPT determinado em segunda avaliação, impugná-lo judicialmente, nos termos constantes do n.º 1 do artigo 77.º do Código do IMI.
14.3. Os procedimentos de avaliação e de liquidação dos tributos são realidades distintas e autónomas, atendendo ao teor das alíneas a) e f) do n.º 1 do artigo 44.º do CPPT, bem como dos artigos 59.º e 62.º, n.º 1, do CPPT.
14.4. Nas situações em que a matéria tributável, in casu o VPT, foi fixada em procedimento próprio (o de avaliação), a liquidação terá de ser efetuada com base nas conclusões – no caso, de natureza quantitativa – a que chegou esse mesmo procedimento. Justamente o que sucedeu na situação em análise, fixou-se em procedimento autónomo próprio a matéria coletável para efeitos de liquidação de IMT. Precisamente a mesma que, segundo o n.º 2 do artigo 44.º do Código IRS, deverá ser tida em conta para efeitos de determinação do valor de realização relevante para efeitos de apuramento de mais-valias, tributáveis em sede de imposto sobre o rendimento.
14.5. A existência deste regime (fixação da matéria coletável em procedimento próprio, devendo a liquidação seguir as conclusões daquele) determinou, por sua vez, uma exceção à denominada “regra da impugnação unitária”, consagrada no artigo 54.º do CPPT (do qual constitui, aliás, epígrafe), segundo a qual, geralmente, “não são suscetíveis de impugnação contenciosa os atos interlocutórios do processo”.
14.6. A exceção a que nos reportamos surge legalmente prevista nos números 1 e 2 do artigo 86.º da LGT, segundo os quais – uma vez esgotados os meios administrativos previstos para a respetiva revisão (n.º 2) – a avaliação direta é suscetível de impugnação contenciosa também direta.
14.7. No caso em análise, o sujeito passivo contesta a espécie - de entre as várias previstas no n.º 1 do artigo 6.º do Código do IMI para os prédios urbanos – que foi considerada em sede de procedimento de avaliação para o bem imóvel que alienou. Tal qualificação teve reflexo no valor patrimonial tributário apurado naquele procedimento. Todavia, o Requerente uma vez notificado do resultado do sobredito procedimento de segunda avaliação deveria – nos termos conjugados do artigo 77.º, n.º 1, do Código do IMI, e artigo 86.º, n.ºs 1 e 2, da LGT e também do artigo 134.º, n.ºs 1 e 2, do CPPT – ter impugnado contenciosamente esse resultado, o que não fez. Assim, a liquidação de IMT devido pela alienação do imóvel supra identificado, efetuada com base nas conclusões quantitativas da avaliação, tornou-se inatacável.
14.8. Nestes termos a liquidação de IRS agora contestada, efetuada com base no VPT considerado para efeitos de liquidação do IMT não é, por sua vez, suscetível de ser colocada em crise com base em argumentos que radicam naquele procedimento de avaliação. Pelo que decai a argumentação do Requerente na parte em que contesta esta mesma liquidação com base numa (eventualmente) indevida qualificação do imóvel alienado no âmbito do procedimento de avaliação que lhe fixou o respetivo valor patrimonial tributário.
14.9. Quanto à alegada inconstitucionalidade material dos números 5 e 6 do artigo 44.º do Código do IRS e do artigo 139.º - maxime, dos seus números 3 e 7 - do Código do IRC, alegada pelo Requerente cabe salientar que a AT é um serviço integrado na administração direta do Estado Português. Estando, concretamente, integrada no Ministério das Finanças, o qual, por sua vez, se insere na orgânica do Governo “órgão de condução da política geral do país e o órgão superior da Administração Pública”, segundo o artigo 182.º da CRP.
14.10. Ora, o órgão com competência para declarar a inconstitucionalidade das normas jurídicas é, nos termos dos artigos 221.º, 223.º, n.º 1, e 281.º da CRP, o Tribunal Constitucional.
Sendo que, segundo o n.º 1 do artigo 202.º da CRP, “[o]s tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo.” Por sua vez (agora de acordo com n.º 1 do artigo 111.º da CRP), “[o]s órgãos de soberania devem observar a separação e a interdependência estabelecidas na Constituição.”
