Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 144/2021-T
Data da decisão: 2021-11-16  IRC  
Valor do pedido: € 25.367,96
Tema: IRC – Goodwill adquirido numa concentração de actividades empresariais e sua subsunção na alínea b) do n.º 1 do art.º 45.º-A do CIRC.
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DECISÃO ARBITRAL

SUMÁRIO:

 

  1. Na determinação e reconhecimento do goodwill que releva para efeitos da aplicabilidade do art.º 45.º-A do CIRC há duas etapas a considerar: i) uma, a da identificação dos activos, passivos e passivos contingentes adquiridos no âmbito da uma concentração de actividades empresariais (CAE); ii) a segunda, consubstanciada na valorização ou mensuração desses activos e passivos ao justo valor.
  2. E analisados todos os ativos e passivos da sociedade adquirente de uma CAE e apurados os correspondentes justos valores, empreendendo-se a referida tarefa da valorização ou mensuração, uma de duas conclusões pode advir: i) que os activos e passivos não divergiam das quantias que se encontravam inscritas na contabilidade; ii) mas, igualmente se pode concluir em sentido contrário, ou seja, que algumas das rubricas constantes do balanço societário que integrem o activo ou até o passivo, podem não evidenciar valores coincidentes com o respectivo justo valor da rubrica em causa.
  3. A título meramente exemplificativo pode indicar-se um activo fixo tangível, consubstanciado num determinado edifício que está registado na Conta SNC # 432 – Edifícios e Outras Construções – e tinha um valor escriturado de X e um justo valor que lhe foi atribuído de X+Y, intuindo-se daqui que tal activo estava manifestamente subvalorizado nas demonstrações financeiras da sociedade adquirida.
  4. E se assim for, o que releva para determinação do goodwill (independentemente da respectiva relevação contabilística que vinha já da sociedade adquirida), é exactamente o aludido justo valor, ou seja, no exemplo figurado, o X+Y, independentemente da politica de amortização para esse activo que vinha sendo seguida na trespassante e que eventualmente continuou a ser seguida na trespassária.
  5. Esta tarefa da valorização e mensuração ao justo valor, pode e deve, obviamente, estender-se a todos os restantes activos e passivos (até os contingentes) e de entre eles os que se consubstanciam na respectiva Conta SNC # 211 – Clientes C/C ou até nas contas # 32 a 37 (Inventários e Activos biológicos) e caso se constate que alguns deles figuram no balanço por valores superiores ao do seu justo valor, o que, v.g., pode decorrer de não haverem sido constituídas as necessárias imparidades na esfera jurídica da sociedade adquirida e serem, os correspondentes créditos e inventários, superiores ao seu valor de recuperação, têm de ser revalorizados em função do aludido justo valor e daí resultará que o goodwill será influenciado por tal revalorização e, do mesmo modo, independentemente do tratamento que vinha sendo dado a esses activos em matéria de imparidades na trespassante.
  6. A tarefa de valorização e mensuração dos activos, passivos e passivos contingentes ao justo valor para efeitos de determinação do goodwill não podia deixar de encerrar também a avaliação de eventuais passivos que não se mostrassem reflectidos na contabilidade da sociedade adquirida.
  7. E realizada essa tarefa constatou a Requerente que faltava a relevação contabilística da estimativa de encargos para férias enquanto passivo identificável.
  8. Assim sendo, apurou a Requerente o correspondente valor e fê-lo influenciar no apuramento do goodwill relevante para efeitos da sua subsunção no art.º 45.º-A do CIRC.  
  9. A Requerente mais não fez do que respeitar o § 26 da NCRF 14 e que determina que a adquirente deve reconhecer, à data da aquisição, os passivos identificáveis da adquirida (mesmo que eles não se encontrem reflectidos nas respectivas demonstrações financeiras) se for provável que um exfluxo de recursos incorporando benefícios económicos seja necessário para liquidar a obrigação e o seu justo valor possa ser mensurado com fiabilidade.

 

I. RELATÓRIO:

 

1. A, pessoa colectiva n.º …, com sede na Rua … (doravante, Requerente), apresentou, em 5.3.2021, um pedido de pronúncia arbitral invocando o disposto no n.º 1 do art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, de ora em diante apenas designado por RJAT) em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

2. No pedido de pronúncia arbitral (doravante PPA), a Requerente optou por não designar árbitro.

 

3. Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou árbitro singular que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

4. Em 3.5.2021, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, por aplicação conjugada da alínea a) e b) do n.º 1 do art.º 11º do RJAT e dos art.º 6º e 7º do Código Deontológico.

 

5. Em conformidade com o estatuído na alínea c) do n.º 1 do art.º 11º do RJAT, na redacção que lhe foi introduzida pelo art.º 228.º da lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 21.5.2021 para apreciar e decidir o objecto do processo.

 

6. A pretensão objecto do pedido de pronúncia arbitral consiste: i) Na declaração de ilegalidade parcial da liquidação de IRC n.º 2020 …078, relativa ao período de tributação de 2017, no montante de 5.518,52 € e ainda dos correspondentes juros compensatórios reportados à liquidação n.º 2020 …896, bem assim como da totalidade da liquidação adicional de IRC n.º 2020 …192 e correspondentes juros compensatórios (liquidação n.º 2020 …220), relativas ao período de tributação de 2018, no montante total de 19.849,44 €; ii) Em consequência do eventual decretamento da ilegalidade dos actos de liquidação referidos, na restituição à Requerente do valor pago indevidamente a título de IRC e de juros compensatórios na parte correspondente ao valor das correcções ao lucro tributável de 2017 e 2018 contestadas na presente acção, ou seja, em função do petitório, do montante de 25.367,96 €; iii) No pagamento à Requerente de juros indemnizatórios, por estarem preenchidos os pressupostos previstos nos artigos 43.º e 100.º da LGT e art.º 61.º do CPPT, contados desde a data do pagamento indevido até à restituição do imposto pago em excesso com referência àqueles período de tributação (Cfr. n.º 5 do art.º 61º do CPPT), assim se reestabelecendo a situação que existiria se as liquidações objeto do presente pedido não tivessem sido efectuadas, e, assim, se a ilegalidade não tivesse sido cometida (Cfr. art.º 100.º da LGT).

 

7. Fundamentando o seu pedido, a Requerente alegou, em síntese, o seguinte:

 

I.A) Breve síntese das alegações da Requerente no Pedido de Pronúncia Arbitral:

 

7.1. Começa a Requerente por trazer à colação o disposto no n.º 2 do art.º 49.º do RCPITA que diz que  a notificação prévia para procedimento de inspeção “(...) efetua-se por carta-aviso elaborada de acordo com o modelo aprovado pelo diretor-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, contendo os seguintes elementos: a) Identificação do sujeito passivo ou obrigado tributário objecto da inspecção; b) Âmbito e extensão da inspecção a realizar.”

