Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 609/2020-T
Data da decisão: 2022-06-30   
Valor do pedido: € 131.932,72
Tema: IVA – Ginásios – Serviços de nutrição.
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Sumário

  1. O acompanhamento nutricional prestado no âmbito de uma instituição desportiva pode ser um instrumento de prevenção de certas doenças, como a obesidade, tal como a própria prática desportiva. Daqui resultará uma finalidade sanitária, mas não, ou não necessariamente, uma finalidade terapêutica a qual apenas existiria se fosse prestado para fins de prevenção, diagnóstico, tratamento de uma doença e regeneração da saúde.
  2. Nesses termos, esses serviços não beneficiam da isenção de IVA prevista na alínea 1) do art. 9.º do CIVA

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – Relatório

1.         A Requerente, A..., L.da, pessoa colectiva n.º..., solicita a declaração da ilegalidade dos actos de liquidação de IVA infra identificados e, em consequência, que sejam os mesmos anulados, bem como os respectivos juros compensatórios, nos termos do art. 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, com todas as consequências legais, com a consequente extinção do respectivo Processo de Execução Fiscal e respectivo Processo de Contra-ordenação (Processo n.º ...2020...), nos termos do disposto nos art.os 2.º/1 a) e 10.º/1 a) do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) e do art. 102.º/1 d), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)

2.         Os actos de liquidação de IVA ora impugnados são os seguintes:

  1. Liquidação n.º 2020 ... e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/01;
  2. Liquidação n.º 2020 ... e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/02;
  3. Liquidação n.º 2020 ... e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/03;
  4. Liquidação n.º 2020 ... e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/04;
  5. Liquidação n.º 2020 ... e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/05;
  6. Liquidação n.º 2020 ... e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/06;
  7. Liquidação n.º 2020 ... e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/07;
  8. Liquidação n.º 2020 ... e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/08;
  9. Liquidação n.º 2020 ... e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/09;
  10. Liquidação n.º 2020 ... e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/10;
  11. Liquidação n.º 2020 ... e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/11;
  12. Liquidação n.º 2020 ... e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2017/01;

3.         Estas liquidações perfazem um montante total de 131.932,72 € sendo o montante de imposto de 114.900,16 € e respectivas demonstrações de liquidação de juros de IVA no montante total de 17.032,56 €.

4.         Os actos tributários consubstanciados nas notas de liquidação adicionais supra identificadas foram emitidas pela AT na sequência de uma inspecção tributária ao exercício de 2016, por ter considerado a AT que alguns serviços de nutrição praticados pela Requerente não se subsumem no art. 9.º/1 do CIVA e estarem, por conseguinte, sujeitos a IVA, resultando daí acertos às declarações de IVA mensais entregues pela Requerente do ano de 2016, e ainda com efeitos ao período 2017/01, com a consequente emissão das respectivas notas de liquidação de IVA e juros.

5.         Entende, no entanto, a Requerente, que os referidos actos de liquidação de IVA padecem de vício de ilegalidade, porquanto todos os serviços de nutrição prestados por si se subsumirem no art. 9.º/1 do CIVA e, por conseguinte, estarem isentos de IVA.

6.         Pela sua parte, a AT entende que apenas as consultas avulsas de nutrição facturadas pela Requerente estão isentas de IVA, enquanto as consultas anuais que são facturadas mensalmente não estarão isentas desse imposto.

7.         Pretende a Requerente que a AT violou, por errada interpretação e aplicação da lei, os princípios da justiça, da proporcionalidade fiscal e da prevalência da substância sob a forma, ao emitir estes actos de liquidação, fazendo uma interpretação extensiva da lei, o que justifica a declaração da sua ilegalidade e respectiva anulação.

8.         Esta questão foi anteriormente suscitada pela AT, em inspecções tributárias aos exercícios 2014 e 2015, quer na esfera da Requerente quer em 8 outras sociedades do Grupo B..., no qual a Requerente se insere. No âmbito dessas Inspecções Tributárias aos anos 2013, 2014 e 2015, a AT efectuou correcções em sede de IVA e respectivos juros compensatórios similares às que são contestadas nos presentes autos, tendo as mesmas sido contestadas neste Tribunal Arbitral, com a mesma matéria de facto e de direito, tendo já sido proferidas decisões arbitrais relativas às liquidações de IVA e juros dos anos 2013 e 2014, todas favoráveis quer à Requerente quer às restantes empresas do Grupo B..., nos seguintes Processos:

  1. Processo n.º 162/2019-T em que foi parte a Requerente;
  2. Processo n.º 169/2019-T (C...S, SA);
  3. Processo n.º 159/2019-T (D..., SA);
  4. Processo n.º 164/2019-T (E..., SA);
  5. Processo n.º 373/2018-T (F..., S.A.), tendo este sido confirmado por decisão do Tribunal Central Administrativo do Sul no Proc. n.º 91/19.0BCLSB;
  6. Processo n.º 161/2019-T (G..., S.A.);
  7. Processo n.º 163/2019-T (H..., S.A.);
  8. viii.     viii      Processo n.º 170/2019-T (I..., SA);
  9. Processo n.º 160/2019-T (J..., LDA.).

9.         Quanto às liquidações de IVA e juros relativos ao ano 2015, os respectivos processos arbitrais ainda se encontram em curso, tendo-lhes já sido atribuídos os seguintes números de processo:

  1. Processo n.º 381/2020-T (K..., SA);
  2. Processo n.º 403/2020-T (E..., SA);
  3. Processo n.º 399/2020-T (F..., S.A.);
  4. Processo n.º 380/2020-T (C..., S.A.);
  5. Processo n.º 405/2020-T (G..., S.A.);
  6. Processo n.º 397/2020-T (H..., SA);
  7. Processo n.º 395/2020-T (I..., SA);
  8. Processo n.º 404/2020-T (L..., LDA.);
  9. Processo n.º 408/2020-T (J..., LDA.).

10.       O Grupo B..., no qual a Requerente se insere, existe actualmente em oito países e reúne mais de 275.000 sócios. Iniciou a sua actividade na Península Ibérica há 20 anos e no exercício de 2012 passou a integrar um grupo empresarial hoje denominado M... que é constituído por 16 empresas.

11.       Uma dessas empresas é a Requerente, que tem como actividade a criação, promoção e exploração de health clubs, gestão, formação e consultoria em desporto, manutenção física e bem-estar, serviço de nutrição e outras actividades de saúde pública, incluindo tratamentos de fisioterapia. O código de acesso à certidão permanente é o ....

12.       A Requerente desenvolvia a sua actividade em 2016 e também actualmente, num Health Club do Grupo B.... localizado em Lisboa, na ..., ...-... Lisboa.

13.       Para efeitos de IVA encontra-se enquadrada no regime normal de periodicidade mensal.

14.       A Requerente proporciona aos seus sócios não só a prática de ginásio similar aos seus concorrentes de mercado, mas vai bastante para além da mera prática de exercício físico, proporcionando ainda outros serviços. O clube tem 3.300 m², e conta com Ginásio, zona de treino funcional, 3 estúdios, uma piscina, saunas e banho turco, Zona de restauração, 2 Gabinetes dedicados a Fisioterapia e 2 Gabinetes de Nutrição. Como serviços, o clube oferece um variado leque de aulas de grupo, Treino personalizado, Serviços de estética, massagem, fisioterapia e nutrição.

15.       Serviços estes que se inserem na mais ampla política do Grupo B... bem espelhada na máxima .... assente em três pilares ...., .... e .... (Exercício, Nutrição, Repouso). Assim, dando corpo à implementação em território nacional da nova política comercial internacional, a B... levou a cabo uma remodelação nos seus serviços, imagem, instalações e contratação de pessoal de modo a relevar a vertente da nutrição, publicitando-a com novo target da marca B... .

16.       Foi com base nesta máxima que, na vertente .... em 2013 (e até hoje) a Requerente passou a proporcionar aos seus sócios serviços de nutrição, mediante a subscrição de um contrato que se decidiu denominar “Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos” que, refira-se, consiste exactamente no mesmo serviço que os denominados serviços de nutrição, sendo as expressões e licenciaturas de dietética e nutrição equivalentes desde a constituição da ordem dos nutricionistas em 1.1.2011.

17.       Aos sócios que aceitaram este novo serviço, pois sócios houve que não aceitaram, foi oferecido um desconto na mensalidade do ginásio correspondente ao valor do novo serviço de nutrição, como forma de incentivo à adesão aos novos serviços da Requerente e por estratégia de marketing por forma aos sócios conhecerem esse novo serviço e habituarem-se a fazer consultas para além das constantes do pacote inicial, o que veio a acontecer.