14.11. Pelo que está vedado à AT pronunciar-se sobre invocações de ocorrência de inconstitucionalidade. Por conseguinte, não colhe, junto da AT, a invocação de inconstitucionalidade efetuada pelo Requerente.
14.12. O Requerente peticiona ainda a atribuição de juros indemnizatórios. Ora, tendo em consideração tudo o que supra foi exposto, conclui-se, desde logo, que não se mostra verificado o preenchimento do requisito que exige a existência de um erro na liquidação imputável aos serviços, pois não se descortinou ter sido cometida, por aqueles, qualquer ilegalidade. Termos em que decai a pretensão do Requerente no tocante à atribuição de juros indemnizatórios.
II – Saneamento
15. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.ºs 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 1, do RJAT.
16. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas, de acordo com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
17. Não foram suscitadas exceções de que cumpra conhecer. Não se verificam nulidades nem quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.
III - Matéria de facto
18. Factos dados como provados
Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas dão-se como assentes e provados os seguintes factos:
-
O Requerente, conjuntamente com o seu cônjuge, apresentou a declaração Modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2018, acompanhada dos anexos A, F, G e H (vd., n.º 1 do pedido de pronuncia arbitral e n.º 5 da Resposta da AT junta aos autos).
-
No anexo G, quadro 4, campo 4001, da declaração Modelo 3 de IRS identificada na alínea anterior, foi inscrita a alienação, no mês de agosto de 2018, do imóvel inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias de ..., concelho de ..., sob o artigo ... com os seguintes montantes: Valor de Alienação: €90.000; Valor de Aquisição: €67,75; Despesas e encargos inerentes à alienação e/ou aquisição do imóvel: €6.527,90 (vd., n.ºs 1 e 2 do pedido de pronuncia arbitral e n.ºs 6 e 7 da Resposta da AT junta aos autos).
-
A subsequente liquidação de IRS, sob o n.º 2019 5002..., apurou a quantia de imposto a pagar de €12.815,94 (vd., documento n.º 3 anexo ao pedido de pronuncia arbitral).
-
O Serviço de Finanças de ... 3, em 29-04-2019, instaurou ao Requerente um procedimento de gestão de divergências relativo ao IRS, no exercício de 2018, com o código “D39” reportado a casos de “alienação de imóveis”, tendo notificado o Requerente para a apresentação de declaração de substituição (vd., n.ºs 9 a 11 da Resposta da AT junta aos autos).
-
O Requerente, em 30-06-2019, entregou a declaração Modelo 3 de IRS de substituição, referente ao ano de 2018, a qual foi acompanhada dos anexos A, F, G e H. (vd., fls. 41 a 48 do Processo Administrativo junto aos presentes autos arbitrais)
-
No anexo G, quadro 4, campo 4001, da declaração Modelo 3 de IRS de substituição identificada na alínea anterior, foi inscrita a alienação do imóvel, identificado na alínea B) supra, tendo o Requerente inscrito os seguintes valores: Valor de Aquisição: € 67,75; Despesas e Encargos: € 6.527,90; Valor de Realização: € 221.510,00 (vd., fls. 45 verso do Processo Administrativo junto aos presentes autos arbitrais).
-
A declaração de substituição, identificada na alínea E), deu origem à liquidação sob o n.º 20205005..., efetuada em 28-08-2020, que apurou a quantia de imposto a pagar € 41.025,76, acrescida da importância de € 1.310,78 de juros compensatórios o que perfaz o total de € 42.336,54 (vd., n.ºs 15 e 16 da Resposta da AT junta aos autos).
-
O Requerente procedeu ao pagamento, em 27-11-2020 (vd., n.º 15 do pedido de pronuncia arbitral).