  1. Prossegue a Requerente aduzindo no sentido de que “No dia 16 de setembro de 2019, foi (...) notificada da Ordem de Serviço com o número OI201…, com despacho datado de 8 de agosto de 2019, da qual constava informação sobre o âmbito e extensão da ação inspetiva de que viria a ser objeto.”
  2. E partindo daquele Despacho (que juntou ao PPA como Doc. n.º 3) defende a Requerente que o procedimento inspetivo aberto era de natureza externa e âmbito parcial e incidia sobre o período de tributação de 2017.
  3. Realça a Requerente que não recebeu qualquer outra notificação durante a inspecção tributária desencadeada, nomeadamente, notificação que estendesse o âmbito de aplicação temporal do procedimento inspectivo aberto ao exercício de 2018. 
  4. E partindo daqui explicita a Requerente que o art.º 15.º do RCPITA estatui como segue: “os fins, o âmbito e a extensão do procedimento de inspecção podem ser alterados durante a sua execução mediante despacho fundamentado da entidade que o tiver ordenado, devendo ser notificado à entidade inspeccionada.”
  5. Levando em conta o teor do RIT que está junto aos autos a fls. 53 e seguintes do PA, aduz a Requerente que o procedimento inspetivo que está a ancorar as liquidações sindicadas incidiu, não só sobre o período de 2017, mas também sobre o período de 2018 – sem que a Requerente tenha sido notificada da extensão do âmbito inspetivo.
  6. Seguidamente traz aquela à discussão o n.º 1 do art.º 42º do RCPITA e o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 19 de Setembro de 2018, proferido no âmbito do processo com o n.º 1460/17, aduzindo que não tendo recebido qualquer notificação do alargamento do âmbito de inspeção, estamos perante uma preterição de formalidade essencial, que tem como consequência a anulação dos actos consequentes, designadamente a liquidação adicional impugnada no que concerne ao período de tributação de 2018.
  7. Concluindo a Requerente no sentido de que “(...) impendia sobre a AT a obrigação de comunicar previamente à ora Requerente a decisão de alteração do âmbito do procedimento inspetivo” e ainda de que “(...) a falta de notificação ao sujeito passivo inspecionado do despacho que determinou o alargamento do âmbito da inspeção constitui violação de formalidade legal essencial, porque estruturante do procedimento inspetivo, a determinar a invalidade dos ulteriores termos procedimentais, designadamente da liquidação que neles se suporta (vide artigo 163.º do Código de Procedimento Administrativo, aplicável ex vi do art.º 4.º do RCPITA).”
  8. Partindo da constatação de que o valor considerado pela Requerente a título de goodwill foi corrigido pela AT que o reduziu em 1.942.382,97, tendo passado de €2.238.237,33 para €295.854,36, diz aquela que tal correcção se encontra alicerçada na alegada inflação – concretizada pela Requerente – do valor das perdas por imparidade em créditos, das perdas por imparidade em inventários e pela estimativa de encargos com férias.
  9. Repristinando o entendimento da AT, diz a Requerente: “(...) o goodwill apurado “teve três componentes distintas: − Relevação dos valores de compras das operações (…); − Relevação dos ativos e passivos transmitidos pelas trespassantes (valores em Balanço à data de operação de Trespasse) pelos valores constantes da contabilidade dessas empresas (…); − Já só na contabilidade da empresa trespassária (sem qualquer influência nas trespassantes), a A contabilizou reforços de perdas por imparidade relativas a créditos de clientes (€1.842.220,64), perdas por imparidade em inventários (€60.162,33) e estimativa de encargos com férias (€40.000) (…).”
  10. Entendendo a AT que o valor apurado pela Requerente “(...) não cumpre a definição contabilística de goodwill expressa no parágrafo 33 da Norma Contabilística e de Relato Financeiro (doravante apenas designada “NCRF”) 14 – acolhida pelo artigo 45.º-A do Código do IRC e pelo artigo 16.º do Decreto Regulamentar 25/2009, de 14 de setembro – nos termos da qual “o trespasse (goodwill) adquirido numa concentração de atividades empresariais representa um pagamento feito pela adquirente em antecipação de benefícios económicos futuros de ativos que não sejam capazes de ser individualmente identificados e separadamente reconhecidos.”
  11. Continuando a explicitar a posição da AT diz a Requerente que “o valor de €1.942.382,97 que o contribuinte acresceu ao Goodwill determinado, não representa de todo um ativo intangível incapaz de ser individualmente identificado e separadamente reconhecido”, arguindo, nessa medida, que o valor a considerar a título de goodwill deverá ascender a €295.854,36, ao invés do montante de €2.238.237,33 apurado e contabilizado pela Requerente como ativo intangível.” e ainda que “não se tendo verificado a comprovação do deperecimento efetivo” a amortização contabilística praticada – de €37.303,96 no período de 2017 e de €111.911,87 no período de 2018 – deveria ter sido acrescida no quadro 07 da modelo 22 do respetivo período de tributação.”
  12. Terminando a explicitação da posição defendida pela AT, diz ainda a Requerente que aquela sustenta que a A, deveria ter deduzido “1/20 do custo de aquisição do Goodwill adquirido numa concentração de atividades empresariais, após o reconhecimento inicial, (…) no quadro 07 da declaração modelo 22 do IRC” – sendo o valor da dedução fiscal a considerar, nos termos do 45.º-A, o que resulta da seguinte operação: €295.854,36 / 20 (anos) = €14.792,72.”
  13. Tendo em vista fundamentar a mensuração do Goodwill que foi efectivada, começa a Requerente por dizer que “No dia 11 de agosto de 2017 foram celebrados dois contratos de trespasse – denominados “Asset Purchase Agreement as a going Concern (Trespasse)” – que deram origem à consideração, na esfera da ora Requerente (trespassária), de um valor a título de goodwill, no montante de €2.238.237,33, correspondente ao total a débito menos o total a crédito.”
  14. Prossegue aduzindo como segue: “O preço total da transação ascendeu ao montante de €769.804,12, sendo que o justo valor dos ativos e passivos, à data da transação, ascendia ao montante de € 1.468.433,21, o que originou um goodwill de 2.238.237,33 – €90.247,89 relativo à B e €2.147.989,44 relativo à C – na esfera da trespassária.
  15. Avança seguidamente partindo de uma acepção de cariz meramente aritmético mas enunciando também o entendimento de ANTÓNIO MARTINS vertido em “Justo Valor de Imparidades em Ativos Fixos Tangíveis e Intangíveis – Aspetos Financeiros, contabilísticos e Fiscais”, Almedina, Maio de 2010, página 147, e que vai no sentido de que o goodwill “representa a diferença entre o preço pago por uma entidade e o justo valor dos elementos patrimoniais identificáveis da entidade adquirida.” e ainda de que o goodwill é “reconhecido como a diferença entre o preço pago e o justo valor do património adquirido tem uma validação externa: a do comprador (…) que avaliou a empresa alvo e entende que pode dela retirar um retorno super-normal através do melhor uso dos seus ativos.” (vide página 149 de “Justo Valor de Imparidades em Ativos Fixos Tangíveis e Intangíveis – Aspetos Financeiros, contabilísticos e Fiscais”, Almedina, Maio de 2010).
  16. E transcritos tais ensinamentos, diz a Requerente: “Quer isto dizer que, ao reconhecer-se um goodwill num processo de aquisição, há sempre uma chancela externa que o quantificou.” E não se detendo continua a Requerente “(...) A Adquirente (in casu, a Requerente) ao dispor-se a pagar um preço acima do justo valor pela empresa adquirida, prevê que seja capaz de utilizar os recursos económicos (materiais e imateriais) da adquirida de forma mais eficiente, esperando que a capacidade/probabilidade de retirar de um conjunto de elementos patrimoniais agregados numa entidade empresarial possua uma rendibilidade manifestamente superior à média do setor.
  17. Continuando a ancorar a sua exegese nos ensinamentos de ANTÓNIO MARTINS, obra cit. prossegue a Requerente citando-o: “o goodwill deve conter ou representar apenas os elementos imateriais dos quais se esperam benefícios económicos futuros relativamente aos quais a identificação e separabilidade como intangíveis específicos (v.g., marcas, projetos de desenvolvimento, patentes, direitos contratuais, etc.) não seja possível.” (vide página 153 de “Justo Valor de Imparidades em Ativos Fixos Tangíveis e Intangíveis – Aspetos Financeiros, contabilísticos e Fiscais”, Almedina, Maio de 2010).
  18. Notando a Requerente que “Esta definição de goodwill é, aliás, expressamente consagrada no parágrafo 9 da NCRF 14, caracterizando-se este elemento como correspondendo a benefícios económicos futuros resultantes de ativos “que não são capazes de ser individualmente identificados e separadamente reconhecidos.”
  19. E partindo dali refere a Requerente que “(...) no processo de reconhecimento do goodwill pelo método da compra - previsto na NCRF 14, (...) - a entidade adquirente (...) tem de identificar o justo valor dos ativos e passivos adquiridos, comparando esse justo valor com o preço da transação.
  20. Inferindo daí que “A diferença resultante da operação supra descrita qualifica como goodwill.”
  21. Ancorando-o também no que estatui a NCRF 14, no seu parágrafo 25, que dispõe: “a adquirente (...) deve, à data da aquisição, imputar o custo de uma concentração de atividades empresariais ao reconhecer os ativos, passivos e passivos contingentes identificáveis da adquirida que satisfaçam os critérios de reconhecimento do parágrafo 26 pelos seus justos valores nessa data (…).” Dizendo a Requerente que na mesma norma, é estabelecido que “qualquer diferença entre o custo da concentração de atividades empresariais e o interesse da adquirente no justo valor líquido dos ativos, passivos e passivos contingentes identificáveis assim reconhecidos deve ser contabilizada de acordo com os parágrafos 43 a 50.”
  22. E finalmente trazendo ainda à colação o normativo previsto no parágrafo 43 da NCRF 14, nos termos do qual se estabelece que, a Requerente, à data de aquisição dos ativos, deverá: a) “Reconhecer o goodwill adquirido numa concentração de atividades empresariais como um ativo; e b) Inicialmente mensurar esse goodwill pelo seu custo, que é o excesso do custo da concentração de atividades empresariais acima do interesse da adquirente no justo valor líquido dos ativos, passivos e passivos contingentes identificáveis reconhecido de acordo com o parágrafo 25.”
  23. E explicitado tal normativo, aduz a Requerente no seguinte sentido: “(...) Uma análise do normativo explanado nos artigos supra, permite facilmente constatar que existem duas etapas distintas e demarcadas no processo de reconhecimento e contabilização do goodwill, previstas no Sistema de Normalização Contabilística (...) e que segue estreitamente as International Financial Reporting Standards (doravante apenas designadas “IFRS”).” (...) De facto, a determinação e reconhecimento do goodwill deve sempre contemplar as seguintes etapas: 1. A primeira das quais, relativa à identificação dos ativos e passivos adquiridos por parte da adquirente (e que visa sobretudo garantir que a transmissão não inclua outros ativos que possam ser separadamente identificáveis do goodwill) e que, desde já avançamos, foi confundida pela AT, como se tendo identificado perdas por imparidade. Exemplos de tais ativos que podem ser identificados no contexto da transação, e que não se encontravam reconhecidos na contabilidade da entidade alienante (face ao normativo contabilístico em vigor), incluem marcas geradas internamente e carteira de clientes; 2. A segunda consubstanciada na valorização desses ativos e passivos ao justo valor. (...) Em fase ulterior, e como já aqui se constatou, o goodwill irá corresponder à diferença entre o preço da transação e o justo valor dos ativos e passivos parte dessa transação – que se encontravam devidamente identificados, em resultado da prossecução da primeira etapa.”
  24. E dito isto, sustenta a Requerente que a AT, no caso sub judice, confundiu grosseiramente as duas etapas.
  25. Defendendo a Requerente que “(...) a AT considerou que a determinação e mensuração, pelo justo valor, dos ativos subjacentes às perdas por imparidade relativas a créditos de clientes e às perdas por imparidade em inventários, realizada pela Requerente, integrava a primeira etapa do procedimento acima descrito – que respeita à identificação de ativos e passivos transacionados.”
  26. Continuando, ao dizer que: “Assim, o seu reconhecimento não decorreu do processo de identificação de ativos ou passivos pela entidade adquirente, mas da mensuração dos ativos subjacentes a estas perdas por imparidade (créditos de clientes e inventários) ao justo valor, para posterior comparação com o preço da transação.”
  27. Concluindo a Requerente como segue: “A AT considerou que a ora Requerente se encontrava a reconhecer perdas por imparidade – enquanto ativo/passivo separadamente identificável do goodwill – quando, na realidade, a Requerente se encontrava, meramente, a valorizar essas contas a receber pelo justo valor, em cumprimento rigoroso [da segunda etapa] do normativo contabilístico, nos termos definidos supra. E ainda que “De facto, e tendo a AT confundido os dois momentos que compõem o procedimento de contabilização do goodwill, conforme acima se demonstrou, não poderão as correções efetuadas ser aceites, uma vez que, o valor corrigido respeita tão-só, à mensuração/valorização dos ativos e passivos que lhes estão subjacentes ao justo valor.”
  28. Quanto às estimativas de encargos para férias discorre a Requerente como segue: “(...) estas foram efetivamente identificadas pela Requerente enquanto passivo – uma responsabilidade decorrente das operações em causa – que, não se encontrava refletida na contabilidade da entidade trespassante à data da operação. (...)Por conseguinte, o reconhecimento da estimativa de encargos para férias enquanto passivo identificável (segundo a norma contabilística), implicou, evidentemente, a redução do justo valor líquido dos ativos, passivo e passivos contingentes adquiridos pela Requerente, implicando o aumento do valor do goodwill.”
  29. Aduzindo a Requerente: “Com efeito, a identificação do passivo que não se encontrava reconhecido na esfera da trespassante (reconhecimento dos encargos para férias), obrigatória pelas regras contabilísticas, resulta, necessariamente, num aumento do goodwill. Não se vê como o reconhecimento do passivo (obrigatório nas regras contabilísticas) não pudesse ter como implicação no aumento do Goodwill.”
  30. Notando finalmente a Requerente que a AT não questionou se o justo valor dos créditos e inventários ou as responsabilidades de encargos para férias foram devidamente apurados pela Requerente.
  31. Retirando a Requerente as seguintes asserções finais: “(...) não poderá a ora Requerente conformar-se, resignando-se a aceitar o juízo da AT, quando este é consubstanciado na aplicação arbitrária e inexata do normativo jurídico-fiscal à questão sub judice, tampouco quando este desvirtua a concretização da ordem jurídica, concebida enquanto espaço de plena realização da Justiça e do Direito. (...) Porquanto e na sequência do exposto, tem-se por concluído que: 1. A Requerente adotou sempre uma postura aberta e diligente, assente em princípios de segurança, cooperação e boa-fé; 2. Nestes termos, a Requerente registou corretamente as operações contabilísticas pelo justo valor, respeitando o preceituado nas NCRF 6 e 14, bem como a legislação nacional a este respeito.”

 

8. Em 21.6.2021, a Requerida apresentou Resposta, na qual, em escorço, alega:

 

I.B) Breve síntese das alegações da Requerida:

 

8.1. A propósito da questão da ausência de Extensão do Procedimento de Inspeção ao período de tributação de 2018, começa logo a Requerida por discordar frontalmente da posição defendida pela Requerente que sustentava ter ocorrido falta de notificação do despacho que estabeleceu o alargamento do âmbito da inspeção e que, tal circunstância, constituía violação de formalidade legal essencial, a determinar a invalidade/anulabilidade dos actos tributários de liquidação de IRC e JC de 2018.

8.2. A Requerida fundamentava tal discordância como segue: “9.1 A Requerente foi objeto de uma ação inspetiva externa ao período de tributação de 2017 em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2019…, tendo sido previamente notificada da realização do procedimento, conforme determina o art.º 49.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA). 9.2 A notificação ao sujeito passivo ou obrigado tributário só é efetuada no âmbito de procedimentos inspetivos externos, uma vez que estes atos se efetuam total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários ou outro local indicado a que a AT tenha acesso. (cfr. al. b) do art.º 13.º e art.º 49.º do RCPITA). 9.3. A Requerente não foi notificada da realização da Ordem de Serviço OI 2020…, dirigida ao período de tributação de 2018, uma vez que a mesma apresentou uma natureza interna.”

8.3. Defende a Requerida que o procedimento inspectivo dirigido ao exercício de 2018 “foi exclusivamente efetuado nos serviços da AT, dado que a ITA para efetuar a correção fiscal no período de 2018, já tinha na sua posse todos os elementos relativos ao goodwill gerado em 2017. (cfr. Documentos e despacho de emissão de credencial interna GPS, OI2019… e OI 2020…, páginas 7 a 15).”

8.4. E partindo dali aduz a Requerida no sentido de que “A previsão legal estabelecida no art.º 49.º do RCPITA só se aplica aos procedimentos inspetivos externos, situação que não ocorreu com a ação inspetiva do período de 2018 que apresentou uma natureza interna.”

8.5. Retirando a Requerida a asserção de que à Requerente e a tal propósito não assiste razão uma vez que se verifica que foi dado cumprimento a todas as formalidades prescritas no RCPITA.

8.6. Passando a tratar a questão da mensuração do goodwill a fls. 6 e seguintes da Resposta, traz à colação a NCRF 14 na sua redacção publicada no Diário da República, 2.ª Série, n.º 146, de 29.7.2015, Aviso n.º 8256/2015, que na parte com interesse para a dilucidação da presente contenda abundantemente transcreve. 

8.7 Volvendo para o enquadramento fiscal das operações sub judicio, traz a Requerida à discussão o n.º 9 do art.º 18.º do CIRC que determina que “Os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor não concorrem para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados, exceto quando: a) Respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, desde que, tratando-se de instrumentos do capital próprio, tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, direta ou indiretamente, uma participação no capital superior a 5 % do respetivo capital social; ou b) Tal se encontre expressamente previsto neste Código.”

8.8 Retirando a Requerida daquele normativo que “(...) face à previsão legal estabelecida no n.º 9 do art.º 18.º do CIRC, verifica-se [que] a aproximação entre a contabilidade e a fiscalidade na aplicação do modelo do justo valor apenas contempla as situações previstas nas alíneas a) e b) da norma o que não sucede no caso concreto.” E sem se deter diz a Requerida que “(...) quando ocorra uma operação de transmissão de atividade empresarial, o registo contabilístico dos ativos transferidos e passivos assumidos que incorpore ajustamentos resultantes da aplicação do modelo do justo valor, esses ajustamentos não concorrem para a determinação do lucro, isto é, não são aceites para efeitos fiscais.”

