Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 275/2021-T
Data da decisão: 2022-04-19  IRC  
Valor do pedido: € 1.455.697,20
Tema: IRC - Regime fiscal de apoio ao investimento e dedução de lucros retidos e reinvestidos.
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Sumário:

Os efeitos da impugnação de um acto de liquidação de IRC não podem retroagir quanto a um outro acto de liquidação, referente a um período de tributação anterior, que não integrou o objecto de impugnação pelo sujeito passivo e relativamente ao qual se formou “caso decidido” ou “caso resolvido”.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os Árbitros Fernanda Maçãs (presidente), Carlos Manuel Baptista Branco e Carla Castelo Trindade, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral colectivo, decidem no seguinte:

 

I. RELATÓRIO

 

1. A..., S.A., com sede na Rua..., ..., ...-... ..., pessoa colectiva n.º..., vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º e 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), com vista à pronúncia deste Tribunal relativamente à anulação do acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) relativo ao período de tributação de 2017 e, consequentemente:

a. Seja admitida a fórmula de cálculo apresentada pela Requerente, com efeitos retroactivos ao período de 2016;

b. Seja decretada a disponibilização da quantia de 1.455.697,20 € como saldo de benefícios fiscais a usufruir tendo por base o limite de dedução à colecta;

c. Seja reconhecida a violação do princípio da tributação do rendimento real, da igualdade fiscal e da capacidade contributiva, princípios constitucionalmente protegidos.

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 4 de Maio de 2021 pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.

 

                3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

                Em 24 de Junho de 2021, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

                4. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo ficou constituído em 13 de Julho de 2021.

 

                5. A Requerente veio sustentar a procedência do seu pedido, em síntese, tendo em conta os seguintes argumentos:

                Começou a Requerente por referir que se candidatou ao Programa Operacional Regional do Centro (Portugal 2020) – Inovação n.º … (“Portugal 2020”), de forma a obter financiamento para o desenvolvimento da respectiva actividade comercial. Segundo a Requerente, aquele programa tem um carácter reembolsável, isto é, consiste num empréstimo a curto/médio prazo sem lugar ao pagamento de juros. Cumulativamente ao Portugal 2020, registou a Requerente que beneficiou para os mesmos investimentos do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (“RFAI”) e da Dedução de Lucros Retidos e Reinvestidos (“DLRR”). Para a Requerente, resulta do artigo 23.º, n.ºs 5 e 6 e do artigo 43.º, ambos do Código Fiscal do Investimento (“CFI”) que os apoios financeiros podem ser usufruídos cumulativamente, respeitando os limites máximos aplicáveis aos auxílios com finalidade regional em vigor na região na qual o investimento seja efectuado. Já no âmbito do RFAI a dedução à colecta é efectuada, de acordo com a Requerente, na liquidação de IRC relativa ao período de tributação em que sejam realizadas operações relevantes, nos termos do artigo 23.º, n.º 2 do CFI, enquanto que no âmbito da DLRR, a dedução à colecta dos lucros retidos reinvestidos em investimentos elegíveis é efectuada na liquidação de IRC respeitante ao período de tributação em que é retido o lucro na sociedade, tendo em vista a realização de investimento em aquisições relevantes nos períodos de tributação seguintes.

                De forma a aferir os limites previstos no artigo 43.º do CFI considerou a Requerente que era necessária a utilização de uma fórmula de cálculo resultante da divisão do montante actualizado dos incentivos fiscais e financeiros usufruídos até ao período de tributação em análise sobre os valores actualizados das aplicações relevantes (investimentos comuns que serviram de base ao cálculo dos mesmos). Não obstante, na opinião da Requerente, o factor determinante é o apuramento do incentivo financeiro a considerar para efeitos de utilização da referida fórmula, até porque, no seu entender, o apuramento dos limites máximos é um acto periódico e cumulativo, ou seja, é calculado em todos os períodos de tributação, partindo-se em todos os anos da percentagem remanescente, em face da taxa utilizada, para o apuramento dos valores a utilizar e a transitar. Assim, por entender que a fórmula de cálculo utilizada quanto ao período de 2016 teve implicações significativas nos anos subsequentes e, necessariamente, no ano de 2017, defendeu a Requerente que não podia analisar o indeferimento do recurso hierárquico relativo ao exercício de 2017 sem partir do exercício de 2016.

                Relativamente ao exercício de 2016, destacou a Requerente que foi objecto de uma acção inspectiva no âmbito da qual terá compreendido que o cálculo da taxa usufruída não estaria a incluir apenas os incentivos financeiros efectivos (juros subjacentes ao incentivo não reembolsável recebido até ao período de 2016), já que estariam a ser indevidamente incluídos os incentivos financeiros presumidos e eventuais (isenção de reembolso de 50% do total do montante recebido), assentes, na sua opinião, em meras conjunturas. Isto na medida em que, segundo a Requerente, a AT antecipou para efeitos de cálculo o eventual aproveitamento dos incentivos financeiros relativos à isenção de reembolso de 50 %, quando este apenas entraria na sua esfera caso esta cumprisse as metas de 125 %.

