Sumário:
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– A desconsideração de gastos documentados através de facturas emitidas por sujeitos passivos cuja cessação de actividade tenha sido declarada oficiosamente, nos termos no artigo 23º-A, n.º 1, alínea c), do CIRC, depende de a Autoridade Tributária ter disponibilizado, em tempo útil, a informação cadastral dos fornecedores de bens ou prestadores de serviços que se torne relevante para esse efeito, como prevê o n.º 4 desse mesmo artigo;
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– É sobre a Autoridade Tributária que impende o ónus da prova de ter facultado ao público a informação sobre a situação cadastral dos contribuintes que tenham sido objecto de cessação oficiosa de actividade.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Carla Castelo Trindade (presidente), Augusto Vieira (vogal-relator) e Paulo Lourenço (vogal), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
Relatório
A..., UNIPESSOAL, LDA., NIPC..., com sede na ..., n.º ..., ...-... Braga, (doravante designada de “Requerente”), apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral e de pronúncia arbitral (“PPA”), ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), tendo em vista a declaração de ilegalidade da liquidação n.º 2021..., datado de 26.05.2021, referente a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas e correspondentes juros compensatórios, relativa ao período de 2017, de que resultou um valor a pagar de € 91.776,33.
No final do PPA peticiona que a impugnação seja “julgada procedente, por provada, e determinar-se a ilegalidade e consequente anulação da liquidação n.º 2021..., datada de 26.05.2021, referente a IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DAS PESSOAS COLETIVAS e correspondentes juros compensatórios, relativa ao período de 2017”.
É demandada a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, doravante identificada por “AT” ou “Requerida”.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 12.10.2021.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários desta decisão, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 24.12.2021.
A AT apresentou Resposta em 09.02.2021 e protestou juntar o PA, tendo suscitado a questão prévia de admissão da resposta apresentada fora de prazo e deduzido o incidente de fixação do valor da causa, defendendo a improcedência do PPA.
Por despacho de 09.03.2022 foi admitida a Resposta da AT ao PPA.
Em 30.03.2022, a Requerente nos termos do artigo 423.º, n.º 3 do CPC (aplicável subsidiariamente ao presente processo por força do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT), para prova do alegado no PPA sob os artigos 41.º a 45.º; 114.º e 115.º, veio requerer a admissão da junção de 12 documentos, alegando que “a respetiva compilação e organização, por forma a que fosse possível fazer a correspondência entre a “fatura de compra” e as posteriores “faturas de venda” levou a um aturado trabalho da Requerente apenas agora concluído, motivo pela qual a respetiva junção das faturas em referência e respetivo quadro identificador da interligação das faturas se efetua nesta data”.
Em 01.04.2022 foi realizada a reunião de partes do artigo 18.º do RJAT com inquirição das testemunhas B..., diretor comercial da Requerente, C..., diretor comercial e D..., contabilista certificada, quanto à matéria dos artigos 15.º a 39.º; 41.º a 49.º; 54.º; 57.º; 59.º a 64.º; 67.º a 70.º e 87.º a 94.º do PPA.
Finda a inquirição das testemunhas, a Senhora Presidente do Tribunal proferiu o seguinte despacho, após deliberação do colectivo: "ao abrigo do princípio da livre autonomia do Tribunal, decide o presente coletivo que a fim de apurar a verdade material, conferirá dez dias à Requerente e à Requerida para sem simultâneo:
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vir a Requerente, ao abrigo do princípio da colaboração, esclarecer este Tribunal sobre a existência de processo crime sobre os factos objeto do presente processo, esclarecendo o Tribunal, de forma sucinta, relativamente ao desfecho do mesmo;
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vir a Requerida, também ao princípio da colaboração, explicar quais os efeitos, designadamente informáticos, da cessação oficiosa de atividade de um contribuinte. Fica também a Requerida notificada para, no prazo dez dias, se pronunciar sobre os documentos apresentados pela Requerente a 30-03-2022. Findo este prazo, concede-se o prazo de dez dias às partes para se pronunciarem sobre os requerimentos apresentados.
Findo o último prazo de dez dias, concede-se o prazo de dez dias para as partes apresentarem, de modo simultâneo, alegações escritas."
Por requerimentos de 20.04.2022 e de 25.05.2022 a Requerente, face ao despacho arbitral prolatado na reunião de partes, juntou:
(1) cópia e depois certidão com indicação de trânsito em julgado relativa ao processo judicial nº .../1 7...TELSB que correu termos no Juízo Central Criminal de Almada
- Juiz 4 do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, comprovando que foi absolvido,
que aí apenas se investigaram factos ocorridos no ano de 2018 e que não se discutiram factos relacionados com a “E...”;
(2) decisão arbitral sobre o IVA de 2016 de 05.05.2022 na qual obteve vencimento.
Por requerimento de 27.04.2022 veio a Requerida dar cumprimento ao convite formulado pelo tribunal arbitral na reunião de partes, cujo teor será reproduzido infra.
Por requerimento de 03.05.2022 veio a Requerida exercer o contraditório quanto aos documentos juntos pela Requerente em 30.03.2022, referindo o seguinte: “A documentação agora junta não constitui prova capaz de abalar a desconsideração dos gastos na esfera da Requerente, relativa à relação comercial que estabeleceu com a empresa E..., depois de esta ter sido declarada cessada oficiosamente.
Note-se que, àquela data, a E... já se encontrava cessada e essa informação encontrava-se disponível para consulta tanto no portal das finanças, como no site do mj.publicações.
Conforme consta do RIT, por informação datada de 12-09-2016, elaborada no âmbito do procedimento de inspecção credenciado pelo Despacho D12016... da DSIFAE, no seguimento da promoção da cessação oficiosa da aludida empresa, a E... foi notificada duas vezes, no dia 05-08-2016 e no dia 10-08-2016, para a sede e domicílio declarado, para, querendo, exercer o contraditório, tendo ambas sido devolvidas ao remetente com aviso de "Encerrado".
Todas os indícios apontam para que a E... não tinha à data qualquer actividade.
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A Requerente, no momento em que transacionou com a E..., sabia ou tinha a possibilidade de saber - junto do portal das finanças e do site mj.publicações - que a empresa se encontrava cessada, o que, nos termos do disposto no artigo 23º-A, nº 1, al. c) do CIRC, justifica a não aceitação do gasto para efeitos de IRC.
Os documentos agora juntos pela Requerente só mereceriam relevância se se estivesse a aferir acerca da materialidade das operações que lhes são subjacentes e se a AT tivesse duvidado daquelas transacções.
Mas a questão do thema decidendum reside no facto de, não obstante a aceitação do gasto no âmbito do artigo 23º do CIRC, a aceitação deste mesmo gasto estar condicionada pelo teor do artigo 23º-A, nº 1, al. c) do CIRC.
...
Tudo visto e ponderado, os documentos que a Requerente ora junta não têm a dignidade de provar que à altura das relações comerciais estabelecidas com a E..., não sabia, nem tinha meio de saber, se aquela se encontrava ou não cessada.
