Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 663/2020-T
Data da decisão: 2021-10-07  IRS  
Valor do pedido: € 11.817,31
Tema: IRS - Residência (art. 16º, n.º1, als. a) e b) do CIRS).
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Sumário:

1. As alterações do domicílio de contribuintes titulares de cartão do cidadão comunicadas junto do IRN são oponíveis à AT.

2. O ónus da prova da demonstração da residência (art. 16º, n.º1, als. a) e b) do CIRS) em território nacional é da AT (art. 74º, n.º1 da LGT).

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I. RELATÓRIO

I.1

  1. Em 24 de novembro de 2020 o contribuinte A...; NIF..., titular do cartão do cidadão n.º..., residente na Rua..., Amadora, requereu, nos termos e para os efeitos do disposto do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a constituição de Tribunal Arbitral com designação do árbitro singular pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do referido diploma.
  2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por AT ou “Requerida”) no dia 30 de novembro de 2020.
  3. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea b) e artigo 6.º, n.º1, do RJAT, o signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral singular, tendo aceitado nos termos legalmente previstos. 
  4. O Tribunal Arbitral ficou constituído em 03 de maio de 2021.
  5. A AT apresentou a sua resposta no dia 07 de junho de 2021.
  6. Após os despachos de 07 de junho de 2021 e 25 de junho de 2021 o Requerente respondeu em 09 de julho de 2021 às exceções alegadas pela AT.
  7. A inquirição das testemunhas realizou-se no dia 17.09.2021.
  8. O Requerente e a Requerida apresentaram as suas alegações no dia 04.10.2021
  9. Pretende o Requerente que o Tribunal Arbitral anule a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa n.º ...2019..., anule a liquidação adicional n.º... de 2015 e juros compensatórios, suspenda o processo executivo derivado da liquidação e ordene o reembolso dos valores já pagos a título de compensação.

 

I.2. O Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, nos seguintes termos:

 

 

  1. O Requerente foi residente na Roménia durante o período compreendido entre setembro de 2014 a dezembro de 2016.
  2. A AT conclui pelo indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada pelo Requerente com base na seguinte fundamentação: (i) a não junção aos autos de certificado de residência fiscal no estrangeiro, nos termos do artigo 4.º da Convenção entre a República Portuguesa e a Roménia para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos Sobre o Rendimento e o Capital (“CDT”); (ii) da consulta dos registos informáticos, o Requerente passou a ser não residente em Portugal a partir de 27 de junho de 2015; (iii) nos termos do n.º 3 e 4 do artigo 19 da LGT é obrigatória a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária, sendo ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada essa mudança.
  3. Dispõe o n.º 1 do artigo 16.º do CIRS que:

 

1 - São residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:

a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa;

b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período referido na alínea anterior, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual;

 

  1. O Requerente não cumpre nenhum dos critérios de aferição de residência fiscal em Portugal no ano de 2015.
  2. O Requerente não permaneceu em território nacional mais de 183 dias seguidos ou interpolados.
  3. Por outro lado, o Requerente não dispôs de habitação em condições que fizessem supor a sua intenção em manter e ocupar como residência habitual.
  4. Sendo o Requerente de nacionalidade portuguesa, seria perfeitamente legítimo e compreensível que quisesse manter uma residência para que pudesse utilizar aquando das suas férias em Portugal.
  5. Assim sendo, não se impunha ao Requerente qualquer obrigação de apresentar um certificado de residência fiscal na Roménia à administração fiscal portuguesa, como forma de prova da sua não residência, na medida em que esta se afere pela aplicação do artigo 16.º do CIRS e não pela CDT.
  6. O Requerente, como qualquer outro cidadão diligente e de boa fé, dirigiu-se ao IRN para alterar a sua residência para o estrangeiro, e fê-lo em 19 de setembro de 2014, cumprindo desta forma, o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 19.º da LGT, no que respeita à obrigatoriedade de comunicação do domicílio e sua mudança.
  7. A partir desse momento, há uma troca de informação automática entre os serviços do IRN e os serviços da AT, ao qual o Requerente é totalmente alheio.
  8. Nunca poderá ser imputável ao Requerente qualquer atraso relacionado com a tramitação ou deficiências do processo de alteração de morada após este ter solicitado o pedido atempadamente e, portanto, deverá o Requerente ser considerado como não residente à data do pedido, i.e. 19 de setembro de 2014, e não à data que a AT tomou conhecimento.
  9. Ora, daqui retira-se que, não tendo, o Requerente, sido residente em território português em 2015, nem tampouco obtido qualquer rendimento em Portugal, não se encontra preenchida a norma de incidência, e, portanto, não pode ser considerado sujeito passivo de IRS relativamente ao ano de 2015, não estando, por essa razão, sujeito a qualquer obrigação declarativa.