18.       Os serviços de nutrição/dietéticos, são prestados em gabinetes individualizados, próprios para o efeito, resultado dos investimentos e alterações introduzidas nos vários edifícios B... . Nesses gabinetes apenas são prestadas consultas de nutrição, quer as consultas base quer as consultas premium (consultas subsequentes, em packs ou avulsas que a AT não contesta serem isentas de IVA), não servindo os mesmos gabinetes para qualquer outro fim.

19.       No caso específico da Requerente existem duas salas onde só se prestam serviços de nutrição e que foram adaptados para esse efeito com máquinas, com medidores de gordura corporal – tanitas, com software próprio.

20.       Para fazer face a esta nova filosofia, a Requerente mantém, desde 2013, nutricionistas no seu Quadro de Pessoal, identificados com o código 22650, conforme cópias dos Mapas de Quadros de Pessoal de 2013, 2014 e 2015 sendo que actualmente o Grupo B... já conta com 49 nutricionistas no total, que desenvolvem a sua actividade nos agora já 21 ginásios geridos pelo Grupo B... em Portugal.

21.       O Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos/nutrição referido, era à data composto por duas consultas de nutrição presenciais e dois acompanhamentos telefónicos anuais nos quais se fazia apenas um follow up das consultas. No entanto, sempre que os sócios pretendiam mais do que duas consultas de nutrição por ano podiam sempre adquirir consultas de nutrição vendidas quer isoladamente, quer em packs, sendo estas consultas prestadas pelos mesmos profissionais que prestam as consultas iniciais do Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos, com a mesma duração e os mesmos serviços.

22.       Os clientes podiam e podem usufruir apenas da componente de ginásio, sem as consultas de nutrição, sendo o inverso igualmente verdadeiro.

23.       Em 2016, o Grupo B... proporcionou aos seus sócios 49.939 consultas de nutrição, nas quais estão incluídas as 2 consultas iniciais previstas nos Contratos de Prestação de Serviços Dietéticos.

Uma imagem com mesa

Descrição gerada automaticamente24.       A Requerente proporcionou 3.222 consultas de nutrição no ano de 2016, sendo que o número de sócios neste ano foi o que se apresenta no quadro seguinte:

25.       As consultas são efectuadas nas instalações da Requerente, pelos nutricionistas que pertencem aos quadros da Requerente, conforme referido supra e em instalações próprias para o efeito e especificas só para aquele fim, com software próprio e específico para serviços de nutrição (SANUT).

26.       Todas as consultas (iniciais ou premium) são dadas pelos mesmos profissionais e nas mesmas condições, não divergindo quer na duração quer na qualidade, sendo os mesmos os serviços prestados.

27.       Inclusive, a Requerente, bem como todo o Grupo B... em Portugal, têm programas de estágios remunerados com base num Protocolo com a Ordem dos Nutricionistas, onde são recebidos estagiários nos clubes da B... que aí completam a sua formação, tendo a Requerente recebido, desde 2013, 1 estagiário.

28.       Sendo o Grupo B... provavelmente a maior entidade empregadora privada (não hospitalar) de nutricionistas.

29.       A Requerente foi a primeira entidade no seu ramo de actividade a implementar este novo serviço de nutrição e pode concluir-se que foi uma aposta de mercado que veio ao encontro das preocupações actuais dos cidadãos, tendo em conta a adesão que a mesma teve por parte dos sócios já existentes e dos novos sócios.

30.       A Requerente sempre entendeu que estes serviços de nutrição previstos nos Contratos de Prestação de Serviços Dietéticos estão isentos de IVA ao abrigo do art. 9.º/1 do CIVA, por se subsumirem na sua factispecie, como adiante se demonstrará, tendo, inclusivamente, com total transparência e boa fé, solicitado parecer vinculativo à AT antes do início das consultas, situação completamente desconhecida pelos inspectores da AT aquando da fiscalização, tendo sido confrontados e ficado surpreendidos com tal situação.

31.       No entanto, no âmbito de uma acção de controlo declarativo da tipologia do Acompanhamento Permanente, a AT entendeu que as prestações de serviços dietéticos (nutrição) realizadas pela Requerente (bem como por todo o Grupo B...) não merecem acolhimento na isenção prevista na alínea a) do art. 9.º do CIVA, na medida em que, no seu entendimento, o serviço de nutrição é um serviço acessório da prestação de serviço principal que constitui o serviço de ginásio, expressão esta extraída da página 27 do Relatório de Inspecção.

32.       Quanto ao direito, não concorda a Requerente com os argumentos aduzidos pela AT no seu Relatório de Inspecção, para justificar a não aplicação da isenção do IVA sobre os serviços de nutrição previstos nos Contratos de Prestação de Serviços Dietéticos.

33.       A AT apresenta argumentos que não justificam esta correcção nem são suscetíveis de afastar a isenção de IVA nos serviços praticados pela Requerente. A AT entende que as 4 consultas iniciais de nutrição (2 presenciais e 2 por telefone), previstas nos Contratos de Prestação de Serviços Dietéticos estão fora do âmbito da isenção prevista no art. 9.º/1 do CIVA, por entender que as mesmas são acessórias do serviço principal (ginásio), ao contrário das consultas subsequentes (adquiridas pelos sócios), que entende serem isentas de IVA.

34.       No entanto, é entendimento da Requerente que todos os serviços de nutrição (consultas iniciais e subsequentes) praticados pela Requerente, independentemente da denominação que lhe seja dada, por serem prestados pelos mesmos profissionais qualificados, nas mesmas condições e com os mesmos objectivos, são sempre subsumíveis na isenção prevista no art. 9.º/1 do CIVA.

35.       De facto, as prestações de serviços em causa, por serem prestadas por nutricionistas, têm sempre fins terapêuticos e são prestações de serviços autónomas da prestação de serviços de ginásio, pelo que estão isentas de IVA.

36.       Este entendimento foi corroborado pelo Parecer da Ilustre Fiscalista, Senhora Professora Clotilde Celorico de Palma, de 28 de Abril de 2018, solicitado pela AGAP - Associação de Empresas de Ginásios e Academias de Portugal, que estatui, desde logo na página 3: sendo certo que, como inevitavelmente iremos concluir: (i) As prestações de serviços realizadas pelos nutricionistas têm fins terapêuticos; (ii) Uma vez configuradas como autónomas em relação às demais prestações de serviços efectuadas pelos ginásios, v.g., a prática de actividade física, as prestações de serviços de aconselhamento/consultas de nutricionismo devem ser isentas de IVA.

A concluir-se de forma distinta estaremos perante uma violação das regras que regem este imposto ao nível do Direito da UE.

37.       Todos os serviços de nutrição praticados pela Requerente:

  1. São prestados por profissionais qualificados com fins terapêuticos e de prevenção, pelo que se enquadram no art. 9.º/1 do CIVA;
  2. São efectivos;
  3. São autónomos do serviço principal ginásio.

 

38.       Invoca ainda os argumentos adicionais:

A. Da subsunção da prestação de serviços na isenção de IVA prevista no art. 9.º/1 CIVA

39.       Nos termos previstos no art. 9.º/1 do CIVA [e]stão isentas do imposto as prestações de serviços efectuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas

40.       Esta isenção vem na senda da previsão de isenção para determinadas prestações de serviços na área da saúde previstas no art. 132.º da Directiva do IVA (Directiva 2006/112/CE). Nos termos da alínea c) deste artigo está prevista isenção para as prestações de serviços de assistência efectuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado Membro em causa.

41.       No que respeita às actividades paramédicas, e uma vez que o CIVA não define este conceito, há que recorrer à lei interna, nomeadamente, ao Decreto-Lei n.º 261/93, de 24.7, bem como ao Decreto-Lei 320/99, de 11.8, que contêm os requisitos a observar para o exercício das respectivas actividades e acesso à profissão.

42.       O Decreto-Lei 261/93, de 24.7, determina, no seu art. 1.º/1 que regula o exercício das actividades profissionais de saúde, adiante designadas por actividades paramédicas, que compreendem a utilização de técnicas de base científica com fins de promoção da saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento da doença, ou de reabilitação (sublinhado introduzido pela Requerente).

43.       É condição essencial para o exercício destas actividades profissionais de saúde, e determinante para a atribuição da isenção prevista no art. 9.º/1 do CIVA, a verificação de determinadas condições, nomeadamente a titularidade de curso e registo profissional, nos termos dos art.s 4.º e 7.º do Decreto-Lei  320/99, de 11.8.

44.       Determina o art. 1.º/3 do Decreto-Lei 261/83, de 24.7, que as actividades paramédicas são as constantes da lista anexa ao citado diploma, do qual faz parte integrante.

