Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 67/2022-T
Data da decisão: 2022-05-26  IRS  
Valor do pedido: € 192.975,51
Tema: IRS - Mais-valias. Valor de aquisição de imóvel. Usufruto. Erro na liquidação de Sisa
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Henrique Nogueira Nunes e Prof. Doutor Júlio Tormenta (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do CAAD para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 20-04-2022, acordam no seguinte:

 

1.Relatório

 

A..., contribuinte n.º ..., com domicílio fiscal na Rua ... n.ºs ... e ..., ...- ... Cascais (adiante abreviadamente designado por «Requerente »),  veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), tendo em vista a anulação da liquidação de IRS n.º  2021... e o correspondente acto de liquidação de juros compensatórios n.º 2021..., ambos relativos ao ano de 2017, dos quais resultou o valor a pagar de € 192.975,51.

O Requerente pede ainda o reembolso do imposto que considera ter pago indevidamente, acrescido de juros indemnizatórios.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT”).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 10-02-2022.

Em 30-03-2022, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação dos Árbitros, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT sem que as Partes alguma coisa viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 20-04-2022.

A AT apresentou resposta em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 19-05-2022, foi decidido dispensar reunião e alegações.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído. 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas. 

O processo não enferma de nulidades.

 

 

2.Matéria de facto 

 

2.1.Factos provados

 

 Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão:

 

  1. O pai do Requerente, B..., faleceu no dia 16-12-1972, em Cascais (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  2. Entre outros bens imóveis, o pai do Requerente era proprietário do prédio misto situado no "..." ou "...", a defrontar a Estrada ... e a Rua ..., constituído pela "..." e pela "..." (documento n.º 2);
  3. Na sequência do óbito do pai do Requerente, foi instaurado, no Tribunal Judicial da Comarca da Golegã, o processo de inventário obrigatório n.º .../73, tendo ido proferida, no dia 4 de Dezembro de 1973, sentença homologatória da partilha, transitada em julgado em 14 de Dezembro de 1973 (documento n.º 2);
  4. Por essa sentença, foi adjudicado ao Requerente 1/5 do prédio referido (documento n.º 2);
  5. Os restantes 4/5 do direito de propriedade sobre o referido prédio foram distribuídos, de forma igual, pelos seus quatro irmãos (documento n.º 2);
  6. Também sobre o referido prédio, foi, por efeito de testamento do pai do REQUERENTE, constituído um usufruto vitalício, a favor de C... (mãe do Requerente e cônjuge de B...), sobre 1/3 do imóvel (documento n.º 2);
  7. Em 13-12-1991, foi entregue por D..., irmão do Requerente, um requerimento no Serviço de Finanças de Cascais, com vista à obtenção da retificação das inscrições matriciais dos vários imóveis entre os quais se encontrava o imóvel designado de "...", que nesse momento se encontrava autonomamente inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo ... (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  8. Na sequência do requerimento referido na alínea anterior foi fixado em 22.176.000$00 o valor patrimonial tributário do prédio referido (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  9. Na sequência da reorganização administrativa de cariz territorial decorrente do disposto na Lei nº 11-A/2013, de 28/01, passou a constituir o imóvel inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias de... e ..., concelho de Cascais, sob o artigo ...;
  10. No dia 07-10-1992, por meio de escritura de permuta celebrada com os seus quatro irmãos, o Requerente adquiriu os restantes 4/5 do direito de propriedade sobre o imóvel designado de "...", tendo a referida permuta sido efectuada pelo valor de 2.000.000$00 (dois milhões de escudos), correspondente a € 9.975,96 (nove mil, novecentos e setenta e cinco euros e noventa e seis cêntimos) (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  11. Na escritura de permita refere-se o valor de 2.705.475$00 como sendo o valor patrimonial tributário do prédio referido, indicando-se que foram verificados os elementos matriciais através das cadernetas prediais (documento n.º 6);
  12. Com base no valor patrimonial tributário de 2.705.475$00 foi determinada o valor de 1.693.848$00 como sendo o da diferença de valores patrimoniais dos prédios permutados, sendo com base neste valor que foi liquidada a sisa paga pelo Requerente, no valor de 169.385$00 (escritura que consta do documento n.º 6);
  13. Os 4/5 do direito de propriedade sobre a "...", adquiridos pelo Requerente com a outorgada permuta, encontravam-se, igualmente, onerados com o usufruto, a favor da mãe do REQUERENTE, sobre 1/3 do sobredito imóvel;
  14. Em 22-12-2011, C... (mãe do REQUERENTE) renunciou ao usufruto de 1/3 de que era titular sobre a "...", não recebendo qualquer contrapartida em consequência da renúncia (Documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  15. O valor patrimonial tributário da "..." era de 105.600$00 em 1972;
  16. O valor patrimonial tributário da "..." era de 22.176.000$00 em 1992, tendo sido por erro indicado na escritura de permuta o valor de 2.705.475$00, sendo também por erro este o valor patrimonial tributário considerado para efeitos de liquidação de sisa (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  17. Com a data de 18-11-1992 foi elaborada a carta cuja cópia consta das páginas 7 e 8 do documento n.º 6, cujo teor se dá como reproduzido;
  18. O valor patrimonial tributário da "..." era de € 172.578,23 em 2011 (documento n.º 5);
  19. Mediante escritura pública outorgada em 10 de Abril de 2017, o Requerente alienou a "..." pelo valor de € 5.350.000,00 (Documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  20. No âmbito da compra e venda do imóvel aqui em apreço, houve intervenção de agente imobiliário (E... Lda.), a quem o Requerente pagou a importância de € 394.830 (trezentos e noventa e quatro mil, oitocentos e trinta euros), a título de comissão pela intermediação no negócio (Documentos n.ºs 7 e 8 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
  21. A Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu a uma inspecção ao Requerente, relativa a IRS do ano de 2017, em que foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

