Decisão arbitral
1 . Relatório
No dia 23-06-2014, a sociedade A, S.A., NIPC ..., apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitrai colectivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 25-06-2014.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou os árbitros do tribunal colectivo Cons. Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa, Prof. Doutor Carlos Lobo e Dr.ª Maria Manuela do Nascimento Roseiro, que comunicaram a aceitação no prazo aplicável.
As Partes foram notificadas dessa designação em 07-08-2014 e nada vieram dizer.
Assim, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT o tribunal arbitral colectivo ficou constituído em 25-08-2014.
Por despacho do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, em face da situação de impedimento temporário, por doença, do Cons. Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa, foi designado em sua substituição temporária o Cons. Jorge Lopes de Sousa, como Presidente do Tribunal Arbitral.
A Requerente pretende ver declarada a ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo n.ºs 2014...; 2014...; 2014...,,2014..., 2014..., 2014..., 2014..., 2014..., 2014 ..., 2014..., 2014..., 2014..., 2014..., 2014..., 2014..., 2014..., 2014..., 2014..., 2014..., 2014..., 2014..., 2014..., 2014... e 2014 ....
A Requerente pede ainda que seja reconhecido o direito a indemnização pelos encargos suportados na constituição da garantia.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, defendendo a improcedência do pedido.
Por despacho de 24-09-2014, Tribunal Arbitral dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e comunicou que proferiria decisão final no processo até ao dia 28-11-2014.
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
As Partes estão devidamente representadas e não ocorre qualquer nulidade.
2. Matéria de facto
3.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
a) A ora Requerente era, em 31 de Dezembro de 2013, proprietária de 24 terrenos para construção, sitos no Concelho de ..., freguesias do ... (extinta freguesia da ...) (artigo 10º do pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, e documentos nºs 1, 2 e 3);
b) A Requerente vendeu, em 10 de Janeiro de 2014, vários desses terrenos à Sociedade “B, SA”, razão pela qual as respectivas cadernetas prediais indicam como titular o nome da actual proprietária, mas o Imposto do Selo em discussão nos autos respeita a 2013 quando a Requerente era a proprietária dos terrenos para construção (Documentos de Liquidação juntos como n.º 1 e documento n.º 3);
c) A Requerente foi notificada das liquidações referentes a 24 imóveis urbanos, de Imposto do Selo, referente ao ano de 2013, nos termos das Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), aplicando-se-lhes a taxa de 1% sobre os Valores Patrimoniais Tributários (VPT) iguais ou superiores a €1.000.000,00 (um milhão de euros), em vigor no ano de 2013 (Documento n.º 1);
d) Todos esses imóveis são identificados na respectiva “caderneta predial urbana”, no quadro ”descrição do prédio” como “terreno para construção” (Cadernetas juntas como Documento n.º 3);
e) A data limite para pagamento da 1ª prestação das liquidações de Imposto do Selo era o dia 30 de Abril de 2014 e os documentos de cobrança tinham a seguinte numeração :
2014...; 2014...; 2014...; 2014...;2014...; 2014...; 2014...; 2014...; 2014 ..., 2014..., 2014..., 2014...;2014..., 2014..., 2014..., 2014...; 2014..., 2014..., 2014..., 2014...; 2014..., 2014..., 2014..., 2014 ... (Documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
f) As liquidações referidas dizem respeito aos prédios, a seguir discriminados, indicando-se o artigo matricial, freguesia, VPT determinado em 2012, colecta IS artigo 28º TGIS (2013) e valor da 1ª prestação (Abril 2014):