45.       No ponto 5 do Anexo consta: Dietética. - Aplicação de conhecimentos de nutrição e dietética na saúde em geral e na educação de grupos e indivíduos, quer em situação de bem-estar quer na doença, designadamente no domínio da promoção e tratamento e da gestão de recursos alimentares (sublinhado introduzido pela Requerente).

46.       Tem sido entendimento da AT (v. informação vinculativa 9215, por despacho do SDG do IVA, de 2015.08.19) considerar que a actividade de nutricionista se enquadra na descrição prevista para o exercício da actividade de dietética prevista nestes diplomas, e, como tal, podendo ser abrangidas pela isenção prevista no art. 9.º/1 do CIVA, desde que estejam cumpridas as condições enumeradas nos referidos diplomas e se refiram a operações abrangidas pelo item 5 do Anexo ao DL 261/93.

47.       Ora a AT, no seu Relatório de Inspecção, não põe em causa a falta de requisitos para a prática da actividade, referindo na pag.ª 22 que, nessa matéria, foram solicitados pela Requerente elementos que permitiram comprovar a conformidade com os requisitos exigidos – Decreto-Lei nº 261/93, de 24 de Julho

48.       Acresce que uma das empresas do Grupo B... solicitou um pedido de informação vinculativa, no qua foi perguntado: Em que condições podem os ginásios directamente facturar, com isenção de IVA, actividades de aconselhamento de nutrição, por nutricionistas credenciados? E com acompanhamento, muda alguma coisa?

49.       Ao que a AT respondeu que as actividades de aconselhamento de nutrição, por nutricionistas credenciados e o exercício físico prestado por fisioterapeutas facturado pelo sujeito passivo aos seus clientes, beneficia de isenção nos termos da al. 1) do artigo 9,º do CIVA, desde que, integrando uma das actividades enumeradas no Anexo ao Decreto-Lei n.º 261/93 de 24 de Julho, cumpra as condições previstas nesse diploma, acima descritas, nomeadamente, que sejam prestadas por pessoas que possuam as qualificações profissionais exigidas.

Com efeito as actividades de “Dietética” e de “Fisioterapia”, estão elencadas no ponto 5 e 7, respectivamente, do referido anexo.

Motivos pelos que, desde que os profissionais em concreto estejam devidamente certificados, reunindo assim as qualificações profissionais exigidas pelo diploma citado, o aconselhamento de nutrição e a actividade paramédica para efeitos da isenção prevista na al. 1) do art.º 9.º do CIVA, ainda que os serviços sejam facturados pelo sujeito passivo (sublinhado introduzido pela Requerente)

50.       Refere a AT no seu Relatório que daqui se retira que as isenções previstas nas alíneas 1) e 2) do art. 9.º do CIVE, respeitam a actividades que tenham por objecto diagnosticar, tratar e, se possível, curar as doenças ou anomalias de saúde, como forma de excluir os serviços de nutrição da isenção por não terem por objecto diagnosticar, tratar e, se possível, curar as doenças ou anomalias de saúde.

51.       É verdade que o TJUE tem vindo a decidir que, para que se aplique a isenção do IVA, as actividades devem ter por objectivo diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar doenças ou anomalias de saúde. No entanto, esquece-se a AT de referir que o mesmo TJUE também tem vindo a decidir que, em virtude de a finalidade terapêutica não dever entender-se de forma demasiado estrita, as prestações médicas para efeitos de prevenção também podem ser isentas, ou seja, inclui no âmbito da isenção as prestações que têm por objectivo proteger, manter ou restabelecer a saúde das pessoas (proc. C-106/05, L.u.p GmgH). Incluem-se, portanto, na isenção, não apenas os serviços que visam diagnosticar, tratar e, se possível, curar as doenças ou anomalias de saúde, mas também prevenir, promovendo a saúde em geral e o bem-estar da população em especial.

52.       É do conhecimento geral que a medicina e serviços paramédicos não pode ser vista somente do ponto de vista do tratamento, mas, sobretudo, e cada vez mais, do ponto de vista da prevenção, nomeadamente, de problemas como a obesidade, a diabetes, hipertensão, problemas cardíacos, entre outros.

53.       São os próprios médicos e a própria Organização Mundial de Saúde a recomendar o exercício físico e alimentação saudável.

54.       E é isto que a B... proporciona aos seus clientes em Portugal, em linha com o que é feito na Europa.

55.       Se o exercício físico em locais especializados (ginásios) ainda não é considerado um serviço essencial (do ponto de vista da prevenção de problemas de saúde), ao contrário do que a prática tem vindo a provar e a própria comunidade médica reconhece, e ainda é tributado com taxa normal do IVA, já a nutrição é isenta de IVA de acordo com a própria Directiva do IVA e legislação nacional, não podendo nem devendo a AT, enquanto entidade pública, subverter as regras do IVA (que na sua essência são pensadas do ponto de vista do que é essencial ou benéfico para o ser humano).

56.       Pelo que se conclui que todos os serviços de nutrição prestados pela Requerente se subsumem no art. 9.º/1 do CIVA.

B. Da efectividade dos serviços prestados

57.       Refere a AT na página 29 do Relatório: Caso os serviços não se insiram no conceito de prestação de serviços médicos definido na jurisprudência comunitária, ou seja, se tais serviços não tiverem em vista a assistência a pessoas, a elaboração de diagnósticos e o tratamento das doenças ou de qualquer anomalia de saúde, mas apenas a disponibilização do direito de usufruir de um conjunto de serviços (nos quais se podem inserir os serviços médicos ou paramédicos), os mesmos ficam afastados do campo de aplicação da isenção prevista no art. 9.º/1 do CIVA, configurando operações sujeitas a imposto e dele não isentas, passiveis de tributação à taxa normal prevista no art. 18.º do CIVA.

58.       Todos os serviços prestados pela Requerente na área da nutrição são prestados da mesma forma pelos mesmos profissionais, através de consultas de nutrição, quer sejam vendidas aos sócios através dos Contratos de Prestação de Serviços Dietéticos (2 consultas presenciais por ano) quer sejam vendidas isoladamente ou em packs de várias consultas, mudando apenas a forma de facturação das mesmas.

59.       Veja-se, a título de exemplo, alguns sócios que subscreveram os Contratos de Prestação de Serviços Dietéticos e vieram posteriormente a adquirir consultas adicionais de nutrição (premium).

60.       Ao contrário do que pretende fazer entender a AT no seu Relatório, arguindo sem apresentar qualquer prova em contrário, as consultas do pack inicial (consultas base) são efectivamente prestadas aos clientes, pelos mesmos profissionais e nas mesmas instalações que as consultas de nutrição adquiridas por estes após esgotar as consultas iniciais, sendo os serviços prestados exactamente os mesmos.

61.       Ou seja, estes serviços (consultas base) são efectivamente prestados, da mesma forma e com as mesmas condições que as consultas premium (subsequentes ou avulsas) que os sócios adquirem, isoladamente, ou em packs, e em relação às quais a AT não contesta que sejam isentas de IVA ao abrigo do art. 9.º/1 do CIVA.

62.       Refere a AT que os Contratos de Prestação de Serviços Dietéticos e as consultas de nutrição vendidas em separado têm códigos de facturação diferentes (SDIET e NUT) contudo refira-se e reitere-se que:

i. Trata-se de meros códigos de facturação que foram sendo criados para distinguir as diversas consultas por uma questão de controlo na implementação da estratégia de marketing;

ii.           Em substância, todas elas são consultas de nutrição, prestadas pelos mesmos profissionais de nutrição;

iii.          Como se pode verificar pelos exemplos de facturas juntas ao processo, a descrição do serviço é igual quer para as consultas base quer para as consultas premium, ou seja, independentemente de constar o Código SDIET (consultas base) ou NUT (consultas premium), na descrição aparece sempre serviços de nutrição, pelo que fica demonstrado que o código ou a descrição são irrelevantes para a qualificação dos serviços que são exactamente os mesmos;

iv.          Serviços dietéticos ou de nutrição é exactamente a mesma coisa;

v.           Aliás, com a criação da ordem dos nutricionistas em 2011 deu-se equivalência licenciatura de nutrição a quem tinha licenciatura em dietética;

vi.          Existem nutricionistas inscritos na Ordem dos Nutricionistas que tiraram a licenciatura em Dietética;

vii.         As expressões são iguais e significam o mesmo.

63.       Não faz sentido inferir que de códigos de facturação com diferentes siglas se trate de serviços diferentes. Como referido, trata-se de meros códigos criados com as siglas SDIET e NUT, mas que na verdade poderiam ser quaisquer outras siglas, querendo-se tão somente diferenciar o que são os packs de 2 consultas iniciais (vendidas aquando da adesão dos sócios) das restantes consultas de nutrição (efectuadas após esgotar as duas consultas iniciais), que servem para efeitos de monitorização dos membros do clube para padronização dos seus comportamentos para servir de base a estratégias de marketing.