1.    De acordo com excerto da certidão de sentença do inventário por óbito a 16-12-1972 de B..., pai do SP, e pelo Auto de declarações de cabeça de casal, são herdeiros da herança indivisa o cônjuge e seus cinco filhos, cabendo ao S.P. um quinhão correspondente a 1/5 da herança;

2.    Pela Escritura de permuta datada de 07-10-1992 os herdeiros permutam os imóveis, tendo o SP identificado como Primeiro Outorgante ficado como único e legítimo proprietário do prédio alienado em 2017, tendo a totalidade da Nua-Propriedade ou raiz e 2/3 do usufruto, mantendo-se, no entanto, o usufruto de 1/3 a favor de sua mãe;

3.    Em 26-12-2011 a mãe do SP renúncia a usufruto vitalício que detinha sobre o imóvel alienado.

4.    O Imóvel foi alienado em 10 de abril 2017, por Escritura celebrada no Cartório Notarial em Cascais, pelo montante de 5.350.000,00€;

5.    Para a transação realizada houve intervenção da empresa E... a, Lda, IMIF..., conforme descrito na escritura de compra e venda, a fatura da despesa e encargos, confirma-se por consulta no sistema e-fatura da AT.

6.    As mais-valias realizadas na alienação de prédios urbanos estão sujeitas a tributação quando resultem de transmissão de bens, que tenham sido adquiridos pelo transmitente, após a entrada em vigor do CIRS, ou seja, após 01 de janeiro de 1989 (art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88 de 30 de novembro);

Ora o preenchimento do quadro 4 do Anexo G da Mod.3 de IRS não está em conformidade com o apurado, assim como a data da aquisição respeitante à transmissão onerosa de imóvel adquirido antes da entrada em vigor do CIRS (01-01-1989), em que os ganhos obtidos não estão sujeitos a Imposto de Mais-Valias.

(...)

 

1)   As datas e os valores relativos à aquisição do prédio alienado, inscrito no quadro 4 do anexo G da declaração de rendimentos modelo 3 prevista no artigo 57.º do CIRS, não estão em conformidade com os documentos apresentados.

2)    Assim as datas e os valores relativos à aquisição do prédio alienado, deveriam ter sido determinados da seguinte forma:

1)   Em 16-12-1972, por óbito de B..., coube-lhe em herança 1/5 de nua propriedade e 2/15 do usufruto do prédio alienado em 2017 (descritos no ponto II.4.1.1), e;

2)   Pela Escritura de permuta datada de 07-10-1992 os herdeiros permutam os imóveis (descritos no ponto II.4.1.2.), ficando o SP à data com a totalidade da Nua Propriedade/raiz e com 2/3 do usufruto;

3)    Em 22-12-2011 a mãe do SP renúncia a usufruto vitalício que detinha sobre o imóvel alienado (descritos no ponto II.4.1.3.), ficando nesta data o SP com mais 1/3 do usufruto;

4)    Em 10 de Abril de 2017, foi celebrada a Escritura de venda do imóvel (descritos no ponto II.4.1.4.).

As divergências verificadas provêm do facto do SP considerar que a aquisição do prédio alienado se efetivou na data da renúncia do usufruto em 2012 e que o valor de aquisição é o valor patrimonial nessa data 500.860,00 €.

(...)

Assim, no caso em apreço, o SP adquiriu o imóvel alienado em três momentos distintos, conforme se passa a demonstrar:

1)   Aquisição a título gratuito de 1/5 da Nua-Propriedade/raiz e 2/15 do usufruto do artigo matricial ... atual ... por óbito de seu pai B... em setembro de 1972;

2)   Aquisição a título oneroso em outubro de 1992,  por escritura de permuta de 4/5 Nua-Propriedade/raiz e 8/15 do usufruto do artigo matricial ... atual ..., com valor patrimonial de 2.705.475$00 (13.494,85 €) valor considerado para efeitos de pagamento de SISA (Anexo 1), ainda que os herdeiros tenham atribuído aos prédios permutados o valor de 2.000.000,00, (Anexo 3);

3)   Aquisição a título gratuito de 1/3 do usufruto, por renúncia ao usufruto vitalício detido pela mãe, C..., em dezembro de 2011, com o VPT de 8.628,91 €

Face ao anteriormente exposto, a mais-valia resultante da alienação corresponde à apurada nos quadros que se seguem, ponderando ainda o coeficiente de desvalorização da moeda, nos termos do artigo 50.º do CIRS, e atendendo ao estipulado no art.º 51.º CIRS para a consideração das despesas e encargos, utilizando a seguinte formula;

MV = VR - (VA x Coef. + EV + DA), sendo:

VR - Valor de realização considerado no apuramento da matéria coletável, nos termos do art.º 44.º n.º 1 al. f) e n.º 2 do CIRS.

