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SUMÁRIO
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Nos termos do artigo 22.º, n.º 1, do CFI, podem beneficiar do RFAI, os “sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos setores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC”.
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O artigo 2.º, n.º 2, do CFI define as atividades económicas no âmbito das quais os projetos de investimento executados pelos sujeitos passivos podem beneficiar do RFAI, sendo o sector “ambiente” expressamente incluído nas mesmas.
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O artigo 2.º, n.º 3, do CFI remete para portaria a definição dos códigos de atividade económica (CAE) correspondentes às atividades referidas no n.º 2 do mesmo artigo, mas não a definição das atividades económicas que podem beneficiar do RFAI.
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À luz do princípio da primazia da lei sobre normas regulamentares e do princípio da inderrogabilidade de norma de grau superior por norma hierarquicamente inferior (resultantes do artigo 112.º da CRP) não pode uma portaria restringir ou derrogar o âmbito de aplicação de uma norma constante de ato legislativo que prevê um benefício fiscal, sob pena de ilegalidade normativa.
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O artigo 2.º da Portaria 282/2014, de 30 de dezembro, ao omitir códigos de atividade económica para o sector “ambiente”, não se limitou a executar ou complementar o artigo 2.º, n.º 2, do CFI, antes restringindo e derrogando o mesmo, uma vez que o sector “ambiente” se encontra expressamente previsto na al. g) do n.º 2, do artigo 2.º do CFI, sendo, assim, ilegal o artigo 2.º da Portaria 282/2014 (devendo o mesmo ser desaplicado no caso sub judice), bem como as liquidações contestadas (devendo as mesmas ser anuladas).
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Professora Doutora Rita Correia da Cunha (presidente), Doutor António de Barros Lima Guerreiro e Doutora Mariana Vargas (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o Tribunal Arbitral Tributário, acordam no seguinte:
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RELATÓRIO
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A..., S.A., matriculada na Conservatória do Registo Comercial sob o número único de matrícula e de identificação de pessoa coletiva..., com sede em..., ... ... (doravante designada por “Requerente”), veio, no dia 31.8.2021, ao abrigo do disposto na al. a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprova o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral e apresentar pedido de pronúncia arbitral (“PPA”) contra (i) a liquidação adicional de IRC n.º 2021... referente ao exercício de 2016, a respetiva liquidação de juros n.º 2021..., consubstanciadas na demonstração de acerto de contas n.º 2021..., (ii) a liquidação adicional de IRC n.º 2021... referente ao exercício de 2017, as respetivas liquidações de juros n.ºs 2021... e 2021..., consubstanciadas na demonstração de acerto de contas n.º 2021..., e (iii) a liquidação adicional de IRC n.º 2021... referente ao exercício de 2018, a respetiva liquidação de juros n.º 2021..., consubstanciadas na demonstração de acerto de contas n.º 2021... (doravante conjuntamente designadas por “Liquidações Contestadas”), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “AT” ou “Requerida”).
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A Requerente pretende a anulação da Liquidações Contestadas e a restituição do imposto que entende ter indevidamente pago, no montante total de €294.615,03, e ainda a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios sobre este montante.
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O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 1.9.2021 e notificado à Requerida em 7.9.2021.
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Em conformidade com o disposto nos artigos 6.º, n.º 2, al. a), e 11.º, n.º 1, al. a), do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os ora signatários como árbitros, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
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As partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.
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O presente Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 10.11.2021.
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Em 15.12.2021, a Requerida apresentou a sua resposta e juntou processo administrativo, concluindo que o PPA deve ser julgado improcedente e as Liquidações Contestadas mantidas na ordem jurídica.
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Por despacho de 25.1.2022, o Tribunal considerou dispensável a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e notificou as partes para apresentarem, querendo, alegações no prazo simultâneo de 10 dias.
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A Requerente e a Requerida apresentaram alegações, respetivamente, em 8.2.2022 e 9.2.2022.
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Por despacho de 9.5.2022, o Tribunal prorrogou o prazo para prolação da Decisão Arbitral, por dois meses, nos termos do artigo 21.º, n.º 2, do RJAT, com fundamento na complexidade da matéria de direito, e notificou as partes de que a data previsível para a prolação da Decisão Arbitral seria 25.5.2022.
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SANEAMENTO
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O PPA apresentado em 31.8.2021 é tempestivo, porque apresentado no prazo de 90 dias a contar do termo do prazo de pagamento voluntário das Liquidações Contestadas, nos termos conjugados do artigo 10.º, n.º 1, al. a), do RJAT e do artigo 102.º, n.º 1, al. a) do CPPT.
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O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.
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As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, e estão devidamente representadas.
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O processo não enferma de nulidades. As questões prévias suscitadas pela Requerente serão analisadas depois de apreciada a matéria de facto.
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MATÉRIA DE FACTO
§1. Factos provados
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Com relevo para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
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A Requerente é uma sociedade anónima com sede em ..., cujo objeto social consiste na importação, exportação, representações, comércio, transformação e reciclagem de matérias plásticas e importação, exportação, representações e comércio de máquinas para a indústria de plásticos (facto não controvertido à luz do artigo 13.º do PPA, do artigo 23.º da resposta da Requerida, e do Relatório de Inspeção Tributária junto ao PPA como documento 4).
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A Requerente está inscrita com o CAE principal “38322 – valorização de resíduos não metálicos” (facto não controvertido à luz do artigo 13.º do PPA, do artigo 23.º da resposta da Requerida, e do Relatório de Inspeção Tributária junto ao PPA como documento 4).
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Por alvará outorgado pelo Ministério da Indústria de 3.1.1996, a Requerente está autorizada a exercer a atividade de reciclagem de plásticos nas suas instalações em ... (facto não controvertido à luz do artigo 17.º do PPA, e do Relatório de Inspeção Tributária junto ao PPA como documento 4).
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A Requerente exerce efetivamente a atividade de reciclar resíduos de plásticos provenientes de produtores e transformadores de materiais plásticos em matéria-prima utilizada por outras indústrias transformadoras (facto não controvertido à luz dos artigos 15.º e 16.º do PPA, e do Relatório de Inspeção Tributária junto ao PPA como documento 4).
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Nos exercícios de 2016, 2017 e 2018, a Requerente deduziu à coleta de IRC o benefício fiscal instituído no âmbito do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (“RFAI”) e previsto no artigo 23.º, n.º 1, al. a), do Código Fiscal do Investimento, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro (“CFI”), nos seguintes montantes:
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€72.849,73, no ano de 2016;
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€178.988,83, no ano de 2017;
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€11.960,19, no ano de 2018
(factos não controvertidos à luz do artigo 32.º do PPA, e do Relatório de Inspeção Tributária junto ao PPA como documento 4).
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Em 2021, a coberto das Ordens de Serviço n.ºs OI2021..., OI2021... e OI2021..., a Requerente foi objeto de ação de inspeção tributária interna de âmbito parcial para controlo de benefícios fiscais, que incidiu sobre o seu IRC dos exercícios de 2016, 2017 e 2018 (cfr. alegado no artigo 33.º do PPA, e como decorre do Relatório de Inspeção Tributária junto ao PPA como documento 4).
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Na sequência desta inspeção tributária, foi a Requerente notificada de Projeto de Relatório de Inspeção Tributária (Ofício n.º ..., de 22.3.2021), tendo exercido o direito de audição previsto no artigo 60.º da LGT oralmente em 7.4.2021 (cfr. alegado no artigo 34.º do PPA, e referido no Relatório de Inspeção Tributária junto ao PPA como documento 4).
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A Requerente foi notificada do Relatório de Inspeção Tributária, de 22.4.2021, junto ao PPA como documento 4, de acordo com o qual a AT concluiu que (i) a Requerente não exerceu, nos anos de 2016, 2017 e 2018, uma atividade correspondente a um CAE elencado no artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro (“Portaria 282/2014”), e (ii) a Requerente não era elegível para efeitos do RFAI previsto no CFI, não podendo, assim, beneficiar da dedução à coleta de IRC prevista no artigo 23.º, n.º 1, al. a), do CFI.
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De acordo com o Relatório de Inspeção Tributária junto ao PPA como documento 4, a AT considerou, como deduções indevidas à coleta, os montantes referidos no ponto (e) supra, com os seguintes fundamentos:
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No mesmo Relatório de Inspeção Tributária, a AT pronunciou-se sobre a caducidade do direito à liquidação relativamente ao IRC do exercício de 2016:
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A AT analisou também, no referido Relatório de Inspeção Tributária, a compatibilidade da interpretação que subscreve com o Direito da União Europeia:
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Na sequência deste Relatório de Inspeção Tributária, foram emitidas as Liquidações Contestadas, que determinaram o pagamento de imposto adicional e juros compensatórios no montante total de €294.615,03:
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€83.715,31 em relação ao exercício de 2016, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 28.6.2021 (cfr. documento 1 junto ao PPA);
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€198.122,97 em relação ao exercício de 2017, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 13.7.2021(cfr. documento 2 junto ao PPA);
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€12.776,75 em relação ao exercício de 2018, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 26.7.2021 (cfr. documento 3 junto ao PPA).
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A liquidação de IRC nº 2021..., referente ao exercício de 2016, foi emitida em 7.5.2021 (cfr. documento 1 junto ao PPA).
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A Requerente procedeu atempadamente ao pagamento integral das Liquidações Contestadas, no valor total de €294.615,03 (cfr. documento 5 junto ao PPA).
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A Requerente apresentou o PPA no dia 31.8.2021.