-
O prédio urbano, identificado na alínea B) supra, foi objeto da celebração de contrato promessa de compra e venda, em 21-06-2018, entre o Requerente, na qualidade de promitente vendedor, e B, na qualidade de promitente comprador, sendo descrito como “prédio rústico composto por terra lavradia com árvores de fruta, denominado Barreiro, com a área total de 2.222,50 m2, a confrontar do norte com C, do sul com D e outro, do nascente com E e do poente com caminho, sito no lugar de ..., na União das Freguesias de ..., concelho de ..., descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de ..., sob o número ..., da freguesia de ..., inscrito na matriz predial rústica da União das Freguesias de ..., sob o artigo ..., anteriormente identificado pelo artigo ... da extinta freguesia de ...” (vd., clausula 1.ª do Contrato Promessa de Compra e Venda constante do documento n.º 5 anexo ao pedido de pronuncia arbitral).
-
No contrato promessa de compra e venda, referido na alínea anterior, é estabelecido que “O referido prédio será vendido livre de quaisquer ónus ou encargos, direitos de servidão e preferência, de quaisquer relações locatícias e de direito de retenção, comprometendo-se, desde já, o Primeiro Outorgante a custear todas e quaisquer despesas relativas à alteração do prédio mencionado na clausula 1.ª, para terreno para construção” ( vd., clausula 3ª, n.º 2, constante do documento n.º 5 anexo ao pedido de pronuncia arbitral).
-
O Requerente apresentou, em 07-08-2018, a declaração para inscrição ou atualização de prédio urbano na matriz - Modelo 1 do IMI – a solicitar a inscrição na matriz de prédio urbano novo na categoria de terreno para construção, tendo juntado em anexo: uma Planta de localização/Croquis e um Projeto ou Viabilidade Construtiva (vd., documento n.º 6 anexo ao pedido de pronuncia arbitral).
-
O Projeto ou Viabilidade Construtiva, referido na alínea anterior, consistiu numa certidão, emitida pela Diretora Municipal de Urbanismo e Ambiente da Câmara Municipal de ..., em 03-08-2018, onde refere “(…) de acordo com os elementos disponíveis nos nossos serviços, à presente data, não foi possível detetar qualquer registo de pedido de licenciamento ou autorização de obras de edificação, alvará de licença de construção ou de loteamento emitido, admissão de comunicação prévia, bem como informação prévia de viabilidade de construção aprovada e em vigor” (vd., documento n.º 6 anexo ao pedido de pronuncia arbitral).
-
O prédio urbano, identificado na alínea B) supra, foi alienado, em 09-08-2018, pelo Requerente à sociedade X, pelo preço de € 90.000,00 sendo descrito, no título de compra e venda lavrado na 1.ª Conservatória do Registo Predial de ..., como “Natureza: Urbano – Terreno para construção com a área de dois mil duzentos e vinte e dois virgula cinquenta metros quadrados, confronta de norte com F, de sul com A, nascente G e poente com Rua do ….” (vd., Clausulas D1. e E1.do Título de Compra e Venda constante do documento n.º 4 anexo ao pedido de pronuncia arbitral)
-
Ao prédio urbano, identificado na alínea B) supra, foi atribuído o VPT de € 221.510,00 na avaliação realizada pela AT, constante da ficha n.º 010857423, que foi notificada ao Requerente, em 17-08-2018, através do ofício n.º 173... (vd., documento n.º 7 anexo ao pedido de pronuncia arbitral e fls. 34 do Processo Administrativo junto aos presentes autos arbitrais).
-
O Requerente foi notificado pela AT, em 02-02-2019, através do ofício n.º 158... da 2ª avaliação, constante da ficha n.º 0109..., efetuada pela AT ao prédio urbano, identificado na alínea B) supra, tendo mantido o mesmo VPT de € 221.510,00 constante da 1ª. avaliação (vd., documento n.º 8 anexo ao pedido de pronuncia arbitral e fls. 34 do Processo Administrativo junto aos presentes autos arbitrais).
-
O Requerente apresentou, em 15-05-2019, ao abrigo do artigo 44.º, n.º 5, do Código do IRS e do artigo 139.º do Código do IRC, pedido de prova de preço efetivo na transmissão do prédio urbano, identificado na alínea B) supra, tendo o Serviço de Finanças de ... 3 aberto o procedimento com o n.º 3964...2 (vd., documento n.º 9 anexo ao pedido de pronuncia arbitral).
