DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. A. Sérgio de Matos e Prof. Doutor Rui M. Marrana (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 03-05-2021, acordam no seguinte:
1. Relatório
A... e B..., residentes em Macau, na ..., número..., titulares dos números de identificação fiscal portugueses ... e ..., doravante referidos conjuntamente como «Requerentes» vieram, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”) apresentar pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a anulação da liquidação de IRS de 2019 n.º 2020..., e a restituição do montante de imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 07-12-2020.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 29-01-2021, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 03-05-2021.
A AT apresentou resposta, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
Por despacho de 08-06-2021, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
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No ano de 2019, os Requerentes residiam em Macau, encontram-se registados como não residentes em Portugal, estando a sua residência fiscal em Macau (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Em Fevereiro de 2007, o Requerente A... adquiriu pelo preço de € 260.000,00 a fração autónoma, designada pela letras “BB”, que corresponde ao Bloco B, ao terceiro andar B, para habitação, com dois lugares de estacionamento com os números 2.09 e 2.10, no piso menos dois e uma arrecadação com o número ..., no piso menos dois, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito em ..., ..., Rua..., lote ..., freguesia de ..., concelho de Loures, inscrito na matriz sob o artigo... (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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O referido imóvel encontrava-se, à data de 17 de Janeiro de 2019, inscrito na matriz predial urbana da freguesia do ..., sob o artigo ..., com o valor patrimonial de € 209.965,50 (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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No dia 17 de Janeiro de 2019, os Requerentes alienaram, o referido imóvel, pelo preço de € 610.000,00 (documento n.º 3)
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Os Requerentes encontram-se registados como não residentes em Portugal, estando a sua residência fiscal em Macau, conforme consta dos registos da Autoridade Tributária (“AT”) e de que se junta comprovativo, para o Requerente, conforme Documento n.º 4.
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Na qualidade de não residentes e tendo obtido um rendimento em Portugal, procederam à entrega da Declaração de Rendimentos de IRS do ano de 2019, por forma a declarar as mais-valias resultantes da venda do referido imóvel (documento n.º 5, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Na sequência da entrega da sua Declaração de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, respeitante ao ano de 2019, foi emitida a liquidação número 2020..., nos termos da qual o rendimento global resultante da mais-valia realizada apurado pela Autoridade Tributária, tendo em conta o coeficiente de desvalorização de 1,14, ascendeu a € 263.800,40 (documento n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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A Autoridade Tributária e Aduaneira considerou a totalidade da mais-valia apurada, no montante de € 263.800,40, na determinação do rendimento coletável do Requerente, apurando imposto a pagar, no montante de € 73.864,11, resultante da tributação à taxa especial de 28% sobre o referido rendimento colectável;
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O Requerente realizou o pagamento do montante referido de imposto a pagar (Documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Os Requerentes suportaram, com referência à fracção alienada, encargos no valor total de € 49.799,60, que foram referidos na declaração de rendimentos (Documentos n.ºs 7, 8, 9 e 10, cujos teores se dão como reproduzidos);
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Em 05-12-2020, os Requerentes apresentaram o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pelas Requerentes.
A Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou processo administrativo.
Não há controvérsia sobre a matéria de facto.
3. Matéria de direito
3.1. Posições das Partes
Os artigos 10.º, 43.º e 72.º do CIRC, nas redacções vigentes em 2019, estabelecem o seguinte, no que aqui interessa:
Artigo 10.º
Mais-valias
1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:
a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afetação de quaisquer bens do património particular a atividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário;
(...)
Artigo 43.º
Mais-valias
1 - O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes.
2 - O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é: (Redação da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro)
a)Integralmente considerado nas situações previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, quando os imóveis tenham beneficiado de apoio não reembolsável concedido pelo Estado ou outras entidades públicas, quando o valor total do apoio concedido para aquisição ou para realização de obras seja de valor superior a 30 % do valor patrimonial tributário do imóvel para efeitos de IMI e estes sejam vendidos antes de decorridos 10 anos sobre a data da sua aquisição, da assinatura da declaração comprovativa da receção da obra ou do pagamento da última despesa relativa ao apoio não reembolsável que, nos termos legais ou regulamentares, não estejam sujeitos a ónus ou regimes especiais que limitem ou condicionem a respetiva alienação;(Redação da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro)
b) Apenas considerado em 50 % do seu valor, nos restantes casos.