64.       O modo como é facturado não pode influenciar a natureza do serviço, tal como o facto de ser facturado por uma sociedade e não pelo próprio nutricionista também não lhe retira essa natureza (Informação Vinculativa no âmbito do Processo: n.º 9215, por despacho de 2015-08-19, do SDG do IVA). Ou seja, a AT aceita que os serviços de nutricionismo gozam da isenção prevista no n.º 1) do art. 9.º quando são facturados separadamente dos serviços de ginásio.

65.       Também o facto de o Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos estar associado ao Contrato de Adesão não pode influenciar a qualificação do serviço para efeitos de IVA. Trata-se apenas de uma questão de marketing para implementação do referido serviço de nutrição até então totalmente inovador e de filosofia de grupo completamente irrelevante para efeitos fiscais.

66.       Como referido no Parecer da Ilustre Fiscalista, Senhora Professora Clotilde Celorico de Palma, de 28 de Abril de 2018, página 43: [n]o caso em apreço não estamos, à partida, perante uma prestação única. A prestação de serviços de nutricionismo é um fim em si mesmo, existindo inclusive utentes que apenas frequentam consultas de nutricionismo, sendo livres de escolher qual a entidade a quem devem recorrer para o efeito. Assim, há utentes que apenas praticam actividades físicas, outros que apenas frequentam as consultas de nutricionismo e outros que frequentam ambas. E diga-se que o facto de o ginásio eventualmente incluir num pacote único ambas as prestações de serviços em nada poderá alterar tal conclusão. Nem tão pouco, no caso o utente não usufruir das consultas de nutricionismo se poderá concluir que os serviços não foram prestados recusando-se a aplicação da isenção. A partir do momento em que o serviço de nutrição é disponibilizado e facturado, deve, como tal, de acordo com as regras do IVA, ser considerado como prestado, independentemente de o utente não vir a frequentar alguma consulta (à semelhança do que se verifica, por exemplo, em relação aos serviços de prática de actividades físicas). Com efeito, tal como o TJUE já decidiu, por exemplo no Caso Air France-KLM, o IVA é exigível mesmo no caso de o viajante não utilizar o bilhete de avião dado, como concluiu, o serviço ter sido disponibilizado ao utente (sublinhados introduzidos pela Requerente).

67.       O CAAD vem reconhecendo que a Requerente desenvolveu um programa de consultas de nutrição realizadas por profissionais que consubstanciam uma prática clínica (proc. 162/2019-T) relevando apenas o facto de tais serviços serem efectivamente disponibilizados e já não a sua concreta utilização (proc. 454/2017-T)

68.       Pelo que se conclui que todos os serviços de nutrição prestados pela Requerente são efectivos e, mesmo que não fossem, não seriam desqualificados para efeitos de aplicação da isenção do art. 9.º/1 do CIVA.

69.       Improcedem, assim, os argumentos apresentados pela AT no Relatório de Inspecção, nomeadamente, tendo ficado amplamente demonstrado que o serviço foi efectivamente prestado.

C. Da não acessoriedade dos serviços de nutrição

70.       Na página 18 do Relatório de Inspecção, a AT acaba por confessar que fundamenta a sua posição de não aceitar que estes serviços de nutrição se enquadrem no art. 9.º/1 do CIVA, por entender que se trata de serviços acessórios do serviço principal de utilização das instalações desportivas.

71.       Clarifica mesmo que entende que apenas os serviços dietéticos (entenda-se 2 consultas iniciais por ano) são acessórios do serviço principal, e como tal segue o regime de IVA do serviço principal, por contraponto com as consultas de nutrição (entenda-se consultas premium), que a AT não põe em causa que estejam isentas de IVA, o que não se compreende.

72.       É preciso esclarecer, e conforme já referido, que, apesar de a expressão utilizada nas facturas ser “prestação de serviços dietéticos”, estes serviços consistem em serviços de nutrição prestados por nutricionistas habilitados para o efeito e não têm qualquer diferença face às consultas vendidas separadamente em packs denominadas “Consultas Premium”, aliás, presentemente, e desde que foi criada a Ordem dos Nutricionistas em 1 de Janeiro de 2011, a expressão serviços dietéticos ou de nutrição são expressões que significam exactamente o mesmo.

73.       Ou seja, a AT faz divergir o enquadramento em sede de IVA das consultas de nutrição (mesmo tipo de consultas dado pelos mesmos profissionais) consoante a forma como as mesmas são vendidas aos sócios e a designação que lhes é dada na factura.

74.       Pretendendo assim que a forma prevaleça sobre a substância material, violando assim o mais elementar princípio do direito tributário e da justiça material da prevalência da substância sob a forma, patente, nomeadamente, no art. 11.º/3 da LGT.

75.       A AT não apresenta qualquer evidência ou prova desta alegada acessoriedade, porquanto ela não existe.

76..      Trata-se de diferentes áreas de negócio, tendo o Grupo B... em geral e a Requerente em especial adoptado várias estratégias de mercado para lançar este novo produto de nutrição, na linha da máxima .... inserida na mais ampla filosofia holística de bem estar dos seus clientes .... assente em três pilares ...., .... e .... (Exercício, Nutrição, Repouso).

77.       A Requerente, para além da actividade principal de ginásios (CAE 93192), tem também diversos CAE secundários, conforme reconhecido pela própria AT no Relatório de Inspecção (página 29), exerce outras actividades, como:

i. CAE 96040 – actividades de bem-estar físico;

ii            CAE 85591 – Formação profissional

iii           CAE 86906 – outras actividades de saúde humana, NE, constando ainda no seu objecto social a prestação de serviços de nutrição.

78.       Cada uma das actividades é exercida autonomamente e cada uma delas segue o seu próprio regime de IVA.

79.       Recorde-se o lema da B... em Portugal “Fitness/Nutrição/Spa”, ou seja, é uma trilogia de serviços, perfeitamente autónomos e independentes (em espaços individualizados) entre si, totalmente dissociáveis, de acordo com o que vem sendo o entendimento do TJUE sobre esta matéria, que apenas considera acessórios os serviços que não sejam autonomizáveis entre si.

80.       A AT aceita a isenção de IVA nas consultas de nutrição vendidas isoladamente ou em packs separados aos sócios, aceitando que esta é uma actividade autónoma da actividade principal (ginásio) e, como tal, segue o seu próprio regime de IVA.

81.       Apenas não aceita, e vem agora liquidar adicionalmente o respectivo IVA, que as consultas de nutrição que são efectuadas ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços Dietéticos sejam isentas de IVA.

82.       A AT no seu Relatório refere que umas consultas têm o Código SDIET outras o código NUT, para decidir que umas são acessórias e outras não.

83.       Na verdade, todas têm a mesma natureza, todas são facturadas aos clientes pela Requerente, todas são prestadas pelos mesmos profissionais de nutrição, no seio do Grupo B... com o qual têm vínculo laboral, pelo que todas têm que ter o mesmo tratamento fiscal: isenção de IVA ao abrigo do art. 9.º/1 do CIVA. Tudo o resto (forma de debitar ao cliente, denominação do serviço, código de facturação, etc.) tem somente a ver com a organização interna e marketing que não pode ser relevante para efeitos de qualificação fiscal de uma operação ou serviço.

84.       Qualquer outro entendimento violaria os mais elementares princípios da justiça material, da equidade e proporcionalidade.

85.       Conclui-se assim que o emaranhado de argumentos apresentados pela AT ao longo de todo o Relatório são infundados, contraditórios com a própria posição da AT defendida em diversos documentos referidos supra e com o próprio TJUE. Todos os serviços de nutrição prestados pela Requerente são efectivos e são autónomos da prestação de serviços de ginásio, sendo-lhe aplicável a isenção de IVA prevista no art. 9.º alínea 1) do CIVA.

86.       Por conseguinte, não tendo a AT conseguido justificar o afastamento da isenção de IVA que a Directiva do IVA e o próprio CIVA quis aplicar, as notas de liquidação de IVA e respectivos juros compensatórios decorrentes da acção de inspecção deverão ser totalmente anuladas, com todas as consequências legais.