· U-..., VPT de € 13.945.822,50, Colecta de € 139.458,23, 1ª prestação de € 46.486,09;
· U-..., freguesia do ..., VPT de € 20.960.805,05; Colecta de € 209.608.05; 1ª prestação de € 69.859,35;
· U-..., freguesia do ..., VPT de € 3.326.073,78; Colecta de € 33.260.74; 1ª prestação de € 11.086,92;
· U-..., freguesia do ..., VPT de € 3.522.743,98; Colecta de € 35.227.44; 1ª prestação de € 11.742,48;
· U-..., freguesia de ..., VPT de € 15.502.768,79; Colecta de € 155.027.69; 1ª prestação de € 51.675,91;
· U-..., freguesia de ..., VPT de € 4.053.533,25; Colecta de € 40.535,33; 1ª prestação de € 13.511,79;
· U-..., freguesia de ..., VPT de € 3.514.759,00; Colecta de € 35.147.60,00; 1ª prestação de € 11.715,88;
· U-..., freguesia de ..., VPT de € 3.514.759,00; Colecta de € 35.147.60,00; 1ª prestação de € 11.715,88;
· U-..., freguesia de ..., VPT de € 1.094.334,25; Colecta de € 10.943.34,25; 1ª prestação de € 3.647,78;
· U-..., freguesia de ..., VPT de € 1.380.902,13; Colecta de € 13.809.02; 1ª prestação de € 4.603,02;
· U-..., freguesia de ..., VPT de € 1.380.902,13; Colecta de € 13.809.02; 1ª prestação de € 4.603,02;
· U-..., freguesia de ..., com VPT de € 1.189.659,75; Colecta de € 11.896,60; 1ª prestação de € 3.965,54;
· U-..., freguesia de ..., com VPT de € 1.189.659,75; Colecta de € 11.896,60; 1ª prestação de € 3.965,54;
· U-..., freguesia de ..., com VPT de € 1.380.902,13; Colecta de € 13.809.02; 1ª prestação de € 4.603,02;
· U-..., freguesia de ..., VPT de € 1.729.024,88; Colecta de € 17.290.25; 1ª prestação de € 6.763,43;
· U-..., freguesia de ..., VPT de € 1.380.902,13; Colecta de € 13.809.02; 1ª prestação de € 4.603,02;
· U-..., freguesia de ..., VPT de € 1.380.902,13; Colecta de € 13.809.02; 1ª prestação de € 4.603,02;
· U-..., freguesia de ..., VPT de € 1.189.659,75; Colecta de € 11.896,60; 1ª prestação de € 3.965,54;
· U-..., freguesia de ..., VPT de € 1.189.659,75; Colecta de € 11.896,60; 1ª prestação de € 3.965,54;
· U-..., freguesia de ..., VPT de € 1.380.902,13; Colecta de € 13.809.02; 1ª prestação de € 4.603,02;
· U-..., freguesia de ..., VPT de € 5.198.487,13; Colecta de € 51.984.87; 1ª prestação de € 17.328,29.
· U-..., freguesia de ..., VPT de 4.053.533,25; Colecta de 40.535.33; 1ª prestação de 13.511,79;
· U-..., freguesia de ..., VPT de 1.380.902,13; Colecta de 13.809.02; 1ª prestação de 4.603,02;
· U-..., freguesia de ..., com VPT de 1.380.902,13; Colecta de 13.809.02; 1ª prestação de 4.603,02.
g) Em 30 de Abril de 2014, a Requerente dirigiu um requerimento ao Chefe de Serviço do … Bairro Fiscal de ..., solicitando, ao abrigo do artigo 169º do CPPT, suspensão da execução do processo de execução fiscal a levantar por não pagamento do montante das liquidações em pagamento até 30/04/2014, num total de € 320.741,91, apresentando uma garantia emitida pelo BANCO X no valor de € 400.927,39 (Documento nº 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
2.2. Factos não provados
Não há factos relevantes para a apreciação do mérito da causa que hajam sido dados como não provados.
2.3. Fundamentação da matéria de facto provada
Os factos provados baseiam-se nos documentos indicados para cada um dos pontos, cuja autenticidade e correspondência à realidade não foram, pelas partes, questionadas.
3. Matéria de direito
A questão essencial no presente processo traduz-se na definição do âmbito de incidência da verba 28.1. da Tabela Geral de Imposto de Selo na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 55-A/2012 de 29.10, nomeadamente saber se nessa norma se devem incluir os terrenos para construção e, em concreto, se os terrenos para construção com valor patrimonial tribunal igual ou superior a €1.000.000 se subsumem, ou não, na espécie prédios urbanos “com afectação habitacional”.