8.9 Segue-se a explicitação das regras que consubstanciam o regime das depreciações e amortizações e das perdas por imparidade em activos não correntes, concretamente os artigos 29.º a 34.º do CIRC, e ainda o Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de Setembro. Refere ainda a Requerida que “(...) paralelamente ao regime fiscal de amortização do goodwill previsto no art.º 16.º do DR 25/2009, existe para os ativos adquiridos em ou após 2014-01-01, o regime prescrito no art.º 45.º-A do CIRC, aditado pelo art.º 3.º da Lei n. º 2/2014, de 16 de janeiro, com a epígrafe "Ativos intangíveis, propriedades de investimento e ativos biológicos não consumíveis." e que transcreve.

8.10  E explicitado o quadro normativo que conforma a questão essencial submetida a julgamento, conclui a Requerida: “Assim, em termos fiscais, no que se refere ao goodwill existe a opção pelo regime de amortização constante da al. a) do n.º 3 do art.º 16.º do DR n.º 25/2009, de 14 de setembro, caso se verifiquem os requisitos aí previstos, ou pelo regime do artigo 45.º-A do Código do IRC para os ativos adquiridos a partir (inclusive) de 1 de janeiro de 2014.”

8.11 Não deixando a Requerida de aduzir no sentido de que “Após análise e ponderação de todos os elementos constantes no processo, à luz das previsões legais de âmbito contabilístico e fiscal relativos ao goodwill adquirido numa concentração de atividades empresariais como ocorre no sub judice, não pode ser assacado nenhum vício a estas correções.”

8.12. Fundamentando a ausência de enfermidades das liquidações submetidas a julgamento na circunstância do reconhecimento contabilístico do goodwill como um ativo resultar da “(...) diferença entre preço de compra e o justo valor dos ativos e passivos assumidos, o que equivale ao excesso do custo da concentração de atividades empresariais acima do interesse da adquirente no justo valor líquido dos ativos, passivos e passivos contingentes identificáveis.”

8.13. E dizendo que o valor de aquisição global relevado na contabilidade pela Requerente, atinente às transações relativas à transmissão das atividades empresariais em causa ascendeu a €769.804,12 que corresponde ao preço de compra das atividades transferidas pela C (€700.433,30) e pela B (€69.370,82) e que os ativos líquidos (diferença entre ativos e passivos assumidos) referentes às atividades em causa e registados na contabilidade das sociedades C e B, à data das operações de trespasse, totalizavam o montante de €473.949,76, retira a Requerida a asserção de que ao abrigo da NCRF 14 e do n.º 9 do art.º 18.º do CIRC, o goodwill a considerar para efeitos contabilísticos e fiscais, ascende ao montante de €295.854,36, correspondendo o mesmo à diferença que entre o preço de compra das atividades empresariais adquiridas (€769.804,12) e os respetivos ativos líquidos transferidos para a esfera jurídica da Requerente e que constavam na contabilidade das sociedades trespassantes, aceitando como gasto fiscal (o que igualmente quadra com o que está no RIT) em cada período de tributação a vigésima parte (1/20) do goodwill adquirido que se cifra em €14.792,72 (€295.854,36/20) para cada período de tributação de 2017 e 2018.

8.14 A Requerida prossegue o seu argumentário aduzindo no sentido de que “A Requerente, para além do custo de aquisição dos trespasses e dos ativos líquidos transferidos para a sua esfera tendo por base os registos contabilísticos dos ativos e passivos existentes nas sociedades trespassantes (C e B), contabilizou, com referências às atividades empresariais transmitidas, perdas no montante total de €1.942.382,97, alegadamente referentes  a: - Reforços de perdas por imparidade relativas a créditos de clientes (€1.842.220,64); -Perdas por imparidades em inventários (€60.162,33); -Estimativas de encargos com férias (€40.000,00).”

8.15. Seguidamente a Requerida explicita o procedimento da Requerente visando a mensuração do goodwill e sustenta que o correspondente valor se mostra incorrecto fundada no seguinte argumentário: “(...) i) Para existir um goodwiil terá inevitavelmente de ser apurada uma diferença positiva entre o custo de aquisição das atividades empresariais e o justo valor dos ativos e passivos assumidos apurados, nos termos da normalização contabilística e fiscal. ii) O que se observa é que a Requerente se dispôs a pagar o valor de €769.804,12 (preço de compra) para prosseguir o desenvolvimento das atividades económicas transmitidas. iii) No valor desta transação incluem-se, como sabemos, os ativos identificados (tangíveis) e os identificáveis (intangíveis), representando o goodwill adquirido o pagamento feito pela Requerente em antecipação de benefícios económicos futuros de ativos que não sejam capazes de ser individualmente identificados e separadamente reconhecidos (intangíveis). iv) Se o preço de compra das operações em causa totalizou €769.8041,12, fica desde logo afastado qualquer argumento da Requerente de que apurou um goodwill de €2.238.237,33. v) Nem sequer estamos na presença de uma compra a preço baixo mencionada na NCRF 14, isto é, aquela em que o valor de aquisição situa aquém do interesse da adquirente e que ocorre quando o valor dos ativos e passivos transmitidos representa um valor global superior. vi) No caso concreto estamos, somente, perante um registo contabilístico efetuado fora das normas contabilísticas, injustificado, que pretende de uma forma artificiosa, apurar um aumento de goodwiil que não existe.”

8.16. Inferindo a Requerida de todo o exposto e quanto à mensuração do goodwill adquirido na concentração de atividades empresariais aqui em causa que ele é de €295.84,36, daí resultando a aceitação fiscal de um gasto €14.792.72 (€295.854,36/20) em cada período de tributação, no caso concreto 2017 e 2018.

 

II. THEMA DECIDENDUM:

 

9. As questões de fundo a apreciar no presente processo são as seguintes: i) a de saber se o acto tributário de liquidação de IRC reportado ao ano de 2018 está inquinado de ilegalidade, por preterição de formalidade legal, que está a enfermar todo o procedimento inspectivo reportado ao ano de 2018, consubstanciada na ausência de fundamentação do alargamento do âmbito da acção inspectiva; ii) apurar, relativamente aos actos tributários sindicados, se ocorreu violação de lei, consubstanciada em erro sobre os pressupostos de facto e de direito, verificado na mensuração do goodwill para efeitos da sua subsunção no art.º 45.º-A do CIRC.

 

10. Cumpre, então, agora, proferir decisão.

 

III. SANEAMENTO:

 

11. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer dos actos tributários de liquidação adicional de IRC e JC, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.

 

12. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (Cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

13. A ação é tempestiva, porque apresentada no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, de acordo com a remissão operada para o artigo 102.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).

 

14. O processo não enferma de nulidades.

 

15. Não foram suscitadas existem excepções que se mostre necessário apreciar.

 

IV. DECISÃO:

 

IV.A) Factos que se consideram provados:

 

16. Antes de entrarmos na apreciação do mérito, cumpre fixar a matéria factual que é relevante para a respectiva decisão:

  1. A Requerente é uma sociedade de direito português que tem por objeto social a “exportação, importação, distribuição, comercialização, instalação, desenvolvimento e manutenção (assistência técnica) de qualquer tipo de sistemas e equipamentos de aquecimento, ventilação, refrigeração e ar condicionado e a prestação de serviços conexos com as mencionadas atividades”. (Acordo das partes, Cfr. fls. 2 do RIT, a fls. 60 do PA e artigo 19.º do PPA);
  2. A atividade concretamente exercida pela Requerente consiste na distribuição de equipamentos para sistemas de AVAC (Aquecimento, Ventilação e Ar Condicionado) da marca X e Y (Cfr. fls. 2 do RIT a fls. 60 do PA);
  3. Em sede de IRC, a Requerente encontra-se enquadrada no regime geral de tributação, sendo o seu período de tributação coincidente com o ano civil. (Acordo das partes, Cfr. fls. 2 do RIT, a fls. 60 do PA e artigo 20.º do PPA);
  4. No dia 16.9.2019, a Requerente foi notificada da Ordem de Serviço n.º OI2019..., com despacho de 8.8.2019 (Cfr. Doc. n.º 3 junto ao PPA e fls. 17 do PA), da qual consta informação sobre o âmbito e extensão da acção inspectiva de que viria a ser objecto;
  5. O referido procedimento inspectivo, reportado ao exercício de 2017, tinha natureza externa e âmbito parcial, incidindo sobre o período de tributação do ano de 2017 (Cfr. Doc. n.º 3 junto ao PPA e fls. 17 do PA);
  6. O procedimento inspectivo dirigido à Requerente incidiu não só sobre o período de tributação de 2017, mas também sobre o de 2018. (Acordo das partes, Cfr. fls. 1 do RIT, a fls. 59 do PA e artigo 22.º do PPA);
  7. A Requerente não foi notificada da realização da inspecção consubstanciada na Ordem de Serviço OI2020, dirigida ao período de tributação de 2018 (Acordo das partes).
  8. No documento que está a fls. 25 do PA resulta que é a própria AT a qualificar os dois procedimentos inspectivos ali referidos como externos;
  9. O RIT que levou ao conhecimento da Requerente as correcções empreendidas na sequência dos dois procedimentos inspectivos é o mesmo, não havendo dois relatórios de inspecção perfeitamente autónomos para cada um daqueles exercícios de 2017 e 2018 (Cfr. Mapas resumo das correcções resultantes da acção inspectiva a fls. 56 e 57 do PA e ainda fls. 1 do RIT a fls. 59 do PA, no seu ponto II.1);
  10. As correcções efectuadas no decurso dos procedimentos inspectivos acima referidos, nomeadamente as explicitadas no Ponto III do Relatório, encontram-se justificadas como segue: “(...) III.1 Matéria tributável – IRC

III.1.1 Descrição da Situação de facto

Com data de 11/8/2017 foram celebrados dois acordos escritos denominados “ASSET PURCHASE AGREEMENT AS A GOING CONCERN (Trespasse)”, conforme cópias disponibilizadas pela empresa e que foram parte integrante do relatório definitivo do procedimento respetivo, tendo como entidades intervenientes as seguintes entidades, respetivamente em cada um dos acordos:

Acordo 1: C (parte 1), antiga denominação de D.” e “A.” (parte 2).

Acordo 2: B e “A” (parte 2).

Os referidos contratos e as operações subjacentes aos mesmos deram origem, na empresa trespassária, a A, a consideração de um valor a título de Goodwill (trespasse) valor de €2.238.237,33 (total a débito menos total a crédito), constituído pelos seguintes registos Contabilísticos na conta SNC 441 – Goodwill (subconta da conta 44 – Activos Intangíveis):

Caixa de texto: CCaixa de texto:  CCaixa de texto: YCaixa de texto: C   Caixa de texto: C   Caixa de texto: C   Caixa de texto: Banco KCaixa de texto: ACaixa de texto: CCaixa de texto: CCaixa de texto: CCaixa de texto: CCaixa de texto: CCaixa de texto: CCaixa de texto: YCaixa de texto: CCaixa de texto: CCaixa de texto: CCaixa de texto: CCaixa de texto: CCaixa de texto: CCaixa de texto: CCaixa de texto: CCaixa de texto: CCaixa de texto: CCaixa de texto: CCaixa de texto: CCaixa de texto: CCaixa de texto: CCaixa de texto: ACaixa de texto: ACaixa de texto: ACaixa de texto: A Caixa de texto: ACaixa de texto: ACaixa de texto: ACaixa de texto: A Caixa de texto: ACaixa de texto: A Caixa de texto: ACaixa de texto: ACaixa de texto: ACaixa de texto: ACaixa de texto: A 

Do valor total apurado a título de Goodwill, igual a €2.238.237,33 (€4.582.605,72 - €2.344.368,39), o sujeito passivo destacou €200.000,00 da seguinte forma:

Caixa de texto: C

O lançamento contabilístico apenas tem com suporte o registo contabilístico, tendo o diretor financeiro da empresa afirmado ter sido baseado em indicação do diretor financeiro do grupo e da empresa mãe da sociedade portuguesa.

Ainda relativamente ao valor total determinado como Goodwill nas operações de “Trespasse”, O valor apurado pela empresa tive três componentes distintas:

- relevação dos valores de compra das operações: €595.736,23 relativo a D e €69.370,82 relativo à B (a débito da 441 por contrapartida a crédito das contas 27841 – C e 27842 – B:

Caixa de texto: BCaixa de texto: C

Ao valor constante do contrato celebrado com a C acresceu o valor de €104.697,07 conforme valores constantes da conta 27841, sendo que o valor de compra ascendeu a €769.804,12 (€700.433,20 da C e €69.370,03 da B).

