Decisão Arbitral
I. Relatório
A..., doravante designado como “Demandante”, contribuinte nº ..., residente em ... França, apresentou, em 18-08-2021, ao abrigo do disposto nos art.ºs 2.º, nº 1, al. a), 5º, nºs 1 e 2 e 10.º, nº 1, al. a) e nº 2, do Regime Jurídico de Arbitragem em Matéria Tributária (doravante RJAT), pedido de pronúncia arbitral, com vista a:
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Declaração de nulidade da liquidação de ISV nº 2019/..., de 08-02-2019, no valor global de 7.271,97 euros, constante da Declaração Aduaneira de Veículo n.º 2018/... de 08-02-2019, efetuada pela Alfândega do Funchal, referente à introdução no território nacional do veículo de marca ..., com a matrícula francesa... .
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Arquivamento do processo de execução do imposto referido na alínea anterior.
É demandada a AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “Demandada”, “Autoridade Tributária” ou simplesmente “AT”).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 19-08-2021.
Nos termos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º e da alínea b) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular a signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 07-10-2021, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a mesma, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 26-10-2021.
Em 27-10-2021, o Tribunal proferiu despacho de convite ao aperfeiçoamento da petição inicial, nos seguintes termos:
Ao abrigo do art.º 590º, n.os 3 e 4 do CPC, aplicável ao processo de arbitragem em matéria tributária por força do art.oº 29º, n.º 1, al. e) do RJAT, convida-se o Demandante a aperfeiçoar a sua petição inicial, no prazo de 15 dias, nos seguintes termos:
Nos termos do disposto nos artigos 6.º e 411ºo, do CPC, incumbe ao juiz (e igualmente, por aplicação subsidiária da lei processual civil, ao árbitro, no processo arbitral em matéria tributária) realizar ou ordenar todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, e dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação e determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo. Uma das concretizações de tal comando encontra-se no n.º 3 do artigo 590.º do CPC, de acordo com o qual o juiz convida as partes a suprir as irregularidades dos articulados.
Outra concretização desse comando é o n.º 4 do artigo 590.º do CPC, de acordo com o qual o juiz convida as partes a suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada.
Compulsada a petição inicial apresentada pelo Demandante, verifica-se existirem irregularidades, nomeadamente:
A) Insuficiente identificação do Demandante;
B) Não indicação ou indicação deficiente da entidade ou pessoa demandada;
C) Não indicação do valor da causa.
Quanto à indicação do pedido e da causa de pedir, verificam-se também diversas deficiências cuja supressão se afigura possível e necessária ao normal prosseguimento da ação. Pedindo-se, a dada altura, a “anulação dos valores exigidos”, e dizendo-se que “não se compreende porque vou pagar ISV”, depreende-se estar-se perante um pedido de anulação de atos tributários de ISV em que se fixam valores de dívidas desse imposto.
Contudo, o Demandante não identifica o ato ou atos tributários cuja anulação pretende.
O próprio objeto do pedido – anulação de atos tributários – apenas se pode depreender com incerteza, dado que o pedido não se encontra formulado com clareza.
Além disso, existindo na petição inicial outro pedido, além do pedido, deficientemente formulado, de anulação de atos tributários, não se consegue separar devidamente os factos que integram a causa de pedir do pedido de anulação de atos tributários, dos factos que integram a causa de pedir de outros pedidos formulados.
Os factos invocados são descritos de forma deficiente em vista da sua inteligibilidade e relação com a causa de pedir.
Assim, convida-se o Demandante a, no prazo de 15 dias, suprir todas as deficiências apontadas, com a advertência de que, nessa diligência de supressão das deficiências apontadas, o Demandante não pode ultrapassar os limites do convite ora feito, não podendo, nomeadamente, alterar ou ampliar a causa de pedir ou formular novos pedidos.
Quanto à matéria de facto, as alterações a introduzir deverão conformar-se com os limites estabelecidos no art.º 265º do CPC”.
Em 17-11-2021, o Demandante apresentou nova petição inicial.
A Autoridade Tributária e Aduaneira, notificada para o efeito, apresentou resposta, em 19-04-2022, tendo, na mesma data remetido ao tribunal cópia do processo administrativo, para os efeitos do disposto no art.º 17.º, n.º 2 do RJAT.
Tendo sido convidado a pronunciar-se sobre a matéria de exceção apresentada pela Demandada, o Demandante apresentou essa resposta em 10-05-2022.
Nessa resposta, o Demandante suscita uma questão que não havia suscitado na petição inicial, sendo esta a da violação, por parte da liquidação, do artigo 110º e 25º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
Por despacho de 17-05-2022, foi proposta a prescindência da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, por desnecessidade, ao abrigo dos princípios da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e da celeridade, simplificação e informalidade processuais (artigos 16.º, alínea c) e 29.º, n.º 2 do RJAT), ao que as Partes anuíram.