(...)
Artigo 72.º
Taxas especiais
1 - São tributados à taxa autónoma de 28 %:
a) As mais-valias previstas nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 10.º auferidas por não residentes em território português que não sejam imputáveis a estabelecimento estável nele situado;
(...)
9 - Os residentes noutro Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a), b) e) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português. (Redação da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro)
10 - Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.
(...)
Os Requerentes eram residentes em Macau e não formularam a opção prevista nos n.ºs 9 e 10 do artigo 72.º, pelo que as mais-valias que obtiveram provenientes da venda de um imóvel foram tributadas à taxa de 28% sobre a totalidade do seu valor, em conformidade com o preceituado nos artigos 43.º, n.º 1, e 72.º, n.º 1, do CIRS.
Os Requerentes defendem, em suma, que o regime que resulta destas normas, ao limitar aos residentes em Portugal a redução a 50% do saldo das mais-valias relevantes para tributação, prevista no artigo 43.º, n.º 2, do CIRS, na redacção vigente em 2019, viola o artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), por se reconduzir a tratamento discriminatório (menos favorável) para os não residentes e ser, em consequência, restritivo da liberdade de circulação de capitais.
A Administração Tributária defende, em suma, que a incompatibilidade com o Direito da União, decidida no processo do TJUE C-433/06, é afastada pela possibilidade de opção prevista nos referidos n.ºs 7 e 8 do artigo 72.º na redacção da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro (depois, n.ºs 9 e 10, actuais n.ºs 14 e 15).
3.2. Questão da compatibilidade com o Direito da União do regime de tributação previsto nos artigos 43.º e 72.º do CIRS para os não residentes
O artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do CIRS estabelece que «constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de (...) alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis».
Nos termos dos n.ºs 1 e 2, alínea b), do artigo 43.º do CIRS, na redacção anterior à Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro, «o valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes» e, fora dos casos de imóveis que tenham beneficiado de apoio não reembolsável concedido pelo Estado ou outras entidades públicas (o que aqui não sucede) , «o saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo» é «apenas considerado em 50 % do seu valor».
Este regime está previsto apenas para as transmissões efectuadas por residentes.
Para os não residentes, prevê-se no artigo 72.º, n.º 1, alínea a) do CIRS que são tributadas à taxa autónoma de 28% as «mais-valias previstas nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 10.º auferidas por não residentes em território português que não sejam imputáveis a estabelecimento estável nele situado».
No entanto, nos n.ºs 9 e 10 deste artigo 72.º (na redacção da Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro, estabelece-se que «Os residentes noutro Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a), b) e e) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português» e que, «para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes».
Destas normas decorre que existem três regimes essenciais de tributação das mais-valias em sede de IRS:
– para os residentes em território português, vigora o regime previsto no artigo 43.º, em que as mais-valias realizadas são consideradas apenas em 50% do seu valor;
– para os residentes num Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, prevê-se a tributação autónoma nos termos do artigo 72.º, n.º 1, mas com possibilidade de optarem pela aplicação do regime dos residentes em território português, sendo considerados, para efeitos de determinação da taxa, todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes;
– para os não residentes em território português e num Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, prevê-se apenas a aplicação da referida tributação autónoma, sem possibilidade de opção por qualquer outro regime.
Os Requerentes não residiam em território português, nem no território de qualquer Estado-Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, pelo que não tinham a possibilidade de opção a que alude a Autoridade Tributária e Aduaneira, como esta acaba por reconhecer, no artigo 21.º da sua Resposta.
Os Requerentes defendem que a aplicação de tal regime é incompatível com o Direito da União Europeia, designadamente com o no artigo 63.º, n.º 1, do TFUE (Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia), que estabelece que “no âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros”, por não ser aplicável a excepção prevista no artigo 64.º, n.º 1, nem existir justificação ao abrigo do disposto no artigo 65.º, n.ºs 1 e 3 do TFUE.