Para tudo mais, a documentação junta é irrelevante, dado que a AT não colocou em dúvida a veracidade das operações, antes que elas se inseriram num esquema mais alargado e complexo de "fraude carrossel"”.
Apenas a Requerente apresentou alegações, em 26.05.2022, reafirmando o que referiu no PPA e pugnando pela procedência do pedido.
Posição da Requerente
No que interessa à resolução da questão de fundo em debate neste processo (se há prova suficiente de que foi cumprido o condicionalismo do n.º 4 do artigo 23.º-A do CIRC), refere a Requerente, em resumo, o seguinte:
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“No ano de 2017, entre o período de janeiro e março, a A... efetuou várias compras à E..., no valor global de € 338.038,97 – cfr. relação de registos contabilísticos das compras à E..., do ano de 2017, junto a fls 191 do anexo ao RIT.”;
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“As faturas emitidas pela E..., ali descritas, titulam e corresponderem a aquisições efetivas de bens e, em nenhum momento, tal facto é colocado em causa no projeto de relatório”;
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“... segundo a informação disponível no sítio de internet https://publicacoes.mj.pt/, em 10.05.2017, foi publicitado o registo da inscrição 2-AP 20/2017..., através do qual foi declarada a dissolução da E...”;
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“A publicitação do registo de dissolução desta entidade ocorreu em momento posterior à realização das transações aqui discutidas (as transações ocorreram entre o período de janeiro e março de 2017...”;
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“Antes da publicitação destes atos levados a registo, do que é conhecimento da Requerente, não existe nenhuma informação pública disponível sobre a situação de encerramento da atividade da sociedade E..., sendo certo, também, que a publicitação daquele ato de dissolução da sociedade, porque não configura um ato praticado pela AT, destinado a disponibilizar a informação relativa à situação cadastral daqueles sujeitos passivos, não preenche os pressupostos determinados pelo n.º 4 do art. 23.º-A do CIRC, cuja respetiva verificação constitui condição necessária para a não aceitação da dedução de gastos, por força do disposto na al. c), do n.º 1 do art. 23.º-A do CIRC”;
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Sendo que “no início das suas relações comerciais com a E... (em março de 2016), a A... solicitou àquelas entidades a informação relevante sobre a sua identificação (NIF, código de certidão permanente, identificação dos legais representantes)”;
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Ou seja, “no momento do início das referidas relações comerciais, a Requerente validou o enquadramento fiscal daquelas entidades, mediante os meios disponibilizados pela Administração Fiscal para esse efeito (nomeadamente, validação dos NIF´s daquelas entidades no Portal Finanças), não tendo resultado destas diligências qualquer ocorrência associada àqueles NIF”;
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No entender da Requerente, a liquidação emitida pela AT viola “flagrantemente um dos princípios basilares da tributação do rendimento das empresas, consagrado constitucionalmente no referido art. 104.º, n.º 2 da CRP e no art. 3.º do CIRC.”;
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Isto, segundo a Requerente, pelo facto de a emissão das facturas à E... constituir uma irregularidade ultrapassada pela prova da existência das transacções;
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Por último, quanto à liquidação de juros compensatórios, refere a Requerente que “dever-se-á proceder à anulação do ato tributário de liquidação de juros compensatórios, por preterição do direito de audição”.
Posição da Requerida
Também quanto ao cerne da questão aqui em debate, e em concreto quanto à alegação da Requerente de “que a AT não provou ter disponibilizado a informação necessária para que pudesse conhecer que o fornecedor se encontrava cessado oficiosamente”, referiu a Requerida na sua resposta, em síntese, o seguinte:
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A “informação remonta ao dia 15 do mês de março de 2005, para cumprimento do estabelecido pela lei OE-2005, que introduziu a alínea b) do n.º 1 do artigo 42.º do CIRC, período a partir do qual passou a ser possível consultar a situação tributária dos sujeitos passivos”;
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“As consequências jurídicas decorrentes da cessação oficiosa prevista pelo n.º 6 do artigo 8.º do CIRC, são absolutamente distintas das que decorrem da dissolução e liquidação de uma sociedade, para além de que AT e MJ serem duas entidades estatais completamente distintas, com competências próprias, distintas nos fins que prosseguem”;
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“Da dissolução das sociedades efetuada à luz das normas constantes no CSC, conforme artigo 146.º, resulta que a sociedade entra em liquidação, a qual conduz à sua extinção, ocorrendo esta com o registo do encerramento da liquidação, como determina o art.º 160.º, ambos do referido CSC. Com a extinção da sociedade esta deixa de ter existência, ela “morre”, perde a personalidade e capacidade, jurídica e fiscal”;
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“Já quanto à cessação oficiosa nos termos n.º 6 do artigo 8.º do CIRC, é mais uma das medidas preconizadas pelo legislador fiscal de combate à fraude e evasão fiscais, com consequências meramente fiscais pois essa cessação oficiosa não tem qualquer outra consequência”;
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“Sobre a sociedade cessada oficiosamente pela AT ao abrigo do referido normativo continuarão, inclusivamente, a impender obrigações fiscais, como prescreve o n.º 7 do referido art.º 8.º, ao determinar que «[a] cessação oficiosa a que se refere o n.º 6 não desobriga o sujeito passivo do cumprimento das obrigações tributárias»”;
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“Sem conceder, (…) importa, contudo, salientar que no referido sítio do Ministério da Justiça foram disponibilizados, em 2016-09-26, ou seja, em data muito anterior à da dissolução, o aviso dando nota que contra a E... tinha sido instaurado o procedimento administrativo de dissolução”;
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A Requerida discorda da aplicabilidade ao presente caso dos argumentos expressos no acórdão arbitral de 26.07.2021, proferido no âmbito do processo n.º 406/2020-T, onde se discutiram semelhantes correcções na esfera da Requerente por referência ao IRC de 2016, “porquanto uma leitura atenta daquele documento permite concluir, sem margem para dúvidas, face aos elementos informativos constantes na área respeitante aos «Dados do Documento» que essa informação se encontra disponível pelo menos desde o dia 2016-10-07, data em que foi efetuada a recolha e arquivo das alterações, entenda-se, quando foi concretizada a alteração nas bases de dados da situação cadastral do fornecedor”;
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Até porque, de acordo com a Requerida, “nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 59.º da LGT a atuação da AT goza da presunção de boa-fé, sendo que prevê o n.º 2 do art.º 76.º do mesmo diploma que, os dados «registados informaticamente ou de outros suportes arquivísticos da administração tributária têm a força probatória», pelo que se deve concluir, sem qualquer dúvida, que a informação se encontra disponível desde 2016-10-07”;
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Regista também a Requerida por referência ao documento referido no artigo 64.º da Resposta ao PPA, e que é idêntico ao junto ao processo arbitral n.º 406/2020-T, que “como se pode verificar, são feitas três referências temporais: uma sobre a «Data de receção»; outra quanto à «Data de Ligação» e, finalmente uma última relativa à «Data de Recolha»”. “Explicitando, da sua análise resulta que este documento foi recebido pela UO competente em 2016-10-04, e que a recolha das alterações foi concretizada no dia 2016-10-07.”;
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“Ora, tendo a recolha das alterações sido efetivada a 2016-10-07, é após esse momento que a situação cadastral do fornecedor em causa, i.e., a sua cessação oficiosa, fica registada nas bases de dados da AT”;
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“Nessa medida, porque a informação disponibilizada ao sujeito passivo na área de consulta e verificação de fornecedores e clientes é a que se encontra patente nessas bases de dados - pois qualquer outra base relativa a esta matéria inexiste na AT - foi pelo menos a partir dessa data que tal informação passou a estar disponível ao público”;
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Terminou a Requerida pugnando pela improcedência do PPA.
