Sumário:
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Presumem-se verdadeiras de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos registados na contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a respetiva legislação comercial e fiscal (artigo 75.º, n.º 1 da LGT);
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Cessa a presunção de veracidade e inverte-se o ónus da prova quando a AT prove a existência de deficiências nas declarações ou contabilidade dos contribuintes que comprometam fundadamente a sua presumida fiabilidade e credibilidade (artigo 75.º n.º 2 al. a) da LGT);
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Face ao regime de repartição do ónus da prova, os pressupostos legitimadores da atuação da AT não se bastam com meras suspeições ou enunciação de dúvidas, devendo assentar em factualidade de que se possa extrair um juízo fundado de que as declarações, a contabilidade ou a escrita não refletem a realidade tributária do sujeito passivo.
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A Derrama Municipal é um imposto municipal que incide sobre os rendimentos tributáveis e não isentos de IRC, que corresponda à proporção do rendimento gerado na área geográfica do município por sujeitos passivos residentes e que aí exerçam atividade comercial, industrial ou agrícola e não residentes com estabelecimento estável nesse território.
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Os rendimentos gerados fora do território nacional, designadamente os relativos a lucros gerados por sucursais residentes fora do território nacional, devem ser excluídos, para efeitos deste imposto, do lucro tributável e como tal, não podem contribuir para a base do cálculo da Derrama Municipal lançada pelo município.
DECISÃO ARBITRAL
Acordam os Árbitros Fernanda Maçãs (Árbitro Presidente), Luís Ricardo Farinha Sequeira e Filipa Barros, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral na seguinte decisão arbitral:
I – RELATÓRIO
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Em 08 de novembro de 2021, A..., S.A., pessoa coletiva n.º..., com sede em ..., edifício ..., ...– ..., ..., Oeiras, doravante designada por Requerente, solicitou a constituição do Tribunal Arbitral e procedeu a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos dos artigos 2.º e 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT);
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O presente pedido tem por objeto imediato a apreciação do indeferimento do pedido de revisão oficiosa formulado pela Requerente, e como objeto mediato a ilegalidade da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), referente ao exercício de 2008, no segmento referente ao montante de Derrama Municipal, na parte correspondente aos rendimentos obtidos pela Requerente gerados no estrangeiro, no valor total de € 166.491,68 (cento e sessenta e seis quatrocentos e noventa e um mil euros, e sessenta e oito cêntimos);
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A liquidação de IRC em causa reporta-se ao período de 2008, encontrando-se junta aos autos sob o n.º..., emitida em 19/02/2014;
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Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT e não tendo a Requerente procedido à nomeação de árbitro, foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o presente coletivo, que aceitou o cargo no prazo legalmente estipulado.
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O Tribunal Arbitral foi constituído no dia 18 de janeiro de 2022, na sede do CAAD, sita na Av. Duque de Loulé, n.º 72-A, em Lisboa, conforme comunicação do Tribunal Arbitral que se encontra junta aos presentes autos.
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A Requerida, depois de notificada para o efeito, apresentou a sua resposta, no dia 22 de fevereiro de 2022, defendendo-se por impugnação.
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Atendendo a que não existia necessidade de produção de prova adicional, para lá da prova documental já incorporada nos autos, nem matéria de exceção sobre a qual as partes carecessem de se pronunciar antecipadamente, e que no processo arbitral vigoram os princípios processuais gerais da economia processual e da proibição da prática de atos inúteis ao abrigo do disposto nas alíneas c) e e) do artigo 16.º do RJAT, dispensou-se a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT.
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No mesmo despacho o Tribunal decidiu determinar o prosseguimento do processo para alegações escritas de facto e de direito, a apresentar pelas partes no prazo sucessivo de quinze dias.
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Adicionalmente, o Tribunal indicou o dia 18 de julho de 2022 como data previsível para a prolação da decisão arbitral, devendo até essa data a Requerente pagar a taxa de arbitragem subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
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Nesta sequência, no dia 08 de março de 2022, a Requerente apresentou alegações escritas de facto e de direito.
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Seguidamente, no dia 31 de março de 2022, a Requerida apresentou as suas contra-alegações.
II. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, no seguinte:
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A Requerente sustenta o pedido de declaração de ilegalidade do ato de liquidação de IRC, referente ao exercício de 2008, no seguinte:
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Segundo a Requerente, estabelecia a Lei n.º 2/2007, de 15/01, no seu artigo 14.º, (Lei das Finanças Locais) que “os municípios podem deliberar lançar anualmente uma derrama, até ao limite de 1,5% sobre o lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC) que corresponde à proporção do rendimento gerado na sua área por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, não residente com estabelecimento estável nesse território”;
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Nos termos da referida Lei das Finanças Locais, considera a Requerente ser indiscutível que a derrama municipal só é exigível por município ou municípios em que tenha sido gerado rendimento tributável, não sendo por conseguinte objeto de derrama os rendimentos gerados por sucursais no estrangeiro, pois tais rendimentos não foram gerados na área geográfica de qualquer município português;
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Invoca, e a AT não contesta, sendo por isso facto assente, que a derrama municipal referente ao exercício de 2008, foi calculada com base na totalidade dos rendimentos da Requerente, incluindo, pois, os rendimentos gerados nas suas sucursais no estrangeiro;
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Segundo a Requerente, e ao invés de defendido pela AT, a base de incidência do IRC é diferente da base de incidência da derrama municipal, pois enquanto o n.º 1 do artigo 4.º do Código do IRC estabelece a tributação da “totalidade dos (...) rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território” – isto é, território português – a base de incidência da derrama municipal é o lucro ou rendimentos “gerados na sua (do município) área geográfica” (art.º 14.º, n.º 1, da Lei n.º 2/2007, de 15/01);
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Neste contexto, e apoiada na doutrina relevante sobre a matéria, explica que está em causa o princípio do benefício, sendo que o critério de relação entre área geográfica do município e a geração de lucros visa corrigir as assimetrias na partilha da derrama, aproximando a receita tributária do local efetivo da formação do rendimento;
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Ora, quando a formação efetiva do rendimento tem lugar em sucursais localizadas fora de Portugal, naturalmente que não há ligação entre esses rendimentos e qualquer município português, pelo que não há razão para sobre esse rendimento incidir derrama municipal;
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Acresce que mesmo no âmbito do RETGS, a derrama municipal incide sobre o lucro de cada uma das sociedades integradas no referido RETGS – sendo que parte do lucro da Requerente foi gerado fora do território nacional.