                Continuou a Requerente por referir que em virtude da acção inspectiva submeteu nova modelo 22 quanto ao exercício de 2016 que, no seu entender, a prejudicou, uma vez que terá sido forçada a abdicar de um benefício fiscal no valor de 802.011,26 €. Este montante resulta, na perspectiva da Requerente, da concessão de um benefício fiscal em sede de RFAI de 25% do investimento realizado no montante de 4.002.707,24 €, que perfaz a quantia de 1.000.676,81 € que apenas teria sido utilizada no montante de 198.665,55 €, em virtude das limitações à colecta previstas no ponto 2, do artigo 23.º do CFI, ficando por utilizar o valor de 802.011,26 €, conforme teria sido declarado, segundo a Requerente, na primeira declaração de modelo 22 de IRC referente ao período de 2016. Ao ter apresentado a declaração de substituição da modelo 22 de IRC relativa àquele exercício, entendeu a Requerente que foi eliminado na sua totalidade o valor a transitar, impossibilitando a utilização dos benefícios fiscais no ano de 2017.

                Quanto à concreta fórmula de cálculo alegou a Requerente que a dedução à colecta de IRC dos benefícios fiscais poderá ter limitações na utilização, em face do limite máximo de auxílio de Estado com finalidade regional previsto no artigo 43.º do CFI, cujo montante inclui o RFAI e a DLRR, devidamente actualizados em cada período de tributação. De acordo com a Requerente, no cálculo daquele limite deverá considerar-se o montante total dos auxílios de Estado com finalidade regional – benefícios fiscais e benefícios financeiros –, concedidos ao mesmo projecto de investimento. Além disso, a verificação da intensidade do benefício terá de ser efectuada em cada período de tributação considerando para o efeito, na apreciação da Requerente, os benefícios fiscais e financeiros efectivamente usufruídos/utilizados acumulados. Neste sentido, invocou a Requerente que para que pudesse proceder ao apuramento do respectivo limite no ano de 2016 teria de incluir a quantia actualizada de 319.875,46 € a título de benefícios fiscais usufruídos até ao final daquele período e a quantia de 29.587,39 € a título de incentivos financeiros, correspondentes aos juros que não teve que pagar pelo valor do empréstimo concedido, sobre o investimento acumulado realizado até ao final do referido período no âmbito do Portugal 2020. Ao conjugar este benefício total de 349.462,84 € com a percentagem de 29,21% que ficou liberta, concluiu a Requerente que poderia ter transitado, para o ano de 2017, o valor total não utilizado, na quantia de 802.011,26 €, sem nunca exceder os limites máximos. Isto, na sua perspectiva, sem contar que a AT teria contabilizado como incentivo financeiro isenção de reembolso de 50% sobre o incentivo reembolsável apurado do Portugal 2020, que à data da submissão da Modelo 22 do ano de 2016 se tratava de uma mera conjuntura, originando um prejuízo avultado, na esfera da Requerente.

                Para além destas consequências ao nível do período de 2016, destacou a Requerente que o entendimento da AT também teve impactos relativamente ao exercício de 2017, onde esta não utilizou o montante de RFAI atribuído de 455.879,08 €, correspondente a 25 % do investimento de 1.823.516,32 €. Acresce que a AT terá apurado, segundo a Requerente, uma taxa de intensidade de benefícios de 38,65%, o que implicou a reposição de benefícios fiscais no valor de 208.938,08 €. Para apurar o limite que deveria ser incluído em 2017, entendeu a Requerente que teria de incluir os montantes de 319.875,46 € e de 29.587,39 € correspondentes, respectivamente, ao benefício fiscal e financeiro apurados em 2016 e, bem assim, de incluir quantia de 13.725,33 € a título de incentivos financeiros correspondentes aos juros que não teve que pagar pelo valor do empréstimo concedido sobre o investimento realizado no ano de 2017.

                Por fim, enunciou a Requerente que o entendimento da AT, para além de violar as normas relativas à aplicação dos benefícios já mencionadas, também violava o princípio da tributação segundo o rendimento real, expresso no artigo 104.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), segundo o qual a determinação do lucro tributável das empresas assenta fundamentalmente na contabilidade e na desconsideração dos rendimentos presumidos ou eventuais.

               

                6. Tendo sido devidamente notificada para apresentar a sua resposta, a Requerida apresentou um requerimento, em 23 de Setembro de 2021, ao abrigo do disposto no n.º 5, do artigo 569.º do Código de Processo Civil (“CPC”) e do princípio da livre condução do processo pelo Tribunal Arbitral previsto no n.º 2, do artigo 19.º do RJAT. Naquele mesmo dia, através de despacho arbitral, foi deferida a pretensão da Requerida, ao abrigo do disposto no .º 5, do artigo 569.º do CPC, por se ter considerado que aquela invocou razões ponderosas para o efeito, relacionadas com a situação pandémica verificada, com a suspensão de prazos e a consequente concentração no tempo de pedidos para contestar, bem como com a complexidade da causa atenta a natureza do pedido e da causa de pedir.