Saneamento
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do
n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT.
As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade, conforme aos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT e ao artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
Foi suscitado pela Requerida um incidente de fixação do valor da causa, relativamente ao qual a Requerente teve oportunidade de exercer o respectivo contraditório, remetendo-se a sua apreciação por este Tribunal para o momento da fixação do valor do processo efectuado no ponto 6. do presente acórdão.
Matéria de facto
Consideram-se provados os seguintes factos, com relevo para a decisão:
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Em 02.07.2009 foi registada na Conservatória do Registo Comercial (“CRC”) a sociedade por quotas, com a firma F..., LDA, com o NIF..., com sede na Rua ..., nº ..., na freguesia de ..., ...-... Trofa, com o objecto social de “comércio, assistência técnica e acessórios de telecomunicações, tais como telemóveis, telefones e outros equipamentos de comunicações; representações; comércio e assistência técnica de equipamentos informáticos e eletrodomésticos; sistemas de comunicações e telecomunicações; sistemas de franchising; importações e exportações” – conforme folhas 3 e 4 do RIT e artigo 14º do PPA;
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Em 31-08-2015 a Requerente registou na CRC alterações ao contrato de sociedade, passando a utilizar a firma A..., LDA. e foi alterada a sede social para ..., nº..., freguesia de ..., ...-... Braga, tendo o seu objecto social sido acrescentado: “importação, exportação, produção, alteração de material eléctrico. Importação, exportação, produção, alteração. instalação e montagem de reclamos luminosos e spots publicitários. Publicidade, aluguer de espaços publicitários. Trading e comércio online. Importação e exportação de automóveis. Compra e venda de automóveis” – conforme folhas 3 e 4 do RIT e artigo 14º do PPA;
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Entre o período de Janeiro e Março de 2017 a Requerente efectuou várias compras de mercadorias, designadamente telemóveis, à sociedade E..., que totalizaram o valor global de € 338.038,97;
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Pela Ordem de Serviço n.º OI 2019..., com extensão ao ano de 2017, a Requerente foi alvo de um procedimento inspectivo de âmbito geral, em matéria de IVA e IRC, tendo sido elaborado um projecto de RIT que lhe foi notificado pelo ofício n.º..., de 02.03.2021, tendo exercido o direito de audição prévia em 22.03.2021, fora de prazo, mas a AT considerou-o na elaboração do RIT final – conforme página 2 e 159 do RIT final e artigo 5º do PPA;
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Por ofício de 22.05.2021 foi a Requerente notificada do RIT final, onde consta, na parte relativa às correcções de IRC do ano 2017, a seguinte fundamentação:
“III.3.1. Fornecedor E..., UNIPESSOAL, LDA.
...
Conforme consta do ficheiro SAF-T da contabilidade, que nos foi entregue pelo SP, no período compreendido entre janeiro e março de 2017, o SP registou compras de mercadorias à E..., UNIPESSOAL, LDA. com o NIF..., representadas por 10 faturas, no montante de 338.038,97 EUR. A entidade E..., LDA., com o NIF..., foi cessada oficiosamente pela AT, nos termos dos artigos 8º, nº 6 do Código do IRC e 34º, nº 2 do Código do IVA, na data de 2016-09-16.
Nos termos da alínea c) do artigo 23º-A do Código do IRC, os encargos evidenciados em documentos emitidos por sujeitos passivos cuja cessação de atividade tenha sido declarada oficiosamente nos termos do nº 6 do artigo 8º, não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação.
O sujeito passivo contabilizou, como compras do período em análise, faturas emitidas pela E... após a data de 2016-09-16, conforme relação anexa, no montante de 338.038,97 EUR. Estes compras, registadas na conta “31.113 — Compras, mercadorias, mercado nacional, taxa normal” foram relevadas em gastos na conta "61.1— Custo das mercadorias vendidas e matérias consumidas, mercadorias", pelo lançamento (2017-12-31 00063 130001).
Em face do exposto propõe-se a correção acrescendo ao lucro tributável, apurado na declaração de rendimentos modelo 22 entregue pelo SP, referente ao período de 2017, o montante de 338.038,97 EUR.
III.4. IRC — ERROS DE CONTABILIZAÇÃO
III.4.1. Fatura do fornecedor G..., UNIPESSOAL, LDA. Nas análises efetuadas aos registos contabilísticos do SP e respetivos documentos de suporte, verificou-se a existência do lançamento nº [2017-02-28 004 0000671. de uma compra, efetuada ao fornecedor G..., UNIPESSOAL, LDA., com a descrição “V/Factura 869".
Analisando o documento de suporte a este lançamento contabilístico, verifica-se que se trata de uma fatura/recibo nº FR M/869, de 2017-01-10, emitida pela G..., UNIPESSOAL, LDA., com o NIF... .
A fatura em causa não está emitida em nome do SP A..., mas está emitida em nome de H..., com o NIF... . Dispõe o nº 4 do artigo 23º do Código do IRC, que o documento comprovativo dos gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços deve conter, o nome ou denominação social e o número de identificação fiscal do adquirente.
Nos termos da alínea c) do nº 1 do artigo 23.º-A do mesmo código, os encargos, cuja documentação não cumpra o disposto nos nºs 3 e 4 do artigo 23º, não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável, mesmo quendo contabilizados como gastos do período de tributação.
Em consequência aquele gasto não é dedutível para efeitos de apuramento do lucro tributável em IRC, pelo que, no quadro 07 da declaração de rendimentos do IRC do período de 2017, deve ser acrescido aquele valor de 7.370,00 EUR.
III.4.2. Fatura do fornecedor I..., UNIPESSOAL, LDA.
Nas análises efetuadas aos registos contabilísticos do SP e respetivos documentos de suporte, verificou-se a existência de um lançamento nº [2017-04-30 004 0001571, de uma compra, efetuada ao fornecedor I..., UNIPESSOAL, LDA., com a descrição "V/Factura A/2”.
Verificou a existência de um outro lançamento nº [2017-05-03 00041 50005], de uma compra, efetuada ao mesmo fornecedor I...,
UNIPESSOAL, LDA., com a descrição "VFA 2017 178 A//2".
Analisados os documentos de suporte a ambos os lançamentos, verifica-se que se trata da mesma fatura nº A/2, de 2017-04-29, emitida por I..., UNIPESSOAL, LDA., com o NIF ... e referente a venda de 200 telemóveis ..., pelo montante de 22.200,00 EUR, a que acresce IVA no valor de 5.106,00 EUR.