VA - Valor de aquisição considerado no apuramento matéria coletável, nos termos do art.º 45.º e artº 46º do CIRS.

Coef. - Coeficiente de atualização do valor de aquisição, previsto no art.0 50.º do CIRS (Portaria n.º326/2017, de 30 outubro).

EV - encargos com valorização

DA - despesas com a alienação e com a aquisição

 

Atendendo ao valor patrimonial total do imóvel de 3.235.380$00 e considerando o valor atribuído ao usufruto de 1/3 da mãe em 1972 no valor de 269.505$00, fomos apurar o valor total de usufruto do prédio no montante de 808.515$00 e o valor total da nua propriedade no montante de 2.462.865$00, perfazendo a percentagem de 25% para o usufruto e 75% para a nua propriedade, de acordo com os seguintes valores:

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Foi apurada uma mais-valia de 3.999.648,29€, mas, conforme já referido e cumprindo o estabelecido no n.º 2 do artigo 43.º do CIRS, apenas 50% das mais valias apuradas serão consideradas para efeitos de englobamento, pelo que, de acordo com a legislação e factos expostos, no caso em apreço, os rendimentos da categoria G importam em 1.999.824,15 €, pelo que se propõe a respetiva correção.

 

Apuramento da Mais Valia pelo SP:

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A correção efetuada teve por base a legislação em vigor à data dos factos, assim como, consulta do Acórdão do STA de 21.11.2019, Processo n.º 0284/09.9 BECTB 0517/17 que deram entendimento favorável à AT, em situações semelhantes ao caso em apreço.

Face aos elementos existentes, e desconhecendo outros rendimentos para o ano em análise, propõe-se o apuramento do rendimento coletável para efeitos de IRS, respeitante ao ano de 2017, de harmonia com o disposto nos n.ºs 1 e 4 do art.º 65.º do CIRS, como a seguir se apresenta:

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Para o apuramento do rendimento coletável, foi utilizado o simulador de IRS da AT, de acordo com os valores declarados pelo SP e atendendo às correções efetuadas pela AT.

Em conclusão, o rendimento coletável declarado no valor de 1.796.922,81€ foi corrigido para 2.107.296,13€.

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(...)

 

IX. Direito de Audição - Fundamentação

 

(...)

 

Analisada a contestação apresentada, cumpre-nos contra-alegar o seguinte:

Confirma-se que se trata de alienação de imóvel em 2017, cuja aquisição ocorreu em 3 datas diferentes para efeitos de tributação em sede de IRS (1972,1992 e 2011).

Relativamente às percentagens agora apresentadas em Direito de Audição pelo SP, somos a aceitar os valores evidenciados pelo SP nos pontos 44º e 112º, do Direito de Audição, atendendo ao descrito no ponto infra:

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Contudo, verifica-se que, alegadamente por mero lapso, as percentagens evidenciadas no ponto 44º afiguram-se trocadas entre a parte atribuída à nua propriedade e a atribuída à propriedade plena, desde logo porque a propriedade plena, na situação em causa, teria que corresponder a uma proporção superior à da outra parte.

No que foi referido, nos pontos 45º a 55º do Direito de Audição apresentado pelo SP, somos a verificar que o mesmo refere a existência de erro no valor patrimonial tributário, de 2.705.475$00 (13.494,85 €) para 22.176.000$00 (110.613,42 €), bem como de um erro na liquidação, à data, da SISA. A este propósito cumpre referir que o valor considerado pela AT no Projeto de Relatório teve em consideração o valor inscrito na matriz à data da escritura de permuta, realizada a 07 de outubro de 1992, e conforme documento de pagamento da SISA (anexo 2 do presente relatório), constante da base de dados da AT, e dos documentos apresentados pelo SP. Esse valor não foi retificado pela AT, nem à data da permuta, nem antes da data da realização da venda, nos termos do artigo 130º, nº 3, al. m) do CIMI.

Vem agora o SP em sede de Direito de Audição apresentar cópia da Caderneta Predial, onde consta o valor patrimonial tributário, em 1992, no montante de 22.176.000$00, sem evidenciar a data precisa da alteração, e um documento de um solicitador, datado de 10 de novembro de 1992, com informação do erro no Valor Patrimonial Tributário detetado à data, e da diferença de valor de imposto a pagar à data da escritura de permuta pelo SP (Doc. n.º 5 do DA).

Tendo em conta a informação enviada agora pelo SP, somos a concluir que o mesmo teve conhecimento do erro e não logrou obter a correção na matriz predial, à data, nem à regularização do imposto de SISA em falta, pelo que somos a concluir que pela aquisição da quota parte de 1/3 de 4/5 da nua propriedade e 2/3 de 4/5 da plena propriedade (usufruto) em 1992, foi registado na escritura de permuta o valor de 2.705.475$00 e foi pago imposto sobre este valor, logo pelo valor considerado.