 

                7. Em 20 de Outubro de 2021, a Requerida juntou aos autos o processo administrativo (“PA”) e apresentou a sua Resposta na qual se defendeu por excepção e por impugnação, tendo peticionado a sua absolvição da instância e, subsidiariamente, a sua absolvição do pedido. A Requerida sustentou a sua resposta, sumariamente, com base nos seguintes argumentos:

                Por excepção, começou a Requerida por afirmar que já se tinha produzido caso decidido quanto à meteria controvertida nos presentes autos tendo precludido, no seu entendimento, o prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT para a Requerente reagir contra a mesma pela via arbitral.

                Na perspectiva da Requerida, os argumentos invocados pela Requerente consubstanciam elementos e argumentos absolutamente inovadores que nunca foram objecto de apreciação pela AT, visto que nunca foram arguidos pela Requerente no âmbito do procedimento de recurso hierárquico ora impugnado. Acresce que de acordo com a Requerida, não foi a AT mas sim a Requerente que invocou no âmbito do recurso hierárquico apresentado quanto a 2016, autuado com o n.º ...2019..., que a taxa de incentivo acumulada em 2016 era de 24,9 % e que o crédito de imposto RFAI reportável para os períodos de tributação seguintes era de 609.766,13 €. Segundo a Requerida, os SIT limitaram-se no procedimento inspectivo interno realizado ao abrigo da ordem de serviço nº OI2018... a confirmar os valores invocados pela Requerente, tendo o recurso hierárquico por esta apresentado sido deferido. Sucede que na presente acção arbitral a Requerente vem propugnar, na visão da Requerida, uma nova taxa de incentivo acumulada em 2016 de 5,79 %, refutando a anteriormente por si apurada de 24,9 % no recurso hierárquico relativo ao exercício de 2016. Nestes termos, afirmou a Requerida que através da apresentação do pedido arbitral a Requerente pretendeu rever a autoliquidação de IRC relativa ao período de tributação de 2016, ainda que este não seja o meio próprio para o efeito.

                Já no que respeita ao período de tributação de 2017, referiu a Requerida que no âmbito do recurso hierárquico autuado com o n.º ...2019... foi a Requerente que veio arguir que a taxa de incentivo acumulada era de 38,65%, e não a AT, conforme se refere no pedido arbitral. Isto, de acordo com a Requerida, quando a determinação daquela taxa nem sequer foi objecto de diferendo naquele recurso hierárquico, até porque o relatório de inspecção tributária (“RIT”) elaborado ao abrigo da ordem de serviço interna n.º OI2018... teve um âmbito meramente parcial em sede de Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”), não tendo sido feita qualquer correcção ao IRC do período de 2017. Posto isto, defendeu a Requerida que a Requerente não poderia discutir em sede judicial matéria que não foi objecto de discussão em sede do procedimento tributário e relativamente à qual esta se conformou. Portanto, no entender da Requerida a Requerente não pode com a presenta acção colocar em causa matéria objecto de caso decidido e que está consolidada na ordem jurídica, peticionando ao Tribunal a procedência de uma excepção da caducidade do direito de acção com a consequente absolvição da Requerida absolvida do pedido e, bem assim, a total falta de abjecto da presente lide.

                Sem prejuízo, defendeu-se também a Requerida por impugnação, onde começou por referir que em 2016 e em 2017 a Requerente esgotou a disponibilidade proporcionada pelas colectas do IRC para a dedução dos benefícios fiscais, de tal forma que, segundo o juízo da Requerida, o acréscimo de valores defendido no pedido arbitral teria como intuito a consequente integração no reporte para os períodos de tributação seguintes. De acordo com a Requerida, no pedido arbitral a Requerente apresentou uma nova taxa de intensidade dos incentivos acumulada de 6,34 % quanto ao exercício de 2017, contrariando o valor de 38,65 % que anteriormente apurou e defendeu.

                Prosseguiu a Requerida por alegar que tanto a Requerente como a AT, seguiram nos cálculos das taxas de intensidade dos inventivos acumuladas o disposto nos artigos 4.º e 7.º da Portaria n.º 297/2015, de 21 de Setembro, bem como as orientações metodológicas constantes da ficha doutrinária da AT proferida no âmbito do processo n.º 2016..., designadamente o ponto E), nos termos do qual a intensidade dos auxílios concedidos ao mesmo investimento, em percentagem, obtém-se, em cada período de tributação, dividindo o somatório do valor actualizado do incentivo financeiro não reembolsável, do valor actualizado dos juros que seriam calculados sobre a parte reembolsável se fossem devidos e do valor actualizado dos benefícios fiscais já utilizados até esse período de tributação, pelo valor total actualizado das aplicações relevantes associadas ao projecto em causa.

                Neste sentido, se no ano da concessão dos auxílios estatais com finalidade regional é determinado o valor actualizado do auxílio expresso em percentagem do valor actualizado dos custos elegíveis, o acompanhamento da evolução deste indicador deve, na opinião da Requerida, basear-se num cálculo para o qual concorrem os mesmos parâmetros.

                Isto sendo certo que, para a Requerida, o cálculo da taxa de intensidade dos incentivos efectuado em cada um dos períodos de tributação no decurso dos quais os investimentos elegíveis são realizados, assume um carácter provisório que apenas se torna definitivo no ano da conclusão. Estas taxas de intensidade provisórias visam, no entendimento da Requerida, fornecer uma indicação sobre a margem que os incentivos financeiros deixam disponível para os benefícios fiscais, permitindo desse modo proceder a ajustamentos de forma a evitar que se projectem apenas no último período de tributação abrangido pelo investimento.