-
O projeto de decisão, no procedimento identificado na alínea anterior, foi objeto de despacho, de 10-07-2019, a determinar o exercício do direito de audição prévia, nos termos do artigo 60.º da LGT, notificado ao Requerente pelo ofício n.º 15..., de 11-07-2019 (vd., fls. 22 do Processo Administrativo junto aos presentes autos arbitrais).
-
O Requerente exerceu o direito de audição prévia por e-mail, de 26-07-2019 (vd., fls. 22 do Processo Administrativo junto aos presentes autos arbitrais).
-
O Chefe da Divisão de Planeamento, Coordenação e Serviços da Direção de Finanças do Porto indeferiu o requerimento, identificado na alínea P) supra, por despacho proferido em 14-08-2019, exarado na informação sob o n.º 9/2019, que foi notificado ao Requerente através do ofício n.º 2019..., de 16-08-2019 (vd., documento a fls. 20 e 23 do Processo Administrativo junto aos presentes autos arbitrais e que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
-
Do ato de indeferimento identificado na alínea anterior, o Requerente apresentou, em 19-09-2019, na plataforma e balcão, recurso hierárquico dirigido ao Ministro das Finanças, ao qual foi atribuído o n.º 3964... (vd., fls. 25 a 29 do Processo Administrativo junto aos presentes autos arbitrais).
-
O recurso hierárquico, identificado na alínea anterior, foi indeferido por despacho proferido, em 09-03-2020, pela Subdiretora-Geral da AT para a Área da Justiça Tributária e Aduaneira, ao abrigo de subdelegação de competência, exarado sobre informação, de 23-01-2020, da Direção de Serviços de Justiça Tributária (vd., documento n.º 10 anexo ao pedido de pronuncia arbitral e que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
-
Em 09-10-2020 o Requerente veio interpor reclamação graciosa contra a liquidação, identificada na alínea G) supra, tendo a AT, em 28-12-2020, proferido projeto de despacho no sentido do indeferimento e o Requerente sido notificado, em 11-01-2021, para exercer, querendo, o direito de audição prévia, nos termos do artigo 60.º da LGT (vd., fls. 52 do Processo Administrativo junto aos presentes autos arbitrais).
-
O Requerente através da plataforma e-balção, em 13-01-2021, comunicou desistir da reclamação graciosa, identificada na alínea anterior, por ter interposto pedido arbitral (vd., fls. 53 do Processo Administrativo junto aos presentes autos arbitrais).
-
O procedimento, identificado na alínea V) supra, foi arquivado por despacho do Chefe de Serviço de Finanças de ... 3 proferido em 02-02-2021 (vd., fls. 54 do Processo Administrativo junto aos presentes autos arbitrais).
19. Factos dados como não provados
Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.
20. Fundamentação da matéria de facto
Relativamente à matéria de facto, atendendo ao disposto no artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e no artigo 607.º, n.º 3, do Código do Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e), do RJAT, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada.
Assim, de acordo com o disposto no artigo 596.º do Código do Processo Civil (CPC), aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual foi estabelecida tendo em conta as questões de Direito suscitadas.
Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, a prova documental, junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
Na formação da convicção do Tribunal quanto à prova foram ainda relevantes o processo administrativo instrutor bem como os demais documentos juntos aos autos e que o Tribunal analisou criticamente em conjugação com as posições das partes espelhadas nos respetivos articulados.
Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras ou, em qualquer caso, cuja apreciação seria inútil (vd., artigo 608.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
IV. Matéria de Direito
21. Através do presente pedido de pronuncia arbitral o Requerente visa obter a declaração de ilegalidade da liquidação adicional de IRS, referente ao ano de 2018, com as respetivas consequências legais, ou seja, a condenação da AT a restituir o montante do imposto e respetivos juros compensatórios pagos e o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios.
O Requerente alega a existência de erro nos pressupostos da liquidação adicional de IRS ao tributar as mais valias resultantes da alienação de um prédio que, segundo o Requerente, foi incorretamente classificado pela AT como terreno para construção. Essa incorreta classificação determinou um VPT desajustado face às características do prédio e, em consequência, a liquidação de IRS ao tributar as mais valias da referida alienação assenta num errado pressuposto.