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Assim, não obstante a Derrama Municipal contestada pela Requerente nos autos, ter sido apurada no âmbito do RETGS, a opção de tributação das sociedades ao abrigo de tal regime especial não prejudica a ratio, forma de cálculo, e distribuição da Derrama Municipal, que continua a ser imputada às diferentes áreas geográficas em que as sociedades que integram o Grupo atuam;
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Finalmente, remete para a jurisprudência recentemente proferida pelo STA no âmbito da mesma questão de direito – a saber derrama incidente sobre lucros obtidos por sucursais residentes no estrangeiro – em Acórdão onde foi dada razão à impugnante, ora Requerente;
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Conclui, pedindo a declaração de ilegalidade e a consequente anulação do indeferimento do pedido de revisão oficiosa do IRC de 2008, na parte da derrama municipal incidente sobre os rendimentos obtidos no estrangeiro, com todas as demais consequências legais, incluindo o reembolso das quantias pagas indevidamente e os correspondentes juros indemnizatórios.
III. Na sua Resposta a Requerida, invocou, em síntese, o seguinte:
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Rebate a Requerida os argumentos da Requerente, começando por defender que os elementos constantes do processo não permitem qualquer validação do cálculo do diferencial da derrama municipal cuja anulação é pretendida;
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Entende que a Requerente alega factos que servem de fundamento e que substancialmente configuram a alegada posição jurídica de que se arroga, sem que o prove, sendo certo que, de acordo com o princípio do ónus da prova, é à parte que alega os factos constitutivos do um direito, que compete fornecer a demonstração da realidade dos factos visados, necessários à procedência do pedido por si deduzido.
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Seguidamente sustenta que não assiste razão à Requerente, na tese defendida de que a liquidação da Derrama Municipal sobre o lucro tributável sujeito e não isento determinado em conformidade com as regras do código do IRC, não seja efetivamente devida, pois, a sustentação de que são diferentes as bases de incidência do IRC e da Derrama Municipal estriba-se numa interpretação parcial do artigo 14.º da Lei da Finanças Locais e não numa interpretação integrada deste preceito, convocando, para o efeito, não só a norma do n.º 1 como igualmente o disposto nos números 2, 3, 5, 6 e 7.
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Defende a Requerida, que em vários arrestos proferidos pelo STA se concluiu no sentido que o regime da derrama, plasmado na Lei n.º 2/2007, atribui-lhe a qualificação de imposto autónomo (com natureza de adicionamento) em relação ao IRC, embora com uma base de incidência comum (lucro tributável). Com efeito, acrescenta-se que, além de remeter expressamente para o Código do IRC, na definição da sua base de incidência e dos seus sujeitos passivos, o regime da derrama é omisso quanto a regras próprias de determinação do lucro tributável e matéria coletável, liquidação, pagamento, obrigações acessórias e garantias, argumentos que levaram o STA a concluir que, havendo opção pela aplicação do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), o lucro tributável determinado segundo tal regime para efeito de IRC constituiria necessariamente a base de incidência da derrama.
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Examinando o disposto no segmento final do n.º 1 do artigo 14.º da LFL, refere a AT ser inegável que o recorte concetual da base de incidência real da derrama a lançar pelos municípios, aponta para o lucro tributável sujeito e não isento de IRC dos sujeitos passivos que corresponda à proporção do rendimento gerado na área geográfica do município. Contudo, tal análise terá de ser aprofundada em ordem a verificar se as regras de operacionalização previstas para o respetivo cálculo comportam algum tipo de ajustamento (positivo ou negativo) ao lucro tributável.
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A este respeito, a AT assinala “a ausência, tanto as Leis n.º 1/87 e n.º 42/98 - em que a taxa da derrama incidia sobre a colecta do IRC - como a Lei n.º 2/2007 - em que a taxa da derrama passou a incidir sobre o lucro tributável sujeito e não isento de IRC - de quaisquer regras a estabelecer que, previamente, à determinação à fração da colecta ou do lucro tributável imputável a cada município, tenha de proceder-se ao cálculo da colecta ou do lucro tributável correspondente aos rendimentos gerados em território português ou na área territorial de cada município.”
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Para concluir que o legislador optou pela operacionalização do conceito da base de incidência da derrama seguindo “uma abordagem simplificada consistente na aplicação de um indicador – proporção calculada com base nos gastos com a massa salarial – ao lucro tributável sujeito e não isento de IRC dos sujeitos passivos abrangidos.”