Assim, e atendendo ao já exposto no ponto III do presente relatório, somos a manter como valor de aquisição o valor que serviu de base ao pagamento da SISA (2.705.475$00), conforme al. a) do n.º 1 do Art.º 45.º do CIRS, sendo que o valor patrimonial tributário do Imóvel só foi atualizado em 31.12.1992, pela AT, conforme consta na base de dados.

No que foi referido, no ponto 92 a 97 do Direito de Audição apresentado pelo SP, somos a verificar que o mesmo refere que a renúncia ao usufruto não constitui um momento de aquisição relevante para efeitos de IRS, não se acompanha essa posição do SP, para a AT, existem outros entendimentos jurisprudenciais, emanados pelo Supremo Tribunal Administrativo, que apontam no sentido da tributação, conforme os seguintes acórdãos:

i)           Processo n.º 0201/11, com data de 18-01-2012;

ii)           Processo n.º 03693, com data de 25-09-2013.

(...)

Utilizando as percentagens indicadas em direito de audição pelo SP, apenas alterando a posição, somos a proceder às seguintes correções aos valores das mais valias apuradas, assim, somos a apurar uma mais-valia no montante de 3.985.723,76 €, o que para efeitos de tributação corresponde a 50% deste valor, ou seja, 1.992.861,88 €:

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Face aos elementos existentes, e desconhecendo outros rendimentos para o ano em análise, propõe-se o apuramento do rendimento coletável para efeitos de IRS, respeitante ao ano de 2017, de harmonia com o disposto nos n.ºs 1 e 4 do art.º 65.º do CIRS, como a seguir se apresenta:

Para o apuramento do rendimento coletável, foi utilizado o simulador de IRS da AT, de acordo com os valores declarados pelo SP e atendendo às correções efetuadas pela AT,

 

Em conclusão, o rendimento coletável declarado no valor de 1.796.922,81€ foi corrigido para 2.100.333,86€.

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Do que precede, com vista à correção dos valores declarados e em consonância com o descrito, iremos procedera elaboração do respectivo DC com base nos valores agora apurados. Pelas faltas descritas foi elaborado o Auto de Notícia.

 

  1. Na sequência da inspecção, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação de IRS n.º 2021 ... e o correspondente acto de liquidação de juros compensatórios n.º 2021 ..., ambos relativos ao ano de 2017, dos quais resultou o valor a pagar de € 192.975,51, determinado na Demonstração de Acerto de Contas n.º 2021 ... (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  2. Em 11-11-2021, o Requerente procedeu ao pagamento que resulta da Demonstração de Acerto de Contas n.º 2021..., no montante de € 192.975,51 (Documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  3. Em 09-02-2022, o Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2.Factos não provados e fundamentação e fixação da matéria de facto 

 

2.2.1. Não se provou que o valor patrimonial tributário do imóvel em 1992, que consta da caderneta predial (documento n.º 6), só tivesse sido actualizado em 31-12-1992.

Na verdade, é referida esta data na página 28 do Relatório da Inspecção Tributária, mas a Autoridade Tributária e Aduaneira não diz como obteve informação sobre essa data, nem nada consta do processo que permita concluir que ela corresponda à realidade.

   Por outro lado, o documento que consta das páginas 7 e 8 do documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cuja idoneidade não é questionada, permite concluir que o processo de avaliação terminou em 06-04-1992, «tendo os resultados averbados na ficha de inscrição matricial mas não tendo sido actualizados os registo de computador».

 

2.2.2. Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e os que constam do processo administrativo.

No que concerne aos erros na indicação na escritura de permuta do valor patrimonial tributário de 2.705.475$00 (em vez de 22.176.000$00) e à utilização daquele valor no cálculo da diferença de valores dos imóveis permutados para efeitos de liquidação sisa, são reconhecidos pela própria Autoridade Tributária e Aduaneira no Relatório da Inspecção Tributária (página 28), ao dizer que «tendo em conta a informação enviada agora pelo SP, somos a concluir que o mesmo teve conhecimento do erro e não logrou obter a correção na matriz predial, à data, nem à regularização do imposto de SISA em falta».

 

 

3.Matéria de direito 

 

Nos termos do artigo 10.º do CIRS, constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis.

A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou correcções à matéria tributável de IRS do Requerente, relativa ao ano desde 2017, no que concerne a mais-valias decorrentes da transmissão do imóvel denominado "...", inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Cascais sob o artigo ..., que passou a constituir o imóvel inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias de ... e ..., concelho de Cascais, sob o artigo ... .

Após o exercício do direito de audição, a Autoridade Tributária e Aduaneira alterou parcialmente as correcções efectuadas, mas subsiste controvérsia sobre duas questões, relativas à determinação do valor de aquisição.

A determinação do valor de aquisição de bens imóveis, para efeitos de cálculo de mais-valias, em sede de IRS, consta dos artigos 45º e 46.º do CIRC, que estabelecem, o seguinte:

 

Artigo 45.º

Valor de aquisição a título gratuito

1 - Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS considera-se o valor de aquisição, no caso de bens ou direitos adquiridos a título gratuito:

a) O valor que tenha sido considerado para efeitos de liquidação de imposto do selo;

b) O valor que serviria de base à liquidação de imposto do selo, caso este fosse devido.

2 - (Revogado.)