No artigo 63.º, n.º 1, do TFUE (anterior artigo 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia, “TCE”) estabelece que «no âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros».
No referido acórdão do TJUE de 11-10-2007, processo C-443/06, proferido no caso Hollmann, foi decidido, a propósito do regime que estava previsto nos artigos 43.º, n.ºs 1 e 2, e 72.º, n.º 1, alínea a), do CIRS, que o Direito da União «se opõe a uma legislação nacional (...) que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efectuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel».
A Autoridade Tributária e Aduaneira tem razão ao dizer que, na sequência desse acórdão, foram efectuadas as alterações de 2007 ao artigo 72.º do CIRS, introduzidas pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, que permitiram aos residentes num Estado-Membro da União ou no Espaço Económico Europeu optarem pelo englobamento, o que implica a colocação da questão da compatibilidade do novo regime com o Direito da União, em termos diferentes dos que se colocavam no caso Hollmann.
Mas, por um lado, os Requerentes não tinham esta possibilidade de opção, por não residirem num Estado-Membro da União ou no Espaço Económico Europeu.
Por outro lado, a incompatibilidade do novo regime com o direito da União Europeia, mesmo quando há essa possibilidade de opção foi reafirmada pelo TJUE, no acórdão de 18-02-2021, processo n.º C-388/19, em que se concluiu que «o artigo 63.º TFUE, lido em conjugação com o artigo 65.º TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado-Membro que, para permitir que as mais-valias provenientes da alienação de bens imóveis situados nesse Estado-Membro, por um sujeito passivo residente noutro Estado-Membro, não sejam sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às mais-valias realizadas por um residente do primeiro Estado-Membro, faz depender da escolha do referido sujeito passivo o regime de tributação aplicável».
Na fundamentação deste acórdão refere-se o seguinte:
25 Importa recordar que o artigo 63.º TFUE proíbe quaisquer restrições aos movimentos de capitais entre os Estados-Membros, sem prejuízo das justificações previstas no artigo 65.º TFUE.
26 No caso em apreço, resulta do pedido de decisão prejudicial que, tratando-se de mais-valias realizadas no momento da alienação onerosa de um bem imóvel situado em Portugal, o artigo 43.º, n.º 2, e o artigo 72.º, n.º 1, do CIRS previam regras de tributação diferentes consoante os sujeitos passivos do imposto sobre o rendimento residissem ou não no território desse Estado-Membro.
27 Em especial, nos termos do artigo 43.º, n.º 2, do CIRS, as mais-valias realizadas por residentes no momento da alienação de bens imóveis situados em Portugal eram apenas consideradas em 50 % do seu valor. Em contrapartida, para os não residentes, o artigo 72.º, n.º 1, do CIRS previa a tributação dessas mesmas mais-valias sobre a totalidade do seu montante à taxa autónoma de 28 %.
28 Daqui decorre que, em aplicação destas disposições, a matéria coletável deste tipo de mais-valias não era a mesma para os residentes e para os não residentes. Assim, no que diz respeito à venda de um mesmo bem imóvel situado em Portugal, no caso de realização de mais-valias, os não residentes estavam sujeitos a uma carga fiscal superior àquela que era aplicada aos residentes, encontrando-se, portanto, numa situação menos favorável que estes últimos (v., neste sentido, Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann, C-443/06, EU:C:2007:600, n.º 37).
29 Com efeito, enquanto, por força do artigo 72.º, n.º 1, do CIRS, um não residente era tributado a uma taxa de 28 % aplicada sobre a matéria coletável correspondente à totalidade das mais-valias realizadas, a consideração de apenas metade da matéria coletável das mais-valias realizadas por um residente permitia que este beneficiasse sistematicamente de uma carga fiscal inferior a esse título, qualquer que fosse a taxa de tributação aplicada à totalidade dos seus rendimentos, uma vez que, segundo as observações apresentadas pelo Governo português, os rendimentos dos residentes estavam sujeitos a um imposto de acordo com uma tabela de taxas progressivas cujo escalão mais elevado era de 48 %, isto embora se pudesse aplicar uma taxa adicional de solidariedade de 2,5 % a rendimentos coletáveis de 80000 euros a 250000 euros e de 5 % acima desse valor.