Em 06-06-2022, foi proferido despacho com o seguinte teor:
“O Requerente alega, na sua petição inicial aperfeiçoada, no respetivo artigo 10º, que “a liquidação efetivada viola o disposto no artigo 21º nº 2 e 3 do CISV, é nula, e como tal deve ser declarada com todos os legais efeitos.”
No pedido que formula a final, o Requerente reitera que: “(...) face ao exposto deve ser declarada a nulidade da liquidação identificada no artigo 7º desta petição (...)”
Quanto às causas dessa alegada nulidade da liquidação de ISV, alega o Demandante nos artigos 4º, 5º e 6º da pi, que a liquidação “é resultante de um pedido originário de importação daquela viatura para a Madeira (...), porém o Requerente desistiu de tal importação, conforme resulta do requerimento inicialmente apresentado, o que comunicou aos serviços competentes da requerida, tendo sido autorizado a que a viatura tenha sido reexpedida para França, (...) não lhe tendo assim sido atribuída qualquer matrícula portuguesa.”
No art.º 9º da pi, o Requerente acrescenta que “o reclamante está convencido que a DAV que apresentou foi anulada, pois tal lhe foi comunicado”.
Dispõe o art.º 161º do CPA (aplicável ao procedimento tributário ex vi art.º art.º 2º, al. d) do CPPT, no seu nº 1, que são nulos os atos para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade.
Acrescentando o nº 2 que são, designadamente, nulos:
a) Os atos viciados de usurpação de poder;
b) Os atos estranhos às atribuições dos ministérios, ou das pessoas coletivas referidas no artigo 2.º, em que o seu autor se integre;
c) Os atos cujo objeto ou conteúdo seja impossível, ininteligível ou constitua ou seja determinado pela prática de um crime;
d) Os atos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental;
e) Os atos praticados com desvio de poder para fins de interesse privado;
f) Os atos praticados sob coação física ou sob coação moral;
g) Os atos que careçam em absoluto de forma legal;
h) As deliberações de órgãos colegiais tomadas tumultuosamente ou com inobservância do quorum ou da maioria legalmente exigidos;
i) Os atos que ofendam os casos julgados;
j) Os atos certificativos de factos inverídicos ou inexistentes;
k) Os atos que criem obrigações pecuniárias não previstas na lei;
l) Os atos praticados, salvo em estado de necessidade, com preterição total do procedimento legalmente exigido.
Como se depreende do art.º 163º do mesmo código, ao dispor no nº 1 que “São anuláveis os atos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou outras normas jurídicas aplicáveis, para cuja violação se não preveja outra sanção”, a regra sobre a forma de invalidade dos atos administrativos é a anulabilidade e não a nulidade, pelo que uma alegação de nulidade tem que ser sustentada expressamente numa das causas excecionais que a podem originar.
Ora não se vislumbra nem o Requerente alega que se verifique qualquer das causas previstas de nulidade dos atos quanto à liquidação impugnada. Pelo que o pedido poderia ser, só por esta razão, ser julgado improcedente.
No entanto, o efeito prático-jurídico pretendido pelo Requerente com a alegação de nulidade poderia ser conseguido, verificados em concreto os respetivos pressupostos, através da alegação de anulabilidade do ato.
Trata-se, portanto, e quanto a isso penso não haver qualquer dúvida, de um problema de qualificação jurídica, neste caso relativa à forma de invalidade do ato.
Como é sabido, o julgador está vinculado por um dever de gestão processual, nos termos dos art.ºs 6º e 7º do CPC.
Tal dever de gestão processual, apresentando várias vertentes, tem entre outras a finalidade de obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio (art.º 7º, nº 1) o que implica, no nosso entendimento, que o julgador tente superar os obstáculos formais que se coloquem ao julgamento de mérito, sempre respeitando os princípios do dispositivo, do contraditório e da igualdade das partes.
Ainda nos termos do art.º 5.º nº 3 do CPC, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.
O que significa, entre outras coisas, que o julgador pode e deve interpretar o pedido, não devendo nesta interpretação cingir-se aos estritos dizeres da formulação do petitório, mas devendo antes ser essa interpretação conjugada com o sentido e alcance resultantes dos fundamentos da pretensão (acórdão do STJ, de 19-01-2017, proc. nº 873/10.9T2AVR.P1.S1). Na interpretação que faz do pedido, o tribunal não está adstrito à qualificação jurídica dada pelas partes, como decorre do art.º 5º, nº 3 CPC.
Assim sendo, considerando o Tribunal que existe, no caso da petição inicial do Requerente, um mero erro de qualificação jurídica na formulação do pedido, atendendo ao contexto da pretensão e da causa de pedir, considera-se justificado e processualmente legítimo interpretar o pedido no sentido de concluir que o que o Requerente pretende é que o tribunal anule o ato impugnado, e não que declare a sua nulidade.