3 - No caso de direitos reais sobre bens imóveis adquiridos por doação isenta, nos termos da alínea e) do artigo 6.º do Código do Imposto do Selo, considera-se valor de aquisição o valor patrimonial tributário constante da matriz até aos dois anos anteriores à doação.

 

Artigo 46.º

Valor de aquisição a título oneroso de bens imóveis

1 - No caso da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, se o bem imóvel houver sido adquirido a título oneroso, considera-se valor de aquisição o que tiver servido para efeitos de liquidação do imposto municipal sobre as transações onerosas de imóveis (IMT).

2 - Não havendo lugar à liquidação de IMT, considera-se o valor que lhe serviria de base, caso fosse devida, determinado de harmonia com as regras próprias daquele imposto.

3 - O valor de aquisição de imóveis construídos pelos próprios sujeitos passivos corresponde ao valor patrimonial inscrito na matriz ou ao valor do terreno, acrescido dos custos de construção devidamente comprovados, se superior àquele.

4 - Para efeitos do número anterior, o valor do terreno será determinado pelas regras constantes dos n.ºs 1 e 2 deste artigo.

5 - Nos casos de bens imóveis adquiridos através do exercício do direito de opção de compra no termo da vigência do contrato de locação financeira, considera-se valor de aquisição o somatório do capital incluído nas rendas pagas durante a vigência do contrato e o valor pago para efeitos de exercício do direito de opção, com exclusão de quaisquer encargos.

 

No caso em apreço, a controvérsia entre as Partes tem por objecto duas questões essenciais:

a) relativamente à aquisição parcial do imóvel através do contrato de permuta, o Requerente defende que para apurar o valor de aquisição se deve atender ao valor patrimonial tributário de 22.176.000$00, que estava determinado pela Autoridade Tributária e Aduaneira em 1992, à data da escritura, e deveria ter sido utilizado para apuramento da diferença de valores dos imóveis relevante para liquidação de sisa, apesar, de erradamente, a liquidação de sisa ter sido efectuada com base no valor patrimonial tributário anterior, que era de 2.705.475$00; a Autoridade Tributária e Aduaneira, por seu turno, defende que deve ser determinado o valor de aquisição com base neste último valor, por ter sido o que foi efectivamente utilizado para liquidação de sisa;

b) no que concerne à renúncia a 1/3 do usufruto sobre o prédio ocorrida em 2011, o Requerente defende que não é relevante para determinar o valor de aquisição do imóvel, por não haver aí uma aquisição e, por isso, os 4/5 do imóvel foram adquiridos através da permuta efectuada em 1992.

 

Conexionada com esta segunda questão está a determinação da percentagem do imóvel adquirida por sucessão em 1972:

– 20% (1/5) no pressuposto de que  a renúncia ao usufruto de 1/3 do imóvel não é considerada transmissão para efeitos de mais-valias, como defende o Requerente;

– 19% (5,67% + 13,33%) segundo defende a Autoridade Tributária e Aduaneira, no pressuposto de que a renúncia ao usufruto releva como aquisição em 2011.

 

Relativamente à percentagem do imóvel adquirida em 1972 não é controvertido pelas partes que não releva para efeitos de cálculo das mais valias, por estarem de acordo em que a tributação em IRS ser afastada pelo «Regime transitório da categoria G» previsto no artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, que aprovou o CIRS. Na verdade, como se vê pelo quadro que consta do Relatório da Inspecção Tributária em que, depois do exercício do direito de audição, se determinam as mais-valias (página 29), não se imputa qualquer mais-valia às percentagens referentes à aquisição da nua propriedade e do usufruto consideram adquiridas em 1972. Por isso, essa questão não se insere no objecto do processo.

Este entendimento das Partes está em dissonância com a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, que se vem pronunciando no sentido de que, nos casos de aquisição de  imóveis sobre que existe usufruto, o momento da transmissão para efeitos de aplicação daquele regime transitório é o da consolidação da propriedade plena, com a extinção do usufruto. ( [1] )

         O processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa eliminar os efeitos produzidos por actos ilegais, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele].

         Por isso, os actos impugnados têm de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos. ( [2] )

         Assim, sendo objecto do processo o acto impugnado e não a relação jurídica tributária estabelecida entre o sujeito passivo e a Administração Tributária, os tribunais arbitrais, no âmbito dos seus poderes de declaração de ilegalidade de actos, têm apenas de apurar se os actos que foram praticados, tal como o foram, enfermam da ilegalidade ou ilegalidades que lhe são imputadas pelo Requerente e não pronunciar-se sobre a legalidade da actuação da Administração Tributária nos pontos em que não é questionada.

         O que, de resto, se compreende à luz dos direitos de defesa ínsitos no princípio constitucional da tutela judicial efectiva (arts. 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4 da CRP), pois, se a Autoridade Tributária e Aduaneira tivesse invocado outros fundamentos da liquidação, designadamente adoptando o referido entendimento do Supremo Tribunal Administrativo, a fundamentação do pedido de pronúncia arbitral poderia ser diferente.