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Sustentando-se que “se relativamente ao cálculo da proporção dos gastos com a massa salarial, o legislador teve o cuidado de esclarecer que no denominador da fracção devem figurar os gastos com a massa salarial de todos os estabelecimentos do sujeito passivo em território nacional, já no respeitante ao lucro tributável do sujeito passivo não é feita qualquer delimitação ao território nacional.”
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Acrescentando a AT que, “nos termos do n.º 7 do artigo 14.º da Lei n.º 2/2007, os sujeitos passivos abrangidos pelo n.º 2, apenas são obrigados a indicar na declaração periódica de rendimentos a massa salarial correspondente a cada município e não o lucro tributável expurgado de lucros (ou de prejuízos) imputáveis a estabelecimentos localizados no estrangeiro.”
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E prossegue, considerando que em nenhum momento “seja no n.º 1 ou no n.º 2 do artigo 14.º da LFL – as referências ao lucro tributável e à matéria colectável (superior a €50.000) dos sujeitos passivos remetem para valores expurgados de rendimentos e ganhos bem como gastos e perdas associados a actividades a operações realizadas no estrangeiro.”
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A Requerida reconhece que “a simplificação que rodeia a construção normativa que envolve a determinação da base de incidência da derrama municipal, redunda inevitavelmente em desvios do conceito enunciado no n.º 1 do artigo 14.º da LFL, mas que o intérprete e aplicador da lei não pode corrigir sob pena de se substituir ao legislador.”
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Ora, “se o propósito do legislador fosse o de expurgar o lucro tributável do sujeito passivo dos lucros (e dos prejuízos) imputáveis a estabelecimentos estáveis no estrangeiro, teria de prever regras especiais para a sua execução, que não se resumem a simples operações de subtração (ou de adição), de que constituem exemplo as regras previstas no artigo 54.º - A do Código do IRC, introduzidas para separar os lucros e prejuízos de um estabelecimento estável situado fora do território português quando a empresa de que faz parte optar pela não concorrência para a determinação do seu lucro tributável dos lucros e dos prejuízos imputáveis ao estabelecimento. (....) O que não fez”
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Concluindo, em suma, que atendendo ao princípio da legalidade e da segurança jurídica, a Derrama Municipal, com a configuração que lhe foi dada pela Lei n.º 2/2007, de 15 de Janeiro, “é qualificada como um imposto sobre o rendimento dependente do IRC, com a natureza de adicionamento que, para efeitos da delimitação da respectiva base de incidência comunga,(...) do mesmo conceito de lucro tributável dado pelo Código do IRC, determinado em conformidade com as regras estabelecidas nesse Código, incorporando, consequentemente, os lucros (ou prejuízos) imputáveis a estabelecimentos estáveis, por força do princípio consagrado no artigo 4.º, n.º 1, de tributação numa base mundial.”
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Em consequência do exposto, a Requerida entende que nenhum vício de ilegalidade é possível apontar à determinação da Derrama Municipal sobre o lucro tributável da Requerente, devendo a liquidação ser mantida na ordem jurídica, e julgado improcedente o pedido de pronúncia arbitral.
IV. Saneamento
O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5º e 6º, todos do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades.
V. Matéria de Facto
Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cf. artigo 511.º, n.º 1, do anterior CPC, correspondente ao artigo 596.º do atual CPC).
Assim, atendendo às posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados (pedido de pronúncia arbitral e alegações da Requerente, Resposta e contra-alegações da Requerida), o processo administrativo instrutor e a prova documental junta aos autos, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
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Factos dados como provados
Com interesse para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:
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A Requerente é uma sociedade que exerce atividade sujeita a IRC, nos termos do n.º 4 do artigo 3.º do Código do IRS.
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À data dos factos era sociedade dominante de um grupo de sociedades, tributado de acordo com o RETGS; - (cf. Processo Administrativo (doravante PA));
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A Requerente é um contribuinte de elevada relevância económica e fiscal, nos termos do disposto no art.º 68.º - B da LGT e constante do Despacho n.º 977/2019 de 15 de Janeiro, proferido nos termos da Portaria n.º 130/2016, de 10 de Maio; - (cf. PA);
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Com referência a 2008, constam do sistema informático à disposição da AT as seguintes declarações:
... de 28.05.2009 - Não liquidável
... de 29.05.2009 - Não liquidável
... de 25.06.2009 - Não liquidável
... de 01.07.2009 - Liquidado
... de 15.12.2011 - Não liquidável
... de 08.1102011 - Liquidado
... de 28.11.2011 - Liquidado
... de 09.20.2012 - Não Liquidável
... de 29.03.2012 - Liquidado
... de 29.03.2012 – Liquidado
... de 29.03.2012 – Liquidado
- (cf. PA);
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Em 29 de maio de 2009, a Requerente entregou, via internet, as declarações - Modelo 22 – de rendimentos relativas ao exercício de 2008 – referente ao grupo fiscal; - (cf. doc. n.º 1 e 2 junto ao pedido de revisão oficiosa, fls. 10 e ss. do PA);
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Foi emitido em nome da Requerente a liquidação de IRC n.º 2009..., referente ao período de 2008, na qual a Requerente calculou um montante de imposto (IRC) de €1.272.869,39 e um montante de Derrama Municipal de €1.662.896,13 (cf. doc. junto com o pedido de revisão oficiosa, a fls. 20 do PA);
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Em dezembro de 2011, a Requerente entregou via internet a declaração Modelo 22 – declaração de substituição - referente ao grupo fiscal, do exercício de 2008; - (cf. de fls. 43 e ss do PA);
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Em 19 de fevereiro de 2014, foi emitida a liquidação de IRC n.º 2014..., referente ao período de 2008, no valor de €19.584.996,15, nela constando o valor da Derrama Municipal de €2.199.641,99; - (cf. doc. n.º 4, junto com o pedido de revisão oficiosa, a fls. 22 do PA).