Nos termos do art.º 3º, nº 3 do CPC, concede-se às Partes o prazo de 10 dias para que se pronunciem.
Notifique-se.”
Notificadas as Partes para se pronunciarem, apenas o Demandante veio dizer que concordava com o entendimento do Tribunal.
II. Matéria de facto
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O Demandante é proprietário do veículo da marca ..., Modelo ..., chassis..., matriculado em França desde 2000 com a matrícula ...;
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O Demandante era, à data dos factos, residente em França;
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O veículo foi desembarcado no território da Região Autónoma da Madeira em 2017/03/27;
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Por não ter sido apresentado, no prazo de vinte dias que a lei prescreve, o pedido de legalização do veículo em território português, foi determinada uma ação inspetiva por despacho do Sr. Diretor da Alfândega do Funchal de 21/11/2017;
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Em 29/11/2017, os agentes encarregados da ação inspetiva deslocaram-se ao endereço que constava no registo da AT como sendo o domicílio fiscal do Demandante, em ..., ..., ...-...;
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Nesse local, os agentes verificaram tratar-se de um espaço aberto (terraço) a céu aberto, mas com muros e portão de vedação, sem livre acesso;
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Os agentes verificaram que nesse local se encontrava aparcado o veículo mencionado em A);
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No seguimento e conclusão da ação de inspeção, os serviços inspetivos propuseram uma liquidação de ISV sobre a introdução do veículo no consumo no montante de 6.838,08 euros acrescidos de juros de mora no montante de 209,83 euros;
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Propuseram igualmente que fosse efetuada participação por contraordenação aduaneira, por introdução irregular no consumo, prevista e punida pela alínea a) do nº 3, do art.º 109º do RGIT;
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Através do ofício nº ... de 16/01/2018, foi emitida notificação ao Demandante, dirigida ao seu domicílio fiscal, para exercer o direito de audição prévia em relação ao projeto de liquidação de ISV;
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A notificação foi devolvida com a menção “objeto não reclamado”;
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Em 31-01-2018 foi emitida nova notificação, nos termos do art.º 30º do CPPT foi emitida nova notificação, a qual foi igualmente devolvida com a menção “objeto não reclamado”;
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Por ofício nº ...da Alfândega do Funchal, de 06/03/2018, o relatório e inspeção foi objeto de notificação ao Demandante;
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O Relatório de inspeção concluiu que havia ocorrido introdução irregular do veículo no consumo;
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Através do Ofício nº ... de 22-08-2019, foi comunicada ao Demandante a decisão final de aplicação de coima no montante de 400,00 euros, por introdução irregular de veículo no consumo;
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Em 10/08/2018, o Demandante dirigiu à Direção Regional da Economia e Transportes da RAM um pedido de matrícula em território nacional do veículo (documento nº 1 junto com a petição inicial corrigida);
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O Requerente apresentou ao Diretor da Alfândega do Funchal um pedido para reexpedir o veículo para França, sendo o pedido datado de 26 de novembro de 2018, e a data de saída prevista do veículo 11 de dezembro de 2018;
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Em 26/11/2018, foi oficiosamente processada a Declaração Aduaneira de Veículos nº 2018/..., tendo nela sido efetuada, em 08/02/2019, uma primeira liquidação de ISV no montante de 8.871,81 euros, a qual foi anulada na mesma data, tendo sido efetuada, também na mesma data, uma segunda liquidação no valor para 7.271,97 euros.
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Através do ofício nº ..., da Alfândega do Funchal, de 12-02-2019, o Demandante foi notificado, por carta registada com aviso de receção, para proceder ao pagamento do ISV liquidado, no valor de 7.271,97 euros;
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Com data de 13/09/2019, o Demandante dirigiu uma carta ao “Diretor da Autoridade Tributária e Aduaneira, endereçada à Delegação Aduaneira do Funchal, na ..., Funchal, em que informava que residia na Rua..., Paris;
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Em 20/11/2020, deu entrada na Alfândega do Funchal um pedido de revisão oficiosa da liquidação de ISV apresentado pelo Demandante;
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Nesse pedido de revisão oficiosa, o Demandante indicou como sua residência a ..., ;
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Em 15/01/21, foi emitida notificação dirigida ao Demandante, para audição prévia sobre o projeto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa;
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A notificação foi expedida por correio registado com aviso de receção em 22/01/21, para o endereço ...;
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Em 11/03/21, foi emitida notificação da decisão definitiva de indeferimento do pedido de revisão oficiosa;
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A notificação foi expedida em correio registado com aviso de receção em 16/03/21, para o endereço ...;
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A mesma notificação foi expedida por correio registado com aviso de receção em 18/03/21 para o endereço..., Paris;
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Em 26/11/2018, o Demandante apresentou requerimento, registado com o nº...., em que solicitou autorização para embarque e reexportação do veículo no navio “...”, previsto sair em 11/12/2018 com destino a França, via porto continental de Leixões;
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Até à conclusão do procedimento de revisão, o Requerente não alterou formalmente o seu domicílio fiscal de ..., ... para residente em França.