§2. Factos não provados
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Com relevância para a causa não existem factos que se tenham considerados não provados.
§3. Fundamentação da matéria de facto
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Cabe ao Tribunal Arbitral selecionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, al. a) e e), do RJAT).
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Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima e prudente convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cfr. artigo 16.º, al. e), do RJAT, e artigo 607.º, n.º 4, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT).
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Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o referido princípio da livre apreciação (cfr. artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT).
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Os factos elencados supra foram dados como provados com base nas posições assumidas pelas partes e nos documentos juntos ao PPA, tendo igualmente em conta que não foram alvo de contestação pela Requerida.
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MATÉRIA DE DIREITO
§1. Questões a decidir
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Atendendo aos fundamentos constantes no Relatório de Inspeção Tributária de 22.4.2021, que originou as Liquidações Contestadas, a questão decidenda no caso em apreço é a de saber se, à luz do direito comunitário e do direito nacional vigente, poderá ser recusado à Requerente o benefício fiscal previsto no artigo 23.º, n.º 1, al. a), do CFI (instituído no âmbito do RFAI) nos anos de 2016, 2017 e 2018, por o CAE pelo qual a Requerente se encontra inscrita ou por a atividade efetivamente exercida pela Requerente não corresponderem a um CAE especificamente elencado no artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014.
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Tendo a AT apenas questionado a elegibilidade da atividade da Requerente para efeitos do RFAI, não compete ao Tribunal pronunciar-se sobre a verificação das restantes condições do benefício fiscal previsto no artigo 23.º, n.º 1, al. a), do CFI nos anos de 2016, 2017 e 2018, na medida em que a não verificação de tais condições não fundamentou a recusa do mesmo benefício fiscal à Requerente (cfr. Relatório de Inspeção Tributária junto ao PPA como documento 4).
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Tendo a Requerente suscitado questões prévias suscetíveis de obstar ao conhecimento do mérito da causa, o Tribunal apreciará primeiramente estas questões, e seguidamente os vícios alegados pela Requerente suscetíveis de determinar a anulação das Liquidações Contestadas (cfr. artigo 89.º do CPTA e artigos 278.º, n.º 1, al. e), e 608.º, n.º 1, do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, al. d) e e), do RJAT).
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Tendo em consideração a posição das partes e a matéria de facto dada como assente, as questões a decidir são as seguintes:
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Questões prévias
A) Da admissibilidade da cumulação de pedidos;
B) Da exceção de caducidade do direito à liquidação em relação ao IRC do exercício de 2016;
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Da ilegalidade das Liquidações Contestadas por violação do direito comunitário e do direito nacional;
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Da atividade da Requerente como compreendendo também a “indústria transformadora”;
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Do direito a juros indemnizatórios.
§2. Questões prévias
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Da admissibilidade da cumulação de pedidos
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A Requerente requereu expressamente que o Tribunal se pronuncie sobre a admissibilidade da cumulação de pedidos no caso em apreço, por serem as mesmas as circunstâncias de facto relevantes para todas as Liquidações Contestadas, por estas serem motivadas com fundamento no mesmo Relatório de Inspeção Tributária, por a vexata quaestio ser transversal a todas as Liquidações Contestadas, e por o Tribunal Arbitral ser competente para apreciar a legalidade de todas as Liquidações Contestadas.
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A Requerida não se opôs à cumulação de pedidos.
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Julga-se admitida a cumulação de pedidos, face ao disposto no artigo 3.º, n.º 1, do RJAT, no qual se pode ler que a mesma deverá ser admitida quando “a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”.
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Da exceção de caducidade do direito à liquidação em relação ao IRC do exercício de 2016
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Alega a Requerente que, aquando da emissão da liquidação adicional de IRC relativa ao ano de 2016 (7.5.2021), encontravam-se já ultrapassados os quatro anos de que a AT dispunha para notificar a mesma à Requerente, nos termos do n.º 1 do artigo 45.º da LGT.
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Segundo a Requerente, respeitando a liquidação em causa a IRC (imposto periódico), o prazo referido no ponto anterior conta-se segundo o n.º 4 do artigo 45.º (“a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário”), tendo o prazo de quatro anos iniciado em 31.12.2016 e terminado em 31.12.2020.
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Argumenta a Requerente que, não estando em causa, no caso sub judice, a negação do benefício fiscal previsto no artigo 23.º, n.º 1, al. a), do CFI por incumprimento das condições previstas no artigo 22.º, n.º 4, do CFI, mas a negação do referido benefício fiscal por o CAE da Requerente e a atividade efetivamente exercida pela Requerente não corresponderem às atividades elencadas no artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014, a AT não deveria ter aguardado três anos para emitir a liquidação de IRC relativa ao exercício de 2016, ao invés devendo tê-lo feito até 31.12.2020, de modo a atuar dentro do prazo de caducidade de quatro anos de que dispõe nos termos do n.º 1 do artigo 45.º da LGT.
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Conclui, assim, a Requerente que, quando a AT emitiu a liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 2016, já tinha caducado o seu direito à liquidação em relação ao exercício de 2016, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 45.º da LGT.
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Adversamente, a Requerida sustenta a tempestividade da liquidação de IRC relativamente ao exercício de 2016, com fundamento no disposto na al. c) do n.º 2 do artigo 46.º da LGT, que estabelece a suspensão do prazo de caducidade do direito de liquidação, “em caso de benefícios fiscais de natureza condicionada, desde a apresentação da declaração até ao termo do prazo legal do cumprimento da condição”.
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A Requerida argumenta que, tendo a Requerente declarado no ano de 2016 um investimento numa atividade económica (com o CAE 22292) abrangida pelo artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014, as condições previstas no artigo 22.º, n.º 4, al. c) e f), do CFI só poderiam ser averiguadas pela AT após o decurso dos três anos referidos nestes preceitos.
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Conclui a Requerida que, relativamente ao exercício de 2016, a condição prevista no artigo 22.º, n.º 4, al. f), do CFI (que, no caso de micro, pequenas e médias empresas, exige que o sujeito passivo mantenha os postos de trabalho e o investimento relevantes por um período mínimo de três anos) fez suspender o prazo de caducidade do direito à liquidação, nos termos da al. c) do n.º 2 do artigo 46.º da LGT.
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Temos que assiste razão à Requerida.
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O benefício fiscal do RFAI previsto no artigo 23.º, n.º 1, al. a), do CFI permite ao sujeito passivo deduzir à coleta de IRC parte do investimento relevante, desde que sejam observadas as condições estatuídas no artigo 22.º, n.º 4, do CFI.
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No caso de micro, pequenas e médias empresas, tais condições incluem (a) a manutenção dos bens objeto de investimento na empresa e na região, durante um período mínimo de três anos a contar da data do investimento (cfr. artigo 22.º, n.º 4, al. c), do CFI), e (b) o sujeito passivo efetuar um investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento nos termos da alínea c) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI, ou seja, até ao final do período de três anos a contar da data do investimento (cfr. artigo 22.º, n.º 4, al. f), do CFI).
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Estando em causa um benefício fiscal de natureza condicionada, o prazo de quatro anos previsto no artigo 45.º, n.º 1, da LGT suspende-se desde a apresentação da declaração de imposto até ao termo do prazo legal para cumprimento da condição, nos termos do artigo 46.º, n.º 2, al. c), da LGT.
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No caso em apreço, considerando o prazo legal para cumprimento das condições previstas no artigo 22.º, n.º 4, al. c) e f), do CFI, conclui-se que o prazo de caducidade do direito à liquidação do IRC do exercício de 2016 ficou suspenso desde a data em que a Requerente apresentou a modelo 22 de IRC do exercício de 2016 (24.5.2017) até ao termo do período de três anos a contar da data do investimento.
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Considerando a suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação nos termos referidos no número anterior, é manifesto que, à data em que a Requerente foi notificada da liquidação de IRC do exercício de 2016, e dos correspondentes juros compensatórios (em 2021), não se havia completado o prazo de caducidade de quatro anos previsto no artigo 45.º, n.º 1, da LGT.
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Improcede, assim, a exceção de caducidade do direito à liquidação do IRC do exercício de 2016 invocada pela Requerente, cumprindo ao Tribunal conhecer do mérito to PPA e apreciar a legalidade das Liquidações Contestadas.
§3. Da ilegalidade das Liquidações Contestadas por violação de direito comunitário e do direito nacional
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A Requerente alega que as Liquidações Contestadas são ilegais, suscitando a inconstitucionalidade do artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014 ao excluir o sector “ambiente” do âmbito de aplicação do RFAI.
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Por motivos de clareza, interessa referir as disposições comunitárias e nacionais relevantes no caso em apreço antes de se passar à análise do Relatório de Inspeção Tributária de 22.4.2021 e da posição das partes, e à apreciação da legalidade das Liquidações Contestadas à luz do direito comunitário e do direito nacional vigente.
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Direito comunitário
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A União Europeia dispõe de competência exclusiva para estabelecer as regras de concorrência necessárias ao funcionamento do mercado interno, conforme o artigo 3.º, n.º 1, al. b), do Tratado de Funcionamento da União Europeia (“TFUE”).
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O artigo 107.º, n.º 1, do TFUE proíbe os Estados-Membros de concederem auxílios estatais (incluindo benefícios fiscais) que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções.
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Esta proibição funda-se na necessidade de garantir o bom funcionamento do mercado interno e de prevenir distorções no mesmo por comportamentos anti-concorrenciais dos Estados-Membros, que, em virtude das suas políticas públicas (nomeadamente, da sua política fiscal), podem favorecer determinadas empresas ou produções em detrimento de outras.