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O montante da Derrama Municipal liquidado ao grupo fiscal em 19 de fevereiro de 2014 foi alterado em virtude de diversas correções efetuadas de forma voluntária, relacionadas com as participadas da Requerente e com a própria Requerente, bem como de correções resultantes de ações de inspeções realizadas pela Inspeção Tributária aos resultados tributáveis apurados pela Requerente e suas participadas; - (cf. doc. n.º 4, junto com o pedido de revisão oficiosa, e PA);
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A Requerente procedeu à repartição do lucro tributável global apurado a nível individual no exercício de 2008 por cada uma das áreas geográficas em que o mesmo foi efetivamente gerado, quer em território nacional, quer no estrangeiro, tendo obtido os montantes que constam da tabela junta aos autos; - (cf. doc. n.º 7 junto com o pedido de revisão oficiosa);
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A fórmula de repartição do lucro tributável da Requerente foi do conhecimento da AT, no âmbito do processo de validação do montante de crédito de imposto por dupla tributação internacional, tarefa realizada durante a inspeção externa realizada à Requerente, ao abrigo da ordem de serviço n.º OI2010...; - (cf. PA);
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No exercício de 2008, o montante de Derrama Municipal correspondente ao lucro tributável gerado em território português (cálculo a título individual), ascende a €790.559,37, sendo que o total de Derrama Municipal, incidente quer sobre o lucro tributável gerado quer em território português, quer no estrangeiro, ascendeu a €957.051,05; - (cf. quadro 06 do Anexo A da última Declaração Modelo 22, entregue pela Requerente a título individual, junto como doc. n.º 8 do pedido de revisão oficiosa);
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Em 31 de março de 2016, deu entrada no Serviço de Finanças Oeiras ... um pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente referente ao ato de liquidação de IRC n.º ... de 19 de fevereiro de 2014, referido no ponto H supra.
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O pedido de revisão oficiosa tinha como objeto a correção / anulação parcial do montante de Derrama Municipal correspondente a rendimentos gerados no estrangeiro pela Requerente.
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Com base na informação n.º ... – AIR1/2016, emitida pelos serviços da AT – UGC, foi rejeitado o pedido da Requerente por se considerar que não era o meio próprio para contestar a liquidação; - (cf. despacho de arquivamento proferido em 14 de junho de 2016, a fls. 78 e ss do PA., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
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Em 19 de julho de 2016 a Requerente deduziu no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, ação administrativa que correu termos sob o n.º 929/16.4BESNT, solicitando a anulação da decisão e consequente apreciação do pedido, tendo a ação sido julgada procedente;
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Em cumprimento da decisão judicial, a AT operou a reabertura do processo, tendo apreciado o mérito do pedido, e concluído pelo indeferimento do mesmo.
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A 15 de setembro de 2021 a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento em dissídio através do ofício n.º.../2021, enviado por carta registada (registo CTT n.º RF...PT); - (cf. PA);
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No dia 08 de novembro de 2021 a Requerente apresentou pedido de constituição do presente Tribunal Arbitral; - (cf. requerimento eletrónico submetido no CAAD).
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Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão não existem factos alegados que devam considerar-se não provados.
VI- Do Direito
Delimitação das questões a decidir
As duas questões centrais a decidir no presente processo arbitral consistem em saber:
- A Primeira questão a apreciar nos autos passa por saber se terá ou não a Requerente cumprido o ónus da prova que lhe incumbe relativamente aos factos que se encontram invocados na sua petição, nos termos do artigo 74.º n.º 1 da LGT. Em causa, encontra-se a prova do valor da Derrama Municipal considerada pela Requerente ilegalmente liquidada.
A AT parte do entendimento que a Requerente não faz prova nos autos - apesar de não ter invocado a questão no âmbito do procedimento inspetivo - do diferencial entre o lucro tributável gerado em território português e o lucro tributável gerado quer em território português quer no estrangeiro, não tendo feito prova do valor da Derrama Municipal cuja anulação é pretendida correspondente a esse diferencial.
- A segunda questão que se discute nos autos, reside em saber se para efeitos da autoliquidação da Derrama Municipal incidente consensualmente sobre o lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), nos termos do artigo 14.º n.º 1 da Lei 2/2007 de 15 de janeiro (Lei das Finanças Locais, em vigor em 2008), há ou não lugar no respetivo cálculo /apuramento, à distinção entre rendimentos tributáveis com e (sem) origem em atividades exercidas nos municípios portugueses. Em concreto, discute-se o acerto (ou não) da liquidação de Derrama Municipal sobre o lucro individual da Requerente, sendo certo que nesse lucro individual há uma parte gerada fora do território nacional. (nosso sublinhado).
Vejamos cada uma das questões pela ordem supra indicada.
1 – ÓNUS DA PROVA
Dispõe o artigo 74º, nº 1, da Lei Geral Tributária que “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.”
Por sua vez, nos termos do artigo 75º do mesmo diploma: “1 - Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.”
Nos termos do n.º 2 do mesmo preceito legal “A presunção referida no número anterior não se verifica quando:
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As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo;
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(…).