Não existem outros factos alegados e não provados com relevância para a decisão do mérito da causa.
A fixação da matéria de facto baseia-se no alegado e não contradito pelas Partes e na prova documental junta pelas Partes.
III. Posições das partes
O Demandante considera que, tendo desistido da importação do veículo e tendo pago a coima que lhe foi aplicada, não deve ficar sujeito ao pagamento de ISV sobre a importação do veículo.
A Autoridade Tributária começa por invocar caducidade do direito de ação, sustentando em relação a esta questão, em primeiro lugar, que o Demandante deduz o seu pedido de impugnação contra o ato de liquidação, e não contra a decisão de indeferimento do pedido de revisão da liquidação, pelo que o prazo de impugnação seria de 90 dias após o prazo para pagamento do imposto, o qual se mostrava largamente ultrapassado no momento da apresentação do pedido; em segundo lugar e subsidiariamente, mesmo admitindo que o prazo de impugnação fosse de contar da notificação da decisão do pedido de revisão, mesmo assim, este prazo já se encontrava ultrapassado no momento da apresentação do pedido de pronúncia arbitral.
Para além da exceção de caducidade do direito de impugnação, a AT considera que, não obstante a “desistência de importação” alegada pelo Demandante, ocorreu a introdução irregular do veículo no consumo em território nacional, pelo que é devido imposto.
III. Saneamento
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do disposto na alínea e) do nº 1 do artigo 2º, e do nº 1 do artigo 10º, ambos do RJAT, e é materialmente competente.
As Partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4º e nº 2 do artigo 10º, do mesmo diploma e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
IV. Questões a apreciar
Entende-se dever-se começar por decidir se a questão suscitada pelo Demandante na sua resposta à matéria de natureza excetiva, não constante da petição inicial, de incompatibilidade da liquidação impugnada com o Direito da União Europeia, deve ser apreciada no âmbito do presente processo.
Como se sabe, o dever e os poderes de pronúncia do tribunal estão delimitados pelo objeto da ação (art.º 615, nº 1, al. d) do CPC).
Por sua vez, o objeto do processo é delimitado pelo pedido e pela causa de pedir tal qual estes são configurados pelo autor na petição inicial, em respeito pelos princípios do dispositivo e do contraditório (Acórdão TRL, 09-10-2018, proc. nº 34503/15.8T8LSB.L1-7).
A questão suscitada pelo Demandante na sua réplica à matéria de exceção, relativa à incompatibilidade da liquidação impugnada com o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, constitui uma ampliação da causa de pedir, na medida em que, à causa de pedir invocada na petição inicial, vem acrescentar outra completamente nova diferente.
Sobre isto, dispõe o art.º 265º, nº 1 do CPC que “na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceite pelo autor, devendo a alteração ou ampliação ser feita no prazo de 10 dias a contar da aceitação.”
Ou seja, fora deste condicionalismo restrito, a modificação ou ampliação da causa de pedir não é admissível na resposta à matéria de exceção.
Assim sendo, entende o Tribunal não estar obrigado, nem dispor de poderes para apreciar nos presentes autos a questão relativa à incompatibilidade da liquidação impugnada com o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, por esta não ter sido suscitada na petição inicial, nem se verificarem quaisquer circunstâncias previstas na lei processual que excecionalmente permitam a ampliação da causa de pedir.
Assim, constituem questões a apreciar no presente processo arbitral:
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A de saber se ocorreu caducidade do direito de ação;
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A de saber se ocorreu introdução do veículo no consumo em território português e, em caso afirmativo, se por esse facto é devido ISV, sendo que o conhecimento desta segunda questão ficará prejudicado por uma resposta afirmativa à primeira questão.
V. Fundamentação
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Quanto ao pedido de condenação da Autoridade Tributária ao arquivamento do processo de execução fiscal – incompetência absoluta do tribunal
As questões de incompetência são de conhecimento prioritário, nos termos do artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.
Nos termos do art.º 2.º do RJAT, a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
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A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
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A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais;
Como facilmente se depreende da leitura deste preceito, a competência dos tribunais arbitrais em matéria tributária não compreende poderes para mandar arquivar o processo de execução fiscal.
Desta forma, o tribunal é absolutamente incompetente para apreciar este pedido, o que constitui exceção de conhecimento oficioso (art. 578º CPC).
De qualquer modo, o arquivamento do processo de execução fiscal será uma necessidade decorrente da eventual anulação do ato impugnado, nos termos do art.º 100º da LGT, que dispõe que a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.