O Requerente alega ainda a inconstitucionalidade material das normas ínsitas nos n.ºs 5 e 6 do artigo 44.º do Código do IRS e nos n.ºs 3 e 7 do artigo 139.º do Código do IRC relativas ao procedimento destinado a provar que o valor da realização é inferior ao VPT.
Cumpre apreciar.
22. A questão decidenda consiste em saber se existe erro nos pressupostos da liquidação adicional de IRS supra identificada.
No pedido de pronuncia arbitral a questão é exposta nos seguintes termos: “(…) o Requerente não alienou no ano de 2018 um prédio que fiscalmente pudesse ser classificado como terreno para construção e, consequentemente, cujo valor patrimonial tributário, determinado de acordo com as regras aplicáveis aos terrenos para construção, pudesse relevar como valor de realização para a determinação das mais-valias sujeitas a IRS”. E acrescenta “Isto significa que na liquidação cuja validade se sindica foi erradamente tomado em consideração que o valor patrimonial pressuposto da decisão respeita a um terreno para construção, quando, na realidade, respeita a um prédio da subespécie “outros”. Concluindo “Há, pois, incontornável erro nos pressupostos da liquidação impugnada, determinante da sua ilegalidade” (vd., n.ºs 18, 53 e 54 do pedido de pronuncia arbitral).
De acordo com o exposto no pedido de pronuncia arbitral o Requerente alega que o prédio alienado e cujas mais-valias estão na base da liquidação adicional de IRS impugnada foi classificado erroneamente pela AT como um terreno para construção, em vez de ser integrado na categoria “outros”, nos termos previstos na alínea d) do n.º 1 do artigo 6.º do Código do IMI. Segundo o Requerente a errónea classificação do prédio, da responsabilidade da AT, determinou um VPT, apurado na 1.ª avaliação e confirmado na 2.ª avaliação, desajustado face às características do prédio.
23. O artigo 6.º, n.º 1, do Código do IMI estabelece que “Os prédios urbanos dividem-se em: a) Habitacionais; b) Comerciais, industriais ou para serviços; c) Terrenos para construção; d) Outros.”
Os terrenos para construção, de acordo com o n.º 3 do mesmo artigo, são “(…) os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos.”
Os prédios urbanos que se enquadram na categoria de “outros” são, nos termos do n.º 4 do preceito, “(…) os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da excepção do n.º 3.”
Entre os terrenos para construção e os prédios urbanos que se enquadram na categoria de “outros” existe uma diferenciação no modelo de avaliação, que é salientada por JOSÉ MARIA PIRES nos seguintes termos “(…) a Lei faz depender o valor patrimonial dos terrenos para construção do valor dos prédios que neles se virão a construir (…) esta aparente agressividade do Código do IMI na determinação do valor patrimonial tributário destes prédios contrasta com, a moderação do modelo de avaliação dos terrenos para construção que são prédios urbanos da classe “outros”. Nos termos do Código do IMI são prédios urbanos da classe “outros” os terrenos que não sendo considerados terrenos para construção também não sejam terrenos rústicos. Integram-se nessa categoria, nomeadamente, os terrenos localizados dentro dos aglomerados urbanos e que não reúnem os pressupostos necessários para serem considerados terrenos para construção, nem estão a ser cultivados para fins agrícolas. Não sendo explorados para fins agrícolas nem estando constituído o direito de construção sobre eles, estes terrenos não podem ser avaliados nem em função do seu potencial de geração de rendimentos agrícolas nem do seu potencial valor de construção, pelo que não existe um referencial capaz de dele se poder derivar um valor patrimonial tributário a partir do seu eventual valor de mercado. Faltando esses referenciais, mas mantendo-se a preocupação de objetividade do legislador, que perpassa toda o sistema de avaliações do Código do IMI, aplica-se outro coeficiente” (vd., Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, Almedina, 2.ª ed., 2012, p. 109).