- renovação dos ativos e passivos transmitidos pelas trespassantes (valores em balanço à data da operação de trespasse) pelos valores constantes da contabilidade dessas empresas (D e B), com o registo débito da 4411 por contrapartida partida dos respetivos passivos e registo a crédito da 4411 por contrapartida do respetivos ativos:

Caixa de texto: C - A

- Já só na contabilidade da empresa trespassária (sem qualquer influência nas trespassantes), a A contabilizou reforços de perdas por imparidade relativas a créditos de clientes (€1.842.220,64), perdas por imparidades inventários (€60.162,33) e estimativas de encargos com férias (€40.000,00), tendo estes passivos assumidos na A, como contrapartida a débito da conta 4411 (valores a negrito e sombreados na discriminação acima dos valores da 4411):

Caixa de texto: C - ACaixa de texto: C - ACaixa de texto: C - A 

Assim, o Goodwill considerado pelo sujeito passivo foi assim determinado:

Goodwill = Preço de Compra – (Ativo Líquido + Reforço de Imparidades) €2.238.237,33 = €769.804,12 – (€473.949,76 - €1.942.382,97)

Após a relevação contabilística do ativo intangível Goodwill no valor de €2.238.237,33, construído da forma acima descrita, sujeito passivo registou amortizações contabilísticas (conta SNC 6431 – Goodwill) de €37.303,96 no período de 2017 e €111.911.87 no período de 2018, correspondendo as amortizações à consideração de uma vida útil de 20 anos, valores assim determinados:

Período de 2017 = €2.238.237,33/20 anos = €11.911,87/12 meses = €9.325,99 x 4 meses = €37.303,96

Período de 2017 = €2.238.237,33/20 anos = €11.911,87/12 meses = €9.325,99 x 12 meses = €111.911,87

No Quadro 07 da declaração de rendimentos de ambos os períodos não realizou qualquer ajustamento relacionado com as amortizações Contabilísticas praticadas do intangível Goodwill. Não realizou igualmente qualquer ajustamento por dedução ao rendimento derivado da legislação fiscal.

III.1.2. Enquadramento das operações de “Trespasse”

Face à situação de facto acima descrita verifica-se a ocorrência de uma concentração de atividades empresariais nos termos do parágrafo 9 da NCRF 14 – Concentrações de Atividades Empresariais. De acordo com este parágrafo, uma concentração de atividades empresariais é a junção de entidades ou atividades empresariais separadas por uma única entidade que relata, sendo uma atividade empresarial entendida como um conjunto integrado de atividades e de ativos conduzidos e geridos com a finalidade de proporcionar um retorno aos investidores ou custos mais baixos ou outros benefícios económicos direta e proporcionalmente aos participantes.

No caso concreto verificou-se, de uma forma conjunta, a transmissão da posição do arrendatário, do equipamento e inventários, dos contratos de trabalho e dos contratos de fornecimento de bens e serviços, traduzindo-se na transferência de um conjunto de ativos conduzidos e geridos com a finalidade de proporcionar retorno ao investidor.

O parágrafo 5, ainda da NCRF 14, refere também que uma concentração de atividades empresariais “... Pode envolver a compra por parte da entidade do capital próprio de outra entidade, a compra de todos os ativos líquidos de outra entidade, o assumir dos passivos de outra entidade, ou a compra de alguns ativos líquidos de outra entidade que em conjunto formam uma ou mais atividades empresariais.”

Assim, apurado que seja um Goodwill nas operações descritas, está-se perante um Goodwill adquirido no âmbito de uma operação de concentração de atividades empresariais.

III. Enquadramento Contabilístico do Goodwill (Trespasse)

Nos períodos em análise (2017 e 2018) e já desde 01 de janeiro de 2010, com a entrada em vigor do sistema de normalização contabilística (SNC), o Goodwill encontra-se tratado na norma contabilística e de relato financeiro (NCRF) 14 – concentrações de atividades empresariais. Desde 01-01-2016 a NCRF 14 aplicável é a que consta do Aviso n.º 6256/2015, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 146, de 29-07-2015, que substitui a NCRF 14 constante do Aviso 15655/2009, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 173,de 07-09-2009.

Esta norma estabelece que todas as concentrações de atividades empresariais devem ser contabilizadas pela aplicação do método da compra, segundo o qual o adquirente reconhece os ativos, passivos e passivos contingentes identificáveis da adquirida pelos seus os valores à data de aquisição, e reconhece também o goodwill, que é amortizado no período da sua vida útil ou em 10 anos caso a vida útil não possa ser estimada com fiabilidade.

De acordo com o § 43 da NCRF 14 a adquirente deve, à data da aquisição:

  1. Reconhecer o goodwill adquirido numa concentração de atividades empresariais como ativo; e
  2. Inicialmente mensurar esse Goodwill pelo seu custo, que é o excesso do custo da concentração de atividades empresariais acima do interesse da adquirente no justo valor líquido dos ativos, Passivos e passivos contingentes identificáveis reconhecido de acordo com o parágrafo 25.

O Goodwill adquirido uma concentração de atividades empresariais representa um pagamento feito pela adquirente em antecipação de benefícios económicos futuros de ativos que não sejam capazes de ser individualmente identificados e separadamente reconhecidos (§44 da NCRF 14).

Após o reconhecimento inicial, adquirente deve mensurar o Goodwill adquirido numa concentração de atividades empresariais pelo custo menos amortizações acumuladas, menos qualquer perda por imparidade acumulada (§ 45 da NCRF 14).

Assim, o goodwill adquirido uma concentração de atividades empresariais deve ser amortizado (de 2010 a 2015, e de acordo com o § 35, o Goodwill não devia ser amortizado mas antes apenas sujeito de taxas de imparidade), nos termos da NCRF 6, no período da sua vida útil (ou em 10 anos, caso a sua vida útil não possa ser estimado um fiabilidade).

Resumidamente, em termos das alterações ocorridas ao longo do tempo quanto ao tratamento Contabilístico do goodwill, em relação ao regime Contabilístico anterior a 2010  (POC), a entrada em vigor do SNC trouxe como alterações fundamentais adoção de terminologia inglesa Goodwill em vez do termo trespasse, a não aceitação para efeitos contabilísticos das amortizações do goodwill e a sujeição a testes de imparidade. Por fim, a partir de 2016, novamente a aceitação das amortizações contabilísticas no período da sua vida útil ou, se esse não puder ser determinado de forma fiável, em 10 anos, sendo sempre sujeito testes de imparidade.

III.1.4 Enquadramento Tributário do Goodwill (Trespasse)

No que respeita ao tratamento fiscal, este assunto (trespasse/Goodwill) encontrava-se inicialmente tratado no Decreto-regulamentar n.º 2/90, de 12 de janeiro, relativo ao regime fiscal das reintegrações e amortizações, que estabelecia no n.º 3 do artigo 1º que as reintegrações e amortizações só seriam aceites para efeitos fiscais quando contabilizados como custos ou perdas do exercício a que respeitassem e a alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º referia que exceto em caso de deperecimento efetivo devidamente comprovado, reconhecido pela DGCI, não eram amortizáveis os trespasses.

A partir de 2010, O regime das depreciações e amortizações passou a constar do Decreto-Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, o qual adotou a terminologia contabilística introduzida pelo SNC, mantendo-se no âmbito da matéria em análise substancialmente o regime do anterior Decreto, ou seja, as depreciações e amortizações só seriam aceites para efeitos fiscais desde que contabilizadas como gastos no mesmo período tributação, e acrescentou, ou em períodos de tributação anteriores. O regime de amortização dos trespasses manteve-se inalterado, passando a constar da alínea a) do n.º 3 do artigo 16.º do novo diploma. Esta norma foi alterada em 2015 pelo Decreto-Regulamentar n.º 4/2015, de 22 de abril, entrando em vigor em 27 de abril de 2015, não alterando o regime em vigor, substituindo na letra da lei DGCI pela AT e indicando que trespasses são trespasses de estabelecimentos comerciais industriais ou agrícolas.

Assim, para efeitos fiscais, como se referiu, amortização do espaço de estabelecimento, comercial, industrial ou agrícola (goodwill) não é reconhecida, nos termos da alínea a) do n.º 3 do artigo 16.º do Decreto-regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, exceto em caso de deperecimento efetivo, devidamente comprovado e reconhecido pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Contudo, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2014, quando ainda não era reconhecida a amortização contabilística do goodwill, foi aditado o artigo 45.º-A do Código do IRC pelo artigo 3.º da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, com a epígrafe “Ativos intangíveis, propriedades de investimento e ativos biológicos não consumíveis”.

O n.º 1 deste artigo 45.º-A do CIRC estabelece que é aceite como gasto fiscal, em partes iguais, durante os primeiros 20 períodos de tributação, após o reconhecimento inicial, o custo de aquisição do goodwill adquirido numa concentração de atividades empresariais.

Pese embora a aceitação para efeitos contabilísticos da amortização do goodwill a partir do período de tributação de 2016 inclusive, para efeitos fiscais, amortização do goodwill só é reconhecida caso esteja sujeita a deperecimento efetivo, devidamente comprovado e reconhecido pela AT (artigo 16º do Decreto-Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro).

Paralelamente ao regime fiscal da amortização do goodwill existe, para os ativos adquiridos em ou após 1 janeiro 2014, o regime do artigo 45.-A do Código do IRC.

Assim, face a legislação fiscal existente, os sujeitos passivos, desde que estejam em condições de comprovar o deperecimento, podem optar pelo regime que mais lhe convier. Não estando em condições de comprovar o referido deperecimento, podem optar pelo regime previsto no artigo 45.º-A do CIRC, segundo o qual o sujeito passivo deve deduzir 1/20 do custo de aquisição do goodwill adquirido numa concentração de atividades empresariais, após o reconhecimento inicial, devendo deduzir esse valor no quadro 07 da declaração modelo 22 do IRC e acrescer no mesmo quadro as amortizações praticadas e não aceites fiscalmente, para efeitos de determinação do resultado tributável em IRC.”

  1. O valor considerado pelo contribuinte a título de goodwill foi corrigido pela AT, que o reduziu de em 1.942.382,97, tendo passado de €2.238.237,33 para €295.854,36 (Acordo das partes);
  2. Em resultado do procedimento de inspeção aqui em causa, foram efetuadas correções ao lucro tributável da Requerente, passando este de 27.243,34 € para 49.754,58 € no período de tributação de 2017 e de 10.396,38 € para 86.722,77 € no período de tributação de 2018 que estão na origem das liquidações de IRC e JC impugnadas (Cfr. Mapas resumo das correcções resultantes da acção inspectiva a fls. 56 e 57 do PA e artigo 22.º do PPA);
  3. Da inspeção ao período de tributação de 2017, resultou ainda uma correção a título de tributação autónoma, no montante de 605,40 €, que a Requerente aceita, não sendo, assim, objeto da presente lide. (Cfr. Mapa resumo das correcções resultantes da acção inspectiva a fls. 56 do PA e artigo 23.º do PPA);
  4. Na sequência da notificação do RIT pelo Ofício n.º 2020..., de 30.09.2020, da Direcção de Finanças do ... (fls. 127 do PA), foi emitida em nome da Requerente a liquidação de IRC n.º 2020 831..., relativa ao período de tributação de 2017, no montante de 5.518,52 € e ainda dos correspondentes juros compensatórios reportados à liquidação n.º 2020 000001..., bem assim como a liquidação adicional de IRC n.º 2020 831... e correspondentes juros compensatórios (liquidação n.º 2020 000001...), relativas ao período de tributação de 2018, no montante total de 19.849,44 €. (Cfr. fls. 127 do PA e Doc. n.º 1 junto ao PPA);
  5. Das referidas liquidações resultou um valor total a pagar pela Requerente de 6.178,12 € para o ano de 2017 e de 19.849,44 € (Cfr. Documento nº 1 junto ao PPA);
  6. Em 28.10.2020, ou seja, dentro do respectivo prazo de pagamento voluntário que igualmente se fixava para 2017 e para 2018, em 09.12.2020, a Requerente procedeu ao integral pagamento das quantias resultantes das liquidações e acerto de contas (Cfr. Documentos nºs 5 e 6 junto ao PPA);
  7. O dies a quo para apresentação do PPA era, nos termos do n.º 1 do art.º 10º do RJAT, relativamente às liquidações de 2017 e de 2018, o dia 10.12.2020;
  8. Em 5.3.2021, 12:27 horas, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo (Cfr. Sistema de Gestão Processual do CAAD);
  9. Em 13.7.2021, a Requerente apresentou alegações escritas repristinando ali, basicamente, a hermenêutica sustentada no PPA;
  10. Em 20.9.2021, a Requerida apresentou alegações escritas repristinando ali, basicamente, a hermenêutica sustentada na Resposta.

 

IV.B) Factos não provados:

 

17. Não se provou que o procedimento inspectivo tinha a natureza de acção inspectiva interna.  

 

18. Não se provou igualmente que tal acto de inspecção tenha sido exclusivamente efectuado nos serviços da AT dado que a IT para efectuar as correcções que entendia necessárias ao exercício de 2018 já tinha na sua posse todos os elementos relativos ao Goodwill gerado em 2017.