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Caducidade do direito de ação
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Questão prévia: interpretação do pedido como sendo um pedido de anulação do ato tributário e não de declaração da respetiva nulidade
O Requerente alega, na sua petição inicial aperfeiçoada, no respetivo artigo 10º, que “a liquidação efetivada viola o disposto no artigo 21º nº 2 e 3 do CISV, é nula, e como tal deve ser declarada com todos os legais efeitos.”
No pedido que formula a final, o Requerente reitera: “termos em que face ao exposto deve ser declarada a nulidade da liquidação identificada no artigo 7º desta petição (...)”
Quanto às causas dessa alegada nulidade da liquidação de ISV, afirma, nos artigos 4º, 5º e 6º da pi, que a liquidação “é resultante de um pedido originário de importação daquela viatura para a Madeira (...), porém o Requerente desistiu de tal importação, conforme resulta do requerimento inicialmente apresentado, o que comunicou aos serviços competentes da requerida, tendo sido autorizado a que a viatura tenha sido reexpedida para França, (...) não lhe tendo assim sido atribuída qualquer matrícula portuguesa.”
No art.º 9º da pi, o Requerente acrescenta que “o reclamante está convencido que a DAV que apresentou foi anulada, pois tal lhe foi comunicado”.
Dispõe o art.º 161º do CPA (aplicável ao procedimento tributário ex vi art.º art.º 2º, al. d) do CPPT, no seu nº 1, que são nulos os atos para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade.
Acrescentando o nº 2 que são, designadamente, nulos:
a) Os atos viciados de usurpação de poder;
b) Os atos estranhos às atribuições dos ministérios, ou das pessoas coletivas referidas no artigo 2.º, em que o seu autor se integre;
c) Os atos cujo objeto ou conteúdo seja impossível, ininteligível ou constitua ou seja determinado pela prática de um crime;
d) Os atos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental;
e) Os atos praticados com desvio de poder para fins de interesse privado;
f) Os atos praticados sob coação física ou sob coação moral;
g) Os atos que careçam em absoluto de forma legal;
h) As deliberações de órgãos colegiais tomadas tumultuosamente ou com inobservância do quórum ou da maioria legalmente exigidos;
i) Os atos que ofendam os casos julgados;
j) Os atos certificativos de factos inverídicos ou inexistentes;
k) Os atos que criem obrigações pecuniárias não previstas na lei;
l) Os atos praticados, salvo em estado de necessidade, com preterição total do procedimento legalmente exigido.
Como se depreende do art.º 163º do mesmo código, ao dispor no nº 1 que “São anuláveis os atos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou outras normas jurídicas aplicáveis, para cuja violação se não preveja outra sanção”, a regra sobre a forma de invalidade dos atos administrativos é a anulabilidade.
Ora não se vislumbra nem o Demandante alega que se verifique qualquer das causas previstas de nulidade dos atos quanto à liquidação impugnada. Pelo que o pedido poderia ser, só por esta razão, ser julgado improcedente.
No entanto, o efeito prático-jurídico pretendido pelo Demandante com a alegação de nulidade poderia ser conseguido, verificados em concreto os respetivos pressupostos, através da alegação de anulabilidade do ato.
Trata-se, portanto, e quanto a isso penso não haver qualquer dúvida, de um problema de qualificação jurídica, relativa neste caso à forma de invalidade do ato.
Como é sabido, o julgador está vinculado por um dever de gestão processual, nos termos dos art.ºs 6º e 7º do CPC.
Tal dever de gestão processual, apresentando várias vertentes, tem entre outras a finalidade de obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio (art.º 7º, nº 1) o que implica, no nosso entendimento, que o julgador tente superar os obstáculos formais que se coloquem ao julgamento de mérito, sempre respeitando os princípios do dispositivo, do contraditório e da igualdade das partes.
Ainda nos termos do art.º 5.º nº 3 do CPC, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.
O que significa, entre outras coisas, que o julgador pode e deve interpretar o pedido, não devendo nesta interpretação cingir-se aos estritos dizeres da formulação do petitório, mas devendo antes ser essa interpretação conjugada com o sentido e alcance resultantes dos fundamentos da pretensão (acórdão do STJ, de 19-01-2017, proc. nº 873/10.9T2AVR.P1.S1). Na interpretação que faz do pedido, o tribunal não está adstrito à qualificação jurídica dada pelas partes, como decorre do art.º 5º, nº 3 CPC.
Assim sendo, considerando o Tribunal que existe, no caso da petição inicial do Requerente, um mero erro de qualificação jurídica na formulação do pedido, atendendo ao contexto da pretensão e da causa de pedir, considera-se justificado e processualmente legítimo, depois de ouvidas as Partes como foram, interpretar o pedido no sentido de concluir que a verdadeira pretensão do Requerente consiste em que o tribunal anule o ato impugnado, e não que declare a sua nulidade.