Ora, esta é uma questão que, independentemente das questões de constitucionalidade que coloca, nomeadamente ao nível do princípio da igualdade e da possibilidade de existência de uma tributação em Imposto do Selo sobre imóveis numa óptica pura de tributação sobre o Património sem qualquer ligação com o princípio da equivalência ou do benefício (o princípio fundamental do IMI), é sobejamente tratada, quer na jurisprudência do CAAD quer na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo.
Efectivamente, é hoje interpretação unânime das entidades julgadoras que é de afastar do âmbito de incidência do Imposto do Selo os terrenos para construção que ainda não têm definido qualquer tipo utilização, pois ainda não estão aplicados nem destinados a fins habitacionais.
De facto, os terrenos para construção, quer na perspectiva do direito urbanístico quer na perspectiva do direito fiscal, têm uma natureza distinta dos prédios com fins habitacionais, já que, no momento anterior à realização da benfeitoria (a construção em si) não têm utilização definida constituindo-se como simples activo fundiário, não podendo, por isso, ser considerados prédios com afectação habitacional.
Note-se que a intenção do legislador foi claramente restritiva. Quando utiliza a expressão “fins habitacionais” expressa claramente uma vontade de só incluir os prédios habitacionais no âmbito de incidência da norma, excluindo claramente aqueles com vocação comercial e industrial (mesmo se integrados em zonas urbanas que, numa situação limite de concretização que se traduz na existência de um Plano de Urbanização ou Plano de Pormenor aprovado), dado que a sua afectação concreta depende da sua edificação definitiva.
Neste contexto, a diversa jurisprudência concluiu que as liquidações sindicadas padecem de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, pois os prédios relativamente ao qual foi liquidado o Imposto do Selo ao abrigo da referida verba n.º 28.1 constituem-se como terrenos para construção, sem qualquer edifício ou construção, exigidos para se preencher aquele conceito de «prédios habitacionais».
A Fazenda Pública vem alegando que o conceito de “prédios com afectação habitacional” para efeitos do disposto na verba n.º 28.1 da TGIS, compreende quer os prédios edificados quer os terrenos para construção, já que, o legislador não refere “prédios destinados a habitação” antes tendo optado pela noção “afectação habitacional”, expressão que considera diferente e mais ampla, integrando outras realidades para além das identificadas no artigo 6.º, n.º 1, al. a) do CIMI.
Concluindo que a afectação habitacional, para efeitos de aplicação da verba n.º 28, não implica necessariamente a existência de edifícios ou construções, aplicando-se, portanto, a terrenos para construção com essa afectação.
Tal não se afigura como correcto pelas razões já avançadas. Com efeito a questão em apreciação é, até nos pressupostos de facto, em tudo idêntica à questão foi apreciada e decidida no Supremo Tribunal Administrativo em data recente, por acórdãos de 09.04.2014, proferidos nos processos 1870/13 e 48/14, e de 23.04.2014, proferidos nos processos 270/14, 271/14 e 272/14, nos quais se decidiu que os “terrenos para construção” não podem ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto do Selo prevista na Verba 28.1 da respectiva Tabela Geral (na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), como prédios urbanos com afectação habitacional.
Trata-se de jurisprudência que também aqui se acolhe, por com a respectiva fundamentação concordarmos integralmente, pelo que nos limitaremos a reproduzir o que sobre a questão ficou dito no referido Acórdão 1870/13:
«O conceito de “prédio (urbano) com afectação habitacional” não foi definido pelo legislador. Nem na Lei n.º 55-A/2012, que o introduziu, nem no Código do IMI, para o qual o n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei), remete a título subsidiário. E é um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão – facto tanto mais grave quanto é um função dele que se recorta o âmbito de incidência objectiva da nova tributação -, teve vida curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que deu nova redacção àquela verba n.º 28 da Tabela Geral, e que recorta agora o seu âmbito de incidência objectiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6.º do Código do IMI.