 

I.3 Na sua resposta a AT invocou o seguinte:

  1. Não estão abrangidos no âmbito da competência material do Tribunal Arbitral a
    apreciação da matéria relativa ao processo executivo,
  2. A incompetência do tribunal constitui uma exceção dilatória de conhecimento oficioso que determina a absolvição da instância nos termos do artigo 576.º e alínea a) do art.º 577.º do Código de Processo Civil (CPC) aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
  3. No âmbito da troca automática de informações fiscais internacionais prevista no

Decreto-Lei n.º 61/2013 que transpôs a Diretiva 2011/16/EU, verificou-se a falta de entrega da declaração modelo 3 de IRS do exercício de 2015, relativamente a rendimentos de trabalho dependente (Categoria A) auferidos na Roménia.

  1. Em consequência, nos termos previstos no artigo 76º do Código de IRS, foi elaborado um documento de correção oficioso (DC) em nome do Requerente.
  2. O indeferimento da reclamação graciosa fundamentou-se no facto dos documentos apresentados não constituíam prova bastante para comprovar a alteração de morada para o estrangeiro em 2014.
  3. Acontece que para efeitos de determinação da residência fiscal do sujeito passivo em 2015, é necessário observarem-se alguns requisitos, nomeadamente a indicação de uma morada fiscal quer em Portugal ou no estrangeiro nos termos do art.º19º da LGT .
  4. E, caso se considere não residente em Portugal, a apresentação de um certificado de residência fiscal nos termos do art.º 4º da CDT celebrada entre Portugal e a Roménia, atestando a sua residência naquele país.
  5. Contudo, o Requerente não apresentou nem apresenta no presente pedido de pronúncia arbitral documentos com relevância para determinação do seu domicílio fiscal.
  6. Aliás, se as próprias autoridades da Roménia não emitiram o certificado de residência por falta de provas de residência, como poderia o Estado Português reconhecer a residência na Roménia em desrespeito pela autoridade do estado da Roménia na definição e comprovação dos cidadãos residentes naquele país.
  7. Demonstrada que está a validade da informação que a AT dispõe, o ónus da prova inverte-se cabendo ao requerente demonstrar que os rendimentos que as Autoridades Fiscais estrangeiras nos comunicaram são falsos, de acordo com o disposto no n.º 1 do art.º 74º da Lei Geral Tributária, pois o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos invocados recai sobre quem os invoca.

 

I.4 O Requerente respondeu às exceções do seguinte modo:

  1. A causa de pedir do Requerente, ao contrário do afirmado pela Requerida, não assume qualquer natureza executiva, sendo o pedido de suspensão de execução apenas e tão-somente uma consequência processual da declaração da ilegalidade da aludida declaração de IRS (de 2015).
  2. Sem jamais conceder, admitindo por dever de cautela de patrocínio, enquanto mera hipótese académica, estar em causa alguma questão conexa com o processo executivo, sempre se diria que tal consistiria apenas num segmento do petitório do requerente porquanto da leitura, ainda que superficial, do seu requerimento inicial facilmente se conclui que as suas pretensões legais se cingem ao requerimento da suspensão do processo executivo existente quanto ao Requerente.