                Assim, para assegurar a comparabilidade entre as taxas de intensidade dos auxílios calculadas ao longo do período do investimento impõe-se, na perspectiva da Requerida, que haja coerência nos valores inscritos no numerador e no denominador da fracção, de tal forma que no numerador da fracção deve figurar a soma dos incentivos financeiros obtidos, ainda que sujeitos a confirmação final, e dos benefícios fiscais utilizados até ao final do exercício em causa, e, no denominador, devem ser inscritas as aplicações relevantes realizadas e associadas ao projecto de investimento. De resto, no entendimento da Requerida, foram estas as regras que a Requerente utilizou em 2016 e 2017 para calcular as taxas de intensidade dos auxílios de estado relativos ao projecto de investimento em causa de 24,90 % e de 38,65%, respectivamente.

                Por fim, referiu a Requerida que os valores mencionados pela Requerente no pedido arbitral são incongruentes e não têm em conta o valor do apoio financeiro não reembolsável, o que resulta no apuramento de uma taxa de intensidade dos auxílios artificial que liberta para os benefícios fiscais uma margem percentual superior à devida.

                Em face do exposto, concluiu a Requerida pela improcedência do pedido arbitral e pela consequente manutenção dos valores constantes da declaração de substituição relativa ao período de tributação de 2017.

 

                8. Por despacho proferido em 23 de Outubro de 2021, foi a Requerente notificada para, querendo, exercer o direito ao contraditório quanto às excepções invocadas pela Requerida. Em 9 de Novembro de 2021 a Requerente apresentou requerimento no qual exerceu esse direito e onde referiu o seguinte:

                Nos termos do artigo 6.º-C, da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro foram suspensos os prazos processuais e administrativos. Esta suspensão terminou, segundo a Requerente, com a entrada em vigor da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de Abril, que determinou ainda que todos os prazos processuais e administrativos cujo termo original ocorreu durante o período de suspensão tinham de ser praticados no prazo de 20 dias úteis após o levantamento da suspensão. Prosseguiu a Requerente por referir que as regras de suspensão dos prazos em férias judiciais, feriados e domingos são aplicadas no processo arbitral, razão pela qual era aplicável à arbitragem tributária a equiparação da suspensão dos prazos às férias judiciais feita pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro.

                Nos presentes autos, a decisão do recurso hierárquico que legitima a apresentação do pedido de pronúncia arbitral foi efectuada, de acordo com a Requerente, através de carta registada e aceite nos CTT a 31 de Dezembro de 2020, presumindo-se notificada em 4 de Janeiro de 2021. Por conseguinte, segundo a Requerente, o prazo de 90 dias para apresentar o pedido arbitral terminava em 5 de Abril de 2021, que em função da entrada em vigor da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de Abril transitou para o dia 4 de Maio de 2021.

                Nestes termos, ao ter o pedido arbitral sido feito em 3 de Maio de 2021, considerou a Requerente que o mesmo era tempestivo, sendo improcedente a excepção a este respeito.

                Relativamente à excepção de falta de objecto, alegou a Requerente que no procedimento tributário não existe qualquer “caso decidido”, daí que seja possível deduzir recurso hierárquico, impugnação judicial ou recurso para o tribunal arbitral. Isto, no entender da Requerente, sob pena de se atribuir uma força vinculativa inquestionável às decisões da AT, de se retirar aos tribunais a tutela judicial e de se retirar ao contribuinte a sua garantia de poder reagir contra actos que produzem efeitos na sua esfera jurídica. Para além de que, na óptica da Requerente, mesmo que se admitisse a figura do caso decidido, os efeitos do indeferimento do recurso hierárquico relativo ao exercício de 2017 ainda não estavam consolidados na ordem jurídica.

                Argumentou ainda a Requerente que é impossível verificar a determinação da intensidade dos auxílios concedidos quanto a um ano específico sem verificar os auxílios já concedidos anos anteriores. Por conseguinte, entendeu a Requerente que é essencial e pertinente determinar a intensidade dos auxílios desde o início, dado que qualquer vicissitude ocorrida no apuramento num dos anos afectará os anos seguintes.

                Nestes termos, concluiu a Requerente não existirem dúvidas de que o objecto do processo respeita à determinação da intensidade dos auxílios, sendo que a hipótese de discutir a fórmula de cálculo quanto a 2017 sem retroagir ao ano de 2016 era abrir porta à ilegalidade, promovendo a desconfiança e insegurança jurídica.