O sujeito passivo registou a mesma compra, num lançamento efetuado na data do dia posterior à data da fatura e registou o mesmo valor relativo à compra, na data do dia posterior à data do pagamento da mesma fatura.
Verifica-se, portanto, que o SP registou indevidamente, por duplicação, o valor das mercadorias compradas a que se refere aquela fatura.
Em consequência o gasto correspondente ao segundo registo, duplicado, não é dedutível para efeitos de apuramento do lucro tributável em IRC, pelo que, no quadro 07 da declaração de rendimentos do IRC do período de 2017, deve ser acrescido aquele valor de 22.200,00 EUR.
III.4.3. IRC — Resumo das correções relativas a erros de contabilização No quadro seguinte sintetizam-se as correções propostas ao lucro tributável em sede de IRC, relativamente a erros de contabilização:
III.5. Resumo das correções em sede de IRC
No quadro seguinte sintetizam-se as correções propostas em sede de IRC:
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IX. DIREITO DE AUDIÇÃO
O sujeito passivo foi notificado para o exercício do direito de audição prévia sobre o projeto de relatório da inspeção tributária, nos termos dos artigos 60º da LGT e 60º do Regime Complementar do Procedimento da Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), através do ofício n.º ... de 2021-03-02, remetida para o domicílio fiscal do SP.
Conforme consta dos registos de encaminhamento do correio, que se pode consultar no sítio dos CTT na internet, o SP recebeu e notificação do projeto de relatório no dia 2021-03-03.
Na notificação do projeto de relatório enviada ao SP foi fixado um prazo de 15 dias para a entidade inspecionada se pronunciar sobre o referido projeto de conclusões, nos termos do n.º 2 do artigo 60.º do RCPITA, prazo esse que terminou no dia 2021-03-18.
A exposição feita pelo SP no exercício do direito de audição prévia, foi rececionada nesta Direção de Finanças de Braga em 2021-03-22, portanto fora do prazo que tinha sido fixado ao SP sendo, por isso, extemporânea. Apesar da extemporaneidade, a exposição do SP foi tida em conta antes da elaboração deste relatório final da inspeção tributária.
...
IX.2. SOBRE AS CORREÇÕES AO NÍVEL DO IRC
Nos pontos 112 a 139 da sua exposição, o SP expõe sobre as correções propostas em sede de IRC.
Sobre esta matéria refere o SP na sua exposição relativa ao exercício do direito de audição:
«113. Sobre esta matéria importa destacar, em primeira linha, que as faturas emitidas pelas sociedades E... titulam e corresponderem a aquisições efetivas de bens e, em nenhum momento, tal facto é colocado em causa no projeto de relatório.»
«117. Nesta medida, (...), por força da injunção constitucional da tributação segundo o rendimento real, prevista no art. 104.º, nº 2, da Constituição de República Portuguesa, a AT ao desconsiderar os encargos assumidos com a compra dos telemóveis junto daquelas entidades, deveria, por outro lado, desconsiderar os proveitos obtidos pela interessada na venda dos referidos artigos.»
«119. Assim, ao desconsiderar, por um lado, os custos tidos pela Interessada com a compra da mercadoria descrita nas faturas emitidas pela sociedade E..., mantendo, por outro lado, os proveitos obtidos com a sua venda e registados na contabilidade da Interessada, a decisão da AT viola o disposto no artigo 104º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa, ao abrigo do qual “a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real".”
Refere o nº 11 do artigo 23º-A do Código do IRC, na sua alínea c), que:
«1 - Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:
«c) os encargos evidenciados em documentos emitidos (...) por sujeitos passivos cuja cessação de atividade tenha sido declarada oficiosamente nos termos do nº 6 do artigo 8º;»
Dispõe o nº 2 do artigo 104º da Constituição da República Portuguesa que «A tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real.» Parece que as duas normas se contradizem, mas não. Sobre este assunto existe alguma jurisprudência, aliás descrita na decisão que recaiu sobre o processo n.º 188/2019-T do CAAD, que refere:
«O legislador constitucional marcou uma orientação pela tributação de acordo com o rendimento real, mas ao utilizar o adjetivo "fundamentalmente" não proíbe tout court a tributação de acordo com o rendimento normal. "Fundamentalmente” significa «principalmente» e não «exclusivamente». «Deste modo, o art. 23ºA do CIRC ao proibir a dedução de determinados gastos não é por si só contrária ao disposto no art. 104, nº 2 da CRP.»
«Importa referir que também a jurisprudência tem sido pacífica não considerando a existência de limitações à dedução de determinados gastos como incompatíveis com a tributação de acordo com o rendimento real.» Nesta sentença é ainda referida alguma jurisprudência. Veja-se:
AC. do TC nº 85/2010 de 03.03.2010: «Aliás, a impossibilidade de dedução integral de alguns custos ou perdas, como tal contabilizados pelos contribuintes, para efeitos de determinação da base tributável, não só resulta de diversos números do actual artigo 45º do CIRC, como já tem sido objecto de recurso para este Tribunal, nomeadamente nos processos decididos pelos Acórdãos nºs 418/2000 e 451/2002 (disponíveis na página Internet do Tribunal Constitucional em http://www.tribunalconstjtucionat.pt/), os quais não julgaram inconstitucional a solução encontrada. Jurisprudência que se entende dever agora igualmente reiterar».
Pelo que se conclui que a não dedutibilidade de gastos imposta pela alínea c) do nº 1 do artigo 23º-A do Código do IRC não viola o disposto no nº 2 do artigo 104º da Constituição da República Portuguesa e não obriga à desconsideração dos rendimentos obtidos pelo SP. Alega ainda o SP na sua exposição, que:
«123. Do que é conhecimento da interessada, a AT não disponibilizou a informação, reportada à data dos factos, relativa à situação cadastral daquela entidade no sentido de tornar publico que esta se encontrava nas condições do disposto no nº 6 do artº 8º do CIRC, isto é, oficiosamente extintos, no ano em referência, nem a tempo de permitir que no exercício em questão pudessem ser corrigidos ("expurgados") fiscalmente os referidos gastos no quadro 07 do MOD22.»
«124. Pelo que a Interessada desconhecia, no exercício fiscal de 2017, e aquando da apresentação das respetivas declarações fiscais, os factos ora transmitidos no projeto de relatório sobre a sociedade E...»
«125. Ao abrigo do disposto no nº4 do art. 23º-A do CIRC a eventual não admissibilidade dos custos tidos por sujeitos passivos cuja cessação da atividade tenha sido cessada oficiosamente está dependente de a AT disponibilizar aos contribuintes informação relativa à situação cadastral daquelas entidades.» A este propósito há que deixar claro o seguinte:
Conforme consta do cadastro de contribuintes de AT, a entidade E..., UNIPESSOAL, LDA foi cessada oficiosamente, em 2016-09-16.
Essa informação foi recolhida no Sistemas de Gestão de Contribuintes, em 2016-10-07, ficando disponível para consulta pelo público em geral, no Portal das Finanças, a partir desse data, portanto antes do período em que ocorreram os factos em análise (2017).