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Os Estado-Membros podem pedir ao Conselho que considere um auxílio de Estado específico como compatível com o mercado interno, em derrogação do artigo 107.º, n.º 1, do TFUE (cfr. artigo 108.º, n.º 2, do TFUE), encontrando-se obrigados a notificar a Comissão dos projetos relativos à instituição ou alteração de quaisquer auxílios estatais antes de executar os mesmos, nos termos do artigo 108.º, n.º 3, do TFUE.
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Nos termos do artigo 108.º, n.º 4, do TFUE, a Comissão pode adotar regulamentos relativos às categorias de auxílios estatais que ficam dispensadas da notificação referida no artigo 108.º, n.º 3, do TFUE.
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Foi ao abrigo do artigo 108.º, n.º 4, do TFUE que, no Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.º e 108.º do Tratado (“RGIC”), a Comissão definiu as categorias de auxílios estatais que os Estados-Membros podem instituir (e as condições que os mesmos auxílios têm de satisfazer) sem ser necessária a notificação referida no artigo 108.º, n.º 3, do TFUE (cfr. artigo 3.º do RGIC).
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Tal como referido pela Requerente, sendo o RGIC um regulamento, o mesmo tem aplicabilidade direta em todos os Estados-Membros (sem necessidade de transposição pelo direito nacional) e é obrigatório em todos os seus elementos (cfr. artigo 288.º do TFUE).
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Todavia, ao contrário do que parece entender a Requerente, o RGIC não impõe aos Estados-Membros que instituam auxílios estatais ou que o façam em relação a todas as categorias abrangidas pelo RGIC, mas tão só que observem certas condições caso o façam.
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Por outras palavras: os auxílios estatais concedidos pelos Estados-Membros em conformidade com as condições estabelecidas no RGIC são considerados como compatíveis com o mercado interno (e isentos da notificação imposta pelo artigo 108.º, n.º 3, do TFUE), mas este regulamento não impõe que os Estados-Membros concedam quaisquer auxílios estatais nas categorias por ele abrangidas, ou que o façam em toda a extensão por ele permitida.
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Se à União Europeia cabe a competência exclusiva para estabelecer as regras de concorrência necessárias ao funcionamento do mercado interno (cfr. artigo 3.º, n.º 1, al. b), do TFUE), para autorizar auxílios estatais específicos a pedido dos Estados-Membros (cfr. artigo 108.º, n.º 2, do TFUE) e para definir as categorias de auxílios estatais que os Estados-Membros podem instituir sem notificar a Comissão (cfr. artigo 108.º, n.ºs 3 e 4, do TFUE), é aos Estados-Membros que cabe instituir os auxílios estatais (à luz das respetivas políticas económicas estratégicas), e regular os mesmos observando os limites decorrentes do direito comunitário.
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Conclui-se, assim, que, ao contrário do que a Requerente parece entender, o RGIC não impõe que os Estados-Membros adotem benefícios fiscais em toda a extensão por ele permitida, nem cria ele próprio quaisquer benefícios fiscais a favor do sector “ambiente”, ou de qualquer outro sector económico.
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O artigo 47.º do RGIC, que a Requerente refere no PPA e que se inclui na secção intitulada “Auxílios à proteção do ambiente”, apenas e tão só estabelece as condições específicas que os auxílios estatais relativos ao investimento a favor da reciclagem e reutilização de resíduos têm de satisfazer para serem considerados compatíveis com o mercado interno e para beneficiarem da isenção da obrigação de notificação imposta pelo artigo 108.º, n.º 3, do TFUE, como aliás resulta expressamente do seu texto:
Artigo 47.º do RGIC
Auxílios ao investimento a favor da reciclagem e reutilização de resíduos
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Os auxílios ao investimento a favor da reciclagem e reutilização de resíduos devem ser compatíveis com o mercado interno, na aceção do artigo 107.o, n.o 3, do Tratado, e devem ser isentos da obrigação de notificação imposta pelo artigo 108.o, n.o 3, do Tratado, desde que preencham as condições estabelecidas no presente artigo e no capítulo I.
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Os auxílios ao investimento devem ser concedidos para a reciclagem e reutilização de resíduos produzidos por outras empresas.
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Os materiais reciclados ou reutilizados tratados seriam, de outro modo, eliminados ou tratados de maneira menos respeitadora do ambiente. Os auxílios às operações de valorização de resíduos que não a reciclagem não devem objeto de uma isenção por categoria ao abrigo do presente artigo.
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Os auxílios não devem dispensar indiretamente os poluidores dos encargos que deveriam suportar por força do direito da União, nem de outros encargos que devam ser considerados como custos normais da empresa.
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Os investimentos não se devem limitar a aumentar a procura de materiais a reciclar sem aumentar a sua recolha.
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Os investimentos devem ir além do «estado da técnica».
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Os custos elegíveis devem ser os sobrecustos de investimento necessários para realizar um investimento conducente a atividades de reciclagem ou reutilização melhores ou mais eficientes comparativamente a um processo convencional de atividades de reutilização e reciclagem, com a mesma capacidade que seria construída na ausência do auxílio.
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A intensidade de auxílio não deve exceder 35 % dos custos elegíveis. A intensidade de auxílio pode ser aumentada em 20 pontos percentuais para os auxílios concedidos a pequenas empresas e em 10 pontos percentuais para os auxílios concedidos a médias empresas.
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A intensidade de auxílio pode ser aumentada em 15 pontos percentuais para investimentos situados em zonas assistidas que preencham as condições do artigo 107.o, n.o 3, alínea a), do Tratado e em 5 pontos percentuais para investimentos situados em zonas assistidas que preencham as condições do artigo 107.o, n.o 3, alínea c), do Tratado.
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Os auxílios ao investimento relacionados com a reciclagem e reutilização dos resíduos do próprio beneficiário não devem ser isentos da obrigação de notificação ao abrigo do presente artigo.
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No artigo 2.º, parágrafo 128), do RGIC, “reciclagem” é definida como “qualquer operação de valorização através da qual os materiais constituintes dos resíduos são reprocessados em produtos, materiais ou substâncias para o seu fim original ou para outros fins. Inclui o reprocessamento de materiais orgânicos, mas não inclui a valorização energética nem o reprocessamento em materiais que serão utilizados como combustível ou em operações de enchimento”.
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No preâmbulo do RGIC, parágrafo (66) pode ler-se que os auxílios estatais para as atividades de reutilização e reciclagem de resíduos podem contribuir para a proteção do ambiente e, por conseguinte, devem ser abrangidos pela isenção por categoria sempre que os materiais tratados fossem eliminados ou tratados de uma maneira menos respeitosa do ambiente.
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Destas disposições do RGIC não resulta que o RGIC tenha instituído um benefício fiscal a favor da reciclagem e reutilização de resíduos, mas apenas que os Estados-Membros estão autorizados a fazê-lo sem necessidade de notificar a Comissão nos termos do artigo 108.º, n.º 3, do TFUE.
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Tal como referido infra, o legislador português optou por instituir benefícios fiscais para investimentos no sector “ambiente”, conforme resulta dos artigos 2.º, n.ºs 1 e 2, al. g), e 22.º, n.º 1, do CFI, não disputando as partes a conformidade destas disposições com o RGIC ou com as condições nele estabelecidas.
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Atendendo à atividade de reciclagem de resíduos da Requerente, ao conteúdo do Relatório de Inspeção Tributária e à posição das partes no âmbito deste processo arbitral, não são relevantes para a apreciação do mérito da causa as orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020 (“OAR”).
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Direito nacional
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O benefício fiscal relevante no caso em apreço encontra-se previsto no artigo 23.º, n.º 1, al. a), do CFI como um benefício fiscal associado ao RFAI (regulado nos artigos 22.º a 26.º do CFI), cuja conformidade com o TFUE, o RGIC e as OAR não é contestada pelas partes.
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A questão controvertida no caso sub judice é a de saber se investimentos no sector “ambiente” (a) beneficiam do disposto no artigo 23.º, n.º 1, al. a), do CFI, nos termos do artigo 22.º, n.º 1, do CFI, que por sua vez remete para o artigo 2.º, n.ºs 2 e 3, do CFI, ou (b) se encontram excluídos do âmbito de aplicação do artigo 23.º, n.º 1, al. a), do CFI, por força do artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014.
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Neste contexto, interessa atentar às referidas disposições e ao contexto das mesmas.
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O Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de Outubro (“Decreto-Lei n.º 162/2014”), revogou o Código Fiscal ao Investimento aprovado pelo Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23 de setembro (cfr. artigo 7.º, al. c)) e aprovou o CFI (cfr. artigo 2.º), procedendo à revisão dos regimes de benefícios fiscais ao investimento produtivo, tendo em vista a promoção da competitividade da economia portuguesa e a manutenção de um contexto fiscal favorável ao investimento, à criação de emprego e ao reforço dos capitais próprios das empresas (cfr. artigo 1.º).
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No preâmbulo do Decreto-Lei n.º 162/2014 pode ler-se que o “Governo considerou premente a revisão do Código Fiscal do Investimento de modo a, por um lado, adaptá-lo ao novo quadro legislativo europeu aplicável aos auxílios estatais para o período 2014-2020”.
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Também conforme referido no respetivo preâmbulo, trata-se de Decreto-Lei autorizado, aprovado pelo Conselho de Ministros no “uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 44/2014, de 11 de julho.”