 

II. SANEAMENTO

 

Em função do pedido formulado pelo requerente importa, antes de mais, aferir a competência material deste tribunal para o efeito.

Tendo em conta que o âmbito de competência material do tribunal é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria (artigo 13.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA) aplicável ex vi do art. 29.º, n.º 1, al. c) do RJAT), e que a infração das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, que é de conhecimento oficioso (artigo 16.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, als. a) e c) do RJAT), importa começar por apreciar a competência material do Tribunal Arbitral.

A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é definida, em primeira linha, pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, que estabelece o seguinte:

“1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

 a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;”

Em segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é limitada pela vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira que, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, veio a ser definida pela Portaria n.º 112-A/2011, de 12 de Março, que estabelece o seguinte, no que aqui interessa: “Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:


a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;

c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e

d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.

e) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade da liquidação de tributos com base na disposição antiabuso referida no n.º 1 do artigo 63.º do CPPT, que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos do n.º 11 do mesmo artigo.”

 

A Portaria n.º 112-A/2011, relativamente aos atos enquadráveis indicados no artigo 2.º, apenas afastou do âmbito da vinculação da Administração Tributária, em matéria não aduaneira, as pretensões relativas a atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidas de recurso à via administrativa e as pretensões relativas a atos de determinação da matéria coletável e atos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indiretos, incluindo a decisão do procedimento de revisão.

É manifesto que não se está perante qualquer das situações em que a Portaria n.º 112-A/2011 afasta a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, pelo que a competência tem de ser aferida apenas à face do RJAT.

Como se vê pelo artigo 2.º do RJAT, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD foi definida pelo RJAT apenas tendo em atenção o tipo de atos que são objeto das pretensões dos contribuintes.    

Quanto aos pedidos de anulação da reclamação graciosa e do ato de liquidação, não existem dúvidas que este tribunal é competente para os apreciar (art. 2º, n.º1, al. a) e art. 24º, n.º5 do RJAT).

Contudo, o mesmo já não acontece quanto ao pedido formulado na al. c) do petitório onde é requerido o seguinte:

“Suspensão do respetivo processo executivo derivado da liquidação supra referida, e reembolso dos valores já pagos pelo Requerente a título de compensação”.

O requerente pretende a suspensão do processo executivo em virtude da eventual decisão que lhe seja favorável e o reembolso das quantias compensadas no âmbito do processo de execução.

Ora, “ (f)icam, assim, fora da competência destes tribunais arbitrais a apreciação de litígios gerados em processos de execução fiscal (…).”[1], bem como, as execuções encetadas pelos contribuintes contra a AT.

Destarte, quanto ao pedido de suspensão do processo executivo e reembolso das quantias aí compensadas é este Tribunal Arbitral materialmente incompetente para apreciar e decidir, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, ambos do RJAT e dos artigos 1.º e 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, o que consubstancia uma exceção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa, nos termos do disposto no artigo 576º, n.ºs 1 e 2 do CPC ex vi artigo 2º, alínea e) do CPPT e artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT, que obsta ao conhecimento do pedido e à absolvição da instância da Requerida, quanto a este pedido, nos termos dos artigos 576º, n.º2 e 577º, alínea a) do CPC, ex vi artigo 29º, nº1, alíneas a) e e) do RJAT.

Quanto aos demais pedidos (anulação da reclamação graciosa e anulação da liquidação parcial da liquidação de IRS de 2015), as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março e encontram-se legalmente representadas.

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias.

As partes são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março

O processo é o próprio.

Inexistem outras questões prévias que cumpra apreciar nem vícios que invalidem o processo.

Impõe-se agora, pois, apreciar o mérito dos pedidos

 

 

 

 

 

III. THEMA DECIDENDUM

 

A questão central a decidir, tal como colocada pelo Requerente, está em saber se em 2015 deve, ou não, ser considerado residente em território nacional, para efeitos de IRS.