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Contagem do prazo para apresentação do pedido de pronúncia arbitral
Face ao que ficou explanado no ponto anterior, conclui-se que não tem aplicação ao caso dos autos, no que diz respeito ao prazo para impugnação do ato tributário, o disposto no nº 3 do art.º 102.º do CPPT, segundo o qual, sendo o fundamento da impugnação a nulidade, a impugnação pode ser deduzida a todo o tempo.
O prazo para apresentação do pedido de pronúncia arbitral é então o constante do art.º 10º do RJAT, que estipula, na al. a) do seu nº 1, que o pedido de constituição arbitral é apresentado no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos atos suscetíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico.
De acordo com o nº 1 do art.º 102º do CPPT, são os seguintes os factos a partir dos quais se contará o prazo de 90 dias previsto no art.º 10º, nº1, al. a) do RJAT:
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Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte;
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Notificação dos restantes atos tributários, mesmo quando não deem origem a qualquer liquidação;
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Citação dos responsáveis subsidiários em processo de execução fiscal;
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Formação da presunção de indeferimento tácito;
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Notificação dos restantes atos que possam ser objeto de impugnação autónoma nos termos deste Código;
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Conhecimento dos atos lesivos dos interesses legalmente protegidos não abrangidos nas alíneas anteriores.
Embora o Demandante, na sua petição inicial, não se refira à decisão do pedido de revisão do ato tributário, como objeto imediato do pedido, é sabido que a questão da impugnação direta contra o ato secundário de decisão de reclamação, recurso hierárquico ou pedido de revisão contra o ato tributário é uma mera questão formal, pois o que o impugnante pretende sempre, em todos estes casos, é atacar o ato tributário primário.
Não só é uma questão meramente formal como é uma questão meramente de formulação linguística, pois está subentendido que o impugnante vem atacar o ato tributário de base porque a decisão emitida no ato secundário não deu satisfação ao seu pedido.
Ora, vigora no direito processual administrativo um princípio da maior importância, designado princípio “pro actione”, consagrado no art.º 7.º do CPTA, que se entende ser um corolário normativo ou uma concretização do princípio constitucional do acesso efetivo à justiça (vd. Ac. STA, 29.1.201, proc. nº 01233/13), que obriga o julgador à interpretação e aplicação das normas processuais no sentido de favorecer o acesso ao tribunal ou de evitar as situações de denegação de justiça, designadamente por excesso de formalismo.
Este é certamente um caso em que obstaculizar uma decisão sobre o mérito da causa pela mera ausência de uma frase – “pedir diretamente a anulação do ato de indeferimento do pedido de revisão” – quando essa pretensão se encontra perfeitamente subentendida, seria um excesso de formalismo.
Assim, considera-se que na presente ação arbitral o Requerente pede, diretamente, a anulação do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa do ato tributário e indiretamente a anulação do ato de liquidação.
Pelo que o prazo de 90 dias previsto no art.º 10.º do RJAT deve contar-se a partir da notificação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa do ato tributário, nos termos da al. b) d n.º 1 do art.º 102.º do CPPT.
Há ainda que dizer que o prazo para apresentação do pedido de pronúncia arbitral, porque aparece como extintivo do respectivo direito (subjetivo) potestativo de pedir, por via da jurisdição arbitral, o reconhecimento de uma certa pretensão, é um prazo de caducidade.
É, pois, um pressuposto processual negativo, em rigor, uma exceção perentória que, nos termos do artº.576, nº.3, do C.P.C, consiste na ocorrência de factos que impedem o efeito jurídico dos articulados pelo autor, assim sobrevindo o não conhecimento "de meritis" e a consequente absolvição oficiosa do pedido (Ac. STA 02-12-2020, proc. nº 02526/15.2BELRS).
O prazo de caducidade, por outro lado, tem natureza substantiva, e conforme se estabelece no art.º 20º do CPPT, conta-se de acordo com o disposto no art. 279º do C. Civil, ie, sem interrupções, sendo que se o respetivo termo ocorrer em período de férias judiciais, transfere-se o mesmo para o primeiro dia útil subsequente a estas (vd. Ac. STA 07-09-2011, proc. nº 677/10).
No caso vertente, conforme ficou consignado no probatório, a notificação da decisão definitiva de indeferimento do pedido de revisão oficiosa foi emitida em 11/03/21.
Essa notificação foi expedida por correio registado com aviso de receção em 16/03/21.
Dispõe o nº 3 do art.º 39º do CPPT, em matéria de perfeição das notificações, que, havendo aviso de receção, a notificação considera-se efectuada na data em que ele for assinado e tem-se por efectuada na própria pessoa do notificando, mesmo quando o aviso de receção haja sido assinado por terceiro presente no domicílio do contribuinte, presumindo-se neste caso que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário.