 

                9. Em 10 de Novembro de 2021 foi proferido despacho no qual se notificou a Requerente para identificar os factos que pretendia submeter a julgamento e que não eram susceptíveis de prova documental, bem como para se pronunciar quanto à eventual incompetência do Tribunal para atender aos pedidos formulados nos pontos a. e b. do pedido arbitral. Em 26 de Novembro de 2021, mediante requerimento, veio a Requerente identificar aqueles factos e, bem assim, referir o seguinte quanto à eventual incompetência do Tribunal:

                Não existe qualquer motivo que sustente a incompetência do Tribunal Arbitral para atender aos pedidos formulados nos pontos a. e b. do pedido de pronúncia arbitral, já que a Requerente pretende aferir na presente acção o apuramento dos limites máximos dos benefícios concedidos tendo em conta a fórmula de cálculo a utilizar para o efeito. Para a Requerente, existe uma impossibilidade de corrigir a fórmula de cálculo apenas num ano civil isolado, uma vez que a fórmula vai acompanhando e cumulando os benefícios concedidos, de tal forma que é imperativo que, em caso de modificação da mesma, haja uma consideração global, sendo necessário para o efeito analisar o ano de 2016 para se apreciar devidamente o ano 2017. Pelo exposto, concluiu a Requerente que é manifesta a necessidade de análise do ano de 2016, a qual se afigura essencial e imprescindível para a pronúncia relativamente ao ano de 2017 e, consequentemente, para a boa decisão da causa, sendo o Tribunal Arbitral competente.

 

                10. Por despacho proferido em 30 de Novembro de 2021, foi designado o dia 15 de Dezembro de 2021 para efeitos de realização da reunião a que alude ao artigo 18.º, do RJAT. Em 7 de Dezembro de 2021, mediante requerimento, a Requerente solicitou o reagendamento da referida reunião em virtude da indisponibilidade do seu mandatário para o efeito. Por despacho de 10 de Dezembro de 2021 foi deferido o pedido da Requerente, tendo-se designado o dia 21 de Janeiro de 2022 para efeitos de realização daquela reunião.

 

                11. Atento o facto de o prazo de seis meses para emitir a decisão arbitral, de acordo com o disposto no n.º 1, do artigo 21.º do RJAT, incluir períodos de férias judiciais e atenta a tramitação e a complexidade do processo, foi proferido despacho em 5 de Janeiro de 2022 no qual se prorrogou por dois meses o prazo de arbitragem.

 

                12. Em 21 de Janeiro de 2022 foi realizada a reunião a que alude ao artigo 18.º, do RJAT, tendo sido produzida prova testemunhal e ouvidas as partes relativamente às excepções invocadas e à delimitação do objecto do processo.

                Naquela reunião foi a Requerente notificada para no prazo de cinco dias indicar se pretendia manter, alterar ou corrigir o pedido de pronúncia arbitral, o que esta veio a fazer mediante requerimento apresentado em 27 de Janeiro de 2022, no qual referiu que:

“(…) o presente pedido de pronúncia arbitral foi requerido contra a decisão de indeferimento do recurso hierárquico interposto contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação de IRC de 2017, devendo o mesmo ser julgado procedente, por vício de violação do princípio da tributação do rendimento real, da igualdade fiscal e da capacidade contributiva, consagrados nos artigos 104.º, n.º 2 e 13.º da CRP; e, consequentemente:

a. Seja admitida a fórmula de cálculo apresentada pela Requerente, com efeitos retroativos ao período de 2016;

b. Seja decretada a disponibilização da quantia de 1.455.697,20 € como saldo de benefícios fiscais a usufruir em 2017 tendo por base o limite de dedução à coleta.”.

                Na referida reunião foi concedida à Requerida a possibilidade de se pronunciar no prazo de cinco dias quanto ao teor do requerimento apresentado pela Requerente, o que esta veio a fazer mediante requerimento apresentado em 2 de Fevereiro de 2022, no qual reproduziu os argumentos já anteriormente expressos na resposta ao pedido arbitral.

               

                13. Em 23 de Fevereiro de 2022, por despacho arbitral, foram as partes notificadas para produzirem alegações escritas, no prazo de quinze dias, tendo-se concedido à Requerida a faculdade de juntar as suas alegações com carácter sucessivo relativamente às produzidas pela Requerente. Nesse despacho determinou-se ainda a prorrogação por dois meses do prazo de arbitragem ao abrigo do no n.º 2, do artigo 21.º do RJAT, tendo-se designado o dia 13 de Abril de 2022 como data-limite para a prolação da decisão arbitral.

 

                14. Em 23 de Fevereiro de 2022 e em 11 de Março de 2022 a Requerente e a Requerida, respectivamente, apresentaram alegações finais nas quais reiteraram as posições já anteriormente expostas no decurso do processo arbitral.

 

II. SANEAMENTO

 

                15. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

Na sua resposta a Requerida invocou as excepções dilatórias de caducidade parcial do direito de acção/intempestividade do pedido de pronúncia arbitral e de falta de objecto, cujo conhecimento será feito a título prévio no âmbito da matéria de direito, logo após a fixação da matéria de facto.