         Por isso, o direito à tutela judicial efectiva não permite que o Tribunal conheça de possíveis fundamentos do acto impugnado que o sujeito passivo não teve oportunidade de conhecer quando elaborou a sua impugnação e relativamente aos quais não teve oportunidade de utilizar todos os meios de defesa administrativos (reclamação graciosa, recurso hierárquico) e contenciosos (impugnação judicial o pedido de constituição do tribunal arbitral) que a lei prevê, nas condições em que a lei atribui esses direitos.

         Neste sentido, pode ver-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 01-07-2020, processo n.º 309/14.6BEBRG), em que se entendeu que:

     I – O tribunal, na apreciação da legalidade de uma decisão administrativa, não pode considerar que esta se alicerça noutros fundamentos que não aqueles que aí foram externados.

     II – Assim, não pode julgar improcedente a impugnação judicial da decisão que indeferiu o pedido de revisão de um acto tributário alicerçando-se na não verificação de um requisito se a AT não usou esse fundamento para indeferir aquele pedido.

 

 

         Assim, estando as Partes de acordo quanto à aplicação parcial do referido transitório da categoria G, previsto no artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, ter-se-á como pressuposto a aplicabilidade desse regime.

         Para além disso, o Requerente imputa vícios autónomos à liquidação de juros compensatórios.

 

3.1. Questão da relevância da renúncia ao usufruto

O Supremo Tribunal Administrativo vem entendendo que «o CIRS não fornece directamente um conceito próprio de transmissão gratuita de bens sujeitos a tributação em sede de mais-valias», mas conclui-se do artigo 45.º «que se pretendeu sintonizar o conceito de transmissão gratuita para efeitos de IRS com o que resulta do CIMSISD, devendo entender-se que se opera uma transmissão a título gratuito quando ocorrer um facto susceptível de servir de base de incidência a imposto sobre as sucessões ou doações, independentemente de o imposto ser, no caso, devido». ( [3] )

Desta perspectiva, como se refere no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30-03-2011, processo n.º 0877/09, «o acto de renúncia a um direito, como é o caso da renúncia ao usufruto, implica sempre, para efeitos fiscais, uma transmissão gratuita de bens (artigo 4.º do CIMSISD) sujeita a imposto sobre sucessões e doações (artigo 3.º do CIMSISD), na medida em que representa a perda voluntária de um direito em benefício do proprietário da raiz, com o enriquecimento deste por liberalidade daquele». ( [4] ) O mesmo entendimento é aplicável no âmbito do Código do Imposto do Selo, à face do preceituado na alínea g), do n.º 3 do seu artigo 1.º.

Especificamente sobre uma situação idêntica à que se coloca nestes autos, o Supremo Tribunal Administrativo pronunciou-se sobre uma situação essencialmente idêntica no acórdão de 10-11-2021, processo n.º 01260/11.7BEPRT, no sentido de que «apesar de adquirida parte da nua propriedade do imóvel anteriormente à entrada em vigor do CIRS, há lugar a tributação de mais-valias (no caso da venda do bem na vigência do CIRS) se o usufruto se extinguiu após esta entrada em vigor, tendo-se consolidado a propriedade plena em 1997» e que «quando entrou em vigor o CIRS, o impugnante apenas era titular do direito real de gozo da nua propriedade ou propriedade de raiz e não da propriedade plena dos prédios, pelo que não se pode concluir que a alienação dos bens efetuada em 2005, se reporta a bens adquiridos antes da entrada em vigor do CIRS, estando os ganhos obtidos com a alienação dos prédios, na parte relativa ao valor do usufruto, sujeitos a tributação».

No texto deste acórdão refere-se o seguinte:

Ainda acresce, como bem denota o Ministério Público no seu douto parecer, que para além de a renúncia ao usufruto ter ocorrido ainda na vigência do CIMSISSD, ao abrigo de cujas normas foi proferida a jurisprudência supra citada, no caso em análise deparamo-nos com uma renúncia abdicativa, relativamente à qual não existe divergência na doutrina de que estamos perante uma transmissão gratuita do direito de usufruto.

Pontifica a esse respeito o expendido por Francisco Pinto Fernandes e Manuel Faustino, in “Transmissão Separada da propriedade e do usufruto…”, in CTF nº 434, Jan-Dez 2015, pág. 105-142 no sentido de que nas situações em que se está perante uma renúncia ao direito real menor, «…não podemos deixar de afirmar que se verificam verdadeiras transmissões a favor do proprietário da raiz, uma vez que ele antecipa a desoneração da sua propriedade e tal antecipação tem origem numa aquisição relativa que simetricamente se reflete no espelho da perda derivada na esfera jurídica do outro sujeito».

 

 Essencialmente no mesmo sentido já se tinha pronunciado o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 25-09-2013, processo n.º 0369/13, aplicando este entendimento mesmo a uma situação em que não se estava perante uma extinção do usufruto por renúncia, mas sim por morte do usufrutuário, e entendendo que, nesta situação, só se considerava existir transmissão no momento em que ocorreu o óbito.

Assim, na linha da jurisprudência referida, é de entender que, com a renúncia ao usufruto, ocorreu transmissão relevante para determinação de mais-valias.