Ora, não consta nos autos qualquer prova ou alegação quanto à data em que o aviso de receção da notificação foi assinado.
É certo que a AT diz, na sua resposta, que a notificação teve lugar em 23-03-2021, indicando como prova o PPA. Contudo, percorrendo o PPA, não se vê qualquer prova de que o Requerente ou algum terceiro em seu nome, tenha assinado o aviso de receção nessa data.
Também é certo que o Requerente, na resposta à matéria de exceção, diz que “reside em França, onde jamais foi notificado de qualquer decisão no âmbito do presente procedimento”.
Quanto a este ponto afigura-se-nos que o Requerente não tem razão.
Em primeiro lugar, como se vê nos documentos (incluídos no PPA) relativos às consultas que foram efetuadas ao registo do domicílio fiscal do Requerente, este nunca alterou formalmente o seu domicílio fiscal para França.
E se é certo que informou, por mais que uma vez, os serviços da AT de que residia em França e de qual era a sua morada em França, a verdade é que, no pedido de revisão oficiosa, identificou como seu domicílio o seu domicílio fiscal oficial, na “... .”
Pelo que era este e apenas este o domicílio relevante para efeitos da tramitação do procedimento de revisão do ato tributário.
Por outro lado, pode-se legitimamente supor que o Requerente teve conhecimento da decisão do pedido de revisão, através de familiares, segundo o próprio Requerente declara, o que permite concluir que um terceiro recebeu a notificação em nome do Requerente. E nos termos do nº 3 do art.º 39.º do CPPT, mesmo quando o aviso de receção haja sido assinado por terceiro presente no domicílio do contribuinte, presume-se que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário.
Mas não se sabe a data em que tal facto ocorreu.
Uma coisa apenas é certa: apenas pelo confronto da data da expedição da notificação – 16-03-21 – com a data da apresentação do pedido – 18-08-2021 – não resulta provado que o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado dentro do prazo de 90 dias estipulado no art.º 10.º do RJAT, pois estamos perante um hiato temporal de cinco meses.
A questão deve resolver-se, em nosso entender, por recurso às regras relativas à repartição do ónus da prova.
Ora, estipula quanto a esta matéria o nº 1 do art.º 74.º da LGT que “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.”
Está em causa um direito do Requerente – o direito de impugnar o ato tributário, neste caso por via arbitral.
Assim sendo, não cabe dúvida de que cabia ao Requerente provar os factos constitutivos do seu direito de ação.
Facto constitutivo do seu direito de ação é, no caso, o facto de a apresentação do pedido ter sido efetuada dentro dos 90 dias seguintes à data da notificação, o que implicava para o Requerente provar o dia em que foi notificado.
Não lhe aproveita, pelas razões que já expusemos, alegar que “reside em França, onde jamais foi notificado de qualquer decisão no âmbito do presente procedimento”, pois o seu domicílio válido para efeitos de toda a tramitação do procedimento de revisão é “... .”
No entanto, o Requerente afirma, na sua resposta à exceção de caducidade do direito de ação, que nunca foi notificado, o que é um facto negativo.
E embora, hoje, a jurisprudência e a doutrina venham admitindo que o ónus da prova dos factos constitutivos de um direito pode abranger os factos negativos, não poderá ser assim quando exista uma impossibilidade prática de provar o facto negativo, pois tal ónus contenderá com o princípio da proibição da indefesa, que emana do direito constitucional ao acesso ao direito e aos tribunais (art. 20º da CRP). É o caso. É impossível ao Requerente provar que não foi notificado.
Nesta situação, afigura-se plenamente aplicável o nº 2 do art.º 342.º do CC, que dispõe que “a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita”.
Se a notificação foi efetivamente efetuada, a Autoridade Tributária não deve apenas alegar esse facto, mas prová-lo.
Ora, voltando ao art.º 39.º do CPPT, diz este no seu nº 3 que “havendo aviso de receção, a notificação considera-se efectuada na data em que ele for assinado e tem-se por efetuada na própria pessoa do notificando, mesmo quando o aviso de receção haja sido assinado por terceiro presente no domicílio do contribuinte, presumindo-se neste caso que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário”.
A Autoridade Tributária apenas tinha que juntar ao processo administrativo o aviso de receção assinado, para provar que a notificação foi entregue, ao destinatário ou a terceiro, o que não fez. Aliás, é essa a função de um aviso de receção, a de provar que a comunicação foi não apenas expedida, mas recebida, sendo por essa razão que o art.º 38.º nº 1 do CPPT impõe essa forma de notificação.
Não tendo o aviso de receção sido assinado, por não ter sido recebido, a AT teria que cumprir o disposto no nº 5 do art.º 39º, enviando a notificação por nova carta registada com aviso de receção, a qual já não teria que ser assinada ou recebida para que o Requerente se considerasse notificado. E neste caso a AT já teria apenas que provar a expedição da notificação, e não o seu recebimento.