 

19. Não se provaram outros factos com relevância para a decisão das questões submetidas a julgamento.

 

IV.C) Fundamentação da decisão sobre a matéria de facto:

 

20. Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

21. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. art.º 596.º do CPC).

 

22. A convicção sobre os factos assim dados como provados (acima explicitados) fundou-se nas posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados; na prova documental junta aos autos e no Processo Administrativo Tributário junto aos autos pela entidade demandada, nos termos e em conformidade com o disposto no n.º 2 do art.º 17º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro; e ainda nas alegações aduzidas pelas partes, Requerente e Requerida, que não foram impugnadas pela parte contrária.

 

IV.D) Do Direito:

 

IV.D.1) ORDEM DE CONHECIMENTO DOS VÍCIOS ASSACADOS Às LIQUIDAÇões SINDICADAs:

 

23. A Requerente funda o pedido de declaração de ilegalidade dos actos tributários de liquidação de IRC e JC de 2017 e 2018 na invocação dos seguintes vícios: i) na ilegalidade, por preterição de formalidade legal, que está a enfermar todo o procedimento inspectivo reportado ao ano de 2018, consubstanciada na ausência de fundamentação do alargamento do âmbito da acção inspectiva; ii) violação de lei, consubstanciada em erro sobre os pressupostos de facto e de direito, verificado na mensuração do goodwill para efeitos da sua subsunção no art.º 45.º-A do CIRC.

 

 

24. O artigo 124.º do CPPT, aplicável ex vi do art.º 29.º, n.º 1, al. a), do RJAT, diz: “[1] - Na sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação. 2 - Nos referidos grupos a apreciação dos vícios é feita pela ordem seguinte: a) No primeiro grupo, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos; b) No segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior.”

 

25. Não estão aqui em causa vícios que consubstanciem inexistência ou nulidade do actos tributários sindicados.

 

26. Quanto aos vícios que constituam anulabilidade é seguida a ordem indicada pelo impugnante se aquele tiver estabelecido uma relação de subsidiariedade entre os vícios imputados ao(s) acto(s), pois nesse caso é dada primazia à sua vontade desde que o Ministério Público não tenha arguido outros vícios. Nos demais casos, ou seja, caso não se aplique a primeira parte da alínea b) do n.º 2 do art.º 124.º do CPPT, o julgador deve conhecer prioritariamente dos vícios cuja procedência determine, segundo o seu prudente critério, a mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos.

 

27. Trazendo à colação os ensinamentos de Jorge Lopes de Sousa in Código de procedimento e de Processo tributário, VISLIS Editores, 4.ª Edição, 2003, anotação n.º 17 ao art.º 124º, pág. 551, diz ali aquele: “No n.º 1 deste artigo, determina-se que o tribunal conhecerá prioritariamente dos vícios de inexistência ou de nulidade do acto impugnado e só depois dos vícios sancionados com anulabilidade. O estabelecimento desta ordem de conhecimento dos vícios, tem como pressuposto que, conhecendo de um vício que conduza à eliminação jurídica do acto impugnado, o Tribunal deixará de conhecer dos restantes, pois, se assim não fosse, se o legislador tivesse de conhecer de todos os vícios impugnados ao acto, seria indiferente a ordem de conhecimento.”

 

28. Tal normativo estabelece regras sobre a ordem de conhecimento de vícios em processo de impugnação judicial, que são subsidiariamente aplicáveis ao processo arbitral, por força do que dispõe o artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

 

29. No caso de vícios geradores de anulabilidade (como os que estão em causa nos presentes autos), a alínea b) do n.º 2 daquele art.º 124.º do CPPT refere que se deve atender prioritariamente à ordem indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade.

 

30. A Requerente imputa aos actos de liquidação sub judicio, como visto, vícios suscetíveis de determinarem a respetiva anulação e já não vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade dos actos impugnados.

 

31. A Impetrante, no PPA apresentado, não estabeleceu, em termos de relação de subsidiariedade, qualquer ordem de prioridade quanto ao respetivo conhecimento.

 

32. Assim sendo, cabe iniciar a apreciação jurídica das questões submetidas a julgamento pelo vício ou vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, a mais estável ou eficaz tutela dos interesses pretensamente ofendidos, tal como resulta da aplicação conjugada da parte final da alínea b) do n.º 2 do art.º 124º do CPPT com a alínea a) do n.º 2 do mesmo normativo.

 

33. A tutela dos interesses ofendidos é mais estável quando a decisão impede a renovação do acto lesivo dos interesses do impugnante e será mais eficaz quando permitir ao interessado obter uma melhor satisfação dos seus interesses, ofendidos pelo acto anulado, como por exemplo, em caso de procedência das pretensões da Requerente, a condenação da AT no pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios, aliás, peticionados nos autos.

 

34. E partindo daquele critério entende o Tribunal arbitral dever começar a análise dos vícios apontados nos articulados apresentados pela Requerente pela questão da ilegalidade, por preterição de formalidade legal, que está a enfermar todo o procedimento inspectivo reportado ao ano de 2018, consubstanciada na ausência de fundamentação do alargamento do âmbito da acção inspectiva, não deixando contudo de, em seguida, analisar o invocado vício de violação de lei relativamente ao IRC e JC de 2017 e também do IRC e JC de 2018, por ser este que, verificando-se, assegura mais estável e eficaz tutela dos interesses ofendidos, o que passamos a fazer de imediato.

 

IV.D.2) DA ILEGALIDADE que está a enfermar todo o procedimento inspectivo REPORTADO AO ANO DE 2018, CONSUBSTANCIADA NA ausência de fundamentação do alargamento do âmbito da acção inspectiva E DAS CONSEQUÊNCIAS QUE TAL VÍCIO TERÁ SOBRE AS LIQUIDAÇÕES SINDICADAS DE IRC DE 2018:

 

35. A Requerente dá nota de que no dia 16.9.2019 foi notificada da Ordem de Serviço n.º OI2019..., com despacho de 8.8.2019 (Cfr. Doc. n.º 3 junto ao PPA), da qual constava informação sobre o âmbito e extensão da acção inspectiva de que viria a ser objecto. De acordo com o Doc. n.º 3 acima referido, o procedimento inspectivo tinha natureza externa e âmbito parcial, incidindo sobre o período de tributação do ano de 2017.

 

36. Aduz a Requerente que tal como consta do RIT, o procedimento inspectivo incidiu não só sobre o período de tributação de 2017, mas também sobre o de 2018, sem que aquela houvesse sido notificada da extensão do âmbito inspectivo.

 

37. Já a Requerida defende-se dizendo que não ocorreu falta de notificação do despacho que estabeleceu o alargamento do âmbito da inspecção e que tal circunstância não constitui violação de qualquer formalidade legal. Fundamenta essa sua posição como segue: i) A Requerente foi objecto de acção inspectiva externa reportada ao período de 2017 em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2019..., tendo sido previamente notificada da realização do procedimento em conformidade com o que determina o art.º 49.º do RCPITA; ii) Aquela notificação só é efectuada no âmbito de procedimentos externos (Cfr. alínea b) do art.º 13.º e art.º 49.º do RCPITA); iii) a Requerente não foi notificada da realização da inspecção consubstanciada na OI2020..., dirigida ao período de tributação de 2018, uma vez que a mesma se apresentava como de natureza interna; iv) Tal acto de inspecção foi exclusivamente efectuado nos serviços da AT dado que a IT para efectuar as correcções que entendia necessárias ao exercício de 2018 já tinha na sua posse todos os elementos relativos ao goodwill gerado em 2017.

 

38. A requerida juntou ao PA prova do que alegava. Analisado o acervo de prova junto, entende o tribunal que não ficou suficientemente provado que estivéssemos perante um procedimento inspectivo interno relativamente ao exercício de 2018. Desde logo porquanto no documento que está a fls. 25 e 26 do PA é a própria AT a qualificar os dois procedimentos inspectivos ali referidos como externos, indicando ali as duas Ordens de Serviço: a OI2019..., reportada ao procedimento inspectivo de 2017; e a OI202..., referente à inspecção tributária dirigida ao exercício de 2018.  Por outro lado porque não é crível que, relativamente ao procedimento inspectivo reportado ao ano de 2018, a AT não tenha tido necessidade de efectuar total ou parcialmente diligências inspectivas nas instalações ou dependências do sujeito passivo ou noutro local indicado por aquele a que a AT tenha acesso. Por outro lado, ainda, porquanto o RIT que levou ao conhecimento da Requerente as correcções empreendidas na sequência dos dois procedimentos inspectivos é o mesmo, não havendo dois relatórios de inspecção perfeitamente autónomos. 

 

39. É bem certo que o procedimento de inspecção pode classificar-se, quanto ao lugar de realização, como procedimento interno ou procedimento externo, consoante os actos que o integram se efectuem, respectivamente, nas dependências orgânicas e nos serviços da Administração Tributária ou em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais entidades abrangidas.

 

40. Para que uma inspecção possa ser classificada como interna, o procedimento deve materializar-se em actos, todos eles, praticados exclusivamente nos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira, instalações ou dependências, designadamente, através da análise formal e de coerência dos documentos que consubstanciam a escrita do contribuinte.

 

41. Caso contrário (isto é, caso existam actos praticados fora, ainda que diminutos), estaremos perante um procedimento externo (cfr.art.º.13º do RCPITA).

 

42. Ora, in casu, estando o procedimento inspectivo aqui em causa (o reportado ao ano de 2018) umbilicalmente ligado ao procedimento inspectivo aberto para o ano de 2017, já que é a mesma a factualidade relevante e são os mesmos os fundamentos que estão a estribar as correcções empreendidas para aqueles dois exercícios, resulta meridianamente claro para o Tribunal Arbitral Singular que nem todos os actos que estão a consubstanciar o procedimento inspectivo reportado ao ano de 2018 foram praticados nos Serviços, nas instalações ou nas dependências da AT.

 

43. A demonstrá-lo veja-se, repise-se, o documento que está junto ao PA a fls. 25 e 26 e donde resulta que a própria agente inspectiva qualifica ambos os procedimentos, o respeitante ao ano de 2017 mas também o que se refere ao ano de 2018, como procedimento inspectivo externo.

 

44. Ora, isto dito, a questão que se pode trazer à colação é a de saber que razão substancial terá feito transmutar a natureza do procedimento inspectivo respeitante a 2018 (que tal como está no referido documento era claramente procedimento inspectivo externo mesmo para a agente inspectiva) em procedimento inspectivo interno.

 

45. Claro está que, em face dos elementos de prova juntos aos autos, não há forma de se qualificar o procedimento inspectivo ao ano de 2018 como procedimento inspectivo interno e, por isso, deve falecer esta vã tentativa da AT de suprir a ausência de certificação para o procedimento inspectivo reportado ao ano de 2018.

 

46. Devendo, por isso, concluir-se que, inquestionavelmente, nos encontramos perante procedimento inspectivo externo, natureza que também é reconhecida pela própria AT no documento que está junto ao PA a fls. 25 e 26.

 

47. Está bom de ver que, aliás, quod erat demonstrandum, atento o que acima se enunciou e o que resulta da letra da lei a tal propósito, o procedimento inspectivo em causa e reportado ao ano de 2018, era, inequivocamente e na prática, procedimento externo de inspecção, bem ao invés do que se afirma na Resposta da Requerida.    

 

48. Ademais, a qualificação dada pela AT a um procedimento não tem carácter vinculativo se vier a revelar-se que o conteúdo dos actos praticados for contrário à qualificação dada, isto é, a classificação formal do procedimento será, posteriormente, validada, ou não, pelos actos que a Administração Tributária efectivamente praticados.

 

49. Numa situação em que os actos materialmente praticados revelam a existência de um procedimento distinto daquele que foi formalmente indicado pela Administração, ou seja, um procedimento externo “de facto”, embora formalmente qualificado como interno, os vícios referentes à falta de notificação prévia ao sujeito passivo exigida pelo art.º49, n.º1, do RCPITA, bem como a ausência de ordem de serviço exigida pelo art.º46, n.º2, do mesmo diploma, devem ter como consequência, nomeadamente, a invalidade de uma eventual liquidação que venha a realizar-se, assim levando à sua anulação. Neste sentido veja-se Acórdão do TCAS - 2ª.Secção, de 10/07/2012, proc.5289/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/02/2014, proc.7026/13; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, 4ª. edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.385 e seg.; Joaquim Freitas da Rocha e Outro, R.C.P.I.T. anotado e comentado, 1ª. Edição, Coimbra Editora, 2013, pág.81 e seg.; João Fernando Damião Caldeira, O Procedimento Tributário de Inspecção - Um contributo para a sua compreensão à luz dos Direitos Fundamentais, Universidade do Minho, 2011, pág.91 e seg.).