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A Lei n.º 44/2014, de 11 de julho (“Lei n.º 44/2014”), autorizou o Governo a aprovar um novo Código Fiscal do Investimento e a adaptar os regimes dos benefícios fiscais ao investimento e à capitalização das empresas às novas regras europeias aplicáveis em matéria de auxílios de Estado para o período 2014-2020, tendo em vista a promoção da competitividade da economia portuguesa e a manutenção de um contexto fiscal favorável ao investimento, à criação de emprego e ao reforço dos capitais próprios das empresas (cfr. artigo 1.º).
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Na parte relevante para o CFI e para o RFAI, a Lei n.º 44/2014 determina o sentido e a extensão desta autorização nos seguintes termos:
Artigo 2.º
Sentido e extensão
1 - A autorização referida no artigo anterior é concedida ao Governo para:
a) Aprovar um novo Código Fiscal do Investimento, revogando o Código Fiscal do Investimento aprovado pelo Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23 de setembro, e alterado pela Lei n.º 20/2012, de 14 de maio, pelo Decreto-Lei n.º 82/2013, de 17 de junho, e pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro; (...)
c) Aprovar, no âmbito do novo Código Fiscal do Investimento, um novo Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI); (...)
2 - A autorização prevista nas alíneas a) e b) do número anterior tem como sentido e extensão:
a) Adaptar o regime às disposições europeias em matéria de auxílios de Estado para o período 2014-2020, nomeadamente:
i) Às disposições constantes do Regulamento geral de isenção por categoria, que define as condições sob as quais certas categorias de auxílios podem ser consideradas compatíveis com o mercado interno;
ii) Às regras previstas no mapa nacional dos auxílios estatais com finalidade regional;
b) Estabelecer que o regime seja aplicável aos benefícios contratuais ao investimento a conceder até 31 de dezembro de 2020;
c) Definir as regiões e atividades económicas suscetíveis da concessão de benefício ao abrigo deste regime, em conformidade com as regras europeias e o mapa nacional dos auxílios estatais com finalidade regional;
d) Definir os limites e os critérios de determinação do benefício fiscal globalmente atribuído, designadamente:
i) Atender a índices per capita de poder de compra no que diz respeito à localização do projeto de investimento;
ii) Definir escalões de atribuição de benefício em função do número de postos de trabalho criados ou mantidos no âmbito do projeto de investimento;
iii) Atender ao contributo do projeto de investimento para o desenvolvimento estratégico, a inovação tecnológica e investigação científica, a proteção do ambiente, o reforço da competitividade e o aumento da eficiência produtiva;
e) Rever o âmbito e o sentido das aplicações relevantes, identificando os ativos fixos tangíveis que, apesar de afetos à realização do projeto de investimento, estão excluídos do âmbito de aplicação do benefício, bem como os ativos intangíveis abrangidos pelo regime;
f) Rever e simplificar os procedimentos de candidatura e de apreciação dos processos contratuais de concessão dos benefícios;
g) Rever as condições de contratualização, fiscalização e acompanhamento do projeto elegível; (...)
3 - A autorização prevista na alínea c) do n.º 1 tem como sentido e extensão:
a) Adaptar o regime às disposições europeias em matéria de auxílios de Estado para o período 2014-2020, nomeadamente:
i) Às disposições constantes do Regulamento geral de isenção por categoria, que define as condições sob as quais certas categorias de auxílios podem ser consideradas compatíveis com o mercado interno;
ii) Às regras previstas no mapa nacional dos auxílios estatais com finalidade regional;
b) Prorrogar a vigência do regime até 31 de dezembro de 2020;
c) Definir o âmbito regional e setorial de aplicação do benefício em conformidade com as regras europeias e o mapa nacional dos auxílios estatais com finalidade regional;
d) Definir os limites dos benefícios fiscais a conceder, nomeadamente em função das regiões elegíveis ao abrigo da legislação europeia aplicável, e, no caso de empresas recém-constituídas, permitir uma dedução à coleta até à concorrência da mesma relativamente às aplicações relevantes efetuadas no período de tributação do início de atividade e nos dois períodos de tributação seguintes;
e) Prever que a parte da dedução à coleta que não possa ser deduzida por insuficiência de coleta possa ser deduzida até 10 períodos de tributação posteriores;
f) Reforçar os mecanismos de fiscalização e controlo deste regime de benefícios. (...)”.
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Deste artigo resulta que a Assembleia da República autorizou o Governo a legislar benefícios fiscais ao investimento e a definir o âmbito sectorial de aplicação dos benefícios fiscais associados ao RFAI, com observância das regras comunitárias em matéria de auxílios estatais, nomeadamente, das regras contidas no RGIC.
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O artigo 22.º, n.º 1, do CFI determina o âmbito de aplicação do RFAI, mas especificamente a que atividades económicas se aplicam os benefícios fiscais associados ao RFAI (incluindo o benefício fiscal previsto no artigo 23.º, n.º 1, al. a), do CFI):
Artigo 22.º do CFI
Âmbito de aplicação e definições
1 – O RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos setores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC.
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Nos n.ºs 2 e 3 do artigo 2.º do CFI, pode ler-se:
Artigo 2.º do CFI
Âmbito objetivo
2 – Os projetos de investimento referidos no número anterior devem ter o seu objeto compreendido, nomeadamente, nas seguintes atividades económicas, respeitando o âmbito sectorial de aplicação das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 209, de 23 de julho de 2013 (OAR) e do RGIC:
a) Indústria extrativa e indústria transformadora;
b) Turismo, incluindo as atividades com interesse para o turismo;
c) Atividades e serviços informáticos e conexos;
d) Atividades agrícolas, aquícolas, piscícolas, agropecuárias e florestais;
e) Atividades de investigação e desenvolvimento e de alta intensidade tecnológica;
f) Tecnologias da informação e produção de audiovisual e multimédia;
g) Defesa, ambiente, energia e telecomunicações;
h) Atividades de centros de serviços partilhados.
3 – Por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da economia são definidos os códigos de atividade económica (CAE) correspondentes às atividades referidas no número anterior.
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Da leitura conjugada dos artigos 22.º, n.º 1, e 2.º, n.º 2, al. g), do CFI resulta que o sector “ambiente” constitui um dos âmbitos sectoriais de aplicação dos benefícios fiscais associados ao RFAI, incluindo o benefício fiscal em apreço no caso sub judice (previsto no artigo 23.º, n.º 1, al. a), do CFI).
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No artigo 2.º da Portaria 282/2014, aprovado para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 2.º do CFI, pode ler-se:
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Da leitura deste artigo e do n.º 2 do artigo 2.º do CFI resulta claro que as atividades económicas incluídas no sector “ambiente” foram incluídas no n.º 2 do artigo 2.º do CFI (norma contida em ato legislativo) e excluídas do artigo 2.º da Portaria 282/2014 (norma regulamentar).
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Feito o enquadramento das disposições relevantes para o caso sub judice, interessa referir o entendimento da AT expresso no Relatório de Inspeção Tributária, que fundamentou a emissão das Liquidações Contestadas, bem como a posição das partes no âmbito do presente processo arbitral.
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Relatório de Inspeção Tributária
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A AT entende que a atividade de reciclagem de resíduos plásticos em matéria-prima para utilização em indústrias transformadoras exercida pela Requerente nos anos de 2016, 2017 e 2018 encontra-se excluída do âmbito de aplicação do RFAI por força do preceituado nos artigos 22.º, n.º 1, 2.º, n.ºs 2 e 3, do CFI e no artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014.
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Segundo a AT, o CFI contém normas de incidência fiscal que concretizam as orientações relativas aos auxílios de Estado contantes nas OAR e no RGIC, definindo as atividades económicas que poderão beneficiar destes auxílios no artigo 2.º, n.º 2, que, por sua vez, foi concretizado no artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014 (para o qual o n.º 3 do artigo 2.º do CFI remete).
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Não tendo a referência a “ambiente” constante da al. g) do n.º 2 do artigo 2.º do CFI correspondência aos CAE identificados no artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014, e sendo o RFAI apenas aplicável aos sujeitos passivos que exerçam uma atividade compreendida nos CAE especificamente enumerados neste artigo, não pode a Requerente beneficiar do RFAI.
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A conclusão de que a Requerente não exerceu, nos anos de 2016, 2017 e 2018, uma atividade compreendida nos CAE especificamente enumerados no artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014 é baseada no CAE pelo qual a Requerente se encontrava inscrita (38322 – “valorização de resíduos não metálicos”) bem como na atividade efetivamente exercida pela Requerente (apurada com base na informação constante do sitio de Internet da Requerente, das diversas IES submetidas pela Requerente, do sitio da internet da Agência Portuguesa do Ambiente, e da informação prestada diretamente pela Requerente à AT).
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Posição das partes no âmbito do presente processo arbitral
Posição da Requerente
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A Requerente defende que é elegível para beneficiar do RFAI nos anos de 2016, 2017 e 2018 por, nesses anos, ter desenvolvido projetos de investimento produtivo compreendidos no sector “ambiente”, e por este ser um dos sectores económicos elegíveis para efeitos do RFAI nos termos do artigo 22.º, n.º 1, do CFI (que remete para o artigo 2.º, n.ºs 2 e 3, do CFI, e para a Portaria n.º 282/2014), não obstante o sector “ambiente” não ser contemplado em nenhum dos CAE especificamente elencados no artigo 2.º desta Portaria, ao qual a Requerente imputa vícios de inconstitucionalidade de diversa ordem.