Tendo em conta os referidos preceitos legais, importará, desde logo, verificar se a Requerente cumpriu o ónus da prova que lhe compete, justificando qual a parte do lucro tributável global, referente a 2008, que é influenciado por rendimentos provenientes de sucursais ou estabelecimentos estáveis que operam no estrangeiro.
Por seu turno, sendo enunciada uma situação de dúvida relativamente aos elementos apresentados pela Requerente, aos quais a AT teve acesso em sede inspetiva, importará em seguida verificar, face ao regime de repartição do ónus da prova estabelecido no artigo 74.º n.º 1 da LGT, se a AT faz a prova que lhe compete na demonstração dos pressupostos factuais legitimadores a sua ação corretiva.
Ora, conforme resulta do probatório, (pontos E e F) a Requerente entregou, via internet, todas as declarações - Modelo 22 – de rendimentos relativas ao exercício de 2008 – referentes ao grupo fiscal, tendo sido emitidos os correspondentes documentos de liquidação de IRC, onde se apurou um montante do referido imposto bem como um montante de Derrama Municipal.
Por seu turno, para efeitos de apuramento da Derrama Municipal incidente sobre rendimentos obtidos em Portugal e, por conseguinte, gerados na área geográfica de municípios portugueses, a Requerente apresentou junto com o pedido de revisão oficiosa, uma tabela em que procede à repartição do lucro tributável global apurado a nível individual no exercício de 2008, por cada uma das áreas geográficas onde o rendimento foi gerado, segregando as parcelas obtidas em território nacional, e as que foram obtidas no estrangeiro, (vide ponto J do probatório).
Acresce que a fórmula de repartição do lucro tributável utilizado pela Requerente foi do conhecimento da AT, no âmbito do processo de validação do montante de crédito de imposto por dupla tributação internacional, tarefa realizada durante a inspeção externa que a Requerente foi alvo, ao abrigo da ordem de serviço n.º OI2010..., (vide ponto L do probatório).
Ademais, no âmbito do pedido de revisão oficiosa formulado pela Requerente tendo em vista o recálculo do montante da Derrama Municipal devida pelo grupo fiscal em resultado da exclusão dos resultados tributáveis apurados no estrangeiro, a AT teve acesso à documentação contabilística e fiscal que lhe permitia verificar e validar, no âmbito do resultado fiscal tributado ao abrigo do RETGS, a parte correspondente aos rendimentos gerados nas suas sucursais em Angola e Argélia, valores estes integrados contabilisticamente nas demonstrações financeiras da Requerente.
Dito isto, quer em sede da ação de inspeção externa realizada à Requerente, quer em sede de pedido de revisão oficiosa, a AT não teve quaisquer dúvidas quanto à suficiência dos elementos de prova reunidos no processo que serviram de base ao apuramento dos montantes relativos aos rendimentos obtidos para recálculo do valor da Derrama Municipal.
Na verdade, não se entende onde reside, em concreto, a dúvida da AT, pois o valor que foi objeto de impugnação pela Requerente resulta de uma simples operação aritmética de subtração entre dois valores que se encontram registados contabilisticamente e comprovados documentalmente, a saber: A diferença entre o total de Derrama Municipal incidente sobre o lucro tributável gerado mundialmente (€957.051,05) e o montante de Derrama Municipal correspondente ao lucro tributável gerado em território português (€790.559,37).
Ora notório se torna, que o que sempre esteve em causa, e uma vez mais sobressai na presente ação, é uma discordância de direito na interpretação do disposto no artigo 14.º n.º 1 e 5 da LFL (vigente à data dos factos), discordância, aliás, claramente plasmada no relatório do procedimento administrativo emitido para efeitos da análise do pedido de revisão oficiosa em que a AT explica a sua tese, quanto à incidência da Derrama Municipal sobre rendimentos obtidos pelas sucursais da Requerente no estrangeiro, sem que então se fizesse referência à falta de comprovação do montante dos rendimentos obtidos no fora do território nacional, “Incidindo o IRC – logo a derrama municipal, pois a sua base tributável identifica-se com o IRC – também sobre os rendimentos obtidos fora do território nacional, ficam igualmente abrangidos os rendimentos obtidos pelas sucursais (sem prejuízo do recurso ao mecanismo do artigo 91.º do CIRC, para esbater o ónus dessa tributação), razão pela qual, salvo melhor opinião, não assistirá razão à Requerente nesta sua pretensão” (vide ponto 36 do Relatório da AT). E, acrescenta-se nesse relatório, de forma clarificadora, que esta é a posição da AT independentemente do entendimento proferido pelo STA: “Não obstante o recente Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 13/01/2021 proferido no âmbito do Processo n.º 03652/15.3BESNT, importa referir que a posição aí assumida não configura, por si só jurisprudência uniformizadora ou reiterada dos tribunais superiores capaz de abalar aquele que é o entendimento da AT quanto a esta temática”. (vide, ponto 37 do referido relatório).