 

50. Ora, isto dito, entende o Tribunal Arbitral Singular que ao proceder como procedeu a AT, diga-se desde, já, enfermou de ilegalidade e in totum o referido procedimento inspetivo reportado ao ano de 2018, por falta de despacho fundamentado a determinar o alargamento do âmbito da acção inspetiva reportada a 2017 e até por falta de notificação desse mesmo despacho fundamentado. Senão vejamos,

 

51. Atendendo a que, para a AT e no que tange ao ano de 2018, estávamos perante procedimento inspectivo interno e quanto ao ano de 2017 perante inspecção externa; atendendo ainda a que, relativamente ao procedimento inspectivo reportado ao ano de 2017, a respectiva acção inspetiva se iniciou, em 16.9.2019 (fls. 1 do RIT), com a emissão da Ordem de Serviço nº OI2019... e a acção inspectiva reportada a 2018 se iniciou, em 15.7.2020 (data do despacho que qualifica a inspecção como interna - Cfr. fls. 19 do PA), com a emissão da OI2020..., não há coincidência temporal no que diz respeito ao dealbar dos procedimentos inspectivos, pelo que, in casu, a inspecção tanto poderia ter o seu âmbito de aplicação temporal ampliado (e isso só podia ter sido empreendido na sequência de despacho fundamentado que o tivesse admitido); como poderia ter dealbado como procedimento inspectivo interno, mas, a ser assim, sem que os respectivos procedimentos se cruzassem e menos ainda sem que integrassem o mesmo Relatório de Inspecção.

 

52. E a este propósito adequado se mostra trazer aqui à colação a decisão arbitral tirada no processo n.º 929/2019, que pode ser vista in https://caad.org.pt/tributario/decisoes/view.php?l=MjAyMDEwMDgwMDIwMzEwLlA5MjlfMjAxOS1UIC0gMjAyMC0wNy0yNCAtIEpVUklTUFJVREVOQ0lBLnBkZg%3D%3D e onde a dado passo (a fls. 62 e seguintes) se diz:  “E relativamente a cada procedimento tributário, designadamente de inspecção, tem de ser proferida uma única decisão, como decorre, em geral, do artigo 77.º da LGT e especificamente 62.º do RCPITA: «para conclusão do procedimento é elaborado um relatório final com vista à identificação e sistematização dos factos detectados e sua qualificação jurídico-tributária». Assim, se é certo que numa mesma acção de inspecção podem ser englobados vários períodos (e mesmo vários impostos), também o é que não podem ser englobados vários procedimentos tributários distintos num único processo administrativo, nem o Relatório da Inspecção Tributária de um único processo de inspecção pode englobar a decisão final de vários procedimentos de inspecção, como decorre do teor expresso daquele artigo 62.º. (...)” “De qualquer modo, não há qualquer disposição legal que permita elaborar um único relatório final e um único processo administrativo para várias inspecções o que basta para considerar ilegal a tese da Administração Tributária.(...)” “Por isso, a realidade procedimental é a de um único procedimento de inspecção que inicialmente tinha como âmbito «analisar o reembolso de IVA com o n.º .../..., solicitado no dia 2015/01/08 e relativo ao período de 1412T» e, depois, foi alargado aos períodos de 2011, 2012 e 2013, sendo as respectivas ordens de serviço «abertas no seguimento da anterior e com o objetivo de analisar as operações realizadas pelo sujeito passivo e a legitimidade do direito à dedução do IVA». Assim, está-se perante uma alteração do âmbito e da extensão da inspecção inicial a um contribuinte pré-selecionado e não perante realização de novas inspecções, decididas com aplicação dos critérios de selecção cuja observância é imposta pelo artigo 27.º do RCPITA. Trata-se de uma alteração da inspecção já iniciada, «durante a sua execução» (no seu «seguimento» como diz a Administração Tributária), sem nova aplicação dos critérios legais de selecção, que constitui precisamente a situação pressuposta na previsão do artigo 15.º, n.º 1, do RCPITA. Por isso, as razões pelas quais no seguimento da inspecção iniciada se decidiu ampliar a sua extensão a outros períodos tinham de ser indicadas em «despacho fundamentado da entidade que o tiver ordenado, devendo ser notificado à entidade inspeccionada», como impõe o n.º 1 do artigo 15.º do RCPITA.”

 

53. E louvado este tribunal no excerto acima transcrito, sai meridianamente intuitivo que o procedimento inspectivo respeitante ao ano de 2018 está todo ele desde logo enfermado de ilegalidade, porquanto, como enfaticamente dizia o colectivo que julgou o processo n.º 929/2019-T, não podem ser englobados vários procedimentos tributários distintos num único processo administrativo; tal como o Relatório da Inspecção Tributária de um único processo de inspecção não pode englobar a decisão final de vários procedimentos de inspecção[1]; além de que a ampliação da extensão do procedimento inspectivo a outros períodos tinha de ser precedida de despacho fundamentado da entidade que o tivesse ordenado, devendo esse mesmo despacho ser notificado à entidade inspecionada. Vejamos mais em pormenor quanto à preterição do despacho fundamentado,

 

54. Efectivamente, decorre do n.º 1 do art.º 15.º do RCPITA (aprovado pelo art.º 1.º do Decreto-Lei n.º 413/98, de 31 de Dezembro), que, na pendência do procedimento de inspeção, podem ser alterados os fins e a extensão daquele, posto é que tal conste de despacho fundamentado da entidade que o tiver ordenado, devendo, di-lo expressamente aquele normativo, tal despacho fundamentado “(...) ser notificado à entidade inspecionada.”

 

55. Face à posição explicitada pelas partes, tem o tribunal por assente que relativamente ao procedimento inspectivo reportado ao ano de 2018, a aqui Requerente não foi notificada da Ordem de Serviço OI2020... e menos ainda notificada de qualquer alargamento do âmbito da acção inspectiva.

 

56. Devendo enfocar-se o facto de a notificação do alargamento do âmbito da acção inspectiva para o ano de 2018 simplesmente inexistir, donde e por isso, não pode deixar de consequenciar a ilegalidade de todo o procedimento inspectivo em curso, o que não pode deixar de se comunicar aos actos de liquidação que, entretanto, emergiram estribados naquele procedimento inspectivo claramente enfermado e que aqui estão a ser sindicados. Vejamos,  

 

57. Partindo da constatação de que, no que tange ao procedimento inspectivo reportado ao exercício de 2018, nem sequer houve notificação da Ordem de Serviço n.º OI2020..., é claro para o tribunal que há aqui a falta de fundamentação para o alargamento da inspecção; mas também que há efectiva falta de credenciação para tal ano de 2018 do procedimento inspectivo realizado.

 

58. Devendo sopesar-se o disposto no art.º 42º do RCPITA que apenas prevê que a notificação dos actos de inspecção possa ser efectuada ou no momento da prática dos actos de inspecção ou em momento anterior e nunca em momento posterior, como aqui incontornavelmente ocorreu para o ano de 2018, já que, a AT, admite que no decorrer do procedimento inspectivo reportado ao ano de 2017 recolheu elementos relativos à questão do goodwill que serviriam para instruir o procedimento inspectivo de 2018. Além de que, a alínea l) do n.º 3 do art.º 59º da LGT, determina que a colaboração da administração tributária com os contribuintes compreende, além do mais, “A comunicação antecipada do início da inspecção da escrita, com a indicação do seu âmbito e extensão e dos direitos e deveres que assistem ao sujeito passivo.”

 

59. Nada se dizendo sobre a razão determinante da necessidade de alteração do âmbito, nem sobre as razões subjacentes ao alargamento do procedimento inspectivo a período que não estava certamente nas cogitações dos representantes da Requerente, tendo aqueles sido surpreendidos com as respectivas correcções para o ano de 2018 na sequência da notificação do RIT.

 

60. Tendo em conta o disposto no n° 1 do art.º 15.º do RCPITA, e sabendo-se que a Requerente não foi devidamente notificada, através de despacho fundamentado, da alteração do âmbito temporal do procedimento inspectivo aberto (para o ano de 2017) pela entidade que o ordenou, todas as conclusões constantes do Relatório de Inspecção que entretanto emergiu e que têm a ver com correcções propostas em sede de IRC, relativas ao ano de 2018, são ilegais e, deste modo, não podem ser validamente aceites para efeitos fiscais, nem tão-pouco fundamentar qualquer liquidação, sendo impugnáveis os actos lesivos praticados na sequência do procedimento inspectivo enfermado, maxime, os respectivos actos de liquidação adicional, por desconformes com a lei, ofendendo, em consequência disso, os princípios constitucionais da legalidade, da proporcionalidade e da necessidade, da imparcialidade e da garantia de que o sujeito passivo deve ser constrangido a um procedimento inspectivo estritamente subordinado aos ditames e limites fixados na lei.

 

61. Por isso mesmo, entende o tribunal que as liquidações adicionais de IRC e JC respeitantes ao período de tributação de 2018 e que, entretanto, emergiram estão inquinadas por preterição de formalidade legal essencial, devendo ser anuladas.

 

62. E nem se argumente em sentido contrário no sentido de que tal omissão de despacho fundamentado a alterar o âmbito dos procedimentos de inspecção deve considerar-se degradada em formalidade não essencial, como tal não invalidante dos posteriores termos procedimentais, designadamente das liquidações posteriores.

 

63. Nos termos do disposto no art.º 163.º do Código do Procedimento Administrativo, aqui aplicável por força do disposto no art.º 4.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e ex vi da alínea d) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT, são anuláveis os actos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção, como aqui ocorre, pelo que a omissão do acto procedimental invalida, por anulabilidade, todo o procedimento inspectivo reportado a 2018, arrastando necessariamente a validade do acto de liquidação de IRC e JC, relativo ao mesmo exercício de 2018 que nele haja obtido os respectivos fundamentos legais.

 

64. Ancorando o Tribunal Arbitral Singular tudo quanto foi acima explicitado na fundamentação jurídica e na doutrina que emerge do douto Acórdão do STA de 1.6.2016, tirado no âmbito do processo n.º 01101/15 e que pode ser consultado in http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/ad341970dbea57ac80257fef00478756?OpenDocument, que até foi aqui seguido de perto; e também no Acórdão do STA de 19.9.2018, Arresto n.º 01460/17 e que igualmente pode ser visto in http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/eb60973353e8dd9580258313004758fd?OpenDocument&ExpandSection=1#_Section1 ; e ainda no Acórdão de 4.12.2019 do STA, Arresto n.º 02243/16.6BEBRG e que está no site da DGSI inhttp://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/231a1f2d89142ee0802584cd0058c2bc?OpenDocument&ExpandSection=1#_Section1 .

 

65. Adequado se mostrando ainda trazer à colação a este propósito os doutos ensinamentos de Joaquim Freitas Rocha e de João Damião Caldeira([2]), in “Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária RCPIT Anotado e Comentado “Coimbra Editora, 2013, Pág. 90, sobre a melhor interpretação a dar ao n.º 1 do art.º 15º do RCPITA, quando dizem: “(…) A alteração em causa deve, evidentemente, ser juridicamente enquadrada e obedecer a requisitos precisos: (i) por um lado, do ponto de vista orgânico-competencial deve ser efetuado pela entidade que tiver ordenado a inspeção; (ii) do ponto de vista formal, deve revestir a forma de despacho, o qual, também evidentemente, deverá ser fundamentado (de um modo claro, preciso, direto, atual e completo); e (iii) do ponto de vista procedimental deve ser adequadamente notificado aos respetivos destinatários (entidades inspecionadas). A ausência ou preterição dos dois primeiros requisitos acarretará a invalidade/ilegalidade da alteração em causa com fundamento em incompetência ou vício de forma, enquanto a ausência ou preterição do terceiro implicará a respetiva ineficácia, uma vez que a notificação configura uma simples condição de eficácia.

A notificação legal e válida do despacho que ordene a alteração da extensão do procedimento inspetivo assume extrema relevância, na medida em que a partir desse momento o sujeito passivo deixa de poder opor-se à realização dos respetivos atos inspetivos.

Quer a falta de despacho fundamentado, quer a falta de notificação válida ao contribuinte deste despacho determina, quanto a nós, a invalidade do ato de liquidação resultante do procedimento de inspeção, por violação do princípio da legalidade (…)” 

 

66. E em jeito de conclusão se dirá que tendo a acção inspectiva reportada ao ano de 201, a natureza de procedimento inspectivo externo, este teria que se sujeitar, além do mais (Cfr. v.g., art.ºs.46, n.º.2, e 49.º, n.º.1, do RCPITA.), aos ditames consagrados no n.º 4 do art.º. 63.º da LGT, pelo que as liquidações de IRC e JC nele ancoradas estão efectivamente enfermadas de ilegalidade por preterição de formalidade legal que aqui se não declara, porquanto sempre terá de ser apreciada, de seguida, a ilegalidade por violação de lei quer das liquidações de IRC e JC reportadas ao ano de 2017 quer também as reportadas ao exercício de 2018, donde, caso venha a declarar-se que enfermam (todas as liquidações) de ilegalidade por violação de lei, não será declarada a anulabilidade das liquidações do IRC e JC de 2018 por preterição de formalidade legal, na medida em que tal como está no ponto IV.D1) declarada a aludida violação de lei isso assegura a mais estável e eficaz tutela dos interesses da Requerente.