D. Liquidação do IVA por dentro

87.       Sem conceder, mas por mero dever de cautela, ainda que se considerasse que estes serviços estão sujeitos a IVA, nunca a AT poderia ter aplicado a taxa de 23% sobre o valor dos serviços prestados. Assim, argumenta:

88.       Para determinação do valor a corrigir, em sede IVA, os Serviços de Inspecção Tributária utilizaram uma listagem das facturas emitidas no período em análise (2016), a qual inclui as mensalidades pagas pelos utentes pela utilização das instalações desportivas e serviços secundários relacionados, tendo sido extraídas, por cada factura, as linhas com os valores respeitantes à prestação dos serviços dietéticos.

89.       Para apuramento do imposto, os Serviços de Inspecção Tributária consideraram o valor facturado aos utentes, sem inclusão do imposto, tendo aplicado a taxa normal de IVA de 23% sobre este valor.

90.       Conforme já ficou dito anteriormente, os Serviços de Inspecção Tributária consideraram os serviços dietéticos prestados pela Requerente aos utentes sujeitos a IVA, e, de forma a apurar o valor do imposto em falta, consideraram o valor recebido no montante de 538.164,46 Euros (facturação de 2016), sem inclusão do imposto, tendo aplicado a taxa normal de IVA de 23% sobre este valor, do qual resultou o valor global de imposto devido de 123.777,83 Euros.

91.       Ora, no entender da Requerente, a isenção contemplada no art. 9.º/1 do CIVA pretende que tais operações sejam prestadas a consumidores finais, como tal o valor cobrado pela Requerente aos utentes, no período em análise, constitui o preço final.

92.       Com a alteração do enquadramento proposto pelos Serviços de Inspecção Tributária, entende a Requerente que o valor global recebido como contrapartida da prestação dos serviços dietéticos, considerados pela Requerente como isentos de IVA ao abrigo do art. 9.º/1 do CIVA, deverá ser considerado com inclusão do IVA.

93.       Sublinhe-se que, a seguir-se a tese da AT de determinação do IVA sobre o preço final cobrado aos utentes, os respectivos consumidores finais teriam de suportar o imposto liquidado adicionalmente, criando distorções ao nível do seu bem-estar económico ao criar esse encargo adicional.

94.       Como na prática isso seria impossível, teria a Requerente que suportar a final o IVA liquidado adicionalmente, o que violaria os mais elementares princípios de funcionamento do IVA, enquanto imposto neutro por definição.

95.       Ao considerar o valor global recebido como contrapartida da prestação dos serviços dietéticos com inclusão do IVA, o preço final não sofrerá qualquer alteração junto do consumidor final, possibilitando, à Requerente, sujeitar a imposto o montante recebido, retirando por dentro o respectivo valor do IVA

96.       Atendendo ao disposto no art. 49.º do CIVA, o apuramento da base tributável correspondente seria obtido através da divisão do valor recebido dos clientes por 123 (taxa normal de IVA de 23%) e multiplicando o quociente por 100. Assim, teríamos: Base Tributável = [valor recebido dos utentes / 123] x 100, ou seja, Base Tributável = [€ 574.830,00 Euros / 123] x 100 = € 467.341,46, sendo o montante global do IVA devido de € 107.488,54 (€ 467.341,46 x 23%) e não € 132.210,90 (cálculos apresentados de forma meramente demonstrativa, efectuados com base nos valores extraídos do Relatório de Inspecção, sem prejuízo de os valores constantes das liquidações adicionais nem sempre coincidirem com o Quadro da página 42 do Relatório de Inspecção)

97.       Por conseguinte, e por todo o exposto, tendo sido demonstrado que todos os serviços de nutrição prestados pela Requerente cumprem os requisitos para serem contemplados na isenção prevista no art. 9.º /1 do CIVA, devem as notas de liquidação de IVA e respectivos juros compensatórios ser totalmente anuladas, com todas as consequências legais. Subsidiariamente, caso assim não se entenda, deve o IVA ser liquidado por dentro nos termos supra expostos.

 

98.       A Autoridade Tributária, na sua resposta, defende a legalidade dos actos tributários praticados e alega, em síntese o seguinte:

99.       Em suma, os SIT entenderam que, por um lado, nos serviços como os em apreço, não se verifica a finalidade terapêutica e como tal, não beneficiam da isenção constante do art. 9.º/1 do CIVA,

100.                 E, por outro lado, consideraram os serviços de nutrição em apreço acessórios dos serviços de ginásio e, assim, com o mesmo enquadramento destes, em sede de IVA.

101.                 A Requerente, discorda de tal entendimento e, em suma, defende que, sendo aqueles serviços prestados (ou melhor dizendo, facturados), por profissionais habilitados, têm imediata e necessariamente fins terapêuticos, pelo que beneficiam da isenção em apreço e, por outro lado, que tais serviços não são acessórios dos serviços de ginásio, mas antes complementares, não seguindo por via disso, o enquadramento destes em sede de IVA.

102.                 Entende a Requerida não assistir razão à Requerente, nos termos seguintes:

103.                 É facto de conhecimento comum, que pessoas que não padeçam de qualquer patologia, consultam nutricionistas.

104.                 E, como também é de conhecimento comum, fazem-no para os mais diversos fins, como sejam, ganhar peso, perder peso, obter a silhueta que desejam, obter uma melhor performance desportiva, ou até, admita-se, para promover a saúde em geral, em todos os casos, sem que pretendam tratar uma doença em concreto.

105.                 Ao que acresce que, sendo os serviços facturados, independentemente da sua efectiva prestação, por maioria de razão, não se pode ter por verificado qualquer fim terapêutico quando não é efectivamente prestado.

106.                 Ou seja, como está bom de ver, assinar um contrato, receber facturas e pagá-las, não tem, qualquer fim terapêutico.

107.                 Em suma, entende a Requerente que verificado o requisito subjectivo da aplicação da isenção (a qualificação dos prestadores dos serviços), se pode ter por presumido o requisito objectivo (de que tais serviços tiveram por fim, diagnosticar, tratar e na medida do possível curar, determinada doença), mesmo quando não chegam a ser prestados.

108.                 Por sua vez, a Requerida, discordando de tal entendimento, defende que, para a aplicação da isenção, não releva a promoção da saúde em geral nem a eventual prevenção de futuras doenças.

109.                 Porque, a ser assim e, tendo em conta que é de conhecimento comum e também pela Organização Mundial de Saúde e pelo Ministério da Saúde assumido, que a prática desportiva contribui para a saúde de quem o pratica, então também os serviços de ginásio usufruiriam de tal isenção e, os professores de educação física, personal trainers, etc, seriam, enquanto profissionais qualificados para a prestação daqueles serviços, profissionais de saúde para efeitos de aplicação da isenção e, como se sabe, assim não é.

110.                 Pelo que não se deve dar como provada a finalidade terapêutica nos serviços em apreço (que de resto, nem sequer é alegada).

111.                 Entende, assim, a Requerida não assistir razão à Requerente.

112.                 No que concerne às liquidações em apreço, o direito aplicável, é o constante da fundamentação de direito do RIT.

113.                 Os serviços facturados a título de nutrição em apreço estão sujeitos a IVA (sem que haja lugar a qualquer isenção).

114.                 E, assim será, por não se verificarem os fins terapêuticos que constituem requisito para a aplicação da isenção e, bem assim, porque, tratando-se de serviços de nutrição meramente disponibilizados e, não tendo logrado a Requerente demonstrar ter prestado os serviços que facturou (ou, até pelo contrário, assumindo não os ter prestado), não pode o serviço de mera disponibilização da nutrição beneficiar da isenção em questão, por não verificada a finalidade terapêutica, por um lado e, por outro, por considerar tais serviços acessórios dos serviços de ginásio prestados em conjunto aos clientes da Requerente.

115.     O TJUE já se pronunciou (Proc. C-581/19) relativamente à aplicação da isenção em casos como o em apreço, nomeadamente, quando:

  1. Se trata de serviços de nutrição, prestados num conjunto de serviços, entre os quais se incluem também os de ginásio

ii. E, os serviços sejam facturados independentemente de serem terem sido prestados e, até, quando não se demonstre terem sido efectivamente prestados

iii. Aquele Acórdão foi proferido no âmbito do pedido de reenvio prejudicial relativo ao processo n.º 504/2018-T, que deu entrada no TJUE em 2019-07-31 (processo C-581/19 - caso Frenetikexito), e que versa sobre matéria de facto análoga, à em apreço nos presentes autos.

116.                 No referido processo, foi sugerida pela AT a necessidade de reenvio prejudicial para o TJUE da questão relativa à interpretação da al. c) do n.º 1 do art.º 2.º e al. c) do n.º 1 do art.º 132.º, ambos da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28/11

117.                 Tal como se se pode observar, a matéria submetida à apreciação do TJUE é absolutamente coincidente com a dos presentes autos.