 

IV. – MATÉRIA DE FACTO   

IV.1. Factos provados

 

Antes de entrar na apreciação das questões, cumpre assentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental, o processo administrativo tributário junto e tendo em conta os factos alegados, se fixa como segue:

 

  1. O requerente entre 01.10.2009 e 27.06.2015 foi titular, como arrendatário, de um contrato de arrendamento da habitação de um prédio sito na Rua ..., Linda-a-Velha.
  2. O requerente comunicou em 19.09.2014 junto do Instituto dos Registos e do Notariado a alteração da sua morada para ..., Roménia.
  3. Durante todo o ano de 2015 o contribuinte mudou-se definitivamente para Bucareste, passando a aí habitar e trabalhar diariamente.
  4. O Requerente obteve rendimentos na Roménia no valor de €56.113,29 e pagou Imposto no valor de € 8.589,07.
  5. O Requerente não apresentou a declaração modelo 3 de IRS do exercício de 2015, relativamente a rendimentos de trabalho dependente (Categoria A) auferidos na Roménia.
  6. A Requerida elaborou um documento de correção oficioso (DC) em nome do Requerente.
  7.  O quadro 4-A do anexo J (Rendimentos Obtidos no Estrangeiro) foi preenchido da seguinte forma: Rendimento Bruto € 56.113,29 e Imposto Pago no Estrangeiro € 8.589,07.
  8. Em 25/11/2019, foi emitida liquidação nº 2019..., respeitante ao referido exercício, tendo a mesma originado imposto a pagar no valor de € 11.817,31 (Data-Limite de Pagamento de 02/01/2020), o qual não foi pago tendo originado o processo de execução fiscal nº ...2020... .
  9. Em 23/12/2019, o Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação oficiosa de IRS do exercício de 2015, onde requer a anulação da liquidação alegando que entre 01/04/2014 e 15/11/2016 foi residente na Roménia.
  10. Em 20/08/2020, por despacho da Chefe do Serviço de Finanças de Odivelas a reclamação graciosa foi indeferida:

 Uma imagem com texto

Descrição gerada automaticamente

 

 

IV.2. Factos não provados

 

Não existem factos essenciais não provados, uma vez que todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram considerados provados.

 

IV.3. Motivação da matéria de facto

 

Os factos provados integram matéria não contestada e documentalmente demonstrada nos autos.

O facto que consta do número 2 resulta do documento n.º 10 junto pelo Requerente no seu pedido de pronúncia arbitral e cuja genuinidade não foi impugnada.

O facto que consta do número 3 resulta do depoimento das testemunhas B..., C... e D..., que confirmaram com isenção e objetividade a factualidade em apreço. Os depoimentos foram esclarecedores por as testemunhas terem revelado conhecimento direto sobre a matéria.

As testemunhas afirmaram que o Requerente foi viver para a Roménia em finais de 2014 e voltou para Portugal no final de 2016. Em Bucareste o Requerente tinha uma presença diária na empresa onde trabalhava (E...) localizada em Bucareste.

Para a demonstração deste facto foram também preponderantes os documentos n.º 7, 11 a 17, 19 e 20 do pedido de pronúncia arbitral.

Os factos que constam dos números 1 e 4 a 9 são dados como assentes pela análise do processo administrativo, pelos documentos juntos pelo Requerente (docs. 1 a 24 do pedido de constituição do Tribunal) e pela posição assumida pelas partes.

 

V. O Direito

 

      O Requerente alega que no exercício de 2015 não era residente em Portugal e por isso não deve aqui ser tributado como residente, quanto aos rendimentos obtidos no estrangeiro.

 

Quid Juris?

     

      O Art. 15º, n.º1  e nº2 do CIRS distingue os residentes dos não residentes, sujeitando aqueles a uma tributação universal e estes a uma tributação unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português.