Além da disponibilização desta informação aos contribuintes e público em geral, acresce outra informação no mesmo sentido também tornada pública por outros meios:
Em 2016-09-26 foi publicado, no sítio "publicações.mj.pt" do Ministério da Justiça, o aviso de instauração do procedimento administrativo de dissolução da sociedade E..., UNIPESSOAL, LDA., aviso retificado por nova publicação no mesmo sítio em 2016-10-14.
IX.3. SOBRE A INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS
Na conclusão da sua exposição no exercício do direito de audição o SP vem requerer:
«B) para prova dos factos supra alegados, e a fim de se proceder a uma justa e correta apreciação dos factos ocorridos, requer que se procedam à pática dos seguintes meios de instrução: «l. Inquirição de testemunhas:
«Requer se proceda à inquirição das testemunhas seguidamente identificadas, sobre os factos supra alegados, sob os arts. 45º a 49º: 58º a 60º; 62º a 69º; 74º a 99º; 116º: 117º; 121º a 124º; 126ºa 128º, 137º e 138º.
«1. B...;
«2. C...;
«3. D...;
«4. J...;
«5. K....
«Que a interessada se compromete a apresentar.»
Nada mais refere a propósito da identificação das referidas testemunhas nem qual a relação das testemunhas com o próprio contribuinte ou com os factos.
Devendo o exercício do direito de audição consistir na participação útil do contribuinte no procedimento, aquele pode requerer diligências complementares, incluindo a audição de testemunhas.
Por outro lado, a Administração Tributária a Aduaneira deve realizar todas as diligências necessárias á descoberta da verdade material.
Neste sentido, o SP foi notificado, na pessoa dos seus mandatários, para apresentar aquelas testemunhas, como se comprometeu, nas instalações da Direção de Finanças de Braga, no dia 16 de abril de 2021 e individualmente, a horas também constantes da notificação.
Na data e horas marcadas compareceram D..., C... e B..., os quais foram ouvidos na qualidade de testemunhas apresentadas pelo SP A... .
As três testemunhas acima nomeadas foram ouvidas quanto à sua relação com o SP A... no ano de 2017 e, como requerido pelo SP, relativamente aos factos alegados sob os artigos nºs 45º a 49.º; 58º a 60º; 62º a 69º; 74º a 99º; 116º: 117º; 121º a 124º; 126ºa 128º, 137º e 138º da exposição apresentada pelo SP no exercício do direito de audição prévia.
Foram analisados os depoimentos das três testemunhas apresentadas pelo SP tendo-se concluído das análises efetuadas que as referidas testemunhas se limitaram a reproduzir textualmente, embora por vezes por outras palavras, as mesmas alegações que constam da exposição apresentada pelo SP no exercício do direito de audição, não apresentando nenhum facto ou documento novos. Conclui-se, portanto, que as alegações apresentadas pelas testemunhas do SP, são réplica das mesmas alegações feitas pelo SP na sua exposição, pelo que o resultado da sua análise é o mesmo que já consta nos pontos anteriores deste capítulo IX deste relatório.
Pelo exposto, relativamente às alegações feitas pelas testemunhes e após a análise das mesmas, remete-se para a leitura dos pontos IX.I e IX.2 deste relatório onde essa análise é feita e anexam-se os termos de declarações das referidas testemunhas.
De referir apenas que, relativamente à testemunha B..., este declarou que em 2017: «Ainda não exercia funções na empresa. Apenas entrou em 2019». No entanto os factos expostos no presente relatório ocorreram em 2017, pelo que as alegações feitas por esta testemunha não podem ser tidas em consideração relativamente ao período em análise.
As testemunhas nomeadas pelo SP A..., J... e K... não compareceram no local e à hora constantes da notificação efetuada ao SP, pelo que foram lavrados os correspondentes termos de ocorrência dessas ausências, que foram assinadas por nós e por L..., mandatário do SP, na qualidade de testemunha da referida falta de comparência e cujas cópias se anexam a este relatório.
...
X. CONCLUSÃO
O sujeito passivo exerceu o direito à audição prévia, previsto nos artigos 60º da LCT e 60º do RCPITA e foram ouvidas as testemunhas que apresentou, não tendo sido aduzido qualquer facto ou documento novos que prejudicassem a fundamentação e/ou as correções propostas no presente relatório, pelo que se mantêm as propostas de correção em sede ... de IRC devidamente descrita, fundamentada e calculada no capítulo III deste relatório.
Para recolha das correções, conforme descrito, fundamentado e calculado no capítulo III, foi elaborado o correspondente documento de correção (DC), o qual ficou registado com o nº...” – conforme páginas 154 a 157, 159 e 171 a 176 do RIT junto pela Requerente com a designação de Documento n.º 4 em anexo ao PPA;
-
Na sequência do RIT foi a Requerente notificada da liquidação n.º 2021..., datada de 26.05.2021, referente a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas e correspondentes juros compensatórios, relativas ao período de 2017, de que resultou um valor a pagar de € 91.776,33 até 15.07.2021;
-
Convidada a Requerida no dia 01.04.2022 (na reunião de partes) a “explicar quais os efeitos, designadamente informáticos, da cessação oficiosa de atividade de um contribuinte”, respondeu por requerimento de 27.04.2022, referindo o seguinte: “A Directoria-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, notificada para vir esclarecer esse Tribunal se, durante o ano de 2017, a A. tinha ou não a real percepção sobre se a empresa fornecedora E..., UNIP., LDA., com o NIF ..., naquele mesmo ano de 2017, se encontrava cessada, sem actividade, no momento do preenchimento do mapa recapitulativo
- anexo P -, vem transmitir a informação prestada pela Direção de Finanças de Braga Divisão de Inspeção Tributária III - Equipa 32:
«A IES (Informação Empresarial Simplificada) consiste numa declaração anual obrigatória a empresas e pessoas singulares com contabilidade organizada. A declaração é entregue por via eletrónica e une várias declarações e contas anuais para fins contabilísticos, fiscais e estatísticos numa só. No caso do Anexo P, decorre das respetivas instruções de preenchimento que: «O Anexo P, composto por duas páginas, deve ser enviado por via eletrónica para dar cumprimento ao estabelecido na alínea f) do nº 1 do artigo 29º do Código do
IVA”, não havendo qualquer referência ao CIRC.