Esta alteração - a que o legislador não atribuiu carácter interpretativo, nem nos parece que o tenha –, apenas torna inequívoco para o futuro que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (desde que o respectivo valor patrimonial tributário seja de valor igual ou superior a 1 milhão de euros), nada esclarecendo, porém, em relação às situações pretéritas (liquidações de 2012 e 2013), como a que está em causa nos presentes autos.
Ora, quanto a estas, não parece poder perfilhar-se a interpretação da recorrente, porquanto não resulta inequivocamente nem da letra, nem do espírito da lei que a intenção desta tenha sido, ab initio, a de abranger no seu âmbito de incidência objectiva os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista a construção de edifícios habitacionais, como resulta hoje inequivocamente da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo.
Da letra da lei nada de inequívoco decorre, aliás, pois ela própria ao utilizar um conceito que não definiu e que também não se encontrava definido no diploma para o qual remeteu a título subsidiário prestou-se, desnecessariamente, a equívocos, em matéria – de incidência tributária - em que a certeza e a segurança jurídica deviam também ser preocupações cimeiras do legislador.
E do seu “espírito”, apreensível na exposição de motivos da proposta de lei que está na origem da Lei n.º 55-A/2012 (Proposta de Lei n.º 96/XII – 2.ª, Diário da Assembleia da República, série A, n.º 3, 21/09/2012, p. 44, disponível em www.parlamento.pt) nada mais decorre senão a preocupação de angariar novas receitas fiscais, sobre fontes de riqueza “mais poupadas” no passado à voragem do Fisco que os rendimentos do trabalho, em particular os rendimentos de capitais, mais-valias mobiliárias e a propriedade, motivos estes que nenhum contributo relevante trazem ao esclarecimento do conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, porquanto o dão como assente, sem preocupação alguma de o esclarecer. Tal esclarecimento terá, porém, surgido - como informado na Decisão Arbitral proferida em 12 de Dezembro de 2013, no processo n.º 144/2013-T, disponível na base de dados do CAAD -, aquando da apresentação e discussão na Assembleia da República daquela proposta de lei, nas palavras do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que terá referido expressamente, conforme se colhe do Diário da Assembleia da República (DAR I Série n.º 9/XII – 2, de 11 de Outubro, p. 32) que: «O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros” (sublinhados nossos), donde se colhe que a realidade a tributar tida em vista são, afinal, e não obstante a imprecisão terminológica da lei, “os prédio (urbanos) habitacionais”, em linguagem corrente “as casas”, e não outras realidades.
O facto de se poder considerar que na determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos classificados como terrenos para construção se deve levar em conta a afectação que terá a edificação para ele autorizada ou prevista para determinação do respectivo valor da área de implantação (cfr. os n.ºs 1 e 2 do artigo 45.º do CIMI), não determina que os terrenos para construção possam ser classificados como “prédios com afectação habitacional”, porquanto a afectação habitacional” surge sempre no Código do IMI referida a “edifícios” ou “construções”, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo susceptíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (mas nesse caso não serão já “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos – “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” – artigo 6.º do CIMI).
Estranho seria, aliás, que a determinação do âmbito da norma de incidência tributária da verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo se encontrasse, ao fim e ao cabo, nas normas de determinação do valor patrimonial tributário do Código do IMI, e que a imprecisão terminológica do legislador na redacção daquela regra fosse, afinal, elucidada e finalmente esclarecida por via de uma remissão, indirecta e equívoca, para o coeficiente de afectação estabelecido pelo legislador em relação a prédios edificados (artigo 41.º do Código do IMI).
Assim, atendendo a que um terreno para construção – qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida – não satisfaz, só por si, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal, e referindo-se a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com “afectação habitacional”, sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno.
Conclui-se pois, em conformidade com o decidido na sentença sob recurso que, resultando do artigo 6.º do Código do IMI uma clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados como “prédios com afectação habitacional” para efeitos do disposto na verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na sua redacção originária, que lhe foi conferida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro». (fim de citação)
É esta a jurisprudência que aqui se acolhe e se reitera, tendo em conta a regra constante n.º 3 do artigo 8.º do Código Civil – que impõe ao julgador o dever de considerar todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito, sendo que a recorrente não aduz nova fundamentação que infirme tal orientação jurisprudencial.