 

      O art. 16º do CIRS indica os sujeitos passivos que são considerados residentes:

 

1 - São residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:
a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa;

b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período referido na alínea anterior, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual;

c) Em 31 de dezembro, sejam tripulantes de navios ou aeronaves, desde que aqueles estejam ao serviço de entidades com residência, sede ou direção efetiva nesse território;

d) Desempenhem no estrangeiro funções ou comissões de carácter público, ao serviço do Estado Português.

 

No que diz respeito ao domicílio fiscal, o art. 19º, n.º1, al a) da LGT estatui o seguinte:

1 - O domicílio fiscal do sujeito passivo é, salvo disposição em contrário:

a) Para as pessoas singulares, o local da residência habitual;

 
b) (…)

 

O domicílio fiscal das pessoas singulares é o local onde residem habitualmente.

O conceito de residência não se confunde com o conceito de domicílio fiscal, definido no artigo 19º da LGT como local da residência habitual, pois que o conceito de domicílio fiscal não tem em vista determinar a lei tributária aplicável a certa situação, mas tão só fixar territorialmente os serviços (locais e regionais) da administração tributária competentes para lidar com o contribuinte no que se refere à sua situação tributária, o que significa que a residência assume a posição de elemento de conexão de maior relevo no âmbito do direito fiscal internacional, e bem assim no direito fiscal interno, além de que é o factor “residência” que determina quais as normas tributárias aplicáveis - de entre as normas de vários Estados (concorrentes) - e que delimita definitivamente o âmbito da incidência do imposto, demarcando também a extensão das obrigações tributárias dos contribuintes.

Independentemente da distinção entre os conceitos de residência habitual e domicílio fiscal, o art. 13º, n.º10 do CIRS (versão à data dos factos em julgamento-2015) tinha a seguinte redação: “O domicílio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente do sujeito passivo que pode, a todo o tempo, apresentar prova em contrário.”

No caso em apreço, face aos factos dados como provados, o Requerente comunicou a alteração do seu domicílio fiscal para a Roménia em 19.09.2014 junto do Instituto dos Registos e do Notariado (IRN).

 

Nos termos do art. 13º, n.º1 da Lei n.º 7/2007 de 05 de Fevereiro (Lei da Identificação Civil):

 

1 - A morada é o endereço postal físico, livremente indicado pelo cidadão, correspondente ao local de residência habitual, ou o endereço correspondente aos locais e meios alternativos referidos no n.º 6.

 

Será que essa comunicação efetuada em 19.09.2014 pelo Requerente ao IRN é oponível à AT? O Art. 13º, n.º2 da Lei n.º 7/2007 de 05.02 estatui o seguinte:

 

2 - Para comunicação com os serviços do Estado e da Administração Pública, nomeadamente com os serviços de registo e de identificação civil, os serviços fiscais, os serviços de saúde e os serviços de segurança social, o cidadão tem-se por domiciliado, para todos os efeitos legais, no local referido no número anterior, podendo ainda aderir às comunicações eletrónicas referidas no n.º 4, sem prejuízo de poder designar outros endereços, físicos ou eletrónicos, para fins profissionais ou convencionais, nos termos previstos na lei. (destaque da nossa autoria)

 

Face ao previsto na norma citada e reproduzida, a comunicação efetuada junto do IRN produz efeitos junto da AT. Por isso as alterações de domicílio fiscal de contribuintes titulares de cartão do cidadão não são feitas junto da AT, mas sim, junto do IRN.

Não obstante a diligência do Requerente, o seu cadastro fiscal só foi atualizado pela AT em 27.06.2015.

Este atraso na atualização do cadastro não é imputável ao Requerente mas apenas à Requerida. A comunicação efetuada pelo requerente foi o meio adequado e produziu efeitos imediatos. Pelo que, para todos os efeitos legais, deve-se considerar que o Requerente teve domicílio fiscal na Roménia entre 19.09.2014 e 17.12.2016 (data em que comunicou nova alteração do seu domicílio fiscal). 