30 Ora, no Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann (C-443/06, EU:C:2007:600, n.º 40), o Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de declarar que a fixação, pelo artigo 43.º, n.º 2, do CIRS, de uma matéria coletável de 50 % para as mais-valias realizadas apenas por sujeitos passivos residentes em Portugal, e não por sujeitos passivos não residentes, constituía uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.º TFUE.
31 Esta constatação não é posta em causa pelo n.º 44 do Acórdão de 19 de novembro de 2015, Hirvonen (C-632/13, EU:C:2015:765), no qual o Tribunal de Justiça declarou que uma diferença de tratamento entre contribuintes não residentes e contribuintes residentes, que consiste em sujeitar os rendimentos brutos dos primeiros a uma tributação a título definitivo a uma taxa única, através de retenção na fonte, ao passo que os rendimentos líquidos dos segundos são tributados de acordo com uma tabela progressiva que inclui um abatimento de base, é compatível com o direito da União, na medida em que essa constatação está sujeita, todavia, à condição de a taxa única não ser mais elevada do que a taxa resultante da aplicação efetiva para o interessado da tabela progressiva aos rendimentos líquidos que excedem o abatimento de base. Ora, no caso em apreço, como resulta do n.º 29 do presente acórdão, o regime de tributação diferenciado em causa conduz a que os não residentes sejam sistematicamente sujeitos a uma carga fiscal superior à aplicada aos residentes aquando da realização de mais-valias sobre a venda de imóveis.
32 Nestas condições, a fixação da matéria coletável em 50 % para as mais-valias realizadas por todos os sujeitos passivos residentes em Portugal, e não para os sujeitos passivos não residentes que optaram pelo regime de tributação previsto no artigo 72.º, n.º 1, do CIRS, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.º, n.º 1, TFUE.
33 Por conseguinte, importa verificar se essa restrição pode ser considerada objetivamente justificada, à luz do artigo 65.º, n.ºs 1 e 3, TFUE.
Quanto à existência de uma justificação para as restrições à livre circulação de capitais à luz do artigo 65.º, n.ºs 1 e 3, TFUE
34 Resulta do artigo 65.º, n.º 1, TFUE, lido em conjugação com o n.º 3 desse mesmo artigo, que os Estados-Membros podem estabelecer, na sua regulamentação nacional, uma distinção entre contribuintes residentes e contribuintes não residentes, desde que essa distinção não constitua um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais.
35 Há, portanto, que distinguir os tratamentos desiguais permitidos ao abrigo do artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE das discriminações arbitrárias proibidas pelo n.º 3 do mesmo artigo. A este respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, para que disposições fiscais nacionais, como o artigo 43.º, n.º 2, e o artigo 72.º, n.º 1, do CIRS, possam ser consideradas compatíveis com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis objetivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral (v., neste sentido, Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann, C-443/06, EU:C:2007:600, n.ºs 44 e 45 e jurisprudência referida).
36 Ora, no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os sujeitos passivos residentes e os sujeitos passivos não residentes prevista pela regulamentação portuguesa diz respeito a situações objetivamente comparáveis. Além disso, esta diferença de tratamento não é justificada por uma razão imperiosa de interesse geral.
37 Quanto, em primeiro lugar, à comparabilidade das situações, importa recordar que, no n.º 50 do Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann (C-443/06, EU:C:2007:600), o Tribunal de Justiça já declarou, em primeiro lugar, que a tributação das mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel incide, nos termos do artigo 43.º, n.º 2, e do artigo 72.º, n.º 1, do CIRS, sobre uma única categoria de rendimentos dos contribuintes, quer sejam residentes ou não residentes. em segundo lugar, que essa tributação diz respeito a essas duas categorias de contribuintes. e, em terceiro lugar, que o Estado-Membro de onde o rendimento coletável provém é sempre a República Portuguesa.