Face ao regime de repartição do ónus da prova, não basta que a AT enuncie uma situação de dúvida, de resto não fundamentada, sobre os documentos apresentados pela Requerente relativos ao apuramento dos rendimentos sujeitos a IRC obtidos em território nacional e nas suas sucursais no estrangeiro, que aliás se encontram suportados pela Declaração Modelo 22 junta ao processo administrativo, e respetivos anexos.[1]
Ora, as suspeições da AT devem assentar em factualidade de que se possa extrair um juízo fundado de dúvida de que as declarações do sujeito passivo não refletem uma realidade tributária verosímil. Por conseguinte, não tendo sido apresentados elementos idóneos pela AT que permitam afastar a presunção estabelecida no artigo 75º, nº 1, da LGT, entende-se que a documentação existente nos autos, comprova de modo suficiente o montante de Derrama Municipal correspondente ao lucro tributável gerado em território nacional (cálculo a título individual), ascendendo a €790.559,37, bem como o total de Derrama Municipal, incidente quer sobre o lucro tributável gerado quer em território português, quer no estrangeiro, ascendendo a €957.051,05 (vide quadro 06 do Anexo A da última Declaração Modelo 22, entregue pela Requerente a título individual, - doc. n.º 8 do pedido de revisão oficiosa), devendo para todos os efeitos ser estes os valores a considerar.
Em conformidade, não pode, neste segmento, proceder a tese da AT.
2 – INCIDÊNCIA DA DERRAMA MUNICIPAL
A questão principal objeto dos presentes autos prende-se com a (des)consideração dos rendimentos de fonte estrangeira no cálculo da Derrama Municipal devida individualmente pela Requerente, enquanto sociedade residente em território nacional, concretamente no exercício de 2008.
Com efeito, a Requerente sustenta que a formação efetiva do rendimento é feita através das suas sucursais localizadas no estrangeiro, não havendo ligação entre esses rendimentos e qualquer município português pelo que não há base legal que justifique a incidência da Derrama Municipal sobre tal rendimento.
Por seu turno, defende a AT que o regime da Derrama plasmado na Lei n.º 2/2007, atribui-lhe a qualificação de imposto autónomo em relação ao IRC, com natureza de adicionamento, embora partilhando de uma base de incidência comum, o que implicaria a liquidação da Derrama Municipal sobre a totalidade do lucro tributável da Requerente.
À data dos factos o artigo 14.º da Lei n.º 2/2007, de 15/01 (Lei das Finanças Locais) estatuía o seguinte:
“1.- Os municípios podem deliberar lançar anualmente uma derrama, até ao limite máximo de 1,5% sobre o lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), que corresponda à proporção do rendimento gerado na sua área geográfica por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e não residentes com estabelecimento estável nesse território.”
Em termos conceptuais, a base de incidência da Derrama, tal como delineada pelo n.º 1 do artigo 14.º da LFL, aponta para que se considere como um imposto que incide sobre o lucro tributável sujeito e não isento de IRC dos sujeitos passivos. O valor da derrama municipal tem por base a proporção do rendimento gerado na área geográfica do município em causa, e acresce ao IRC de cuja existência prévia está dependente.
Anteriormente, a Derrama estava prevista na Lei n.º 42/98, de 6 de agosto, que dispunha no artigo 8.º “Os municípios podem lançar anualmente uma derrama, até ao limite máximo de 10% sobre a colecta do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC), que proporcionalmente corresponda ao rendimento gerado na sua área geográfica por sujeitos passivos que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola”.
A doutrina e a jurisprudência têm vindo a considerar que a Derrama Municipal é um imposto municipal que incide sobre o lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC. É um imposto cobrado pela AT e transferido para o Município, que é o seu titular ativo. Assim, em observância ao princípio do benefício, a transferência é feita para o Município em cujo território se gerou o rendimento. A determinação do imposto devido é o que resulta da aplicação da taxa fixada pelo respetivo Município àquele lucro tributável.
Quanto à interpretação da Lei sobre a questão da exclusão de tributação relativamente ao lucro tributável obtido fora do território nacional, o tema foi recentemente objeto de análise num acórdão proferido pelo STA, sendo pertinente fazer aqui a devida menção, por se entender inteiramente aplicável ao caso que se discute nos autos.
O acórdão do STA de 13-01-2021, proferido no Proc. n.º 3652/15.3BESNT considera o seguinte:
“O lançamento de derrama devendo, por regra, imperativa, incidir sobre o lucro tributável sujeito e não isento de IRC, tem de, quando possível a destrinça, comprovada, por não se tratarem de rendimentos gerados na área geográfica do município lançador, retirar, da competente base de incidência, aqueles que, num determinado exercício, forem obtidos fora do território nacional (e, consequentemente, dos municípios portugueses, os beneficiários, exclusivos, daquela)”.
(...)
“Neste momento, dirigindo, já, atenções para a situação julganda, podemos afirmar, com segurança, que a rte, no exercício de 2010, estando coletada pelo exercício de atividade sujeita e não isenta de IRC, possuindo sede (Nada se provou (ou consta dos autos), quanto a, eventual, direção efetiva noutro local.) no município de Oeiras (………… - Edifício …….., ……….), com um lucro tributável de € 65.181.876,87, tinha, em princípio, de apurar e pagar (o que, efetivamente, fez), derrama municipal, na importância de € 938.619,03 (€ 65.181.876,87 x 1,44%). Assim, legitimava e impunha, o art. 14.º n.º 1 da Lei n.º 2/2007 de 15 de janeiro ao dispor que “Os municípios podem deliberar lançar anualmente uma derrama, até ao limite máximo de 1,5% sobre o lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC), que corresponda à proporção do rendimento gerado na sua área geográfica por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola …”. A dúvida reside, apenas, em saber se o lucro tributável, a operar como base de incidência da derrama, é o montante mencionado ou, perante a comprovação de que esse valor integra, comporta, a importância (global) de € 52.079.027,80, obtida fora do território português (no estrangeiro), deve ser o de € 13.102.849,07 e, consequentemente, a derrama, devida, fixar-se em € 188.681,03 (€ 13.102.849,07 x 1,44%), portanto, num montante inferior ao autoliquidado (-749.938,00)”.