24. A determinação do valor tributável dos prédios urbanos é realizada através de procedimento próprio estabelecido nos artigos 37.º a 46.º, no Código do IMI. Esse valor tributário apurado nos termos das disposições constantes no Código do IMI vale para todos os impostos que tenham que ter em conta o valor dos prédios, como são, para além do IMI, o IMT, o IS, o IRS e o IRC (vd., JOSÉ CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, Almedina, 10.ª ed., 2017, p. 599).
Os procedimentos de avaliação de valores patrimoniais são diferenciados dos procedimentos de liquidação dos tributos, de acordo com o previsto respetivamente nas alíneas a), b) e f) do n.º 1 do artigo 44.º do CPPT.
25. Nos termos previstos no n.º 1 do artigo 77.º do Código do IMI o contribuinte pode impugnar judicialmente o resultado da 2.ª avaliação efetuada pela AT, nos termos definidos no CPPT. De acordo com o n.º 2 da mesma norma a impugnação judicial do resultado da avaliação pode ter “(…) como fundamento qualquer ilegalidade, designadamente a errónea quantificação do valor patrimonial tributário do prédio.” A iniciativa da impugnação compete ao contribuinte, nos termos do n.º 3 da citada norma.
A impugnação dos atos de fixação dos valores patrimoniais é prevista no artigo 134.º do CPPT nos seguintes termos:
“1- Os atos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de três meses após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade.
2 - Constitui motivo de ilegalidade, além da preterição de formalidades legais, o erro de facto ou de direito na fixação.
3 - As incorrecções nas inscrições matriciais dos valores patrimoniais podem ser objecto de impugnação judicial, no prazo de 30 dias, desde que o contribuinte tenha solicitado previamente a correcção da inscrição junto da entidade competente e esta a recuse ou não se pronuncie no prazo de 90 dias a partir do pedido.
4 - À impugnação referida no número anterior aplica-se o disposto no n.º 3 do artigo 111.º
5 - O pedido de correcção da inscrição nos termos do número anterior pode ser apresentado a todo o tempo.
6 - O prazo da impugnação referida no n.º 3 conta-se a partir da notificação da recusa ou do termo do prazo para apreciação do pedido.
7 - A impugnação referida neste artigo não tem efeito suspensivo e só poderá ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação.”
A fixação da matéria coletável em procedimento próprio condiciona os termos da liquidação. De acordo com o disposto no artigo 62.º, n.º 1, do CPPT, “Em caso de a fixação ou a revisão da matéria tributável dever ter lugar por procedimento próprio, a liquidação efectua-se de acordo com a decisão do referido procedimento, salvo em caso de esta violar manifestamente competências legais.”
26. Das normas legais acima expostas resultam duas consequências. Primeira, o procedimento autónomo para a avaliação dos prédios urbanos determina que é, nesse âmbito, que o contribuinte pode contestar o VPT resultado da avaliação, bem como a respetiva classificação atribuída ao prédio. Segunda, a AT deve efetuar a liquidação do imposto de acordo com os valores apurados no procedimento de avaliação. Efetivamente, nos termos do disposto no artigo 62.º do CPPT, a AT deve efetuar a liquidação com base no determinado no procedimento de avaliação, exceto quando a respetiva decisão violar manifestamente as competências legais.
Sobre esta questão JORGE LOPES DE SOUSA afirma “(…) o que é seguro é que se a decisão procedimental for proferida pelas entidades competentes e estas actuarem no âmbito dos poderes que a lei lhes confere, não pode deixar de efetuar-se a liquidação com base no valor determinado no procedimento não podendo, designadamente, deixar-se de a efetuar com base num juízo de censura quanto ao mérito da decisão de fixação “ (vd., Código de Procedimento e Processo Tributário, vol. I, Áreas Editora, 6.º ed., 2011, p. 578).
27. Da análise dos presentes autos arbitrais verifica-se que o Requerente não impugnou a 2.ª avaliação do prédio supra identificado nem contestou a subsequente liquidação de IMT relativa à alienação, cujas mais-valias estão na base da liquidação adicional de IRS impugnada. Efetivamente, a liquidação de IMT, nos termos do n.º 1 do artigo 12.º Código do IMT, incide sobre o valor constante do ato ou contrato ou sobre o VPT dos imóveis, consoante o que for maior.