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A Requerente observa que o RFAI constitui um “auxílio de estado com finalidade regional” (artigo 1.º, n.º 2, do CFI) e está autorizado no território da União Europeia na medida em que se conforme com a legislação europeia, nomeadamente, com os artigos 107.º a 109.º do TFEU, o RGIC e as OAR.
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Segundo a Requerente, tratando-se o RGIC de um regulamento, o mesmo é diretamente aplicável em todo o espaço europeu, sem necessidade de transposição para a ordem jurídica interna (ao contrário, por exemplo, das Diretivas), devendo as suas regras ser observadas pelos destinatários assim que entrem em vigor e nos termos nelas dispostos, independentemente das opções legislativas nacionais ou das orientações genéricas das autoridades fiscais de cada Estado-membro nestas matérias.
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Atendendo ao primado do direito comunitário sobre o direito nacional (artigo 8.º da CRP), e à força obrigatória geral e direta do RGIC (enquanto regulamento comunitário), argumenta a Requerente que:
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não pode o CFI e a Portaria n.º 282/2014 impor requisitos mais exigentes do que as normas europeias sob pretexto de as complementar ou regulamentar, sob pena de ofensa ao princípio da legalidade e dos princípios enformadores dos benefícios fiscais, nomeadamente o princípio da igualdade e da proteção da concorrência;
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deve o Estado Português abster-se de interferir na esfera exclusiva de competência dos órgãos relevantes da União Europeia, aí se incluindo as normas que disciplinam os auxílios de Estado, instituindo ou não os auxílios estatais e produzindo legislação que observe com todo o rigor os parâmetros comunitários relevantes;
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encontrando-se os auxílios à proteção ambiente abrangidos pelo RGIC (cfr. respetivos artigos 36.º e seguintes), não pode a Portaria n.º 282/2014 excluir da elegibilidade para o RFAI empresas que desempenhem atividades inseridas no sector “ambiente” (como é o caso da Requerente);
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vedar a aplicação do RFAI a estas atividades, quando é manifesto que as mesmas devem ser previstas nos instrumentos nacionais que estabeleçam auxílios regionais, além de afrontar diretamente o RGIC, consuma uma injustificada discriminação face a outros sectores (os constantes da Portaria n.º 282/2014) que são protegidos, o que, para além de constituir uma inconstitucionalidade formal (por violação da hierarquia da normas), ofende o princípio europeu da neutralidade dos auxílios de Estado bem como os referidos princípios fiscais da igualdade e da não distorção da concorrência;
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deve o regime do RFAI e a Portaria n.º 282/2014 conformar-se às disposições europeias do RGIC e ser interpretados à luz do mesmo, atendendo ao princípio da interpretação conforme;
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o artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014, ao não ter contemplado o sector “ambiente”, é inconstitucional por violação do primado do direito comunitário (artigo 8.º da CRP).
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A Requerente arguiu expressamente a inconstitucionalidade do artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014, ao não ter contemplado o sector “ambiente”, por este artigo derrogar o artigo 2.º, n.º 2, do CFI, em violação dos princípios da legalidade fiscal e da reserva de lei relativa (artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, al. i), da CRP) bem como dos artigos 199.º, n.º 1, al. c), e 112.º, n.º 5, da CRP.
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Conclui a Requerente que devem ser anuladas as Liquidações Contestadas, por violação de disposições nacionais e europeias, nomeadamente, o TFEU, o RGIC, as OAR, os artigos 2.º e 22º do CIF e os artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 282/2014, bem como os artigos da CRP supra referidos.
Posição da Requerida
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No presente processo, a Requerida companha a posição adotada no Relatório de Inspeção Tributária, defendendo que, não estando o CAE ou a atividade da Requerente elencados no artigo 2.º da Portaria 282/2014, não pode a Requerente usufruir do RFAI.
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A Requerida alega que o RFAI e o benefício fiscal em apreço apenas são aplicáveis aos sujeitos passivos que exercem uma atividade compreendida nos códigos de atividade especificamente enumerados no artigo 2.º da Portaria n.º 282/2004 de 30 de dezembro (com as exclusões previstas na parte final do artigo 1.º dessa mesma Portaria).
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Segundo a Requerida, encontrando-se a Requerente inscrita para o exercício da atividade com o CAE 38322 – “valorização de resíduos não metálicos” e exercendo a Requerente efetivamente a atividade para a qual se encontra inscrita, e não sendo tal atividade económica uma das que permitem aos sujeitos passivos beneficiar do incentivo fiscal do RFAI (por não corresponder a uma atividade cujo CAE se encontra especificamente elencado na Portaria n.º 282/2004), conclui-se que a Requerente não é elegível para beneficiar dos benefícios fiscais associados ao RFAI.
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Relativamente à questão suscitada pela Requerente relativa à interpretação do direito nacional à luz do direito comunitário, a Requerida defende que, não obstante o CFI, o RFAI e a Portaria n.º 282/2014 deverem ser entendidos como instrumentos de execução, efetivação e aplicação dos princípios e regras contidos nos artigos 107.º a 109.º do TFUE, no RGIC e nas OAR, a verdade é que, no que concerne à delimitação do âmbito de aplicação do RFAI, o legislador nacional goza de uma ampla margem de liberdade (desde que observadas as exclusões contidas no RGIC e nas OAR).
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Entende a Requerida que o RGIC e as OAR não impõem aos Estados-Membros a concessão de auxílios de Estado de natureza fiscal, e que, se no âmbito das respetivas políticas fiscais, for essa decisão tomada, também não lhes é exigido que os benefícios fiscais sejam dirigidos a todos os sectores de atividade não expressamente excluídos do âmbito de aplicação do RGIC e das OAR, desde logo porque as estratégias de desenvolvimento são delineadas pelos governos nacionais.
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Assim, conclui a Requerida, a exclusão do âmbito de aplicação do RFAI de determinados sectores de atividade não pode ser entendida como constituindo uma imposição de requisitos mais exigentes do que os previstos nas normas europeias, mas apenas como (i) abrangida pela margem de discricionariedade reconhecida ao legislador nacional, e associada à “liberdade de conformação legislativa”, e (ii) assente num legítimo critério de diferenciação racional e lógico, em nada violador do princípio constitucional da igualdade.
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Para a Requerida, estender o RFAI a atividades que o legislador nacional manifestamente não quis abranger redundaria no recurso à analogia (proibido pelo artigo 10.º do EBF), e representaria uma interpretação abrogante travestida de impulso legiferante, em violação do princípio da separação de poderes.
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Sintetizadas as posições das partes, importa apreciar a legalidade das Liquidações Contestadas.
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Da ilegalidade das Liquidações Contestadas por violação do direito comunitário
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A Requerente alega que as Liquidações Contestadas são ilegais porque fundadas no artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014, que a Requerente entende ser inconstitucional por não ter contemplado o sector “ambiente” em violação do RGIC e, consequentemente, do princípio da primazia do direito da União Europeia ínsito no artigo 8.º da CRP.
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Neste artigo da nossa Constituição pode ler-se o seguinte:
Artigo 8.º da CRP
(Direito internacional)
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As normas e os princípios de direito internacional geral ou comum fazem parte integrante do direito português.
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As normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português.
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As normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal seja parte vigoram directamente na ordem interna, desde que tal se encontre estabelecido nos respectivos tratados constitutivos.
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As disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático.
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A jurisprudência do TJUE há muito que reconhece, enquanto princípios estruturantes do ordenamento jurídico comunitário, o princípio do efeito direto do Direito da União Europeia (Acórdão Van Gend em Loos, de 5 de fevereiro de 1963, processo n.º 26/62) e o princípio do primado do Direito da União Europeia sobre o Direito dos Estados-Membros (Acórdão Costa c. ENEL, de 15 de julho de 1964, no processo n.º 6/64).
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Relativamente à alegada inconstitucionalidade do artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014 por violação do direito comunitário, cumpre salientar, em primeiro lugar, que, ao contrário do que alega a Requerente, uma eventual incompatibilidade do artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014 com o RGIC (regulamento comunitário) não consubstanciaria uma inconstitucionalidade por violação do princípio do primado do Direito da União Europeia sobre normas de direito nacional (contido no artigo 8.º, n.º 4, da CRP), visto que (i) a inconstitucionalidade de uma norma de direito interno resulta de uma violação direta e imediata de norma ou princípio constitucional, e que (ii) não ocorre o vício de inconstitucionalidade quando a violação da norma ou princípio constitucional se coloca por via de uma prévia violação de uma norma ou princípio de direito comunitário.
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A este respeito, cumpre notar que o nosso Tribunal Constitucional tem produzido uma jurisprudência constante, de que são exemplos os Acórdãos proferidos nos processos n.ºs 326/98, de 5.5.1998, e 268/2022, de 19.4.2022, no sentido de que as normas de direito comunitário não constituem ou servem de parâmetro de inconstitucionalidade de normas de direito ordinário.
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Não se tratando de uma questão de inconstitucionalidade, interessa notar, em segundo lugar, a que nível relevaria uma eventual incompatibilidade do artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014 com o RGIC (regulamento comunitário) e quais os mecanismos de que os tribunais ordinários e arbitrais dispõem para dar cumprimento ao princípio do primado do Direito da União Europeia sobre normas de direito nacional (contido no artigo 8.º, n.º 4, da CRP).