38 Resulta do exposto, nomeadamente do n.º 29 do presente acórdão, que não existe nenhuma diferença objetiva de situação entre os contribuintes residentes e os contribuintes não residentes, suscetível de justificar uma desigualdade de tratamento fiscal entre eles, nos termos do artigo 43.º, n.º 2, e do artigo 72.º, n.º 1, do CIRS, no que respeita à tributação do saldo positivo das mais-valias realizadas na sequência de alienações de bens imóveis situados em Portugal. Por conseguinte, a situação em que se encontra um contribuinte não residente, como MK, é comparável à de um contribuinte residente.
39 Esta constatação não é posta em causa pela ratio legis do artigo 43.º, n.º 2, do CIRS, que prevê o abatimento de 50 % aplicável às mais-valias realizadas pelos residentes, que, segundo o Governo português, consiste em evitar a tributação excessivamente onerosa desses rendimentos considerados anormais e fortuitos, na medida em que nada permite excluir que essa consideração não possa vir a dizer respeito aos sujeitos passivos não residentes.
40 Quanto, em segundo lugar, à existência de justificações baseadas em razões imperiosas de interesse geral, importa salientar que o Governo português não refere a existência de tais razões. No entanto, alega que, no âmbito da tributação do saldo positivo das mais-valias imobiliárias realizadas em Portugal, o artigo 43.º, n.º 2, do CIRS tem por objetivo evitar penalizar os sujeitos passivos residentes em Portugal ou os sujeitos passivos não residentes que escolham ser tributados como tais nos termos do artigo 72.º, n.ºs 9 e 10, do CIRS, devido ao facto de lhes ser aplicada uma taxa progressiva.
41 Ora, nos n.ºs 58 a 60 do Acórdão de 11 de outubro de 2007, Hollmann (C-443/06, EU:C:2007:600), o Tribunal de Justiça considerou que o benefício fiscal concedido aos residentes, que consistia numa redução de metade da matéria coletável correspondente às mais-valias realizadas, excedia, em todo o caso, a contrapartida que consiste na aplicação de uma taxa progressiva à tributação dos seus rendimentos. Consequentemente, no processo que deu origem a esse acórdão, o Tribunal de Justiça considerou que não estava demonstrada uma relação direta entre o benefício fiscal em causa e a compensação desse benefício através de determinada imposição fiscal e que a restrição resultante da regulamentação nacional em causa não podia, portanto, ser justificada pela necessidade de garantir a coerência do regime fiscal.
Quanto à opção de tributação segundo as mesmas modalidades que os residentes
42 Antes de mais, há que salientar que a possibilidade de as pessoas residentes na União ou no EEE optarem, ao abrigo do artigo 72.º, n.ºs 9 e 10, do CIRS, por um regime de tributação análogo ao aplicável aos residentes portugueses e, assim, beneficiarem do abatimento de 50 % previsto no artigo 43.º, n.º 2, desse código permite a um contribuinte não residente, como MK, escolher entre um regime fiscal discriminatório, a saber, o previsto no artigo 72.º, n.º 1, do CIRS, e outro que não o é.
43 Ora, cumpre frisar a este respeito que, no caso em apreço, essa escolha não é suscetível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais.
44 Com efeito, o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 63.º TFUE em razão do seu caráter discriminatório (v., neste sentido, Acórdão de 18 de março de 2010, Gielen, C-440/08, EU:C:2010:148, n.º 52).
45 Por outro lado, como o Tribunal de Justiça já teve ocasião de precisar, um regime nacional que limite uma liberdade fundamental garantida pelo Tratado FUE, no caso em apreço a livre circulação de capitais, é incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa (v., neste sentido, Acórdão de 18 de março de 2010, Gielen, C-440/08, EU:C:2010:148, n.º 53 e jurisprudência referida).
46 Daqui resulta que a escolha concedida, no litígio no processo principal, ao contribuinte não residente, de ser tributado segundo as mesmas modalidades que as aplicáveis aos contribuintes residentes, não é suscetível de tornar a restrição constatada no n.º 32 do presente acórdão compatível com o Tratado.