O nº 4 do artigo 23º-A do CIRC dispõe, contudo que a Autoridade Tributária e Aduaneira deve disponibilizar a informação relativa à situação cadastral dos sujeitos passivos que seja considerada relevante para efeitos do disposto na segunda parte da alínea c) do nº 1, informação esta disponibilizada no portal das finanças. O SP, caso pretenda tem acesso à situação cadastral dos seus clientes e fornecedores, através da consulta do portal de finanças: Informação Cadastral para Entidades Externas/ConsuIta de Informação Cadastral por Entidades Externas/ldentificação de Clientes/Fornecedores /Consultar. Também tem acesso à situação dos clientes e fornecedores via Portal da Justiça, através da consulta da Publicações on-line de acto societário e de outras entidades.» Convirá chamar à atenção que a redacção do nº 4 do artigo 23º-A do CIRC, que obriga à disponibilização da informação relativa à situação cadastral dos sujeitos passivos, já estava em vigor no ano de 2017, pelo que a A. poderia obter essa informação junto do Portal das Finanças”.» - conforme requerimento da
Requerida de 27.04.2022 e teor da ata da reunião de partes registada no SGP do
CAAD;
-
A Requerida na Resposta ao PPA juntou o seguinte “printscreen” obtido a 04.09.2020, pelas 9:55 horas, no Portal das Finanças – SGRC – sobre a situação cadastral de E..., UNIPESSOAL, LDA., com o NIF...:
- conforme artigo 64º da Resposta ao PPA;
-
Em 10.05.2017 foi publicado no “Portal MJ-Publicação online de acto societário” o registo de dissolução e encerramento da sociedade E..., UNIPESSOAL, LDA., com o NIF ... a culminar um procedimento administrativo oficioso – conforme artigo 83.º do PPA e Documento n.º 8 em anexo ao PPA;
-
Em 12.10.2021 a Requerente entregou no CAAD o presente pedido de pronúncia arbitral – conforme registo no SGP do CAAD.
3.1. Fundamentação da decisão da matéria de facto. Factos não provados.
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada (cf. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões objecto do litígio (conforme artigo 596.º, n.º 1, do CPC, ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Foram considerados provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
Os factos provados basearam-se nos documentos juntos pelas Partes e nos factos articulados que estão em conformidade, de forma expressa ou implícita, com os factos alegados por ambas. Por cada alínea dos factos provados, são indicados os documentos ou artigos das peças processuais que não mereceram dissentimento entre as partes e que foram considerados relevantes.
A prova testemunhal pretendeu essencialmente revelar que as operações realizadas com a E... corresponderam à realidade e que a Requerente seguiu determinados padrões de cuidado, antes de encetar o seu relacionamento com a aludida sociedade. Sucede que a materialidade das operações não foi colocada em causa, uma vez que, como refere a AT no artigo 41.º da Resposta ao PPA “não está aqui, nem nunca esteve, em causa o incumprimento e/ou violação das exigências formais a observar relativamente aos documentos de suporte aos gastos (…)”. No requerimento de 03.05.2022 explicita também a AT que: “Os documentos agora juntos pela Requerente só mereceriam relevância se se estivesse a aferir acerca da materialidade das operações que lhes são subjacentes e se a AT tivesse duvidado daquelas transacções”.
Não há outros factos relevantes para decisão da causa que se devam considerar provados.
Não se encontra provado o envolvimento da Requerente em qualquer esquema fraudulento do qual fizesse parte a sociedade E... .
Não se encontra provado, face ao standard da prova exigível, que a Autoridade Tributária tenha disponibilizado no Portal das Finanças, em 16.09.2016 (ou em 07.10.2016) – tal como consta no RIT – informação sobre a cessação oficiosa da actividade da sociedade E..., UNIPESSOAL, LDA., com o NIF... .
Com efeito, a informação facultada pela Requerida que consta em G) dos factos provados, não responde, em concreto, ao suscitado pelo Tribunal, não indicando v.g.: quem, em que data, com que suporte concreto, terá elaborado esse registo no SGRC, de forma a que a sua realização pudesse ser escrutinada em caso de litígio.
Os factos que a AT veio indicar, como suporte do procedimento de cessação oficiosa da actividade, são duas cartas devolvidas (05.08.2016 e 10.08.2016), mas nem uma reprodução mecânica dessas cartas foi anexada ao RIT.
Saliente-se que a norma invocada pela AT no artigo 78.º da Resposta ao PPA – artigo
76.º, n.º 2 da LGT – fala em “força probatória do original”. Não se coloca aqui em causa que o documento junto pela AT e que foi obtido em 04.09.2020, tem a força probatória do original nessa data. Só que o que aqui está em causa é a prova desse registo no período que aqui releva (em data anterior a Janeiro e Março de 2017).
Por fim, cumpre referir que na Resposta ao PPA, a AT protestou juntar o PA, não o tendo feito posteriormente. A Requerente nada suscitou no decurso do processo, naturalmente porque, ela própria juntou o RIT e demais documentação que iria instruir o referido Processo Administrativo (PA). Na verdade, perante o acervo documental junto pela Requerente em anexo ao PPA, constituirá realidade apodítica que a junção do PA pela Requerida, seria redundante, pelo que, mesmo não o tendo invocado a AT, entende-se ser justificável a sua não junção, neste caso, não tendo tal facto tornado a prova impossível ou de considerável dificuldade. Nestes termos, ao abrigo dos n.ºs 5 e 6 do artigo 84.º do CPTA e dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade e informalidade processuais e da igualdade, previstos nos artigos 16.º, alíneas a), b) e c), 19.º e 29.º, n.º 2, todos do RJAT, considera-se justificada a falta de junção do PA pela AT.
Matéria de direito
Relativamente à questão de fundo cumpre essencialmente determinar a aplicabilidade aos presentes autos do artigo 23.º-A, n.º 4, do CIRC e aferir se foram ou não cumpridos os condicionalismos nele constantes, isto é, se a AT provou ou não ter disponibilizado a informação necessária para que a Requerente pudesse conhecer que o fornecedor E... se encontrava cessado oficiosamente, atendendo aos concretos particularismos do caso.
A este respeito sublinha-se que existe já jurisprudência arbitral que incidiu sobre o tema, designadamente o acórdão de 26.07.2021, proferido no âmbito do processo
n.º 406/2020-T, que versou precisamente as mesmas partes, apenas divergindo o facto de naquele processo a liquidação do IRC respeitar a 2016 (enquanto aqui se refere ao período de Janeiro a Março de 2017) e o facto de naquele processo existir outra entidade, além da E..., que foi objecto de procedimento administrativo oficioso de encerramento, quer ao nível da AT, quer ao nível da Conservatória do Registo Comercial.
Portanto, ambos os processos têm subjacente a aferição da legalidade da desconsideração pela AT dos efeitos fiscais na esfera jurídica da Requerente, dos gastos relacionados com facturas emitidas pela E..., por se ter verificado a cessação oficiosa da actividade desta entidade.
Dada a similitude entre os factos alegados e provados em ambos os processos, dada a pertinência dos argumentos ali efectuados e dada a imposição que é feita ao julgador no artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil de ter em conta os casos análogos nas decisões que proferir de modo a assegurar uma interpretação e aplicação uniformes do direito, transcrevemos parte das considerações do referido acórdão de 26.07.2021, proferido no âmbito do processo n.º 406/2020-T:
«A Requerente alega que a não dedução de gastos realizados com entidades cuja actividade tenha sido cessada oficiosamente, nos termos do nº 6 do artigo 8º do CIRC, está dependente da disponibilização aos contribuintes da informação relativa à situação cadastral dessas entidades, que inclua a informação sobre a cessação oficiosa de actividade, o que, no caso, não se verificou, sendo que esse constitui um ónus probatório que incumbe à Administração Tributária.