Citando o Prof. Rui Duarte Morais[2]. “(…) Aquele que efectivamente transferiu a sua residência para o estrangeiro não pode mais ser considerado residente em Portugal, mesmo que nos registos da administração fiscal continue  a figurar como domiciliado em Portugal (mesmo que por omissão dele, sujeito passivo, em promover a necessária alteração).”

Deste modo, o domicílio fiscal do Requerente faz presumir que a sua residência habitual entre 19.09.2014 e 17.12.2016 era na Roménia (art. 19º, n.º1, al. a) da LGT). Esta é uma presunção legal. No domínio tributário as presunções consagradas nas normas de incidência tributária são elidíveis, tal como resulta do art. 73º da LGT.

No caso sub judice a possibilidade de elisão da presunção resulta expressamente da parte final do art. 13º, n.º10 do CIRS.

Nos termos do art. 74º, n.º1 da LGT:

1 - O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. 

Deste modo, tendo o Requerente domicílio fiscal na Roménia, o ónus da prova da demonstração da residência em território nacional é da Requerida. A demonstração da residência em território nacional é o facto constitutivo do direito da AT.

Cabe à AT demonstrar os factos necessários para o Requerente ser considerado residente à luz do previsto no art. 16º, n.º1 do CIRS. Nesta parte, restringindo-nos às alegações da Requerida, resta-nos analisar a factualidade subjacente às als. a) e b), n.º1 do art. 16º do CIRS.

Da prova coligida para o processo a AT nada demonstrou que o Requerente em 2015 haja permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados em território nacional.

   Antes pelo contrário, tal como resulta do ponto do ponto 3 do probatório, o Requerente conseguiu demonstrar que em 2015 residiu e trabalhou diariamente em Bucareste na Roménia, onde era o seu local de trabalho.

As testemunhas deram um contributo suficientemente explícito e convincente, adequado a fundamentar a conclusão de que o Requerente tinha a sua residência habitual na Roménia durante o ano de 2015.

Porquanto, o Requerente não deve ser considerado residente em território nacional ao abrigo da al. a), n.º1, art. 16º do CIRS.

Quanto à al. b), n.º1 do art. 16º do CIRS, tendo presente a regra do ónus da prova atrás referida cabia à AT demonstrar que o Requerente dispunha, num qualquer dia de 2015, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual[3].

Aqui, a AT demonstrou que em 2015 (01.01.2015 a 27.06.2015) o requerente foi titular, como arrendatário, de um contrato de arrendamento da habitação de um prédio sito na Rua ..., Linda-a-Velha.

A mera disposição de uma habitação não é suficiente para que se possa concluir pelo preenchimento deste critério de residência fiscal em Portugal, sendo necessário também demonstrar que existem condições que façam supor a intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual.

Assim, a AT teria, em primeiro lugar, de demonstrar que se tratava da residência habitual do Requerente.

O facto de o Impugnante ser arrendatário de uma habitação em condições de ser habitada não significa que resida cá, pois que, se o Impugnante se desloca frequentemente a Portugal, é natural que disponha de uma casa com condições de habitabilidade para pernoitar.

Não obstante, da prova produzida, concluiu-se exatamente o oposto. A residência habitual do requerente em 2015 era na Roménia. 

Em segundo lugar, a AT teria de demostrar que a intenção de ocupar o locado como residência habitual era “atual”.

Como explica MANUEL FAUSTINO[4] “(…) ao integrar-se na previsão a manutenção e ocupação dessa casa como residência habitual desde logo se excluem da condição de residentes os que dispõem em Portugal de uma simples habitação secundária (desde que nela não permaneçam mais de 183 dias por ano) ou de férias, bem como aqueles que, nomeadamente os emigrantes, dispondo aqui de uma habitação que poderão vir a ocupar como sua residência habitual quando, em definitivo, regressarem a Portugal, apenas a ocupam por ocasião das suas férias ou em deslocações pontuais e fortuitas. Não parece, pois, lícito considerar que um emigrante é residente em território português pelo simples facto de ele, em 31 de Dezembro de cada ano, dispor em Portugal de uma casa de habitação, retirando daí, e da sua condição de emigrante – a intenção “de a vir a ocupar” como sua residência habitual. A intenção que a lei exige não é uma intenção para o futuro, é, desde logo, uma intenção imediatista, para o presente (…)”.