 

IV.D3) Apreciação do mérito da causa – violação de lei:

 

67. No ponto dedicado ao thema decidendum, dizia o Tribunal que importava apurar, relativamente aos actos tributários sindicados, se ocorreu violação de lei, consubstanciada em erro sobre os pressupostos de facto e de direito, verificado na mensuração do goodwill para efeitos da sua subsunção no art.º 45.º-A do CIRC.

 

68. O quadro normativo do tratamento fiscal do Goodwill é o seguinte: o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), nomeadamente os artigos 29.º e 45.º-A, e concretamente o Decreto Regulamentar (DR) n.º 25/2009, especialmente o seu art.º 16.º.

 

69. Em regra, um ativo é depreciável à luz do art.º 29.º do CIRC, ou seja, para a amortização ou depreciação ser aceite fiscalmente esta tem de ser relativa a um bem sujeito a deperecimento.

 

70. No que diz respeito às taxas de depreciação, o citado DR n.º 25/2009 apresenta as taxas máximas de depreciação/amortização aceites fiscalmente para cada ativo.

 

71. O goodwill não se encontra previsto naquele diploma como um activo depreciável. São aceites como gastos fiscais as amortizações de ativos intangíveis sujeitos a deperecimento, nomeadamente quando tenham uma vigência temporal limitada (Cfr. art.º 16º do DR 25/2009).

 

72. Para activos intangíveis que não tenham uma vigência temporal limitada por não ser possível determinar a sua vida útil, é admitida a sua amortização contabilística no período máximo de 10 anos em conformidade com a NCRF 6, § 105. Estas amortizações não são aceites fiscalmente. Nessa conformidade, as amortizações contabilísticas do Goodwill não são fiscalmente aceites, devendo, por isso, ser acrescidas no Campo 719 do Quadro 07 da Declaração Modelo 22.

 

73. Não obstante e de acordo com o disposto no art.º 45.º-A do CIRC, que estatui: “[1] - É aceite como gasto fiscal, em partes iguais, durante os primeiros 20 períodos de tributação após o reconhecimento inicial, o custo de aquisição dos seguintes ativos intangíveis quando reconhecidos autonomamente, nos termos da normalização contabilística, nas contas individuais do sujeito passivo: a) (...); b) O goodwill adquirido numa concentração de atividades empresariais. (...) 4 - O disposto no n.º 1 não é aplicável: a) Aos ativos intangíveis adquiridos no âmbito de operações de fusão, cisão ou entrada de ativos, quando seja aplicado o regime especial previsto no artigo 74.º; b) Ao goodwill respeitante a participações sociais;  c) Aos ativos intangíveis adquiridos a entidades residentes em país, território ou região sujeitos a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças;  d) Aos ativos intangíveis adquiridos a entidades com as quais existam relações especiais nos termos do n.º 4 do artigo 63.º.”] é aceite como gasto fiscal, em partes iguais, durante os primeiros 20 períodos de tributação após o reconhecimento inicial, ou seja, numa base fraccionada de 1/20, o custo do goodwill adquirido numa concentração de actividades empresariais.

 

74. O Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), acolhe o modelo de dependência parcial entre a fiscalidade e a contabilidade para efeitos de apuramento do lucro tributável.

 

75. A dado passo, no seu Preambulo, concretamente no seu n.º 10, diz-se “Dado que a tributação incide sobre a realidade económica constituída pelo lucro, é natural que a contabilidade, como instrumento de medida e informação dessa realidade, desempenhe um papel essencial como suporte da determinação do lucro tributável.

As relações entre contabilidade e fiscalidade são, no entanto, um domínio que tem sido marcado por uma certa controvérsia e onde, por isso, são possíveis diferentes modos de conceber essas relações. Afastadas uma separação absoluta ou uma identificação total, continua a privilegiar-se uma solução marcada pelo realismo e que, no essencial, consiste em fazer reportar, na origem, o lucro tributável ao resultado contabilístico ao qual se introduzem, extra contabilisticamente, as correções - positivas ou negativas - enunciadas na lei para tomar em consideração os objetivos e condicionalismos próprios da fiscalidade.

Embora para concretizar a noção ampla de lucro tributável acolhida fosse possível adotar como ponto de referência o resultado apurado através da diferença entre os capitais próprios no fim e no início do exercício, mantém-se a metodologia tradicional de reportar o lucro tributável ao resultado líquido do exercício constante da demonstração de resultados líquidos, a que acrescem as variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo e não refletidas naquele resultado.

Nas demais regras enunciadas a propósito dos aspetos que se entendeu dever regular refletiu-se, sempre que possível, a preocupação de aproximar a fiscalidade da contabilidade.

É assim que, quanto a reintegrações e amortizações, se dá uma maior flexibilidade ao respetivo regime, podendo o contribuinte, relativamente à maior parte do ativo imobilizado corpóreo, optar pelo método das quotas constantes ou pelo método das quotas degressivas, o que constituirá, por certo, um fator positivo para o crescimento do investimento.

No domínio particularmente sensível das provisões para créditos de cobrança duvidosa e para depreciação das existências acolhem-se as regras contabilísticas geralmente adotadas, o que permite um alinhamento da legislação fiscal portuguesa com as soluções dominantes ao nível internacional.”

 

76. O aludido modelo de tributação vindo de explicitar está, no essencial, consagrado no art.º 17º do respectivo Código, que estatui: “1 — O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.

2 — Para efeitos do disposto no número anterior, os excedentes líquidos das cooperativas consideram-se como resultado líquido do período.

3 — De modo a permitir o apuramento referido no n.º 1, a contabilidade deve:

a) Estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respectivo sector de actividade, sem prejuízo da observância das disposições previstas neste Código;

b) Reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo e ser organizada de modo que os resultados das operações e variações patrimoniais sujeitas ao regime geral do IRC possam claramente distinguir-se dos das restantes.”

 

77. Daquele normativo pode inferir-se a existência manifesta de uma correlação entre o lucro contabilístico e o lucro tributável, pesa-embora os respectivos conceitos se não sobreponham.

 

78. Efectivamente e quanto às pessoas colectivas e outras entidades residentes que exerçam a título principal uma actividade comercial, industrial ou agrícola, o ponto de partida para a determinação do lucro tributável é, como visto, o resultado contabilístico ao qual se introduzem extracontabilisticamente as correções fiscais impostas pelo CIRC.

 

79. A organização da contabilidade passa pelo cumprimento do sistema de normalização previsto no SNC, aprovado pelo DL n.º 158/2009, de 13 de Julho.

 

80. Determinando o n.º 1 do art.º 123º do CIRC que “1 — As sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, as cooperativas, as empresas públicas e as demais entidades que exerçam, a título principal, uma actividade comercial, industrial ou agrícola, com sede ou direcção efectiva em território português, bem como as entidades que, embora não tendo sede nem direcção efectiva naquele território, aí possuam estabelecimento estável, são obrigadas a dispor de contabilidade organizada nos termos da lei que, além dos requisitos indicados no n.º 3 do artigo 17.º, permita o controlo do lucro tributável([3]). Dizendo ainda o n.º 2 do mesmo normativo que “Na execução da contabilidade deve observar-se em especial o seguinte: a) Todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário;  b) As operações devem ser registadas cronologicamente, sem emendas ou rasuras, devendo quaisquer erros ser objecto de regularização contabilística logo que descobertos.”

 

81. Com a adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia (CEE), em 1986, o POC sofreu diversas alterações até à aprovação do DL n.º 158/2009, de 13 de Julho, que aprovou o Sistema de Normalização Contabilística (SNC), revogando o POC.

 

82. O SNC entrou em vigor em Portugal em 1 de Janeiro de 2010.

 

83. O DL n.º 98/2015, de 2 de Junho, entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2016 e transpõe para o normativo interno a Diretiva n.º 2013/34/EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de Junho de 2013, relativa às demonstrações financeiras anuais, às demonstrações consolidadas e aos relatórios conexos de certas formas de empresas.

 

84. Relevando um conjunto de instrumentos, descritos no anexo ao DL 98/2015, de 2 de Junho, relativos ao referencial contabilístico com vista à normalização contabilística[4]. São eles: i) Bases para a apresentação de demonstrações financeiras (BADF); ii) Modelos de demonstrações financeiras (MDF); iii) Código de contas (CC); iv) Normas contabilísticas e de relato financeiro (NCRF);Normas contabilísticas e de relato financeiro para pequenas entidades (NCRF PE); v) Normas contabilísticas e de relato financeiro para entidades do sector não lucrativo (NCRF-ESNL); vi) Normas contabilísticas para microempresas (NC-ME); vii) Normas interpretativas; viii) A estrutura conceptual [EC], baseada no anexo 5 das «Observações relativas a certas disposições do Regulamento (CE) n.º 1606/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Julho», publicado pela Comissão Europeia em Novembro de 2003, que enquadra aqueles instrumentos, constitui um documento autónomo.

 

85. A actual Estrutura Conceptual[5] do SNC foi publicada pelo Aviso n.º 8254/2015 do Diário da República, n.º 146, Série II, de 29 de Julho de 2015. O § 2º da estrutura conceptual diz: “Esta Estrutura estabelece conceitos que estão subjacentes à preparação e apresentação das demonstrações financeiras para utentes externos, seja pelas entidades que preparam um conjunto de demonstrações financeiras, seja pelas pequenas entidades (…)”.

 

86. Volvendo agora para o tratamento que o goodwill recebe no ordenamento jurídico-contabilístico nacional, adequado se mostra começar por dizer as normas contabilísticas que em Portugal se aplicam ao tratamento do goodwill são as seguintes: i) NCRF 6 - Ativos Intangíveis; ii) NCRF 12 - Imparidade de Ativos e iii) NCRF 14 - Concentração de Atividades Empresariais (doravante CAE).

 

87. De acordo com o § 9 da NCRF 14, uma CAE é a junção de entidades ou atividades empresariais separadas numa única entidade que relata.

 

88. Desta junção, poderá resultar uma diferença positiva ou negativa (Goodwill ou Badwill) que corresponderá a um pagamento feito pela adquirente em antecipação de benefícios económicos futuros de ativos que não sejam capazes de ser individualmente identificados e separadamente reconhecidos (Cfr. § 44 da NCRF 14) no caso de diferença positiva e no caso de diferença negativa, corresponderá a uma compra a baixo preço.

 

89. A existência de Goodwill ou Badwill numa CAE será apurada através da diferença entre o preço de aquisição e o justo valor do interesse nos ativos, passivos e passivos contingentes identificados e adquiridos na data da compra.

 

90. Tal como resulta dos §§ 25 e 26 da NCRF 14: “25 — A adquirente deve, à data da aquisição, imputar o custo de uma concentração de atividades empresariais ao reconhecer os ativos, passivos e passivos contingentes identificáveis da adquirida que satisfaçam os critérios de reconhecimento do parágrafo 26 pelos seus justos valores nessa data, sem prejuízo das exceções referidas nos parágrafos 35 a 42. Qualquer diferença entre o custo da concentração de atividades empresariais e o interesse da adquirente no justo valor líquido dos ativos, passivos e passivos contingentes identificáveis assim reconhecidos deve ser contabilizada de acordo com os parágrafos 43 a 50. 26 — A adquirente deve reconhecer separadamente os ativos, passivos e passivos contingentes identificáveis da adquirida à data de aquisição apenas se satisfizerem os seguintes critérios nessa data: a) No caso de um ativo que não seja um ativo intangível, se for provável que qualquer benefício económico futuro associado flua para a adquirente e o seu justo valor possa ser mensurado com fiabilidade; b) No caso de um passivo que não seja um passivo contingente, se for provável que um exfluxo de recursos incorporando benefícios económicos seja necessário para liquidar a obrigação e o seu justo valor possa ser mensurado com fiabilidade; c) No caso de um ativo intangível ou de um passivo contingente, se o seu justo valor puder ser mensurado com fiabilidade. Nesta conformidade, qualquer interesse que não controla na adquirida é expresso na proporção que lhe corresponde no justo valor líquido desses itens.”