118.                 Pelo que, entende a Requerida que, atentos os esclarecimentos ora aportados pelo TJUE e descendo ao caso concreto, que da verificação a efectuar pelo presente Tribunal, se devem dar por verificados os requisitos para a aplicação da 2ª excepção (referidas nos pontos 40 a 42 do Acórdão) e se concluirá que estamos perante prestações de serviços únicas, cuja decomposição reveste um carácter artificial, nas quais o ginásio é a prestação principal e a nutrição, pelos motivos referidos, é acessória daquela.

119.                 Ou seja, deve concluir-se que, tal como observaram os SIT, os serviços de nutrição em apreço, não constituem um fim em si para os destinatários dos mesmos, mas antes uma forma de beneficiar nas melhores condições, da prestação principal (o ginásio).

120.                 De facto, tal como esclarece o citado acórdão do TJUE, uma ligação incerta com uma patologia, sem risco concreto de prejuízo para a saúde, não é suficiente para a aplicação da isenção prevista na directiva e transposta para o CIVA no art. 9.º/1.

121.                 Assim, o fim terapêutico, apenas se verifica quando o serviço seja prestado para fins de prevenção, diagnóstico, ou tratamento de uma doença e regeneração da saúde e os serviços de nutrição em análise apresentam, em princípio, uma finalidade sanitária, mas não, ou não necessariamente, uma finalidade terapêutica.

122.                 Não poderá, portanto, senão concluir-se que o não acatamento do afirmado pelo TJUE, significaria para além de tudo mais, uma violação do Princípio da Neutralidade (princípio basilar do imposto), na medida em que se permitiria à Requerente beneficiar de uma isenção, que de acordo com a interpretação da isenção feita pelo TJUE, não beneficiam os demais agentes económicos do sector, com as consequentes desigualdades económicas que a aplicação do IVA determinaria nos vários agentes económicos do sector.

123.                 Para além da Inconstitucionalidade resultante do desrespeito do art. 8.º/4 da CRP, na medida em que o entendimento ora propagado pelo TJUE relativamente à aplicabilidade da isenção num caso com contornos exactamente iguais aos dos presentes autos e em sentido oposto ao entendimento da Requerente,  como se observou, tem efeito ex tunc (e não ex nunc), pelo que a interpretação veiculada é obrigatoriamente aplicável com efeitos retroactivos, isto é, desde que a(s) normas(s) interpretada(s) vigora(m) no ordenamento jurídico. (Só assim não é nos casos em que o TJUE, de forma expressa e com um carácter absolutamente excepcional, permite vir a limitar no tempo os efeitos do acórdão - o que quase nunca sucede, e não sucedeu no presente caso.)

124.                 Assim, adoptar o entendimento da Requerente violaria o Primado do Direito da União, e, nessa medida, seria inconstitucional.

125.                 Para além da violação dos princípios do efeito directo, da efectividade e equivalência (efeito útil), da interpretação conforme, da responsabilidade do Estado pela violação das normas europeias e da tutela jurisdicional efectiva.

126.                 Pelo que entende a Requerida que deve o presente PPA ser julgado improcedente por não provado.

 

127.                 O pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 6-11-2020, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 9-11-2020. Em 24-11-2020, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do art. 6.º e da alínea b) do n.º 1 do art. 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo art. 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou os árbitros, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

128.                 As Partes foram devidamente notificadas dessa designação, em 6-01-2021, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do art. 11.º do RJAT e dos art.s 6.º e 7.º do Código Deontológico.

129.                 A Requerente juntou em requerimento de 26-03-2021 um documento denominado Posicionamento da Ordem dos Nutricionistas relativo à consulta de nutrição em estabelecimentos destinados à prática de exercício físico e desporto.

130.                 Por força da legislação introduzida pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, que procedeu à nona alteração à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, alterada pelas Leis n.os 4-A/2020, de 6 de Abril, 4-B/2020, de 6 de Abril, 14/2020, de 9 de Maio, 16/2020, de 29 de Maio, 28/2020, de 28 de Julho, 58-A/2020, de 30 de Setembro, 75-A/2020, de 30 de Dezembro, e 1-A/2021, de 13 de Janeiro, que estabelece medidas excepcionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19. (legislação COVID 19), ocorreu uma suspensão de todos os prazos judiciais em curso nos tribunais judiciais e arbitrais entre 2 de Fevereiro de 2021 e 5 de Abril de 2021.

131.                 A Lei nº 13-B/2021, de 5 de Abril veio revogar o regime de suspensão generalizada dos prazos processuais e procedimentais, bem como reforçar o regime processual excepcional e transitório aplicável às diligências processuais e determinar quais os prazos, actos e processos que continuam suspensos. Como resultado do regime previsto no art. 6.º-B da supra referida Lei 1-A/2020, de 19.03, alterada pela Lei º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, os prazos estiveram suspensos, o que justifica o decurso de tempo entre a notificação nos termos do art. 17.º do RJAT e a resposta da AT teve de aguardar o prazo para a elaboração da referida resposta.

132.                 O Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 3-05-2021, tendo sido proferido despacho arbitral nessa data em cumprimento do disposto no art. 17º do RJAT, notificado à AT para, querendo, apresentar resposta.

133.                 A AT apresentou a sua Resposta em 6-06-2021, proferido Despacho arbitral admitindo a junção a estes autos dos depoimentos identificados no art. 154 do requerimento inicial em 14-06-2021.

134.                 Em 22-06-2021 foi requerida junção de novos documentos pela Requerente, que solicitou a ampliação do pedido.

135.                 Em 23-06-2021 foi dispensada a inquirição das testemunhas.

136.                 A Requerida pronunciou-se em relação ao requerimento de 22-06-2021 e em 10-07-2021 as partes foram convidadas a apresentar as suas alegações, o que foi feito pela Requerente em 15-07-2021 e pela Requerida em 13.09.2021.

 

137.                 O Tribunal Arbitral é materialmente competente, ressalvada tal competência na parte relativa à apreciação dos pedidos de extinção de processos executivos e de contra-ordenação conforme adiante melhor se fundamentará,  e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos art.s 2.º/1 a), 5.º e 6.º/2 a), do RJAT.

138.                 As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos art.s 4.º e 10.º do RJAT e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

139.                 Admite-se a cumulação de pedidos, ao abrigo do art. 3.º/1 do RJAT, por estarem em causa a apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

140.                 O processo não enferma de nulidades.

 

Tudo visto, cumpre decidir.

II. DECISÃO

A.        Matéria de Facto

I.                Factos dados como provados

A. O Grupo B..., no qual a Requerente se insere, existe actualmente em oito países e reúne mais de 275.000 sócios. Iniciou a sua actividade na Península Ibérica há 20 anos e no exercício de 2012 passou a integrar um grupo empresarial hoje denominado M... que é constituído por 16 empresas.

B. A Requerente desenvolvia a sua actividade em 2016 e também actualmente, num Health Club do Grupo B... localizado em Lisboa, na ..., ...-... Lisboa.

C. Para efeitos de IVA encontra-se enquadrada no regime normal de periodicidade mensal.

D. A Requerente proporciona aos seus sócios não só a prática de ginásio similar aos seus concorrentes de mercado, mas vai bastante para além da mera prática de exercício físico, proporcionando ainda outros serviços. O clube tem 3.300 m², e conta com Ginásio, zona de treino funcional, 3 estúdios, uma piscina, saunas e banho turco, Zona de restauração, 2 Gabinetes dedicados a Fisioterapia e 2 Gabinetes de Nutrição. Como serviços, o clube oferece um variado leque de aulas de grupo, Treino personalizado, Serviços de estética, massagem, fisioterapia e nutrição.

E. Os actos de liquidação de IVA ora impugnados são os seguintes:

i.   Liquidação n.º 2020 ... e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/01;

ii. Liquidação n.º 2020 ... e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/02;

iii. Liquidação n.º 2020 ... e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/03;

iv. Liquidação n.º 2020 ... e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/04;

v.  Liquidação n.º 2020 ... e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/05;

vi. Liquidação n.º 2020 ... e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/06;

vii.         Liquidação n.º 2020 ... e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/07;

viii.        Liquidação n.º 2020 ... e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/08;

ix. Liquidação n.º 2020 ... e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/09;

x.  Liquidação n.º 2020 ... e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/10;

xi. Liquidação n.º 2020 ... e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2016/11;

xii.         Liquidação n.º 2020 ... e respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, referente ao período 2017/01;

F. Tais actos perfazem o montante total de 131.932,72 €, sendo o montante de imposto de 114.900,16 € e respectivas demonstrações de liquidação de juros de IVA no montante total de 17.032,56 €.