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No Acórdão n.º 268/2022, de 19.4.2022, o Tribunal Constitucional salientou que, em caso de antinomia entre normas nacionais e europeias simultaneamente aplicáveis a dado caso concreto, está em causa uma preferência aplicativa do direito comunitário solucionada ao nível da eficácia (e não uma causa de invalidade ou inexistência do direito nacional), sendo a solução a desaplicação, no caso concreto, das regras nacionais que contradigam normas europeias simultaneamente mobilizáveis:
“Os tribunais ordinários, perante normas nacionais e europeias simultaneamente mobilizáveis que se revelem incompatíveis, fazem atuar o princípio do primado do direito da União Europeia, desaplicando a norma nacional no caso concreto (salvo se tal puser em causa os princípios fundamentais do Estado de Direito Democrático, nos termos do n.º 4 do artigo 8.º da Constituição). É neste sentido que se diz que o destinatário do princípio do primado é o juiz nacional, porquanto é a ele que cabe a desaplicação da norma nacional em favor da regra europeia. Sendo certo que a desaplicação da norma nacional como efeito do princípio do primado é proclamada pelo Tribunal de Justiça desde os arestos que desvelaram aquele cânone (cfr. Acórdão de 15.07.1964, Costa c. ENEL, proc. 6/64; Acórdão do TJ de 9.3.1978, Simmenthal, proc. 106/77, n.º 17) e se mantém em jurisprudência constante (Acórdão de 5.10.2010, Elchinov, proc. C-173/09, n.º 31: «o juiz nacional encarregado de aplicar, no âmbito da sua competência, as disposições do direito da União tem a obrigação de garantir a plena eficácia dessas disposições, não aplicando, se necessário e pela sua própria autoridade, qualquer disposição contrária da legislação nacional»; Acórdão de 19.11.2009, Krzysztof Filipiak, proc. C-314-08, n.º 83 – «o Tribunal de Justiça já declarou que a incompatibilidade com o direito comunitário de uma norma de direito nacional posterior não acarreta a inexistência dessa norma. Face a tal situação, o órgão jurisdicional nacional é obrigado a não aplicar essa norma», gerando um «efeito de exclusão exercido por uma norma de direito da União diretamente aplicável em face do direito nacional a ela contrário» — Acórdão de 8.09.2010, Winner Wetten GmbH, proc. C-409/06, n.º 67).
No fundo, tendo o direito europeu chamado a si o problema do seu relacionamento com as ordens jurídicas nacionais — o que a Constituição recebe no n.º 4 do artigo 8.º — o princípio do primado do direito da União Europeia atua no domínio por si próprio delimitado: a incompatibilidade de normas europeias e nacionais simultaneamente mobilizáveis ao caso concreto. Pelo que a competência para desaplicar, nos casos concertos, normas nacionais contrárias a regras europeias pertence aos tribunais ordinários, estabelecendo-se uma relação direta entre aqueles e o Tribunal de Justiça em sede de reenvio prejudicial.
Em consequência, a eventual contrariedade das normas ora em crise com regras de direito da União Europeia que possam ser invocáveis no plano interno terá como resposta do sistema judicial nacional a desaplicação das normas internas — sem que estas sejam expurgadas do ordenamento jurídico ou que se gere, por esse efeito, a sua invalidade. (...)
É por estas razões que o Tribunal Constitucional desde cedo excluiu a possibilidade de incluir as normas de direito europeu nos parâmetros de inconstitucionalidade. Esclareceu-se não só que «é de rejeitar a “qualificação da incompatibilidade do direito interno com o direito comunitário como uma situação de ‘inconstitucionalidade’ que ao Tribunal Constitucional caiba apreciar”» (Acórdão n.ºs 621/98) como que «a ordem jurídica comunitária, globalmente recebida pelo direito português, por via de uma cláusula do próprio texto constitucional – nº 2 do artigo 8.º – compreende uma instância jurisdicional precipuamente vocacionada para a tutela de direito comunitário, que não funciona apenas no plano das relações interestaduais ou intergovernamentais, concentrando nessa instância a competência para velar pela aplicação uniforme e pela prevalência das respectivas normas, o que tornaria incongruente que, para o mesmo efeito, se fizesse intervir, no plano interno, uma outra instância do mesmo ou semelhante tipo, como seria o Tribunal Constitucional» (Acórdão n.º 93/2001).
Percebe-se que assim seja. Tal solução é a única que assegura a uniformidade de aplicação da ordem jurídica europeia e que conduz à harmonização da competência do Tribunal Constitucional com a do Tribunal de Justiça, salvaguardando a autonomia do direito da União Europeia e a primazia na aplicação ao caso concreto (com eventual intervenção do TJUE em sede de reenvio prejudicial) sem que se impute a tal circunstância uma transgressão da Constituição. Na verdade, não só a própria natureza do princípio do primado se dirige a dirimir conflitos aplicativos ao nível da eficácia — como o Tribunal de Justiça repetidamente tem afirmado — como a recondução de uma contrariedade a normas europeias a uma questão de constitucionalidade poria em causa a uniformidade de aplicação do direito europeu, já que a desaplicação das normas nacionais contrárias a regras europeias ficaria dependente do sistema de controlo de constitucionalidade vigente nesse Estado-Membro.
Deste modo, a incompatibilidade de certa norma nacional com o direito da União Europeia não implica, de forma automática, um juízo de inconstitucionalidade; provoca, ao invés, uma afetação da sua eficácia no plano interno, na medida em que contradiga regras europeias simultaneamente mobilizáveis. E, nos termos como o direito da União Europeia o define, este efeito dá-se independentemente da fonte das normas conflituantes: quer a norma europeia conste de direito originário (como a CDFUE, nos termos do artigo 6.º do TUE) ou derivado (como uma diretiva ou um Regulamento); quer a norma nacional conste de ato regulamentar, de ato legislativo ou mesmo da Constituição.
Pelo que a demonstração da contradição das normas em crise com o direito da União Europeia não permite inferir uma conclusão pela respetiva inconstitucionalidade. O juízo de inconstitucionalidade — e, assim, da invalidade da norma nacional — depende da desconformidade das normas fiscalizadas com o seu parâmetro hierarquicamente superior — maxime, a Constituição.”
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Também o Professor Doutor Gomes Canotilho entende que, em caso de conflito entre normas de Direito da União Europeia e normas de direito nacional, cabe aos tribunais ordinários desaplicar o direito nacional que contrarie as regras de direito comunitário.[1]
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Quanto aos mecanismos de que os tribunais ordinários e arbitrais dispõem para dar cumprimento ao princípio do primado do Direito da União Europeia sobre normas de direito nacional, interessa atentar, em terceiro lugar, à relevância, no caso sub judice, do princípio da interpretação conforme referido pela Requerente e há muito reconhecido tanto pelo TJEU (e.g., Acórdãos nos processos n.ºs C-106/89, Marleasing SA, de 13.11.199, e C-212/04, Adeneler, de 4.7.2006), como pelo nosso Supremo Tribunal Administrativo (e.g., Acórdão de 30.10.2014, processo n.º 092/14).
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Ainda relativamente ao princípio da interpretação conforme, pode ler-se no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 268/2022, de 19.4.2022:
“O princípio da interpretação conforme — nascido na década de 70 do século XX a propósito da obrigação de os tribunais nacionais alcançarem, através da interpretação do direito nacional, o efeito útil de diretivas insuscetíveis de produzir efeito direto (cfr., entre muitos outros, Acórdãos do TJUE Mazzalai, de 20.05.1976, proc. 111/75, e Von Colson, de 10.04.1984, proc. 14/83; Marleasing, de 13.11.1990, proc. 106/89) — foi sendo reconduzido a um cânone geral de interpretação do direito nacional (de todo o direito nacional) de modo a atingir a plena eficácia do direito da União Europeia. Determina tal princípio que os tribunais nacionais, ao aplicar o direito interno, são obrigados a interpretá-lo, na medida do possível, à luz do direito europeu: «Esta obrigação de interpretação conforme do direito nacional é inerente ao sistema do Tratado FUE, na medida em que permite aos órgãos jurisdicionais nacionais assegurar, no âmbito das suas competências, a plena eficácia do direito da União quando decidem dos litígios que lhes são submetidos» (Acórdão do TJUE de 24.01.2012, Maribel Dominguez, proc. C-282/10).
Assim, os tribunais dos Estados-Membros, na fixação do sentido das normas de direito nacional, estão vinculados ao efeito útil do direito europeu e devem, dentro da margem permitida pelas regras interpretativas internas, escolher a exegese que melhor se acomode às normas europeias. (...) Trata-se, pois, de uma garantia de eficácia do direito europeu plenamente recebida pelo disposto no n.º 4 do artigo 8.º da Constituição.”
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A Declaração de Voto dos Conselheiros José António Teles Pereira et al, em anexo ao mesmo Acórdão, contém observações quanto ao princípio da interpretação conforme que são também relevantes para o caso sub judice:
“(...) pode afirmar-se que a interpretação conforme com o Direito Europeu constitui um poder-dever do juiz ordinário. Sinteticamente, a interpretação conforme é uma prática conciliatória que impõe ao juiz nacional a resolução, in casu, de uma contradição entre normas internas e normas de Direito Europeu pela via hermenêutica. O que encontra justificação na primazia do Direito Europeu, nos seguintes termos: se não for possível tornar operativa a interpretação conforme de uma norma interna – porque nenhum dos seus sentidos possíveis está conforme com o DUE –, essa norma deve ser desaplicada ou invalidada. Com o recurso à interpretação conforme, na medida em que se mostre operativa, não se chega a conhecer o problema da desconformidade das normas internas com o DUE.
(...) o recurso à interpretação conforme, que está teleologicamente direcionada à garantia de uma plena efetividade do DUE, justifica-se – mas só se justifica –, no quadro da tipologia dos atos jurídicos da União, em situações de ausência de efeito direto, decorrente da particular natureza da concreta fonte de DUE.