Por fim, era necessário também demonstrar que existiam “condições que façam supor” a intenção de a ocupar como residência habitual.

Ora, a AT não fez qualquer prova dos factos que atrás se referiu como sendo necessários para considerar o Requerente residente, à luz do previsto no art. 16º, n.º1, al, b) do CIRS.

Assim, resta concluir, que por não se verificarem os pressupostos exigidos pelas als. a) e b), n.º1 do art. 16 º CIRS o Requerente em 2015 não pode ser considerado residente em Portugal.

 

No sentido aqui exposto cf. Ac. do TCAN de 02.06.2005, proc. n.º 00119/04:

 

II – Existindo dúvidas sobre se um cidadão, no ano a que respeitam os rendimentos, haja permanecido em Portugal mais de 183 dias, seguidos ou interpolados ou, tendo permanecido por menos tempo, aí disponha, em 31 de Dezembro desse ano, de habitação em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual, essas dúvidas têm de ser valoradas a favor do contribuinte e não da Administração Tributária, por força do nº 1, do artº 121º, do CPT.

 

No mesmo sentido, mutatis mutandis, Cf. Ac. do TCAS de 14-01-2021, proc. n.º 743/08.0BELRS

 

III- Se perante a factualidade fixada está afastada a possibilidade de aplicação do critério da habitação enquanto residência habitual, visto que o Recorrente aqui permaneceu menos de 183 dias, e bem assim da “residência por dependência”, há que considerá-lo, efetivamente, como não residente, com as devidas repercussões em termos de retenção na fonte.

 

Face ao exposto, não existe fundamento legal para o Estado Português tributar os rendimentos obtidos pelo Requerente na Roménia (art. 15º, n.º2 do CIRS).

Acresce que, a exigência de exibição do certificado de residência da Roménia ao abrigo do art. 4º da Convenção de Dupla Tributação celebrado entre Portugal e a Roménia serve para efeitos da aplicação da convenção para eliminar a dupla tributação. Essa exigência teria fundamento legal se o requerente fosse considerado residente em Portugal à luz da legislação interna, o que não é o caso (art. 16º, n.º1 do CIRS), ou se os seus rendimentos obtidos na Roménia fossem tributados em Portugal à luz da legislação interna, o que também não é o caso (art. 15º, n.º2 do CIRS). Destarte, no caso em apreço afigura-se-nos ilegal a exigência de exibição do certificado de residência da Roménia.

Por fim cabe referir que o disposto no art. 16º, n.º16 do CIRS não tem aqui aplicação porque o contribuinte perdeu a qualidade de residente em 2014 e só voltou a adquirir em 2016, não sendo assim no ano subsequente (2015).

 

VI.      DECISÃO

 

Em face de tudo quanto se deixa consignado, decide-se:

 

a) Julgar procedente o pedido de anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2019... e de anulação da liquidação adicional n.º ... referente ao IRS de 2015 e respetivos juros compensatórios.;

b) Condenar nas custas do processo a Requerida.

 

Fixa-se o valor do processo em €11.817,31 nos termos do artigo 97º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força da alínea a) do n.º1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €918,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 07 de outubro de 2021  

 

 

O Árbitro

 

 

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(André Festas da Silva)

 

 

 

 



[1] Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, in N. Villa-Lobos e Tânia Carvalhais Pereira, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, Almedina, 3ª ed., 2017, pág. 87

[2] Sobre o IRS, Almedina 2014, 3ª edição, Pág. 21, nota 45

[3] No mesmo sentido cf. André Salgado Matos, CIRS Anotado, ISG, 1999, pag. 207

[4] In Os Residentes no Imposto sobre o Rendimento Pessoal (IRS) Português, CTF, n.º 424, p. 125