Ora, a AT não prova nenhuns destes factos, que lhe competia provar, pelo que a AT não provou o facto extintivo do direito do Demandante.
Considera-se assim não verificada a exceção de caducidade do direito de ação.
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Existência ou não existência do facto tributário
Chegamos assim ao momento de nos debruçarmos sobre a questão de fundo, que consiste em saber se o Requerente praticou um facto tributável em ISV.
Dos factos dados como provados no probatório, dá-se como assente que o veículo da marca..., Modelo..., chassis..., matriculado em França com a matrícula..., propriedade do Requerente, foi por ação deste desembarcado no território da Região Autónoma da Madeira em 2017/03/27.
O Demandante era, à data dos factos, residente em França.
Dispõe o art.º 5.º do CISV, no seu nº 2, al. d), que constitui facto gerador do imposto “a permanência do veículo no território nacional em violação das obrigações previstas no presente código.”
Há, pois, que averiguar, em primeiro lugar, se o veículo permaneceu em território nacional e, em segundo lugar, se houve violação das obrigações prevista no CISV relacionadas com essa permanência.
De que o veículo permaneceu em território nacional, não há qualquer dúvida, pois o Requerente apresentou ao Diretor da Alfândega do Funchal um pedido para reexpedir o veículo, sendo o pedido datado de 26 de novembro de 2018, e a data prevista de saída do veículo 11 de dezembro de 2018, ou seja 21 meses após a sua admissão em território nacional.
Além disso, no pedido de revisão oficiosa, o Demandante faz a seguinte afirmação:
“O veículo ... ... apenas é utilizado quando venho de férias à Madeira (poucos dias no Verão) estando, durante o restante período de tempo, estacionado numa garagem, não circulando, sendo – por isso – quase nulos os impactos ambientais que provoca”.
Esta afirmação do Demandante mostra que o veículo, além de permanecer no território da RAM, encontrava-se aí com a finalidade de ser utilizado, ou seja de circular.
Quanto às obrigações associadas a esta admissão do veículo em território nacional, dispõe a al. a) do nº 1 do art.º 20º do CISV que os particulares e os sujeitos passivos que não se encontrem constituídos como operadores registados ou operadores reconhecidos estão obrigados à apresentação da DAV no prazo máximo de 20 dias úteis, após a entrada do veículo tributável em território nacional.
Esta obrigação não foi cumprida pelo Demandante.
Pelo que se encontra verificado o segundo requisito previsto no art.º 5.º do CISV, no seu nº 2, al. d), a “a permanência do veículo no território nacional em violação das obrigações previstas no presente código”.
Desta forma, há que concluir que se verificou um facto gerador do imposto.
Quanto ao momento em que o imposto se torna exigível, estipula o art.º 6.º do CISV, no seu n.º 2, que “nos casos mencionados no n.º 2 do artigo anterior considera-se verificada a introdução no consumo no momento da ocorrência do facto gerador do imposto ou, sendo este indeterminável, no momento da respetiva constatação.
Portanto, o imposto tornou-se exigível ao se perfazerem 20 dias sobre a introdução do veículo em território nacional.
Desta forma, encontrando-se a obrigação de imposto constituída no dia 26 de abril de 2017, a decisão do Demandante de reexpedir o veículo não tem qualquer efeito sobre a existência da obrigação de imposto.
Ora, para pedir a anulação da liquidação de imposto, o Demandante invoca que desistiu da importação, que pagou a coima pela não legalização do veículo no prazo devido e que tomou e comunicou à Autoridade Tributária a decisão de reexpedir o veículo para França, em dezembro de 2018. Nenhum destes factos tem qualquer efeito sobre a obrigação de imposto, já constituída, nem por conseguinte obsta ao direito de liquidação e cobrança do imposto por parte da Autoridade Tributária.
Na sua petição inicial, o Demandante invoca ainda, a certa altura, que lhe foi comunicada a anulação da liquidação. Ora, não só o Demandante não prova esta facto, como a alegação é contraditória com o pedido de anulação da liquidação.
Tivesse a liquidação sido anulada, o que o Demandante tinha a fazer era opor-se à execução fiscal, por inexistência da dívida.
VI. Decisão
Nos termos anteriormente expostos, decide-se julgar totalmente improcedente o pedido de anulação do ato de liquidação de ISV impugnado.
VII. Valor do processo
Nos termos do art.º 97º -A nº 1, al. a) do CPPT do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 29º do RJAT e do nº 3 do artigo 3º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em 8.156,52 euros (oito mil, cento e cinquenta e seis euros e cinquenta e dois cêntimos).
VIII. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 918,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelo Demandante.
Notifiquem-se as Partes.
Porto, 21 de junho de 2022.
O Árbitro
(Nina Aguiar)