G. A AT fundamentou tais actos na consideração de que alguns serviços de nutrição praticados pela Requerente não se subsumem no art. 9.º/1 do CIVA e por conseguinte estarem sujeitos a IVA, daí resultando acertos às declarações de IVA mensais entregues pela Requerente do ano de 2016, e ainda com efeitos ao período 2017/01 (com a consequente emissão das respectivas notas de liquidação de IVA e juros)

 

II.   Factos dados como não provados

141.                 Os factos dados como provados são aqueles que o Tribunal considera relevantes, não se considerando factualidade dada como não provada que tenha interesse para a decisão.

 

III. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

142.                 A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Colectivo e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos.

 

B. Do Direito

I.                Da possibilidade de ampliação do pedido de pronúncia arbitral

143.                 Veio a Requerente peticionar a ampliação do pedido de pronúncia arbitral, de modo que:

a.  As notas de liquidação em crise sejam consideradas ilegais uma vez que contrariam a Informação Vinculativa prestada à empresa M..., SA, empresa holding no grupo no qual a requerente é participada em 22.3. 2013 (informação n.º 1573) e por violação dos princípios da boa-fé e da protecção da confiança, ínsitos nos art.s 266.º/2 da Constituição e do princípio da colaboração, constante do art. 59.º/2 e 3 e) da LGT e por consequência do seu art. 68.º;

b.  A AT seja condenada ao pagamento de indemnização referente ao pagamento de garantia indevida nos termos previstos no art. 53.º da LGT, uma vez que apresentou garantia, conforme documentos juntos aos autos,

 Assim, cumpre apreciar.

144.                 A mesma questão foi colocada no proc. 549/2020, acolhendo este tribunal a decisão aí proferida, pelo que se repisarão os seus termos.

145.                 Nos termos do disposto no n.º 2 do art. 265.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do art. 29.º/1 e) do RJAT, o autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.

146.                 In casu, verifica-se que a ampliação do pedido de pronúncia arbitral foi peticionada pela Requerente até ao encerramento da discussão em primeira instância, na medida em que ocorreu ainda antes da dispensa da reunião prevista no art. 18.º do RJAT e, consequentemente, da apresentação de alegações finais.

147.                 Com efeito, o último momento possível para permitir uma eventual ampliação do pedido é o da audiência final, pelo que, tendo o pedido de ampliação sido formulado ainda antes da reunião/ou da formulação da dispensa (como é o caso) a que alude o art. 18º do RJAT, parece manifesto cumprir este os requisitos temporais previstos no art. 265º/2 do Código de Processo Civil.

148.                 Desta feita, constata-se ter sido o pedido de pronúncia arbitral oportunamente formulado pela Requerente.

149.                 Vejamos, no entanto, se o mesmo deve ser julgado processualmente admissível, à luz dos pressupostos legalmente estabelecidos para o efeito, designadamente à luz do previsto no art. 265.º/2 do CPC, por configurar o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.

150.                 Para que se verifique a ampliação do pedido, em desenvolvimento ou em consequência do pedido primitivo, é necessária uma origem comum, ou seja, a mesma causa de pedir ou que as duas causas de pedir estejam integradas no mesmo complexo de factos (Castro Mendes, Direito Processual Civil, 1980, vol. II, p. 347).

151.                 Importa, por isso, apenas verificar se os pedidos das liquidações têm a mesma causa de pedir ou se ambas as causas de pedir se integram no mesmo complexo de factos. Ora, a resposta a esta questão não poderá deixar de ser negativa.

152.                 Com efeito, a causa de pedir agora em causa, subjacente ao pedido de declaração de ilegalidade das notas de liquidação é a violação da informação vinculativa à empresa M..., SA, empresa holding do grupo no qual a Requerente é a participada, ao passo que causa de pedir que está na origem do pedido de impugnação dos actos de liquidação são estes actos tributários.

153.                 Da mesma forma, e pelos mesmos fundamentos, não parece poder defender-se que ambas as causas de pedir integrem o mesmo complexo de factos.

154.                 A este propósito, cumpre aqui distinguir entre o objecto imediato do processo e o objecto mediato, sabendo que este se integra naquele.

155.                 No caso de uma acção de impugnação que tenha por fim a violação de uma informação vinculativa (objecto imediato), verifica-se que a sua declaração determina forçosamente a declaração de ilegalidade do subsequente acto de liquidação tributário (objecto mediato).

156.                 Mas a proposição inversa já não é verdadeira, na medida em que a impugnação que tenha por fim a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de imposto (objecto imediato) não tem por consequência a verificação da violação da informação vinculativa (objecto mediato). Isto porque, tendo informação vinculativa consequências ao nível da liquidação, a prevalência daquela determina como corolário lógico a anulação da liquidação que lhe serve de fundamento. Ao invés, a liquidação não tem por objecto uma informação vinculativa, pelo que nunca poderia defender-se determinar a anulação da liquidação com a consequente verificação da violação da informação vinculativa.

157.                 Nestes termos, não poderá defender-se constituir a existência de uma violação de uma informação vinculativa o desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo formulado nos presentes autos, isto é, do pedido de anulação das liquidações.

158.                 Nestes termos, entende-se não ser admissível a requerida ampliação do pedido formulado pela Requerente.

 

II. Quanto ao mérito

159.                 No presente processo, surgido na sequência das correcções efectuadas pela AT decorrentes do Relatório de Inspecção, a Requerente pretende ilegalidade dos actos de liquidação de IVA mencionados, e, em consequência, que sejam os mesmos anulados, bem como os respectivos juros compensatórios, nos termos do art. 2.º/1 a) e 10.º/1 a), ambos do RJAT, com todas as consequências legais, com a consequente extinção do respectivo Processo de Contra-ordenação (Processo n.º ...2020...)

160.                 O art. 9.º/1 do CIVA, que constitui a transposição do art. 132º/1 c) da Directiva IVA (2006/112 CE, de 28.11.2006) determinava antes da alteração produzida pela Lei 2/2020, de 31.3 (LOE 2020) que [e]stão isentas do imposto: [a]s prestações de serviços efectuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas.

161.                 Por seu turno, dispõe o art. 132º/1 c) da Directiva IVA que se encontram isentas as prestações de serviços de assistência efectuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado-Membro em causa.

162.                 As razões objectivas da isenção do exercício de actividades no âmbito da saúde são absolutamente claras e consensuais, podendo sintetizar-se que o objectivo subjacente à concessão destas isenções é o de não onerar as prestações de serviços de saúde, assegurando que o benefício da assistência médica não se torna inacessível em razão do acréscimo de custos que resulta da tributação em IVA, i.e, em reduzir os custos médicos para os utentes da tributação e promover os cuidados de saúde.

163.                 A análise do âmbito e do regime de tais actividades permitir-nos-ia certamente concluir que os serviços de nutrição se inserem na prestação de cuidados de saúde.

Isto posto,

164.                 As questões que emergem dos presentes autos têm sido objecto de várias decisões proferidas pelos tribunais tributários arbitrais, sob a égide do CAAD, de entre os quais, podem referir-se os proc.os 454/2017 -T, de 2018.04.92; 373/2018-T, de 2019-04-24; 570/2018-T,de 2019-09-30;159/2019-T de 2019-11-05; 161/2019-T, de 2019-10-30; 164/2019-T, 169/2019-T de 2019-11-06; 174/2019-T de 2020-01-21; 181/2019-T de 2019-11-27; 544/2019-T, de 2020-04-23 e 760/2019-T de 2020-08-31.

165.                 Em todos eles tem sido invariavelmente reconhecido o caracter autónomo das sessões de aconselhamento de nutrição/dietética em relação a actividades físicas praticada nos ginásios, concluindo-se, deste modo, que tais serviços (desde que praticados por profissionais para tanto devida e legalmente habilitados) podem beneficiar da isenção prevista no art. 9º/1 do CIVA.

166.                 Tal circunstância aconselharia a que fosse prosseguida essa jurisprudência arbitral até porque, como refere o art. 8.º/3 do Código Civil nas situações que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim se obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.

167.                 A questão não pode, todavia, ignorar um facto novo. É que, em 4 de Março do corrente ano o Tribunal de Justiça da União Europeia pronunciou-se (proc. C-581/19 ) sobre a questão central do presente processo, em resposta a uma questão prejudicial que lhe foi colocada por este mesmo tribunal arbitral.

168.                 A identidade da questão é absoluta: em relação a uma sociedade comercial - que exerce, designadamente, uma actividade de gestão e exploração de instituições desportivas, actividades de manutenção e bem‑estar físico, bem como actividades de promoção e apoio à saúde humana, como o acompanhamento e o aconselhamento nutricional ou a avaliação física (cf. n.º 7 do ac.) – pretende saber-se se essa actividade [e especificamente a relativa ao acompanhamento nutricional] configura a previsão do art. 132.º/1 b)  da Directiva 2006/112 que, na transposição para a ordem jurídica nacional está regulada pelo art. 9.º/1 do CIVA.