 

III. DO MÉRITO

 

III.1. MATÉRIA DE FACTO

III.1.1. Factos provados

 

15. Analisada a prova produzida no âmbito do presente Processo Arbitral, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:

a)            A Requerente é uma sociedade comercial que tem por objecto o fabrico e comércio de painéis para coberturas e revestimentos, sendo tributada em sede de IRC pelo regime geral;

b)           No desenvolvimento da sua actividade comercial a Requerente candidatou-se ao Programa Operacional Regional do Centro (Portugal 2020) – Inovação n.º …, tendo recebido no âmbito deste programa financiamentos com carácter reembolsável;

c)            A Requerente beneficiou, cumulativamente, para os mesmos investimentos, do RFAI e da DLRR;

d)           Em 31 de Maio de 2017 a Requerente submeteu a modelo 22 de IRC referente ao período de tributação de 2016;

e)           Em 2018 a Requerente foi objecto de uma acção de inspecção interna quanto ao IRC do período de tributação de 2016;

f)            Em 20 de Julho de 2018 a Requerente submeteu uma declaração periódica de rendimentos modelo 22 de substituição relativa ao período de tributação de 2016;

g)            Na declaração modelo 22 de substituição a Requerente indicou Anexo D os seguintes benefícios fiscais:

SIFIDE de 2016: 43.336,57 €;

RFAI anos anteriores: 132.443,70 €;

RFAI de 2016: 198.665,56 €;

DLRR de 2016: 132.443,70 €;

Total de incentivos: 510.889,53 €;

h)           Na declaração modelo 22 de substituição a Requerente indicou campo 355 do Quadro 10 o montante de 510.889,53 €, tendo utilizado em 2016 a totalidade dos incentivos fiscais que declarou;

i)             Em 1 de Agosto de 2018 foi emitida a liquidação de IRC n.º 2018 ... que deu origem à demonstração de acerto de contas n.º 2018 ..., com um saldo apurado de 47.336,57 €;

j)             Em 13 de Dezembro de 2018 a Requerente apresentou reclamação graciosa quanto ao acto de liquidação de IRC n.º 2018..., referente ao exercício de 2016;

k)            Em 13 de Fevereiro de 2019, por despacho do Chefe de Divisão da Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças de …, foi indeferido o pedido de reclamação graciosa tramitado sob o n.º ...2018...;

l)             Em 19 de Março de 2019 a Requerente apresentou recurso hierárquico, que foi tramitado sob o n.º ...2019..., quanto ao despacho de indeferimento da reclamação graciosa;

m)          No recurso hierárquico que apresentou a Requerente defendeu que a taxa de incentivo acumulado em 2016 era de 24,90 %;

n)           Em 20 de Dezembro de 2020, por despacho da Subdirectora-geral com base na informação n.º I2020..., foi deferido o recurso hierárquico apresentado pela Requerente no qual esta solicitou a inscrição do crédito de imposto RFAI reportável para períodos de tributação seguintes no montante de 609.766,13 €;

o)           A Requerente submeteu a modelo 22 de IRC referente ao período de tributação de 2017;

p)           A Requerente foi notificada da liquidação de IRC relativa ao ano de 2017, com o n.º 2018..., datada de 8 de Agosto de 2018, que deu origem à demonstração de acerto de contas n.º 2018..., cujo montante a reembolsar ascendeu a 106.792,78 €;

q)           Em 17 de Dezembro de 2018 a Requerente apresentou reclamação graciosa quanto ao acto de liquidação de IRC n.º 2018 ... referente ao exercício de 2017;

r)            Em 16 de Abril de 2019, por despacho do Chefe de Divisão da Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças de …, foi indeferido o pedido de reclamação graciosa tramitado sob o n.º ...2018...;

s)            Em 20 de Maio de 2019 a Requerente apresentou recurso hierárquico, que foi tramitado sob o n.º ...2019..., quanto ao despacho de indeferimento da reclamação graciosa;

t)            No recurso hierárquico que apresentou a Requerente defendeu que a taxa de incentivo acumulado em 2016 era de 24,90 % e que a intensidade dos benefícios em 2017 foi de 38,65 %;

u)           Em 28 de Dezembro de 2020, por despacho da Chefe de Divisão de Serviço Central, ao abrigo de subdelegação de competências, foi indeferido o recurso hierárquico apresentado pela Requerente;

v)            Em 4 de Maio de 2021 a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu lugar aos presentes autos.

 

III.1.2. Factos não provados

 

16. Com relevo para a decisão da causa, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

III.1.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

17. Ao Tribunal incumbe o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e Processo Tributário (“CPPT”) e do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 Assim sendo, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é determinada tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objecto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

Considerando as posições assumidas pelas partes nas respectivas peças processuais, o disposto nos artigos 110.º, n.º 7 e 115.º, n.º 1, ambos do CPPT, a prova documental, o PA junto aos autos, bem como a prova testemunhal produzida, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

Não se consideraram provadas nem não provadas as alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

III.2. MATÉRIA DE DIREITO

 

III.2.1. Excepção de caducidade parcial do direito de acção/intempestividade do pedido de pronúncia arbitral e da falta de objecto

 

                18. Na apreciação, a título prévio, da eventual verificação das excepções dilatórias invocadas pela Requerida na sua resposta, deverão ter-se presentes os argumentos enunciados pelas partes a este respeito e que se encontram extensamente desenvolvidos no âmbito do relatório da presente decisão arbitral.