Antecipando o resultado, entendemos que a razão está do lado da rte.
Como emana do antes exposto e, destacadamente, das premissas acima expressas, o legislador, parece-nos, não ter querido ser inconsequente, anódino, na previsão, desde sempre, imutável, de que o percentual da derrama municipal incida sobre o lucro tributável correspondente à proporção do rendimento gerado na área geográfica do município coletor. E, na mesma linha, está a preocupação, constante, de, nos casos de necessidade de repartição de derrama entre vários municípios, ser obrigatório tributar “o lucro tributável imputável à circunscrição de cada município” envolvido e/ou, ainda, quando não haja diversos estabelecimentos estáveis ou representações locais, ter de considerar-se “o rendimento (que) é gerado no município”, em que se situa a sede …
Numa outra formulação, em função destes concretos e objetivos ditames legais, no pressuposto, ainda, de que o legislador não desconhecida a realidade de que muitos dos sujeitos passivos de IRC exercem atividades comerciais ou industriais em diversos pontos do País e do globo, o reporte e ligação da incidência, específica, da a derrama municipal, à “proporção”, à parte de um total, do rendimento gerado num determinado município, só pode significar isso mesmo; o cálculo, o apuramento da derrama, quando ocorrer e na medida do possível (permitida pela contabilidade), tem de implicar as operações aritméticas necessárias ao isolamento, relativamente a outros auferidos, do rendimento gerado no município beneficiário e, posterior, aplicação da percentagem (até ao máximo de 1,5%) pelos seus órgãos deliberada. (Nosso sublinhado).
Assente neste raciocínio o Tribunal acrescenta o seguinte:
“Além de esta se nos apresentar como a interpretação que melhor respeita a letra da lei, julgamos, também, ser a que melhor respeita os, mais lógicos, objetivos pretendidos alcançar com a imposição de derramas municipais. Na verdade, embora o legislador não o haja assumido explicitamente, por exemplo, num preâmbulo à Lei n.º 2/2007 (aplicável, neste caso) (No âmbito da Lei n.º 42/98 de 6 de agosto a derrama podia ser lançada “para reforçar a capacidade financeira ou no âmbito da celebração de contratos de reequilíbrio financeiro. A precedente Lei n.º 1/87 de 6 de janeiro (art. 5.º n.º 6) só admitia o lançamento de derrama “para acorrer ao financiamento de investimento ou no quadro de contratos de reequilíbrio financeiro”.), certos de que os tributos e em especial os impostos, visam, desde logo, “a satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas” e devem respeitar “os princípios da generalidade, da igualdade, da legalidade e da justiça material” (Artigo 5.º da Lei Geral Tributária (LGT).), presente, ainda, a condição de impostos autónomos (do IRC), só podemos assumir que as derramas municipais se têm, para legitimação, de ligar à atividade que o sujeito passivo desenvolve na área geográfica/território do município recetor, objetivando a respetiva autoliquidação, em primeira linha, contribuir para colmatar as necessidades financeiras deste, na medida, proporcional, da pegada deixada, por aquele, nas suas infraestruturas, serviços, imobilizado corpóreo…
Ademais e em situações, como a que nos ocupa, de, isoláveis, parcelas de rendimentos auferidos no estrangeiro, só esta forma de entender e operar, permite alcançar um resultado equitativo e materialmente justo; por um lado, assegura os desígnios tributários do município da sede do sujeito passivo, com a incidência sobre a parcela de lucro tributável gerado no seu território e por outro, liberta o obrigado tributário de pagar sobre rendimentos que, objetiva e comprovadamente, não foram auferidos pelo exercício de qualquer atividade (produtiva) dentro dos limites territoriais do concelho, onde se encontra sediado, com a inerente não utilização das respetivas infraestruturas... Igualmente, só desta forma se consegue algum tratamento igualitário entre as situações de tributação de rendimentos auferidos na área de mais do que um município nacional, através de estabelecimentos estáveis ou representações locais, em que a coleta não pertence, apenas, àquele em que se situa a sede (ou direção efetiva) e os casos de atividades exercidas, simultaneamente, em Portugal e no estrangeiro (Nas primeiras, tenha-se em conta que, no estabelecimento da proporção que determina o lucro tributável a imputar à circunscrição de cada município, se opera com a “massa salarial”, ou seja, com um fator ligado à relação de trabalho, estabelecida entre o sujeito passivo e as pessoas que exercem a sua atividade sob as suas ordens e direção, o que constitui mais um indício da vontade do legislador de ligar e condicionar o pagamento de derrama municipal à atuação concreta, efetiva, com utilização da força de trabalho, geradora de rendimentos, no território municipal respetivo.)”. (Sublinhado nosso).