A Autoridade Tributária contrapõe que o dever de disponibilizar a informação relativa à situação cadastral dos sujeitos passivos é de carácter genérico e público, tornando-se acessível a qualquer contribuinte através do portal das finanças, e que foram publicados, em 26 de Setembro de 2016 e 24 de Agosto de2016, no sítio de internet https://publicacoes.mj.pt, avisos da instauração procedimentos administrativos de dissolução dessas sociedades.
A questão em análise prende-se com as disposições dos artigos 8º, n.º 6, e 23º-A, nºs 1, alínea c), e 4 do CIRC.
A primeira dessas disposições reporta-se às situações em que se considera verificada, para efeitos do Código de IRC, a cessação de actividade e carece de ser interpretada em articulação com o precedente n.º 5.
O n.º 5 do artigo faz referência a situações específicas em que a cessação da actividade coincide com certas ocorrências da vida da empresa: a data do encerramento da liquidação, ou a data da fusão ou cisão, quanto às sociedades extintas, ou a data em que a sede e a direcção efectiva deixem de se situar em território português, ou a data em que deixarem de verificar-se as condições de sujeição a imposto, ou ainda, relativamente às entidades que não tenham sede nem direcção efectiva em território português, a data em que cessarem totalmente o exercício da sua actividade através de estabelecimento estável ou deixarem de obter rendimentos em território português.
Para além dessas situações, o n.º 6 consigna a possibilidade de declaração oficiosa da cessação de actividade, por parte da Administração Fiscal, nos seguintes termos:
Independentemente dos factos previstos no número anterior, pode ainda a administração fiscal declarar oficiosamente a cessação de actividade quando for manifesto que esta não está a ser exercida nem há intenção de a continuar a exercer, ou sempre que o sujeito passivo tenha declarado o exercício de uma actividade sem que possua uma adequada estrutura empresarial em condições de a exercer.
Por seu lado, o artigo 23º-A, nº 1, especifica os encargos que não são dedutíveis para efeitos fiscais, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação, incluindo entre eles na alínea c) “os encargos cuja documentação não cumpra o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 23.º, bem como os encargos evidenciados em documentos emitidos por sujeitos passivos com número de identificação fiscal inexistente ou inválido ou por sujeitos passivos cuja cessação de actividade tenha sido declarada oficiosamente nos termos do n.º 6 do artigo 8.º.
O n.º 4 do citado artigo 23.º-A explicita ainda que “a Autoridade Tributária e Aduaneira deve disponibilizar a informação relativa à situação cadastral dos sujeitos passivos, que seja considerada relevante para efeitos do disposto na segunda parte da alínea c) do n.º 1.”
A falada disposição da alínea c) do n.º 1 do artigo 23º-A, com o objectivo de combate à fraude e evasão fiscais, determina a não relevância fiscal de gastos incorridos com aquisição de bens ou prestação de serviços cujos documentos comprovativos tenham sido emitidos por fornecedores ou prestadores de serviços não reconhecidos pela Administração Fiscal.
Por sua vez, nos termos do citado n.º 4, impende sobre Autoridade Tributária o dever de disponibilizar a informação cadastral dos sujeitos passivos para permitir aos contribuintes certificarem-se que os terceiros com quem encetam relações comerciais não se encontram em qualquer das situações previstas na segunda parte da alínea c) do n.º 1, que implicam a não dedutibilidade dos gastos para apuramento do lucro.
Subsiste, por conseguinte, um dever procedimental da Administração Tributária de facultar ao público os dados sobre sujeitos passivos com número de identificação fiscal inexistente ou inválido ou cuja actividade tenha sido declarada oficiosamente cessada, a que corresponde um princípio de corresponsabilização dos adquirentes de bens ou serviços, no âmbito da sua actividade empresarial, que se lhes impõe conferir previamente através do portal das finanças a situação fiscal dos cocontratantes.
7. Na situação do caso, e como resulta evidência do Relatório de Inspecção Tributária, o único fundamento invocado para a correcção tributária assenta na circunstância de os gastos se encontrarem documentados através de facturas que foram emitidas, pela B..., após 29 de Junho de 2016,e pela C..., após 16 de Setembro de 2016, datas em que tinha ocorrido a cessação oficiosa da respectiva actividade.
Não há, no entanto, nenhum indicador seguro de que a Administração Tributária tivesse facultado nessa data a informação sobre a situação cadastral dos fornecedores dos serviços, em termos de a Requerente poder ter evitado, actuando diligentemente, manter a sua relação comercial com essas entidades.
(...)
Demonstra-se ainda que, na sequência de procedimento administrativo oficioso, em 24 de Janeiro de2017, foi publicado no site do Ministério da Justiça o registo de dissolução e encerramento da liquidação da sociedade B..., e em 10 de Maio de 2017, o registo de dissolução e encerramento da liquidação da sociedade C... .
Conforme resulta do disposto no artigo alínea c), do regime jurídico dos procedimentos administrativos de dissolução, constante do anexo III a que se refere o n.º 3 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, o procedimento de dissolução é instaurado oficiosamente pelo conservador, designadamente quando a “administração tributária tenha comunicado ao serviço de registo competente a declaração oficiosa da cessação de actividade da sociedade, nos termos previstos na legislação tributária”.
Só quando tenha sido adoptada uma decisão definitiva, no âmbito do procedimento, é que o conservador lavra oficiosamente o registo de dissolução, como prevê o artigo 13º.
Em qualquer caso, o procedimento de dissolução é desencadeado em momento ulterior à declaração oficiosa de cessação de actividade e mediante a comunicação ao serviço de registo dessa ocorrência, e é a cessação oficiosa de actividade que constitui o facto tributário que, tal como se encontra descrito no artigo 8.º, .nº 6, do CIRC, determina a desconsideração de encargos em que o sujeito passivo tenha incorrido no âmbito de relações comerciais realizadas com entidades cuja actividade se encontre cessada.
Neste contexto, não é o procedimento de dissolução das sociedades e a subsequente publicitação do registo de dissolução que releva para efeito de se considerar verificada a disponibilização da informação cadastral a que se refere o artigo 23.º-A, n.º 4, quando é certo que a informação que está aí em causa é a atinente à própria cessação oficiosa de actividade, visto que é essa circunstância que pode justificar, nos termos previstos na segunda parte da alínea c) do nº 1 do artigo 23º-A, a irrelevância fiscal dos gastos.
Mas mesmo que assim não fosse, também é de considerar que a publicitação do registo de dissolução de encerramento da liquidação das sociedades B... e C..., no site do Ministério da Justiça, ocorreu já em 2017, enquanto a correcção tributária impugnada respeita a transacções realizadas após 29 de Junho de2016 ou 16 de Setembro de 2016, mas ainda no período de tributação de 2016, pelo que não é possível afirmar que a Requerente, por essa via, dispusesse de informação relevante, em tempo útil, que pudesse impedir a realização das transacções com as entidades inabilitadas.
A Autoridade Tributária, no artigo 140.º da sua resposta, reproduz ainda um print screen do portal das finanças, em que se encontra indicada, como cessação da actividade da B..., a data de 29 de Junho de2016, e como cessação da actividade da C..., a data de 16 de Setembro de 2016.