47 Tendo em conta todas as considerações precedentes, importa responder à questão submetida que o artigo 63.º TFUE, lido em conjugação com o artigo 65.º TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado-Membro que, para permitir que as mais-valias provenientes da alienação de bens imóveis situados nesse Estado-Membro, por um sujeito passivo residente noutro Estado-Membro, não sejam sujeitas a uma carga fiscal superior à que seria aplicada, para esse mesmo tipo de operação, às mais-valias realizadas por um residente do primeiro Estado-Membro, faz depender da escolha do referido sujeito passivo o regime de tributação aplicável.
Este acórdão, não deixa qualquer margem para dúvidas de que o entendimento do TJUE é no sentido de que, sendo discriminatório o regime que resulta dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 2, e 72.º, n.º 1, do CIRS, a existência de uma opção não tem por efeito sanar, por si só, o carácter ilegal daquele regime e, por maioria de razão, em situação em que o regime incompatível com o direito da União é aquele que é automaticamente aplicado na inexistência de escolha efetuada pelo contribuinte.
Por outro lado, o facto de os Requerentes residirem em território de um Estado terceiro não afasta a incompatibilidade do regime com o artigo 63.º do TFUE, pois ele é aplicável também nas relações entre Estados Membros e Estados terceiros, como o TJUE já afirmou no despacho da 7.ª Secção proferido em 06-09-2018, no processo C-184/18, em que concluiu:
Uma legislação de um Estado-Membro, como a que está em causa no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado nesse Estado-Membro, efetuada por um residente num Estado terceiro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, nesse mesmo tipo de operações, sobre as mais-valias realizadas por um residente naquele Estado-Membro constitui uma restrição à livre circulação de capitais que, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, não é abrangida pela exceção prevista no artigo 64.°, n.° 1, TFUE e não pode ser justificada pelas razões referidas no artigo 65.°, n.° 1, TFUE.
As decisões do TJUE proferidas em reenvio prejudicial têm carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quanto à «interpretação dos Tratados», o que é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º) ( [1] ).
O reenvio prejudicial está previsto no artigo 19.º, n.º 3, alínea b), do Tratado da União Europeia (TUE) e no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), e é, em princípio, obrigatório quando uma questão sobre a interpretação dos actos adoptados pelas instituições, órgãos ou organismos da União seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno.
No entanto, quando a lei da União seja clara e quando já haja um precedente na jurisprudência europeia não é necessário proceder a essa consulta, como o TJUE concluiu no Acórdão de 06-10-1982, Caso Cilfit, Proc. 283/81.
Até mesmo quando as questões em apreço não sejam estritamente idênticas (doutrina do acto aclarado) e quando a correcta aplicação do Direito da União Europeia seja tão óbvia que não deixe campo para qualquer dúvida razoável no que toca à forma de resolver a questão de DUE suscitada (doutrina do acto claro) (idem, n.º 14).
«Compete exclusivamente ao juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça» (acórdãos do TJUE de 10 de julho de 2018, processo C-25/17, e de 02-10-2018, processo C-207/16).
No caso em apreço, afigura-se que a jurisprudência do TJUE é perfeitamente clara sobre as questões de interpretação do Direito da União que se colocam, pelo que não é necessário proceder a reenvio prejudicial.
Na mesma linha tem decidido o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão do Pleno de 09-12-2020, processo n.º 75/20.6BALSB, e considerando que se trata de jurisprudência consolidada, nos acórdãos do Pleno de 20-01-2021, processos n.ºs 56/20.0BALSB e 108/20.6BALSB e de 24-03-2021, processo n.º 82/20.9BALSB.
Aplicando aquela jurisprudência do TJUE ao caso dos autos, constata-se que a aplicação da taxa de 28% prevista no artigo 72.º, n.º 1, alínea a) do CIRS a 100% das mais-valias implica necessariamente a incidência de uma carga fiscal mais elevada para os não residentes, pois equivale a uma tributação à taxa de 56% sobre 50% das mais-valias, tributação esta que nunca é atingida com a aplicação das taxas gerais previstas no artigo 68.º para a tributação de residentes (taxa máxima de 48%), mesmo considerando o acréscimo máximo de 5% previsto no artigo 68.º-A a título de taxa adicional de solidariedade.
Pelo exposto, tem de se concluir que o artigo 43.º, n.º 2, do CIRS, na medida em que limita a residentes a tributação em IRS considerando apenas 50% do valor das mais-valias, é incompatível com o Direito da União.