Por isso, no pressuposto, aceite por ambas as Partes, de que é aplicável o «Regime transitório da categoria G» previsto no artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, é de concluir que é correcto o entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira que consta da página 17 do Relatório da Inspecção Tributária quanto aos três momentos de aquisição do imóvel e parcelas a considerar:

 – em 1972 foram adquiridos 1/5 da nua propriedade e 1/5 de 2/3 (isto é /15) do usufruto que não relevam para determinação da tributação em mais-valias, não estando os ganhos sujeitos a tributação na proporção correspondente a essas fracções;

– em 1992 foram adquiridas as fracções de 4/5 da nua propriedade e 4/5 de 2/3 (isto é, 8/15) do usufruto, que relevam para cálculo das mais-valias;

– em 2011 ocorreu aquisição pelo Requerente de 1/3 do usufruto, relevando o seu valor para cálculo das mais-valias.

 

3.2. Questão do valor de aquisição da aquisição em 1992 de 4/5 do valor da nua propriedade e 4/5 de 2/3 (isto é, 8/15) do valor do usufruto

 

A aquisição ocorrida em 1992, através de permuta, tem natureza onerosa, pelo que lhe é aplicável, quanto à determinação do valor de aquisição para efeitos de mais-valias em IRS, o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 46.º CIRS.

Na redacção vigente em 2017, ano em que prédio foi alienado pelo Requerente, o n.º 1 do artigo 46.º estabelece que a regra de que «considera-se valor de aquisição o que tiver servido para efeitos de liquidação do imposto municipal sobre as transações onerosas de imóveis (IMT)».

No caso em apreço não houve liquidação de IMT pelo que, numa interpretação literal,  poderia questionar-se se se está perante uma situação enquadrável nesta norma.

É certo, no entanto, que foi liquidada sisa, que era referida na redacção do  Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho, que vigorou até 31-12-2010, data em que foi substituída pela redacção actual, introduzida pela Lei n. 55-A/2010, de 31 de Dezembro, e a Autoridade Tributária e Aduaneira lembra que o artigo 28.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, «todos os textos legais que mencionem Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, imposto municipal de sisa ou imposto sobre as sucessões e doações consideram-se referidos ao Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), ao Código do Imposto do Selo, ao imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) e ao imposto do selo, respectivamente».

Defende a Autoridade Tributária e Aduaneira, na sua Resposta, que existe «uma continuidade entre o Imposto Municipal de Sisa e o atual IMT, mencionado no nº 1 do art.º 46º do CIRS» e que «mesmo que o bem tenha sido alienado no decurso da nova redacção da norma (que remete para o CIMT), mister é concluir que, caso a aquisição tenha ocorrido na vigência do Código do Imposto Municipal da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações (CIMSISSD), o tributo a ter em conta para efeitos do disposto no nº 1 do art.º 46º do CIRS é o Imposto Municipal de Sisa».

O Sujeito Passivo não discorda deste entendimento, que é o que foi adoptado no Relatório da Inspecção Tributária, defendendo que deve ser afastada a sua aplicação apenas porque o valor que foi considerado para cálculo da sisa não foi o que deveria ser utilizado, mas o resultante da avaliação que já tinha sido efectuada.

O artigo 46.º, n.º 1, do CIRS, ao estabelecer que «considera-se valor de aquisição o que tiver servido para efeitos de liquidação do imposto municipal sobre as transações onerosas de imóveis (IMT)» tem naturalmente como pressuposto que esse valor que serviu para a liquidação de IMT (ou sisa) era o que deveria ser efectivamente utlizado, pois, quando há erros nas liquidações o princípio da legalidade a que a Administração Tributária está subordinada (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT) impõe-lhe que os corrija oficiosamente (artigo 78.º da LGT), repondo a legalidade, e não que reproduza os erros em novos actos tributários, amplificando a ilegalidade.

Isto é, aquele artigo 46.º, n.º 1, do CIRS, interpretado à luz do princípio da legalidade, deve ser entendido como reportando-se ao valor legalmente considerado relevante para efeitos de liquidação de sisa, que será o que foi efectivamente utilizado, se a liquidação utilizou o valor que correcto, ou o valor correcto, se a liquidação de sisa assentou num valor incorrecto.

No caso em apreço, na permuta de imóveis efectuada em 1992, a sisa foi determinada com base na «diferença dos valores patrimoniais», como se refere na escritura, mas o valor patrimonial tributário do prédio com a artigo matricial ... estava incorrectamente indicado, pois foi indicado o valor de € 2.705.475$00 e em avaliação já efectuada e averbada na caderneta predial tinha sido determinado o novo valor patrimonial tributário de 22.176.000$00.

Aliás, como defende o Requerente, mesmo que não estivesse ainda efectuada a rectificação das inscrições matriciais requerida em 13-12-1991, que implica uma reavaliação, a liquidação deveria ser provisória, procedendo-se à liquidação definitiva depois de finda a avaliação e arrecadando-se ou anulando-se a diferença que for apurada, como decorre do artigo 56.º do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre Sucessões e Doações.

Assim, perante o erro quanto ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação de sisa, cabia à Administração Tributária corrigi-lo através de uma nova liquidação, em que fosse aplicado a taxa ao valor patrimonial correcto, não havendo fundamento legal para repetir o erro, utilizando o valor incorrecto também para efeitos de cálculo das mais-valias, tendo, antes, de utilizar para este efeito o valor patrimonial tributário correcto, que era o de 22.176.000$00.