Cumpre sublinhar também que no contrato promessa de compra e venda estava prevista a alteração da classificação do prédio para terreno para construção e, em seguida, o Requerente declarou o referido prédio como terreno para construção no preenchimento do Modelo 1 do IMI. Finalmente, na escritura de compra e venda que o ora Requerente celebrou, na qualidade de vendedor, o prédio foi também identificado como terreno para construção (vd., alíneas J), K) e M) do n.º 18 supra).
Resulta da factualidade provada que o Requerente começou optou por desencadear o procedimento previsto no n.º 6 do artigo 44.º do Código do IRS e no artigo 139.º do Código do IRC. Esse procedimento não se destina a contestar a classificação do referido prédio, mas apenas a provar que o valor de venda do prédio efetivamente praticado foi inferior ao seu VPT. Depois, o Requerente, no âmbito do recurso hierárquico que interpôs após o indeferimento por intempestividade do seu requerimento, suscitou a questão da errónea classificação do prédio como terreno para construção (vd., alíneas S) e T) do n.º 18 supra). Aliás, o referido recurso hierárquico foi indeferido e o ora Requerente também não impugnou esse ato de indeferimento (vd., alínea U) do n.º 18 supra).
28. No presente pedido de pronuncia arbitral apesar de estar sindicado um ato de liquidação de IRS a sua alegada invalidade prende-se com vícios na inscrição matricial do prédio que foi alienado e que deu origem a mais valias tributadas em sede de IRS. Assim, a questão suscitada nos autos respeita à classificação matricial do prédio urbano alienado pelo Requerente e que este alega ser errónea, por não corresponder à sua finalidade e afetação efetivas – que é a alegadamente a categoria “outros” prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 6.º do Código do IMI – e não, como consta da matriz, terreno para construção.
Ora, face ao enquadramento legal vigente, nomeadamente ao disposto no artigo 77.º, n.º 1, do Código do IMI e no artigo 134.º do CPPT, se o Requerente não utilizou os meios de reação que legalmente estão ao seu dispor para contestar o erro na inscrição do prédio, no âmbito do respetivo procedimento, não pode vir depois, em sede de apreciação da legalidade da liquidação do IRS, tentar reapreciar a questão da alegada errónea classificação do prédio, só porque as mais valias da venda do referido prédio estão na base da liquidação adicional de IRS.
Nestes termos, a liquidação efetuada pela AT observou os critérios legais e não merece censura.
Assim, improcede o alegado pelo Requerente relativamente à existência de erro sobre os pressupostos na liquidação adicional de IRS impugnada e, nesta parte, deve improceder o pedido de pronúncia arbitral.
29. Importa agora analisar as questões de constitucionalidade suscitadas pelo Requerente. O Requerente entende que as normas constantes dos n.ºs 5 e 6 do artigo 44.º do Código do IRS e dos n.ºs 3 e 7 do artigo 139.º, do Código do IRC violam os princípios constitucionais da capacidade contributiva, da proporcionalidade, da justiça e mesmo da tutela jurisdicional efetiva, caso não se encontre um caminho interpretativo que ultrapasse a interpretação literal destes preceitos legais (vd., n.ºs 13.10. e 13.11. supra). É de notar que o Requerente não fornece, relativamente a cada um dos princípios constitucionais que invoca, uma fundamentação mínima que permita demonstrar em que medida a aplicação das normas em causa deu origem a inconstitucionalidade.
Apesar disso, as alegações de inconstitucionalidade, embora insuficientemente fundamentadas, merecem a análise, nomeadamente a referência à tutela jurisdicional efetiva.
No domínio da ação administrativa, onde se insere o âmbito tributário, a Constituição da República Portuguesa (CRP) garante, no n.º 4 do artigo 268.º, aos administrados o direito à tutela jurisdicional efetiva para defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, “a impugnação de quaisquer atos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma”.