Mas como pode verificar-se através desses documentos, a consulta de pesquisa relativa à situação cadastral das entidades em causa reporta-se a 4 de Setembro de 2020, nada permitindo concluir que essa informação já estivesse patente ao público nas referidas datas de 29 de Junho de 2016 e de 16 de Setembro de 2016.
Não existe, por conseguinte, prova bastante do cumprimento do dever procedimental a que se refere o artigo 23º-A, nº 4, do CIRC, sendo que a disponibilização da informação relativa à situação cadastral dos sujeitos passivos, por parte da Autoridade Tributária, constitui pressuposto da não dedutibilidade de encargos incorridos com fornecedores de bens cuja actividade tenha sido oficiosamente cessada.
Subsistindo fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, é o suficiente para determinar a anulação da liquidação impugnada e correspondentes juros compensatórios”.
Atendendo aos argumentos que se evidenciaram, e que são aplicáveis mutatis mutandis, regista-se desde já que se impõe nos presentes autos conclusão idêntica àquela a que chegou o tribunal arbitral que proferiu a decisão acabada de citar.
No presente processo, as aquisições de mercadorias (v.g. telemóveis) pela Requerente à E... foram realizadas entre Janeiro e Março de 2017, na sequência e em continuidade de aquisições anteriormente efectuadas a partir de Março do ano de 2016.
O que significa, que as referidas transacções ocorreram em data posterior à alegada pela AT (07.10.2016) como correspondendo ao dia a partir do qual teria ficado disponível para acesso público em geral no portal das finanças que a E... havia sido cessada oficiosamente. Sucede que da matéria de facto acima dada como provada e como não provada – para cuja fundamentação se remete e onde se evidencia com maior detalhe que a AT se limitou a juntar um “print screen” do portal das finanças relativo a uma consulta de pesquisa à situação cadastral da entidade em causa por referência a 04.09.2020 – não se considerou possível certificar que, à data das referidas transacções, isto é, em 07.10.2016, essa informação já estivesse efectivamente disponível para consulta pela Requerente.
Quanto à publicação no site do Ministério da Justiça do registo de dissolução e encerramento da liquidação da E..., constata-se que o mesmo apenas ocorreu em 10.05.2017, ou seja, após a realização das transacções que ocorreram ente Janeiro e Março de 2017, não sendo assim este registo apto a revelar à Requerente a informação para que este pudesse, em tempo útil e com a certeza e segurança necessárias, impedir a realização das referidas transacções.
A tudo isto acresce que estão em causa operações efectivamente praticadas e gastos efectivamente incorridos pela Requerente, cuja materialidade não é posta em causa pela Requerida. Isto sem contar que da matéria de facto dada como provada se constatou que a Requerente mantinha relações com a referida sociedade desde 2016, contactando essencialmente com a mesma por via digital/electrónica, sem contacto pessoal/físico, o que dificulta a identificação de eventuais realidades abusivas/evasivas. Na verdade, não se provou qualquer envolvimento da Requerente em esquemas ou actividades fraudulentas que eventualmente fossem desenvolvidos e praticados por outras sociedades, incluindo a E... . Para além de que se verificou que a Requerente actuou diligentemente no início da sua relação comercial com a E..., tendo validado os respectivos dados através dos meios disponíveis à data para o efeito junto da AT. Assim sendo, e tendo presente os ditames constitucionais de proporcionalidade e de tributação das empresas segundo o lucro real, não seria razoável e ajustado à realidade comercial impor à Requerente a confirmação da “validade, da substância ou da não cessação oficiosa” das empresas com quem contrata em todos as transacções realizadas, ainda para mais quando essas transacções são efectuadas num número consideravelmente elevado e quanto estão em causa empresas com as quais se mantêm relações comerciais continuadas no tempo em que, com base numa actuação diligente, nunca se identificaram eventuais realidades abusivas/evasivas que evidenciassem a possibilidade da cessação oficiosa destas empresas pela AT.
No fundo, a factualidade dos presentes autos não permite concluir pela validade da aplicação do regime previsto no artigo 23.º-A, n.º 1 alínea c) e n.º 4, do CIRC, razão pela qual se julgam ilegais os actos de liquidação de IRC impugnados nos presentes autos, impondo-se a sua anulação parcial.
Face à solução a que se chegou, fica prejudicado o conhecimento de outros vícios procedimentais e de questões de constitucionalidade invocados.
Os juros compensatórios encontram-se regulados no artigo 35.º, n.º 1, da LGT e consistem numa indemnização de natureza civil, devida pelos contribuintes à AT pelo retardamento da liquidação de parte ou da totalidade do imposto legalmente devido.
Ora, no presente caso não se considerou que o imposto era devido nos termos liquidados pela AT, deixando assim de existir pressuposto para a liquidação de juros compensatórios, cuja ilegalidade e consequente anulação se impõem enquanto decorrência da ilegalidade e anulação do acto de liquidação de IRC.
Nestes termos decide este Tribunal Arbitral em: a) Julgar parcialmente procedente o PPA;
Na resposta ao PPA a AT suscitou o incidente do valor da causa uma vez que “a Requerente, quando fixou o valor económico do pedido, identificou o montante total apurado em sede de liquidação adicional, ou seja, € 91.776,33” sem ter em conta “que o ato de liquidação adicional contestado tem na sua génese outras correções, as quais se repartem por: (1) entidades cessadas - contestadas 338.038,97; e (2) erros de contabilização - por não contestadas - aceites 29.570,00”. Acrescentando que “o montante do ato de liquidação em causa resulta do quantitativo total das correções efetuadas que ascenderam a € 367.608,97, apenas aqui estando em causa as correções resultantes de emitentes de faturas cessados oficiosamente pela AT, quantificadas em € 338.038,97”, pelo que há “uma parte referente a € 29.570,00 que, ainda que venha a ser dado provimento ao pedido, permanecerá firmado no ordenamento jurídico, atenta a sua não impugnação pela Requerente”.
Termina referindo que “o valor económico do processo deverá reflectir não a totalidade do valor constante no ato de liquidação, mas somente o proporcional às correcções no valor de € 338.038,97 que a Requerente impugna através do pedido arbitral”.
Afigura-se que assiste razão à Requerida, face à regra da alínea b) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, uma vez que o valor de referência da liquidação que se impugna é no fundo a matéria colectável do IRC, e é apenas o valor de € 338.038,97 que merece dissentimento da Requerente.
Uma vez que há que determinar um valor fixo, para efeitos processuais, e como não é colocado em causa que o valor indicado pela Requerente de € 91.776,33 corresponde a uma liquidação de IRC (incluindo juros compensatórios) tendo por base um valor a adicionar em termos de matéria colectável de IRC de € 367.608,97, aplicando uma regra de proporcionalidade, fixa-se à causa do valor de € 84.393,96 (IRC relativo à correcção de € 338.038,97), obtido através da aplicação de uma regra de três simples, o que não altera o montante da taxa de arbitragem devida.
Assim, de harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 84.393,96.
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e face à Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 2.754,00, a cargo da Requerida.