   Consequentemente, a liquidação impugnada enferma de vícios de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto, quanto ao valor patrimonial tributário do prédio à data da escritura de permuta, e também erro sobre os pressupostos de direito, por erro de interpretação do artigo 46.º, n.º 1, do CIRS.

 Estes erros justificam a anulação da liquidação de IRS impugnada, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

3.3. Liquidação de juros compensatórios

 

   A anulação da liquidação de IRS tem como corolário a anulação da liquidação de juros compensatórios, que a teve como pressuposto e, por isso, enferma dos mesmos vícios que afectam a de IRS.

O Requerente para além de defender a anulação da liquidação de juros compensatórios como decorrência da anulação da liquidação de IRS imputa vícios autónomos à liquidação de juros compensatórios.

No entanto, resultando da anulação da liquidação de IRS a anulação da liquidação de juros compensatórios, fica prejudicado por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC), o conhecimento dos vícios autónomos que lhe são imputados pela Requerente.

 

 

4. Reembolso de quantia paga indevidamente e juros indemnizatórios

 

         Em 11-11-2021, o Requerente procedeu ao pagamento que resulta da Demonstração de Acerta de Contas n.º 2021 ..., no montante de € 192.975,51, e pede o seu reembolso com juros indemnizatórios,

         De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que « A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei».

         Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4, do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Como o pagamento de juros indemnizatórios depende de existir quantia a reembolsar, insere-se no âmbito das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar se há direito a reembolso e em que medida.

Cumpre, assim, apreciar os pedidos de restituição da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios.

Na sequência da anulação das liquidações de IRS e de juros compensatórios, o Requerente tem direito a ser reembolsado da quantia indevidamente suportada, no montante de € 192.975,51.

No que concerne ao direito a juros indemnizatórios, é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

 Pagamento indevido da prestação tributária

 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

 

No caso em apreço, conclui-se que há erro nas liquidações de IRS e juros compensatórios imputáveis aos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira, pois foi esta que as elaborou por sua iniciativa.

Os juros indemnizatórios devem calculados sobre a quantia de € 192.975,51 e ser contados desde 11-11-2021, data em que o Requerente efectuou o pagamento das quantias liquidadas, até ao integral reembolso do montante pago em excesso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

5. Decisão       

 

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
  2. Anular a liquidação de IRS n.º 2021 ... e o correspondente acto de liquidação de juros compensatórios n.º 2021 ..., ambos relativos ao ano de 2017;
  3. Julgar procedente o pedido de reembolso e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar a Requerente a quantia de € 192.975,51;
  4. Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-los ao Requerente nos termos referidos no ponto 4 do presente acórdão.

 

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 192.975,51, atribuído pela Requerente, sem contestação da Autoridade Tributária e Aduaneira.

7. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.672,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 26-05-2022

 

Os Árbitros

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(Relator)

 

 

(Henrique Nogueira Nunes)

 

 

(Júlio Tormenta)

 

 

 



[1] Neste sentido, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 25-09-2013, processo n.º 0369/13, e de 10-11-2021, processo n.º 01260/11.7BEPRT.

               Como se refere neste : «Deste modo, apesar de adquirida parte da nua propriedade do imóvel anteriormente à entrada em vigor do CIRS, há lugar a tributação de mais-valias (no caso da venda do bem na vigência do CIRS) se o usufruto se extinguiu após esta entrada em vigor, tendo-se consolidado a propriedade plena em 1997».

 

[2] Essencialmente neste sentido, podem ver–se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, a propósito de situação paralela que se coloca nos processos de recurso contencioso:

–   de 10–11–98, do Pleno, proferido no recurso n.º 32702, publicado em AP–DR de 12–4–2001, página 1207.

–   de 19/06/2002, processo n.º 47787, publicado em AP–DR de 10–2–2004, página 4289.

–   de 09/10/2002, processo n.º 600/02.

–   de 12/03/2003, processo n.º 1661/02;

– de 22–03–2018, processo nº 0208/17.

 

             Em sentido idêntico, podem ver–se:

 –  MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, volume I, 10.ª edição, página 479 em que refere que é "irrelevante que a Administração venha, já na pendência do recurso contencioso, invocar como motivos determinantes outros motivos, não exarados no acto", e volume II, 9.ª edição, página 1329, em que escreve que "não pode (...) a autoridade recorrida, na resposta ao recurso, justificar a prática do acto recorrido por razões diferentes daquelas que constam da sua motivação expressa".           

 –  MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, Volume I, página 472, onde escreve que "as razões objectivamente existentes mas que não forem expressamente aduzidas, como fundamentos do acto, não podem ser tomadas em conta na aferição da sua legalidade".

 

[3] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06-06-2007, processo n.º 0155/07.

Este entendimento foi reafirmado pelo Supremo Tribunal Administrativo nos acórdãos de 18-01-2012, processo n.º 0201/11, de 25-09-2013, processo n.º 0369/13, e de 10-11-2021, processo n.º 01260/11.7BEPRT.

[4] Citando, na doutrina, Francisco Pinto Fernandes e José Cardoso dos Santos, in “Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações”, e na jurisprudência, o Acórdão do STA de 6 de Outubro de 1988, no Recurso n.º 5584.