Todas estas asserções estão consolidadas na jurisprudência do TJ. Com efeito, para referir o exemplo mais recente que encontrámos, contendo uma caracterização geral do princípio da interpretação conforme, transcrevemos as seguintes passagens do Acórdão ZX, de 21 de outubro de 2021 (processo C-282/20):
“[…]
39. Tendo em conta as interrogações suscitadas pelo tribunal de reenvio relativas à questão de saber se o direito da União impõe ou a interpretação conforme do direito nacional ou que fique inaplicada a disposição [deste] […], importa recordar que, a fim de garantir a efetividade de todas as disposições do direito da União, o princípio do primado deste direito impõe, nomeadamente, aos órgãos jurisdicionais nacionais que, tanto quanto possível, interpretem o seu direito interno em conformidade com o direito da União (v., neste sentido, Acórdão de 24 de junho de 2019, Popławski, C‑573/17, EU:C:2019:530, n.º 57).
40. Só quando é impossível proceder a uma interpretação da regulamentação nacional conforme com as exigências do direito da União é que o juiz nacional encarregado de aplicar as disposições do direito da União tem a obrigação de assegurar o seu pleno efeito deixando inaplicada se necessário, pela sua própria autoridade, toda e qualquer disposição contrária da legislação nacional, mesmo posterior, sem ter de requerer ou esperar pela sua eliminação prévia pela via legislativa ou por qualquer outro procedimento constitucional (v., neste sentido, Acórdão de 24 de junho de 2019, Popławski, C‑573/17, EU:C:2019:530, n.º 58 e jurisprudência referida).
41. Assim, em caso de impossibilidade de interpretação conforme, qualquer juiz nacional, chamado a pronunciar‑se no quadro da sua competência, tem, como órgão de um Estado‑Membro, a obrigação de deixar inaplicada qualquer disposição nacional contrária a uma disposição do direito da União que tenha efeito direto no litígio que tem de decidir (v., neste sentido, Acórdão de 24 de junho de 2019, Popławski, C-573/17, EU:C:2019:530, n.º 61 e jurisprudência referida). A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou que o artigo 6.o, n.º 3, da Diretiva 2012/13 [a disposição de DUE em causa no processo] deve ser considerado como tendo esse efeito direto (v., neste sentido, Acórdão de 14 de maio de 2020, Staatsanwaltschaft Offenburg, C‑615/18, EU:C:2020:376, n.º 72).
[…]” (sublinhado acrescentado).
Este último aspeto – a ausência de efeito direto da disposição de DUE (circunstância que é particularizada no ponto 41 do Acórdão ZX) – carece, para uma correta compreensão do sentido e do âmbito de aplicação do princípio da interpretação conforme ao DUE, de algum enquadramento adicional.
(...) Importa ter presente, com efeito, que a construção do princípio pela jurisprudência do TJ – tomando como pontos de referência iniciais os Acórdãos Colson Kamann, de 10 de abril de 1984 (processo 14/83) e Marleasing, de 13 de novembro de 1990 (processo C-106/89) e considerando as decisões posteriores sobre o princípio da interpretação conforme – assentou fundamentalmente na consideração de fontes de DUE desprovidas de efeito direto, ou portadoras de alguma ambiguidade quanto a essa característica. Ou seja, o TJ só considerou aptas à convocação do referido princípio, dentro da tipologia de fontes de Direito da União: (i) Diretivas não transpostas ou deficientemente transpostas; (ii) disposições de uma Diretiva não contendo uma obrigação incondicional e suficientemente precisa (suscetível de induzir um efeito direto vertical); (iii) Decisões-Quadro. Daí que, a alternativa à interpretação conforme, quando esta não é (interpretativamente) possível, consistente na desaplicação da norma nacional em contradição com o DUE, dependa invariavelmente da circunstância de este ter efeito direto.”
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Ora, estando em causa, no caso em apreço, a compatibilidade entre uma norma de direito nacional (o artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014) com um regulamento comunitário (RGIC) que tem aplicabilidade e efeito direito na ordem jurídica portuguesa, nos termos do artigo 288.º do TFUE, temos que o princípio da interpretação conforme, a ter alguma relevância, sempre a mesma será limitada.
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Da jurisprudência do Tribunal Constitucional e do TJUE referidas supra resulta que uma eventual incompatibilidade entre o artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014 e o RGIC resultaria, não numa inconstitucionalidade do artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014 (por as normas contidas no RGIC não servirem de parâmetro de inconstitucionalidade do referido artigo), mas numa questão solucionada ao nível da eficácia do artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014 pela desaplicação do mesmo pelo tribunal ordinário (ou arbitral).
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Feitas estas considerações preliminares, cumpre apurar se, ao excluir o sector “ambiente”, o artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014 é incompatível com as disposições do RGIC (caso em que aquele deverá ser desaplicado no caso sub judice).
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Tal como referido supra, o artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014 define os códigos de atividade económica (CAE) correspondentes às atividades referidas no artigo 2.º, n.º 2, do CFI, que, por sua vez, e dada a remissão constante do artigo 22.º, n.º 1, do CFI, define as atividades económicas elegíveis para efeitos dos benefícios fiscais associados ao RFAI.
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O RGIC não institui benefícios fiscais nem define o âmbito material dos benefícios fiscais instituídos pelos Estados-Membros, limitando-se (i) a autorizar os Estados-Membros a instituir auxílios estatais em diversas categorias, e (ii) a definir em que condições tais auxílios estatais podem ser concedidos sem que os Estados-Membros sejam obrigados a notificar a Comissão nos termos do artigo 108.º, n.º 3, do TFUE.
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Do artigo 47.º do RGIC resulta apenas e tão só que os Estados-Membros podem, respeitando as condições estabelecidas no RGIC, criar benefícios fiscais a favor da reciclagem e reutilização de resíduos, não resultando para o Estado Português qualquer obrigação neste sentido.
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Entende o presente Tribunal que, ao não abranger o sector “ambiente”, o artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014 não viola o RGIC, que não institui ele próprio, com efeito direto, qualquer benefício fiscal a favor dos contribuintes, e que não impõe, com efeito direto, aos Estados-Membros que concedam auxílios estatais a favor de investimentos no sector “ambiente”.
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Conclui-se, assim, que não há incompatibilidade entre o artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014 e o RGIC, e que a desaplicação daquele artigo não deverá ser fundada na violação do direito comunitário.
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As Decisões Arbitrais proferidas nos processos n.sº 463/2019-T, de 26.3.2020, 220/2020-T, de 12.10.2020, e 273/2021-T, de 21.10.2021, referidas pela Requerente, bem como as Decisões Arbitrais proferidas nos processos n.ºs 434/2020-T, de 30.6.2021, e 333/2021-T, de 26.1.2022, tratam de uma questão diferente, versando sobre a conformidade com as OAR e o RGIC da interpretação do artigo 1.º da Portaria n.º 282/2014 subscrita pela AT segundo a qual estão excluídos do RFAI todos os projetos de investimento que tenham por objeto a “transformação e comercialização de produtos agrícolas enumeradas no anexo I do TFUE”.
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Nos termos e com os fundamentos referidos supra, julga-se improcedente o pedido de declaração de ilegalidade e anulação das Liquidações Contestadas, por o artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014 violar o RGIC, ou o artigo 8.º da CRP.
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Atentando ao referido supra relativamente à relevância do RGIC no contexto das regras comunitárias relativas aos auxílios estatais, não tem cabimento o alegado pela Requerente relativamente à competência dos órgãos da União Europeia nesta matéria, ao princípio da neutralidade dos auxílios estatais, ou ao princípio da não distorção da concorrência.
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Repita-se: o RGIC constitui um regulamento que autoriza os Estado-Membros a criar certas categorias de auxílios estatais; os Estados-Membros têm discricionariedade para selecionarem e instituírem, dentro dos limites estabelecidos pelo RGIC, os benefícios fiscais que entendem por necessários ou convenientes, suportando a perda de receita fiscal associada aos mesmos.
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Da ilegalidade das Liquidações Contestadas por violação do direito nacional
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A Requerente não imputa aos artigos 22.º, n.º 1, 2.º, n.ºs 2 e 3, do CFI qualquer inconstitucionalidade, defendendo que é o artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014 que, ao não ter contemplado o sector “ambiente”, viola vários princípios constitucionais, nomeadamente, os contidos nos artigos 103.º, n.º 2, 165.º, n.º 1, al. i), 112.º, n.º 5, e 199.º, al. c), da CRP.
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A nossa Constituição consagra, em matéria fiscal, o princípio da legalidade, que se desdobra nos subprincípios da (i) reserva de lei formal, traduzido na exigência de que a normação da matéria tributária deve constar de lei da Assembleia da República, ou de decreto-lei emitido ao abrigo de autorização legislativa daquele órgão, conforme o artigo 165.º, n.º 1, al. i), e (ii) reserva de lei em sentido material ou princípio da tipicidade, traduzido na obrigatoriedade de que a lei defina os elementos essenciais dos impostos, especificamente a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes, como determinado no artigo 103.º, n.º 2.
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À luz destes princípios constitucionais não restam dúvidas de que os benefícios fiscais são abrangidos no âmbito da reserva de lei formal e material, competindo à Assembleia da República ou ao Governo (mediante decreto-lei autorizado) criar e regular os mesmos.