Assim, em face da supremacia deste sobre o Direito Nacional que resulta do n.º 4 do artigo 8.º da CRP, o artigo 43.º, n.º 2, deve ser aplicado sem aquela limitação a residentes.
Consequentemente, a liquidação impugnada, ao não aplicar aos Requerentes a redução do valor das mais-valias que se prevê no artigo 43.º, n.º 2, do CIRS, enferma de vício de violação de lei.
Procede, assim o pedido de pronúncia arbitral, quanto aos pedidos de anulação da liquidação.
4. Restituição de quantia paga indevidamente e juros indemnizatórios
Em 09-08-2020, os Requerentes pagaram a quantia liquidada de € 73.864,11 e pedem a restituição da quantia indevidamente suportada, que entendem ser de € 36.932,06 (artigo 35.º do pedido de pronúncia arbitral), resultante da aplicação da taxa de 28% a metade da mais-valia apurada, embora peçam a anulação total da liquidação.
Os Requerentes pedem ainda juros indemnizatórios.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei».
Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4, do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
Como o pagamento de juros indemnizatórios depende de existir quantia a reembolsar, insere-se no âmbito das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar se há direito a reembolso e em que medida.
Cumpre, assim, apreciar os pedidos de restituição da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios.
4.1. Restituição de quantias pagas
Na sequência da anulação da liquidação, os Requerentes têm direito a ser reembolsados da quantia que pagaram indevidamente.
Os Requerentes pedem a anulação total da liquidação, como se depreende do texto do pedido formulado e se infere do valor de € 73.864,11, que atribuem à causa, pois, quando é impugnada a liquidação, o valor da causa é «o da importância cuja anulação se pretende».
O Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão uniformizador de 09-12-2020, processo n.º 75/20.6BALSB, embora não se pronuncie expressamente sobre a questão, aceitou a anulação parcial, ao não alterar a decisão arbitral proferida no processo n.º 846/2019-T, em, que se decidira anular a liquidação aí impugnada «na parte correspondente ao acréscimo de tributação resultante da consideração total da mais-valia imobiliária».
A Autoridade Tributária e Aduaneira não contesta que a taxa a aplicar é a de 28%, pretendida pelos Requerentes, pelo que não há controvérsia sobre essa questão, que caiba a este Tribunal arbitral dirimir.
Sendo um acórdão uniformizador, é de seguir essa jurisprudência, pelo que será de anular a liquidação, na parte correspondente ao acréscimo de tributação resultante da consideração total da mais-valia imobiliária, isto é, quanto ao valor de € 36.932,06.
4.2. Juros indemnizatórios
No que concerne ao direito a juros indemnizatórios, é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:
Artigo 43.º
Pagamento indevido da prestação tributária
1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que não há direito a juros indemnizatórios.
No entanto, como há muito vem entendendo o Supremo Tribunal Administrativo, a imputabilidade para efeitos de juros indemnizatórios apenas depende da prática de um acto ilegal, por iniciativa da Administração Tributária, mesmo em situações em que a ilegalidade deriva apenas do direito da União Europeia:
– «em geral, pode afirmar-se que o erro imputável aos serviços, que operaram a liquidação, entendidos estes num sentido global, fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou impugnação dessa mesma liquidação» ( [2] );
– «Para efeitos da obrigação de pagamento de juros indemnizatórios, imposta à administração tributária pelo art, 43.º da L.G.T., havendo um erro de direito na liquidação e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte.
Esta imputabilidade do erro aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro, podendo servir de base à responsabilidade por juros indemnizatórios a falta do próprio serviço, globalmente considerado» ( [3] );
– «há erro nos pressupostos de direito, imputável aos serviços, de modo a preencher o pressuposto da obrigação da Administração de indemnizar aquele a quem exigiu imposto indevido, quando na liquidação é aplicada uma norma nacional incompatível com uma Directiva comunitária» ( [4] );
– «os juros indemnizatórios previstos no art. 43ºda LGT são devidos sempre que possa afirmar-se, como no caso sub judicibus, que ocorreu erro imputável aos serviços demonstrado, desde logo e sem necessidade de mais, pela procedência de reclamação graciosa ou impugnação judicial da correspondente liquidação» ( [5] ).