E concluiria o referido Acórdão considerando que não sendo “(...) incorreto afirmar (como na sentença recorrida) que, na LFL, “nada … se refere à exclusão de tributação relativamente ao lucro tributável obtido fora do território nacional, sendo certo que o Código de IRC ao estabelecer, relativamente a tais pessoas colectivas …, a regra de extensão da incidência da obrigação do imposto a tais rendimentos, nos termos do nº 1, do artº 4º, do CIRC, …”. Porém, retirar, daí, a conclusão de que, em todas as situações, sem exceção, o lucro tributável (com inclusão dos rendimentos obtidos fora do território português) é integralmente sujeito a derrama, afigura-se-nos exagerado e entender de forma cega, quanto às especificidades desta concreta, figura tributária. Na verdade, consideramos evidente (em sintonia com a doutrina) que a disciplina legal da derrama municipal nasceu e permanece, há mais de 30 anos, pouco incisiva e desenvolvida, “relativamente ligeira”. Ora, neste cenário, compete ao juiz aplicar, sempre, a lei de forma geral e abstrata, mas sem deixar de atentar, casuisticamente, em particularidades justificativas de, pela via jurisprudencial, se ir completando o puzzle, assumidamente, incompleto, da tributação, dos sujeitos passivos de IRC, em derramas municipais. Deste modo, assumimos que o lançamento de derrama devendo, por regra, imperativa, incidir sobre o lucro tributável sujeito e não isento de IRC, tem de, quando possível a destrinça, comprovada, por não se tratarem de rendimentos gerados na área geográfica do município lançador, retirar, da competente base de incidência, aqueles que, num determinado exercício, forem obtidos fora do nosso território (e, consequentemente, dos municípios portugueses, os beneficiários, exclusivos, daquela).”[2]
Ora, tendo presente que se discute a sujeição a Derrama dos rendimentos gerados por parte das sucursais da Requerente residentes no estrangeiro, e ante a clareza e exaustividade com que o aresto aborda a questão da exclusão da base de incidência da Derrama Municipal da parte do lucro tributável gerado fora do território nacional, imputável a esses estabelecimentos estáveis, não cremos subsistirem razões para de tal entendimento nos afastarmos.
Decorre do exposto, na esteira da jurisprudência dos tribunais superiores a que aludimos, a conclusão segundo a qual o ato tributário de liquidação da Derrama Municipal respeitante ao exercício de 2008, sobre o montante do lucro tributável gerado pelas sucursais da Requerente no estrangeiro, é ilegal, sendo além do mais ilegal a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, devendo-se, por conseguinte, anular o montante correspondente, in casu €166.491,68 (considerando que €957.051,05 corresponde ao apuramento da derrama sobre o total do lucro tributável individual da Requerente e que €790.559,37 corresponde à derrama sobre a parte do lucro tributável gerado em território nacional).
Atento o exposto, enferma o ato tributário objeto da presente ação arbitral de erro de direito, gerador da sua anulabilidade, a qual se declara, concluindo-se pela procedência da pretensão da Requerente.
VII- Dos juros indemnizatórios
Os Requerentes peticionaram ainda a condenação da Requerida em juros indemnizatórios, vencidos e vincendos até à data da devolução da quantia de imposto indevidamente liquidada, por considerarem, no caso concreto, que ocorreu liquidação de indevida de Derrama Municipal, por erro imputável aos serviços. Com efeito, o montante total liquidado da Derrama Municipal, do exercício de 2008, referente à ora requerente, foi de €957.051,05. Tendo em conta o lucro tributável gerado em território português, a derrama municipal que é devida é de €790.559,37.
Assim, e conforme se concluiu supra, a liquidação e o inerente pagamento de €166.491,68 (€957.051,05-€790.559,37) são ilegais e devem ser reembolsados à Requerente.
Nos termos do artigo do n.º 1 do 43.º da Lei Geral Tributária e artigo 61.º do CPPT “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
Entende-se por erro imputável à administração, o erro que não for imputável ao contribuinte e assentar em errados pressupostos de facto e de direito que, não sejam da responsabilidade do contribuinte. Assim, “o direito a juros indemnizatórios abrange apenas uma das causas de responsabilidade da Administração tributária, agindo como tal: a originada pelo pagamento indevido de tributos, que lhe for imputável (...) o direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte provem, em regra geral, de um dever de indemnização da Administração tributária resultante da forçada improdutividade das importâncias desembolsadas pelo contribuinte.”(cfr. António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária Anotada, Editora Rei dos Livros, p. 204 e 205).
Ora, atento supra exposto, não pode deixar de se considerar ter havido erro imputável aos serviços, na medida em que as liquidações oficiosas de imposto em causa foram consequência da errónea interpretação que a Requerida fez relativamente à base de incidência da derrama sobre rendimentos gerados pelos sujeitos passivos através de sucursais que são residentes fora do território nacional.
Conclui-se, assim, pela procedência da pretensão da Requerente a ser ressarcida através do pagamento de juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento das liquidações de imposto anuladas até à data da emissão da nota de crédito, nos termos do artigo 61.º, n.ºs 2 a 5, do CPPT.
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VIII- Decisão
Termos em que o presente Tribunal Arbitral decide:
-
Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, condenar a Requerida a restituir à Requerente a quantia de €166,491,68;
-
Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios;
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Condenar a Requerida nas custas do processo.
IX- Valor do Processo
Fixa-se o valor do processo em €166,491,68 de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
X. Custas
Custas no montante de €3.672,00 a cargo da Requerida, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Lisboa, 27 de maio de 2022
Fernanda Maçãs
(Árbitro Presidente)
Luís Ricardo Farinha Sequeira
(Árbitro Vogal)
Filipa Barros
(Árbitro Relator)
[1] Neste sentido, entre outros, Acórdão de 12/07/2021, da 2ª Secção do Tribunal Central Administrativo do Sul, processo n.º 1096/04.1BTSNT.
[2] No mesmo sentido, vide Decisão Arbitral CAAD, processo n.º 554/2021-T de 15/03/2022.