169.                 O Tribunal começa por recordar que, segundo uma jurisprudência constante, as isenções devem ser interpretadas de forma restrita (n.º 22). Refere depois que, em qualquer caso, as isenções não se circunscrevem a prestações efectuadas no meio hospitalar ou equivalente (n.º 23), sendo que, todavia, se referem a prestações que tenham por finalidade diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar doenças ou anomalias de saúde (n.º 24). Daí retira que as prestações em causa devem imperativamente ter uma finalidade terapêutica, uma vez que é esta que determina se uma prestação médica ou paramédica deve ser isenta de IVA (n.º 25).

170.                 No acórdão reconhece-se que, no caso, os serviços nutricionais são prestados por profissionais habilitados – o que preenche um dos requisitos da isenção (a prestação ocorrer no âmbito do exercício das profissões médicas e paramédicas) – cf. n.os 27 e 28). Subsiste, todavia, um outro requisito – que exige que se cumpra uma finalidade de interesse geral, comum ao conjunto das isenções previstas (cf. n.os 27 e 29), Ora, o entendimento do Tribunal é no sentido de que o acompanhamento nutricional prestado no âmbito de uma instituição desportiva pode, a médio e a longo prazo ou considerado em termos amplos, ser um instrumento de prevenção de certas doenças, como a obesidade, tal como a própria prática desportiva. Daqui resultará uma finalidade sanitária, mas não, ou não necessariamente, uma finalidade terapêutica (n.º 30) – o que implicaria que fosse prestado para fins de prevenção, diagnóstico, tratamento de uma doença e regeneração da saúde (n.º 32).

171.                 Por conseguinte, entende o Tribunal que não estando verificado esse requisito, não pode haver lugar à aplicação da disposição que autoriza a isenção de IVA.

172.                 Sendo a situação rigorosamente idêntica e não deixando a redacção do acórdão qualquer dúvida quanto ao sentido da interpretação, não pode este tribunal arbitral senão seguir aquela doutrina.

173.                 É certo que, em pelo menos uma decisão do CAAD (proc. 599/2020-T), se considerou que – mesmo face à doutrina do acórdão de 4 de Março do TJUE –, na medida em que a AT fundamentou a liquidação impugnada no carácter acessório das consultas nutricionais e essa acessoriedade não ficou demonstrada, não podia este tribunal deixar de concluir pela nulidade da mesma (contendo-se na sua apreciação, aos fundamentos da decisão impugnada).

174.                 Compreendendo tal posição, não parece que, no caso sub judice, se deva seguir o mesmo raciocínio, na medida em que do RIT resulta expressamente invocado o carácter não terapêutico das consultas de nutrição, coincidindo, portanto, com os fundamentos do acórdão do TJUE citado.

175.                 Nestas circunstâncias, convém recordar que a interpretação do Direito da União cabe ao Tribunal de Justiça (art. 267.º TFUE) e, para mais, no caso, estamos perante um imposto europeu - cujo regime é determinado à escala continental – sendo que a própria disposição nacional serve o objectivo central da transposição dos termos da Directiva (à qual está vinculado). Face a estas circunstâncias, bem se compreende que, na matéria, não subsista sequer qualquer margem de interpretação ou flexibilização do regime aquando da sua aplicação.

176.                 De facto, citando a prof.ª Rosalyn Higgins – que foi também juiz e presidente do Tribunal Internacional de Justiça – no fim de contas, o direito é aquilo que o tribunal disser que é (Problems & Process, International Law and how we use it. Oxford, UK: Clarendon Press. 1994, p. 54). E o tribunal competente é, neste caso, o Tribunal de Justiça da União Europeia, que, no exercício das competências que lhe estão atribuídas pelos tratados europeus, definiu a interpretação a dar à disposição relativa às isenções de IVA, em relação ao acompanhamento nutricional prestado no âmbito de uma instituição desportiva.

177.                 A ordem jurídica portuguesa reconhece a aplicabilidade automática do Direito da União nos termos definidos por esta (art. 8.º/4 da Constituição) e, por isso, nenhuma dúvida subsiste da obrigação de acolher a interpretação do Tribunal.

178.                 E nesses termos de afastam todos os demais argumentos invocados pela Requerente.

 

  1. Do cálculo do IVA por dentro

179.                 A Requerente apresenta, a título subsidiário, um outro pedido: na hipótese de não proceder o pedido principal (anulação das liquidações por não haver lugar à aplicação de IVA já que os serviços em causa beneficiariam da isenção prevista no art. 9.º/1 CIVA), deveria considerar-se que o preço por si cobrado aos clientes já incluía IVA.

180.    Como consequência, o IVA aplicável não corresponderia a 23% do valor cobrado, mas a um valor inferior (uma vez que, para efeito de cálculo, o valor do serviço teria de ser mais baixo do que o valor cobrado, a fim de este incluir também o IVA).

181.    Em defesa dessa solução, a Requerente recorda que, tratando-se de consumidores finais, o valor cobrado corresponde ao preço final,

182.    E acrescenta que essa solução seria a única capaz de respeitar a neutralidade do imposto.

183.    Percebe-se que, efectuado o cálculo nesses termos, o montante de IVA a pagar será inferior. Não se alcança, todavia, a consistência dos argumentos aduzidos.

184.    A verdade é que é a própria Requerente quem assume não ter cobrado IVA por considerar que os serviços estavam isentos do mesmo. Não pode, por isso, vir a pretender que subsidiariamente se assuma que, afinal, cobrou.

185.    Pretender que a factualidade seja diferente conforme a pretensão, de molde a tornar esta plausível ou consistente, é necessariamente abusivo –  por se tratar de venire contra factum proprium – não podendo, por isso aceitar-se.

186.                 De qualquer forma, este tribunal arbitral sempre teria de se declarar incompetente para conhecer desse pedido, na medida em que este já se contém na competência própria deste tribunal – a declaração de nulidade de um acto (art. 2.º/1 RJAT) – mas que pretende que este aja de plena competência, alterando os termos dos actos impugnados, o que manifestamente não pode fazer.

 

IV. Litigância de má-fé

187.                 A Requerente pede a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira por litigância de má-fé. Procedendo os argumentos da Requerida, sempre seria difícil que tal pedido pudesse ser acolhido. Não obstante, porque genericamente tal situação poderia ocorrer e bem assim, porque se trata de uma eventual inversão da posição da AT, a questão será analisada, seguindo-se a doutrina pacífica na matéria.

188.                 Assim, estabelece o art. 104.º da LGT que, sem prejuízo da isenção de custas, a administração tributária pode ser condenada numa sanção pecuniária a quantificar de acordo com as regras sobre litigância de má fé em caso de actuar em juízo contra o teor de informações vinculativas anteriormente prestadas aos interessados ou o seu procedimento no processo divergir do habitualmente adoptado em situações idênticas» e que «o sujeito passivo poderá ser condenado em multa por litigância de má fé, nos termos da lei geral.

189.                 O regime geral da litigância de má fé vem regulado no art. 542.º do CPC que considera que esta ocorre quando uma parte tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar, tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa, tiver praticado omissão grave do dever de cooperação ou tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.

190.                 No caso em apreço, e como a discussão em causa é meramente de direito, a mera apresentação de argumentos jurídicos de parte a parte, mesmo no decurso do processo, não podem ser entendidos com o objectivo de um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.

191.                 É, por isso, forçoso concluir que não se está perante qualquer das situações em que a lei admite a condenação por litigância de má-fé, pelo que tem de improceder o pedido formulado.

 

C. DECISÃO

Nestes termos, decide o Tribunal Arbitral Colectivo:

a.    Julgar improcedente o pedido de declaração da ilegalidade dos actos de liquidação de IVA, e

b.    Absolver da instância a Autoridade Tributária e Aduaneira, por incompetência material relativamente aos pedidos de correcção do cálculo do valor do IVA e de extinção dos processos de execução fiscal e de contra-ordenação formulados e acima identificados.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 131.932,72, nos termos do art. 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT e do n.º 3 do art. 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3.060,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido foi julgado improcedente, nos termos dos art.os 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.

 

Registe-se e notifique-se.

 

Lisboa, 30 de Setembro de 2021

 

O Árbitro - Presidente,

 

 

(Manuel Luís Macaísta Malheiros)

 

 

O Árbitro-Vogal,

 

 

(Rui M. Marrana)

 

O Árbitro-Vogal,

 

 

(José Nunes Barata)

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto

no art. 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.