O TJUE também já decidiu que a cobrança de impostos em violação do direito da União tem como consequência não só direito ao reembolso como o direito a juros, como pode ver-se pelo acórdão de 18-04-2013, processo n.º C-565/11, em que se refere:
21 Há que lembrar ainda que, quando um Estado-Membro tenha cobrado impostos em violação do direito da União, os contribuintes têm direito ao reembolso não apenas do imposto indevidamente cobrado mas igualmente das quantias pagas a esse Estado ou por este retidas em relação direta com esse imposto. Isso inclui igualmente o prejuízo decorrente da indisponibilidade de quantias de dinheiro, devido à exigibilidade prematura do imposto (v. acórdãos de 8 de março de 2001, Metallgesellschaft e o., C-397/98 e C-410/98, Colet., p. I-1727, n.os 87 a 89; de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C-446/04, Colet., p. I-11753, n.o 205; Littlewoods Retail e o., já referido, n.o 25; e de 27 de setembro de 2012, Zuckerfabrik Jülich e o., C-113/10, C-147/10 e C-234/10, n.o 65).
22 Resulta daí que o princípio da obrigação de os Estados-Membros restituírem com juros os montantes dos impostos cobrados em violação do direito da União decorre desse mesmo direito da União (acórdãos, já referidos, Littlewoods Retail e o., n.o 26, e Zuckerfabrik Jülich e o., n.o 66).
23 A esse respeito, o Tribunal de Justiça já decidiu que, na falta de legislação da União, compete ao ordenamento jurídico interno de cada Estado-Membro prever as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo. Essas condições devem respeitar os princípios da equivalência e da efetividade, isto é, não devem ser menos favoráveis do que as condições relativas a reclamações semelhantes baseadas em disposições de direito interno, nem organizadas de modo a, na prática, impossibilitar ou dificultar excessivamente o exercício dos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico da União (v., neste sentido, acórdão Littlewoods Retail e o., já referido, n.os 27 e 28 e jurisprudência referida).
Assim, no caso em apreço, não sendo os erros que afectam as liquidações imputáveis aos Requerentes, eles são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, que as emitiu por sua iniciativa.
Por isso, os Requerentes tem direito a juros indemnizatórios calculados sobre a quantia que lhes deve ser reembolsada.
Os juros indemnizatórios devem ser contados, relativamente a cada pagamento, desde a data em que foi efectuado (09-08-2020), até ao integral reembolso ao respectivo Requerente, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
5. Decisão
Nestes termos acordam neste Tribunal Arbitral em:
-
Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral;
-
Anular a liquidação de IRS 2020..., na parte correspondentes ao acréscimo de tributação resultante da consideração total da mais-valia imobiliária;
-
Julgar procedente o pedido de reembolso e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar aos Requerentes a quantia de € 36.932,06;
-
Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-los aos Requerentes, calculados sobre a quantia a reembolsar, nos termos do ponto 4 deste acórdão.
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 73.864,11, valor da liquidação cuja anulação global é pedida e é indicado pelos Requerentes sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.
7. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.448,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 14-06-2021
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(A. Sérgio de Matos)
(Rui M. Marrana)
[1] Neste sentido, entre muitos, podem ver-se os seguintes acórdãos do STA: de 25-10-2000, processo n.º 25128, Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, página 3757; de 7-11-2001, processo n.º 26432, Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, página 2602; de 7-11-2001, processo n.º 26404, Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, página 2593.
[2] Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 31-10-2001, processo n.º 26167, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, página 2466, e de 24-04-2002, processo n.º 117/02, publicado em Apêndice ao Diário da República 08-03-2004, página 1197.
[3] Acórdão do STA, de 07-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República 13-10-2003, página 2593.
[4] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21-11-2001, processo n.º 26415, publicado em Apêndice ao Diário da República 13-10-2003, página 2765.
[5] Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 28-11-2001, processo n.º 26223, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, página 2824, e de 16-01-2002, processo n.º 26508, publicado em Apêndice ao Diário da República 16-2-2004, página 77.