 

91. Inferindo-se daqui que à data de aquisição de uma CAE o adquirente deve reconhecer separadamente os ativos, os passivos, os passivos contingentes pelo seu justo valor [que nos termos do § 9 da NCRF 14 “(...) é a quantia pela qual um ativo pode ser trocado ou um passivo liquidado, entre partes conhecedoras e dispostas a isso, numa transação em que não exista relacionamento entre elas.”], determinando, por diferença, o Goodwill ou o Badwill adquiridos. Reforça-se que na data de contabilização, só serão contabilizados os ativos e passivos efectivamente existentes, sendo que os benefícios esperados com a aquisição estarão implícitos no valor do Goodwill. O Tribunal concorda, portanto, com a Requerente ao afirmar no artigo 43º do seu PPA que “(...) no processo de reconhecimento do Goodwill pelo método de compra previsto na NCRF 14 [Cfr. § 10 da NCRF 14], a entidade adquirente tem de identificar o justo valor dos ativos e passivos adquiridos, comparando esse justo valor com o preço da transação.”

 

92. Na sua mensuração inicial, o Goodwill será reconhecido como activo pelo seu custo de acordo com o § 43 da NCRF 14 que dispõe: “A adquirente deve, à data da aquisição: a) Reconhecer o goodwill adquirido numa concentração de atividades empresariais como um ativo; e b) Inicialmente mensurar esse goodwill pelo seu custo, que é o excesso do custo da concentração de atividades empresariais acima do interesse da adquirente no justo valor líquido dos ativos, passivos e passivos contingentes identificáveis reconhecido de acordo com o parágrafo 25.”

 

93. Isto dito, o Tribunal está em manifesta concordância com a Requerente quando entende que na determinação e reconhecimento do goodwill (que releva para efeitos da aplicabilidade do art.º 45.º-A do CIRC) há duas etapas a considerar: i) uma, a da identificação dos activos, passivos e passivos contingentes adquiridos no âmbito da uma CAE; ii) a segunda, consubstanciada na valorização ou mensuração desses activos e passivos ao justo valor.

 

94. E analisados todos os ativos e passivos da sociedade adquirente de uma CAE e apurados os correspondentes justos valores, empreendendo-se a referida tarefa da valorização ou mensuração, pode concluir-se que estes não divergiam das quantias que se encontravam inscritas na contabilidade, mas, igualmente se pode concluir em sentido contrário, ou seja, que algumas das rubricas constantes do balanço societário que integrem o activo ou até o passivo, podem não evidenciar valores coincidentes com o respectivo justo valor da rubrica em causa. A título meramente exemplificativo pode indicar-se um activo fixo tangível, consubstanciado num determinado edifício que está registado na Conta SNC # 432 – Edifícios e Outras Construções – e tinha um valor escriturado de X e um justo valor que lhe foi atribuído de X+Y, intuindo-se daqui que tal activo estava manifestamente subvalorizado nas demonstrações financeiras da sociedade adquirida. E se assim for, o que releva para determinação do goodwill (independentemente da respectiva relevação contabilística que vinha já da sociedade adquirida), é exactamente o aludido justo valor, ou seja, no exemplo figurado, o X+Y, independentemente da politica de amortização para esse activo que vinha sendo seguida na trespassante e que eventualmente continuou a ser seguida na trespassária.

 

95. Esta tarefa da valorização e mensuração ao justo valor, pode e deve, obviamente, estender-se a todos os restantes activos e passivos (até os contingentes) e de entre eles os que se consubstanciam na respectiva Conta SNC # 211 – Clientes C/C ou até nas contas # 32 a 37 (Inventários e Activos biológicos) e caso se constate que alguns deles figuram no balanço por valores superiores ao do seu justo valor, o que pode decorrer de não haverem sido constituídas as necessárias imparidades na esfera jurídica da sociedade adquirida e serem, os correspondentes créditos e inventários, superiores ao seu valor de recuperação, têm de ser revalorizados em função do aludido justo valor e daí resultará que o goodwill será influenciado por tal revalorização e, do mesmo modo, independentemente do tratamento que vinha sendo dado a esses activos em matéria de imparidades na trespassante. Isto dito, mais uma vez concorda o Tribunal com o referido no art.º 56.º do PPA pela Requerente quando a dado passo diz que: “[A] AT considerou que a ora Requerente se encontrava a reconhecer perdas por imparidade - enquanto ativo/passivo separadamente identificável do Goodwill - quando, na realidade, a Requerente se encontrava, meramente, a valorizar essas contas a receber pelo justo valor em cumprimento rigoroso [da segunda etapa] do normativo Contabilístico (...).”

 

96. A tarefa de valorização e mensuração dos activos, passivos e passivos contingentes ao justo valor para efeitos de determinação do goodwill não podia deixar de encerrar também a avaliação de eventuais passivos que não se mostrassem reflectidos na contabilidade da sociedade adquirida, bem ao invés do que parece defender a Requerida na sua Resposta. E realizada essa tarefa constatou a Requerente que faltava a relevação contabilística da estimativa de encargos para férias enquanto passivo identificável. E assim sendo apurou a Requerente o correspondente valor e fê-lo influenciar no apuramento do goodwill relevante para efeitos da sua subsunção no art.º 45.º-A do CIRC.   A Requerente mais não fez do que respeitar o § 26 da NCRF 14 (acima transcrito) e que determina que a adquirente deve reconhecer, à data da aquisição, os passivos identificáveis da adquirida (mesmo que eles não se encontrem reflectidos nas respectivas demonstrações financeiras) se for provável (como, in casu, era) que um exfluxo de recursos incorporando benefícios económicos seja necessário para liquidar a obrigação e o seu justo valor possa ser mensurado com fiabilidade – o que igualmente se verificava.

 

97. Devendo enfocar-se que relativamente às imparidades e até em relação à estimativa de encargos para férias, não colocou em causa a AT, no âmbito do procedimento inspectivo realizado, a quantificação do que a aqui Requerente entendeu ser o justo valor, ou seja, a Inspecção Tributária não avaliou se aquilo que a Requerente determinou como sendo o justo valor, era, efectivamente, o valor dos créditos, inventários e responsabilidades de encargos para férias e não o tendo feito esse valor ficou incontornavelmente consolidado e, por isso, não sujeito a qualquer tipo de correcção subsequente.     

 

98. Quanto à invocação do n.º 9 do art.º 18 do CIRC tendente a colocar-se em crise a mensuração do goodwill empreendida pela Requerente, acompanhamos a defesa desta última quando diz que o reconhecimento fiscal por 20 períodos de tributação do goodwill adquirido numa operação de concentração de actividades empresariais não qualifica como ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor que não concorrem para a formação do lucro tributável, sendo que, ainda que qualificasse, sempre estaria abrangido pela excepção prevista na alínea b) do citado n.º 9 do art.º 18.º do CIRC por determinação expressa do próprio art.º 45.º-A do CIRC.

 

99. E porquanto entende o Tribunal que a Requerente, na tarefa de mensuração e valorização dos activos subjacentes às imparidades em créditos de clientes e em inventários e ainda de mensuração e valorização de passivo não reflectido na contabilidade consubstanciado na estimativa de encargos para férias, respeitou, incontornavelmente, o normativo jurídico-contabilístico acima traçado no que tange à relevação contabilística do Goodwill, donde, colocou-se em situação de poder beneficiar do gasto fiscal correspondente a 1/20 do custo de aquisição do Goodwill adquirido na concentração de actividades empresariais aqui em causa por subsunção na alínea b) do n.º 1 do art.º 45.º-A do CIRC, soçobram, assim, as pretensões correctivas da AT, pelo que, as correcções por aquela empreendidas enfermam de erro nos pressupostos de facto e de direito e, nessa conformidade, estão as liquidações de IRC e JC reportadas ao ano de 2017 e até ao ano de 2018 enfermadas de ilegalidade que adiante se declarará.

 

IV.E) QUESTÕES DE CONHECIMENTO PREJUDICADO:

100. Julgando-se procedente o pedido principal quanto à declaração de ilegalidade das liquidações de IRC e JC de 2017 e de 2018, tal como já se deixou antever, fica assegurada a tutela eficaz dos interesses da Requerente, donde, fica prejudicada, por inútil, a apreciação da questão da dedutibilidade das perdas por imparidade e acréscimo de gastos.

IV.F) Dos Juros Indemnizatórios:    

 

101. Estatui o art.º 43º da LGT, sob a epígrafe “Pagamento indevido da prestação tributária”, como segue: “1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. 2 - Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas. 3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias: a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos; b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito; c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária. d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução. 4 - A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios. 5 - No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.”

 

102. O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende, aliás, do acima transcrito n.º 1 do art.º 43.º, da LGT.

 

103. De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei».

 

104. Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários.

 

105. O n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 

106. O pagamento de juros indemnizatórios depende da existência de quantia a reembolsar e, em face da aventada decisão de anulação dos actos de liquidação de IRC e JC de 2017 e 2018 com fundamento em violação de lei, insere-se no âmbito das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar se há direito a reembolso e em que medida.

 

107. Cumpre, assim, apreciar os pedidos de restituição da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios.

 

108. Na sequência da anulação total das liquidações sindicadas, a Requerente tem direito a ser reembolsada das quantias indevidamente pagas.

 

109. O direito a juros indemnizatórios, é regulado, como visto, no acima transcrito art.º 43.º da LGT.

 

110. Diz o n.º 1 do art.º 43.º da LGT que: “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

 

111. Ora, tendo o Tribunal Arbitral Singular julgado no sentido de que as liquidações controvertidas enfermam de ilegalidade, dado que a não aceitação dos gastos correspondentes a 1/20 do Goodwill adquirido numa concentração de actividades empresariais viola de forma expressa e inequívoca o art.º 45.º-Aº do CIRC, ficou, assim, inequivocamente patenteada a legitimidade do aludido pedido de pagamento de juros indemnizatórios a favor da Requerente por subsunção no referido n.º 1 do art.º 43.º da LGT, já que a liquidação sub judice se mostra in totum enfermada de ilegalidade.

 

112. Além de que, no caso, o erro que afeta a legalidade dos actos tributários de IRC e JC de 2017 e 2018 é de considerar imputável à AT, que o praticou sem o necessário suporte factual e legal.

 

113. Tem, pois, direito a Requerente a ser reembolsada da quantia que pagou indevidamente (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT) por força da anulação dos actos de liquidação aqui sindicados e, ainda, a ser indemnizada do pagamento indevido através de juros indemnizatórios, desde a data do correspondente pagamento, até ao seu reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

V. DECISÃO:

 

Face ao exposto, o Tribunal Arbitral Singular decide:

 

  1. Julgar procedente o presente pedido de pronúncia arbitral por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, por errada interpretação e aplicação do disposto no art.º 45.º-A do CIRC, o que consubstancia vício de violação de lei e, consequentemente, declarar parcialmente ilegal o acto de liquidação de IRC n.º 2020 831..., relativo ao período de tributação de 2017, no montante de 5.518,52 € e ainda os correspondentes juros compensatórios reportados à liquidação n.º 2020 000001... e a totalidade da liquidação adicional de IRC n.º 2020 831... e correspondentes juros compensatórios (liquidação n.º 2020 000001...), relativas ao período de tributação de 2018, no montante total de 19.849,44 €;
  2. Julgar procedente o pedido de condenação da requerida à restituição à Requerente do valor correspondente à parte anulada dos actos de liquidação sindicados por os mesmos haverem sido indevidamente pagos;
  3. Julgar Procedente o pedido de condenação da Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios a determinar nos termos do art.º 43º da LGT e 61º do CPPT.

 

VI. VALOR DO PROCESSO:

 

Fixo o valor do processo em 25.367,96 € em conformidade com o disposto no art.º 97.º-A do CPPT, aplicável por remissão do art.º 3º do regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), sendo que, tal valor foi o indicado pela Requerente no PPA e não contestado pela Requerida e corresponde ao valor das liquidações sindicadas, não contemplando o valor da majoração das tributações autónomas de 7.645,43 €, permanecendo assim inalterado não obstante a revogação das referidas tributações autónomas em conformidade com o disposto no n.º 1 do art.º 13º do RJAT e que, por isso, não fazem, sequer, parte do objecto da presente lide.

 

VII. CUSTAS:

 

Fixo o valor das Custas em 1.530,00 €, calculadas em conformidade com a Tabela I do regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida por decaimento,  nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e ainda art.º 4.º, n.º 5 do RCPAT e art.º 527, nºs 1 e 2 do CPC, ex vi do art.º 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 16 de Novembro de 2021.

 

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.

 

O árbitro,

 

 

(Fernando Marques Simões)

 



[1] Como, in casu, incontornavelmente ocorre.

[2]Apud, Acórdão do STA de 19.9.2018, Arresto 01460/17, acima melhor identificado.

[3] Carregado e sublinhado nosso.

[4] Alguns destes instrumentos já se encontravam previstos no DL n.º 159/2009, de 13 de Julho.

[5] Doravante EC.