                Enquanto ponto de partida cumpre ter em conta que, em termos genéricos, o objecto processual é definido em função do pedido e da causa de pedir tal como configurados pelo seu autor. No âmbito do processo arbitral tributário, que consiste essencialmente num contencioso de mera anulação, o objecto do processo será, de forma mediata ou imediata, um dos actos tributários previstos no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT. Por essa razão, determina-se no artigo 10.º, n.º 2, alínea b), do RJAT que ao sujeito passivo compete a identificação no respectivo pedido de constituição de tribunal arbitral do acto ou actos tributários que pretende impugnar. Concomitantemente à identificação dos actos submetidos a juízo, terá o sujeito passivo de indicar qual o seu concreto pedido, quais os respectivos fundamentos – que, por força da remissão para o artigo 99.º do CPPT, poderão consistir em qualquer ilegalidade – e, bem assim, quais as questões de facto e de direito objecto do pedido, conforme impõe o artigo 10.º, n.º 2, alínea c), do RJAT. Em virtude da configuração efectuada pelo sujeito passivo e dos (contra)argumentos invocados pela AT, caberá ao Tribunal julgar os actos tributários impugnados legais ou ilegais e, em consequência, mantê-los ou anulá-los da ordem jurídica.

                Feito este enquadramento, constata-se que no presente processo a Requerente identificou enquanto objecto imediato do seu pedido a decisão de indeferimento do recurso hierárquico tramitado sob o n.º ...2019..., interposto contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa tramitada sob o n.º ...2018..., apresentada contra a liquidação de IRC n.º 2018 ... referente ao período de tributação de 2017. Portanto, este último acto de liquidação consiste no objecto mediato do pedido arbitral.

                Já no que respeito aos concretos pedidos formulados, peticionou a Requerente a admissão da fórmula de cálculo que apresentou, com efeitos retroactivos ao período de 2016, bem com a disponibilização da quantia de 1.455.697,20 € como saldo de benefícios fiscais a usufruir tendo por base o limite de dedução à colecta.

                Da leitura conjugada do pedido arbitral com as alegações finais é possível compreender que a Requerente invocou enquanto fundamento dos seus pedidos a existência de vícios de violação de lei, designadamente dos artigos 55.º e 58.º da LGT, 12.º do EBF, 23.º e 43.º do CFI e ainda, do artigo 4.º da Portaria n.º 297/2015, de 21 de Setembro, bem como os princípios constitucionais relativos à tributação pelo rendimento real, da igualdade fiscal e da capacidade contributiva, consagrados nos artigos 104.º, n.º 2 e 13.º da CRP, respectivamente.

                Aqui chegados, é notório que apesar de estar a impugnar nos presentes autos o acto de liquidação de IRC do período de 2017, a Requerente projecta parte do seu pedido quanto ao acto de liquidação de IRC do exercício de 2016. Ainda que em sede de alegações a Requerente refira que a projecção quanto ao período de tributação de 2016 é apenas uma consequência mediata e indirecta do efeito anulatório do acto de liquidação de IRC do exercício de 2017, a verdade é que esta conformou inicialmente os seus pedidos e, bem assim, nos vários momentos subsequentes em que foi chamada a pronunciar-se a este respeito, como pretendendo expressamente a procedência de um efeito retroactivo quanto ao período de 2016. Significa isto que, em bom rigor, a Requerente pretende a produção de efeitos quanto a um acto e a um período que não se encontram abrangidos pelo objecto imediato ou mediato da presente acção arbitral.

                Repare-se que mesmo que este Tribunal venha a declarar a ilegalidade da decisão de indeferimento do recurso hierárquico e, consequentemente, do acto de liquidação que lhe está subjacente, o efeito anulatório desses actos não produzirá efeitos quanto ao acto de liquidação de IRC de 2016, que é um acto tributário autónomo e diverso do ora impugnado. E isto é assim independentemente de a determinação da intensidade dos auxílios concedidos ao mesmo investimento para efeitos da verificação do cumprimento dos limites previstos no artigo 43.º do CFI ser feita de forma sucessiva e cumulativa, isto é, de em todos os períodos de tributação se partir da percentagem remanescente, em face da taxa utilizada, para o apuramento dos valores a utilizar no período em questão e a transitar para os períodos seguintes.

                Ainda que a Requerente invoque que apenas apresentou a declaração de substituição da modelo 22 relativa ao exercício de 2016 de forma a que a AT validasse a declaração modelo 22 do período de tributação de 2017, a verdade é que nada a impedia de proceder à respectiva contestação graciosa e judicial do acto de liquidação de IRC resultante daquele declaração de substituição. Tanto assim é que a Requerente apresentou, num primeiro momento, uma reclamação graciosa quanto a esse mesmo acto e, num segundo momento, um recurso hierárquico relativamente àquela reclamação. Recurso hierárquico esse no qual, inclusive, foram deferidas as pretensões da Requerente no sentido de considerar a existência de uma taxa de 24,90 % de incentivo acumulado em 2016 e de contabilizar um crédito de imposto RFAI reportável para os períodos de tributação seguintes no montante de 609.766,13 €. Sem prejuízo deste deferimento, se a Requerente não concordava na sua plenitude com os efeitos dele decorrentes sempre poderia proceder à sua impugnação perante os tribunais tributários ou arbitrais, invocando para o efeito os vícios que entendesse pertinentes.