No que diz respeito especificamente às vinculações resultantes do artigo 268.º, n.º 4, da CRP o Tribunal Constitucional tem considerado que, “(…) embora subordinado a um imperativo de efetividade, na vertente da garantia que agora está em consideração – a impugnação de quaisquer atos administrativos que os (aos direitos ou interesses legalmente protegidos dos administrados) lesem –, o que decorre do n.º 4 do artigo 268.º da Constituição é o dever de conformar o processo impugnatório de tal modo que seja idóneo a apreciar a pretensão de invalidade (ou de inexistência jurídica) incidente sobre as decisões dos órgãos da Administração (ou dotados de poderes materialmente administrativos) que, ao abrigo de normas de direito público, visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta” (vd., Acórdão n.º 329/2013, 3.ª Secção, ponto 7).
30. O artigo 44.º do Código do IRS nos n.ºs 5, 6 e 7[1], e o artigo 139.º, do Código do IRC nos n.ºs 3 e 7 criam um procedimento próprio destinado ao contribuinte poder provar que o valor de venda efetivamente praticado foi inferior ao VPT e que afasta, deste modo, a presunção prevista na n.º 2 do artigo 44.º do Código do IRS. O referido procedimento estabelece a apresentação de requerimento dirigido ao diretor de finanças competente em janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreram as transmissões, no caso do VPT já se encontrar definitivamente fixado, ou nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se tornou definitiva nos restantes casos. Assim, ficou legalmente estabelecido um procedimento específico, com a observância de um prazo certo, para ilidir a presunção contida no n.º 2 do artigo 44.º do Código do IRS.
Os requisitos estabelecidos nesse procedimento são manifestamente idênticos aos existentes noutro tipo de procedimentos e carece de justificação o argumento da dificuldade que o contribuinte pode evidenciar no seu conhecimento. Aliás, importa ter presente o princípio consagrado no artigo 6.º do Código Civil, segundo o qual “A ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas.”.
Por outro lado, o n.º 7 do artigo 139.º do Código do IRC não constitui um obstáculo à tutela jurisdicional efetiva, porque a impugnação judicial da liquidação do imposto está assegurada. Efetivamente, existindo a possibilidade de recurso aos tribunais tributários estaduais, principal via de acesso ao direito, não se pode considerar que o regime adjetivo não proporcione aos contribuintes meios efetivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos.
Nestes termos, julgam-se improcedentes as questões de inconstitucionalidade suscitadas pelo Requerente.
31. Assim, face ao exposto, o Tribunal considera que a liquidação em causa nos presentes autos arbitrais não sofre do erro sobre os pressupostos invocado pelo Requerente, nem as normas legais indicadas pelo Requerente violam os princípios constitucionais invocados e, em consequência, a liquidação deverá ser mantida na ordem jurídica.
32. O Requerente procedeu ao pagamento da liquidação em causa nos presentes autos arbitrais (vd., alínea H) do n.º 18 supra) e solicita que lhe seja restituído o montante pago e que também que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da LGT.
Nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, são devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.” Conforme decorre do artigo 24.º, n.º 5, do RJAT, o direito aos mencionados juros pode também ser reconhecido no processo arbitral.
A condição necessária para a atribuição dos juros indemnizatórios consiste na demonstração da existência de erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável aos serviços da Administração Fiscal.
Tendo este Tribunal concluído que o ato tributário contestado não enferma de qualquer vício, consequentemente, nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT, não tem o Requerente direito a juros indemnizatórios.
V – Decisão
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
-
Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral e absolver a Requerida do pedido, com todas as consequências legais;
-
Condenar o Requerente no pagamento das custas do presente processo no montante abaixo indicado.
VI - Valor do Processo
Atendendo ao disposto nos artigos 32.º do CPTA, 306.º, n.º 2, do Código do Processo Civil e 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT) fixa-se o valor do processo em € 29.520,60 (vinte e nove mil quinhentos e vinte euros e sessenta cêntimos).
VII - Custas
O montante das custas é fixado em € 1.530,00 (mil quinhentos e trinta euros) a cargo do Requerente, nos termos da Tabela I do RCPAT, em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, bem como do disposto no artigo 4.º, n.º 4, do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 21 de outubro de 2021
O Árbitro
(Olívio Mota Amador)
[1] Normas aditadas pela Lei n.º 82.º-E/2014, de 31/12, com entrada em vigor em 01/01/2015.