Assim, os actos de liquidação referidos enfermam de vício de violação de lei, pelo que procede o pedido de declaração da sua ilegalidade.
3. Indemnização por garantia indevida
A Requerente formula ainda um pedido de indemnização por garantia indevida.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito».
Na autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, proclama-se, como directriz primacial da instituição da arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD e não faça referência a decisões constitutivas (anulatórias) e condenatórias, deverá entender-se, em sintonia com a referida autorização legislativa, que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários em relação aos actos cuja apreciação de legalidade se insere nas suas competências.
Apesar de o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação (arts. 99.º e 124.º do CPPT), pode nele ser proferida condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios e de indemnização por garantia indevida.
Na verdade, apesar de não existir qualquer norma expressa nesse sentido, tem-se vindo pacificamente a entender nos tribunais tributários, desde a entrada em vigor dos códigos da reforma fiscal de 1958-1965, que pode ser cumulado em processo de impugnação judicial pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios com o pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência do acto, por nesses códigos se referir que o direito a juros indemnizatórios surge quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, a administração seja convencida de que houve erro de facto imputável aos serviços. Este regime foi, posteriormente, generalizado no Código de Processo Tributário, que estabeleceu no n.º 1 do seu artigo 24.º que «haverá direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, se determine que houve erro imputável aos serviços», a seguir, na LGT, em cujo artigo 43.º, n.º 1, se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e, finalmente, no CPPT em que se estabeleceu, no n.º 2 do artigo 61.º (a que corresponde o n.º 4 na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
Relativamente ao pedido de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, o artigo 171.º do CPPT, estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».
Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação.
O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.
Aliás, a cumulação de pedidos relativos ao mesmo acto tributário está implicitamente pressuposta no artigo 3.º do RJAT, ao falar em «cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos», o que deixa perceber que a cumulação de pedidos também é possível relativamente ao mesmo acto tributário e os pedidos de indemnização por juros indemnizatórios e de condenação por garantia indevida são susceptíveis de ser abrangidos por aquela fórmula, pelo que uma interpretação neste sentido tem, pelo menos, o mínimo de correspondência verbal exigido pelo n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil.
O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:
Artigo 53.º
Garantia em caso de prestação indevida
1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.
2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.
3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.
4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.
No caso em apreço, o vício de violação de lei de que enferma os actos de liquidação de Imposto do Selo cuja declaração de ilegalidade foi pedida é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois a foi da sua iniciativa a emissão das liquidações e a Requerente em nada contribuiu para que esse erro fosse praticado.
Por isso, a Requerente tem direito a ser indemnizada pelas despesas em que incorrei com a prestação da garantia.
Não havendo elementos que permitam determinar o montante da indemnização, a condenação terá de ser efectuada com referência ao que vier a ser liquidado em execução do presente acórdão (artigo 609.º, n.º 2, no Código de Processo Civil de 2013, e artigo 565.º do Código Civil).
4. Decisão
De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:
a) Julgar procedente o pedido de declaração da ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo n.ºs:
2014..., 2014..., 2014..., 2014..., 2014..., 2014..., 2014..., 2014..., 2014..., 2014..., 2014..., 2014..., 2014..., 2014..., 2014..., 2014..., 2014..., 2014..., 2014..., 2014..., 2014..., 2014..., 2014... e 2014 ...;
b) Julgar procedente o pedido de reconhecimento do direito da Requerente a indemnização por garantia indevida e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente a indemnização que for liquidada em execução do presente acórdão, relativa às despesas com a garantia prestada para suspender a execução relativa às liquidações referidas.
5. Valor do processo
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 858.873,25.
6. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 12.240,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 11 de Novembro de 2014
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(Carlos Lobo)
(Maria Manuela Roseiro)