                O que não pode a Requerente fazer é tentar “reapreciar” o acto de liquidação de IRC de 2016 e “reabrir” a via judicial através da impugnação arbitral do acto de liquidação de IRC de 2017. Desde logo porque a falta de impugnação judicial no prazo de 3 meses nos termos do artigo 102.º do CPPT ou de dedução de pedido arbitral no prazo de 90 dias nos termos do artigo 10.º do RJAT, firmou a respectiva consolidação na ordem jurídica como “caso decidido” ou “caso resolvido”, que se impõe necessariamente quanto ao acto de liquidação de IRC de 2017 que lhe é posterior.

                Portanto, assiste razão à Requerida quanto à caducidade parcial do direito de acção/intempestividade do pedido formulado no que em concreto respeita à admissão da fórmula de cálculo propugnada pela Requerente com efeitos retroactivos ao período de 2016.

                Assente que está a insusceptibilidade da formulação desta parte do pedido arbitral, cumpre então aferir da admissibilidade do prosseguimento da acção relativamente aos restantes pedidos formulados, designadamente no que respeita à admissão da fórmula de cálculo propugnada pela Requerente e à disponibilização da quantia de 1.455.697,20 € como saldo de benefícios fiscais a usufruir tendo por base o limite de dedução à colecta por referência ao período de tributação de 2017.

                Para o efeito, caberá antes de mais recordar o entendimento da Requerente no que respeita à indiscutível interligação e dependência entre os limites apurados em cada período de tributação nos períodos de tributação seguintes. No âmbito do pedido arbitral referiu a Requerente que “a substituição da modelo 22 de IRC, relativa ao ano de 2016, teve como único objetivo, por parte da AT, corrigir o valor a transitar, que acabou por ser eliminado na sua totalidade, devido a constrangimentos da validação da Modelo 22, relativa a 2017, por parte dos serviços centrais de IRC da AT (…) Impossibilitando a utilização dos benefícios fiscais no ano seguinte por parte da Requerente”, tendo ainda referido no âmbito do exercício do contraditório quanto às excepções invocadas pela Requerida que “é impossível verificar a determinação da intensidade dos auxílios concedidos relativo a um ano específico, sem verificar o ocorrido nos anos anteriores (…) Até porque, para determinação da intensidade dos mesmos é sempre necessário considerar os auxílios já concedidos (nos anos anteriores)”, e que “[é], por esse motivo, essencial e pertinente determinar a intensidade dos auxílios desde o início, pois, qualquer vicissitude ocorrida no apuramento num dos anos, afetará, indiscutivelmente, os anos seguintes. (…) Não restam, por isso, dúvidas quanto à essencialidade de análise do ano 2016”.

                Resulta do entendimento acabado de citar que, em bom rigor, a Requerente formulou todos os seus pedidos de modo a garantir a repercussão de uma eventual procedência da presente acção no exercício de 2016. É que para além de ser uma decorrência de parte dos pedidos formulados, a correcção retroactiva ao exercício de 2016 consiste simultaneamente numa conditio sine qua non à invocação das ilegalidades imputadas ao acto de liquidação de IRC do período de tributação 2017, tal como conformada a acção pela Requerente. Isto na medida em que é a própria Requerente que reconhece que no exercício de 2016 utilizou a totalidade dos incentivos fiscais que declarou, não tendo transitado para o período de tributação de 2017 qualquer valor de incentivo fiscal susceptível de reporte. Por conseguinte, a disponibilização do montante de 1.455.697,20 € está também ela total e indissociavelmente dependente da correcção retroactiva já anteriormente referida. Correcção essa que, no fundo, consiste na causa de pedir da disponibilização daquele montante incluindo, portanto, o objecto do pedido arbitral tal como configurado pela Requerente.

                Ora, ao não ter esta imputado vícios próprios e autónomos ao acto de liquidação de IRC de 2017 objecto dos presentes autos e que não estejam dependentes da necessária correcção do acto de liquidação de IRC do ano de 2016 que se encontra já abrangido por “caso decidido” ou “caso resolvido” e, consequentemente, consolidado na ordem jurídica, verifica-se também quanto à restante parte do pedido a matéria de excepção invocada pela Requerida.

                Em face do exposto, julgam-se procedentes as excepções dilatórias de caducidade parcial do direito de acção/intempestividade do pedido de pronúncia arbitral e da falta de objecto invocadas pelas Requerida na sua resposta, determinando-se em consequência a absolvição desta da instância nos termos conjugados dos artigos 278.º, 279.º 576.º, n.º 2, 578.º e 579.º todos do CPC aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, ficando assim prejudicado o conhecimento do mérito da causa nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC também ele aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

IV. DECISÃO

 

Termos em que se decide:

a)            Julgar procedente as excepções dilatórias invocadas pela Requerida e, em consequência, determinar a sua absolvição da instância;

b)           Condenar a Requerente nas custas do processo.

 

V. VALOR DO PROCESSO

               

                Atendendo ao disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixando-se ao processo o valor de 1.455.697,20 €.

 

VI. CUSTAS

 

Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de 19.584,00 €, a cargo da Requerente, conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 19 de Abril de 2022.

 

Os Árbitros,

 

Maria Fernanda dos Santos Maçãs

(presidente)

 

Carlos Manuel Baptista Branco

Carla Castelo Trindade

(Relatora)