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Os decretos-leis publicados no uso de autorização legislativa subordinam-se à lei que os autoriza (cfr. artigo 112.º, n.º 2, da CRP) e não podem conferir a atos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos (cfr. artigo 112.º, n.º 5, da CRP).
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Nos termos do artigo 199.º, al. c), da CRP, compete ao Governo, no exercício de funções administrativas, fazer os regulamentos necessários à boa execução das leis.
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À luz do princípio da primazia da lei sobre normas regulamentares e do princípio da inderrogabilidade de norma de grau superior por norma hierarquicamente inferior (resultantes do artigo 112.º da CRP)[2] não pode uma portaria restringir ou derrogar o âmbito de aplicação de uma norma constante de ato legislativo que prevê um benefício fiscal, sob pena de ilegalidade normativa.
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Tal como referido pelo Professor Doutor Gomes Canotilho, estes princípios constitucionais não são afastados nos casos de reenvio normativo da lei para a administração no sentido de esta executar ou complementar os seus preceitos:
“Sempre que a lei autoriza ou habilita a administração a complementar ou executar os seus preceitos, isso não significa a elevação dos regulamentos ao escalão legislativo, pois tal é expressamente proibido pelo princípio da tipicidade das leis (cfr. art 112.º/6). Daí que: (a) a norma regulamentar executora ou complementar continue a ser uma norma separada e qualitativamente diferente da norma legal, por a norma legal reenviante não incorporar o conteúdo regulamentar nem lhe pode atribuir força legal; (b) ambas as normas mantenham a natureza e hierarquia respectivas, não se verificando qualquer fenómeno de integração (cfr. Ac. TC 869/96).”[3]
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Neste contexto, interessa notar a diferença entre inconstitucionalidade e ilegalidade normativa, que foi suscitada inclusivamente a respeito do artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014 pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 496/2020, de 6.10.2020, no âmbito do qual foi apreciada a conformidade do artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014, ao excluir o sector das telecomunicações (também ele expressamente incluído no artigo 2.º, n.º 2, do CFI) do RFAI, com os vários princípios constitucionais invocados pela Requerente no caso sub judice.
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Neste Acórdão, o Tribunal Constitucional considerou que uma eventual incompatibilidade do artigo 2.º da dita Portaria com o disposto no artigo 2.º, n.º 2, do CFI consubstancia, não uma inconstitucionalidade, mas uma ilegalidade (por omissão):
“O que o recorrente pretende, em suma, é que este Tribunal confronte aquela norma regulamentar com os preceitos legais habilitantes, no sentido de apreciar se a norma sindicada viola estes últimos – isto é, se padece do vício de ilegalidade – para, considerando verificado tal vício, concluir que há violação das normas constitucionais que estabelecem uma relação hierárquica entre lei e regulamento nos termos de a primeira preceder necessariamente e preferir aos segundos.
Ora, esta legalidade-limite relativamente ao direito infralegal decorre da Constituição (cf. os artigos 199.º, alíneas c) e e), 112.º, n.º 7, e 266.º, n.º 2, todos da Constituição; v. o ponto 4 da decisão sumária reclamada). A mesma constitui o pressuposto da própria ilegalidade; daí ela não ser direta e imediatamente afrontada pela ocorrência de violações de leis por ato infralegais. É-o apenas indiretamente, ou seja, por via da violação do ato legislativo por ato que, em razão da preferência inerente àquela dimensão de limite, o deveria respeitar. Fala-se, então, de simples inconstitucionalidade indireta.
(…) Por outro lado, e conforme resulta do respetivo teor, o artigo 112.º, n.º 5, da Constituição constitui uma norma de ação dirigida exclusivamente ao legislador, não à Administração. Consequentemente, a Portaria n.º 282/2014 jamais poderia violar tal preceito (cf. o ponto 5 da decisão ora reclamada). (...)
Alega ainda a recorrente que imputou à norma do artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014 outro vício de inconstitucionalidade decorrente de a mesma norma disciplinar matéria relativa ao campo de incidência dos benefícios fiscais, invadindo por isso o âmbito da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, contrariando o disposto nos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP (cf. conclusões 2, ponto (ii), e 19 a 22 da reclamação). Nesse sentido, defende que tal vício se traduz uma preterição direta de uma norma constitucional relativa a matérias de reserva de lei, a qual, não só é independente do vício de desconformidade constitucional previamente descrito, como não pode deixar de ser compreendida no escopo de competências deste Tribunal.
(...) o problema de constitucionalidade colocado pela recorrente assenta na circunstância de o artigo 2.º da citada Portaria, ao indicar os CAE correspondentes às atividades económicas previstas no n.º 2 do artigo 2.º do CFI, omitir a indicação do CAE referente ao sector das telecomunicações e, em face disso, segundo a recorrente, “alterar/restringir/revogar”, por via regulamentar, as atividades elegíveis para efeitos de concessão de benefício fiscal, uma vez que o sector das telecomunicações se encontra previsto, para esse efeito, na alínea g) do mencionado preceito do CFI.
Contudo, e como demonstrado supra no ponto 3, a invocada violação dos artigos 103.º, n.º 2, 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição decorrente de tal omissão só existiria porque, previamente, segundo a perspetiva da ora reclamante, a lei incluiu a atividade económica omitida entre aquelas que deveriam beneficiar de um tratamento fiscal mais favorável.
A invocada inconstitucionalidade decorre, assim, imediata e necessariamente da (alegada) contradição com a lei.
Sucede que, por força do princípio constitucional da primazia ou prevalência da lei (Vorrang des Gesetzes) – a já mencionada legalidade-limite –, nenhuma lei pode ser desrespeitada por um regulamento. Por isso, a contradição direta entre o “direito infralegal” e o “direito da lei” resolve-se exclusivamente com base no princípio da hierarquia (não há “espaço” para a intervenção do princípio da competência nas suas diferentes modalidades).
Assim, dispondo o n.º 3 do artigo 2.º do CFI que «[p]or portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da economia são definidos os [CAE] correspondentes às atividades referidas no número anterior», a omissão, em tal portaria, do CAE correspondente à atividade de telecomunicações (referida na al. g) do n.º 2 do mencionado artigo), a perfilhar-se o entendimento da ora reclamante, apenas poderia originar um vício de ilegalidade (por omissão). Atenta a diferença de grau hierárquico entre atos legislativos e atos regulamentares, o artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014 não pode ser considerado isoladamente e, em função da matéria em causa, diretamente confrontado com os parâmetros constitucionais que estabelecem uma reserva de lei parlamentar, desconsiderando a norma legal vinculativa do poder regulamentar ao abrigo da qual a mesma Portaria foi emanada.”
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Seguindo o entendimento do Tribunal Constitucional expresso neste Acórdão, temos que (i) o artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014 não é inconstitucional por desconformidade com os princípios constitucionais invocados pela Requerente, e (ii) a admitir-se uma divergência com a norma contida no artigo 2.º, n.º 2, do CFI, sempre se estaria perante uma ilegalidade normativa do artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014 à luz do princípio da primazia da lei sobre normas regulamentares, ou uma inconstitucionalidade indireta, visto que a violação da Constituição ocorre, porque, em primeira linha, existe uma violação de um preceito constante de um ato legislativo infraconstitucional.
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Interessa referir que uma tal ilegalidade normativa (ou inconstitucionalidade indireta) de norma regulamentar tem sido considerada pelo Tribunal Constitucional como fora do conceito de inconstitucionalidade relevante para efeitos da fiscalização da constitucionalidade prevista no artigo 277.º, n.º 1, da CRP, como se pode ler no Acórdão n.º 242/87, de 31.5.1988:
“A CRP atribui ao Governo competência para, no exercício de funções administrativas, “fazer os regulamentos necessários à boa execução das leis” - art. 202°, c). Sendo os regulamentos normas subalternas e complementares das leis, estão sujeitos ao princípio da legalidade da administração (cfr. art°s 266°, nº 2 e 3°, nº 2 da CRP).
Por um lado, o poder regulamentar da administração funda-se, num plano geral, directa e imediatamente na Constituição. Mas, por outro lado, o fundamento de cada regulamento em particular encontrar-se-á numa específica Lei anterior que cumpra “a função de habilitação legal necessária para se dar cumprimento ao princípio da primariedade ou da precedência da lei” (cfr. Constituição da República Portuguesa Anotada", J.J.Gomes Canotilho e Vital Moreira, 2a ed., 2° vol., pág. 66). (...)
Constitucionalmente, o princípio da legalidade da administração, no que aos regulamentos respeita, analisa-se tipicamente em três sub-principios (v.J.J.Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 4a ed., pp.673 e sgs): 1°- o regulamento não pode invadir os domínios constitucionalmente reservados a lei, isto é, aquelas matérias que, segundo a Constituição, só a lei pode regular (reserva de lei); 2°- o regulamento supõe sempre uma lei antecedente, que ele visa regulamentar ou ao abrigo da qual é emitido (precedência da lei); 3°- o regulamento não pode contrariar a lei, designadamente a lei que aquele visa regulamentar ou ao abrigo da qual foi emitido (prevalência da lei).
A CRP não se limitou, porém, a obrigar os regulamentos a respeitar a lei. Determina também (art.º 115°, nº 5) que nem a própria lei pode autorizar a sua revogação, derrogação, suspensão, etc., por outra via que não outra lei, estando vedados portanto os chamados “regulamentos delegados”. Trata-se de afirmar o princípio de preeminência da lei, mesmo contra a própria lei, que o não pode afastar.
O princípio da preferência ou preeminência da lei significa que “o regulamento não pode contrariar um acto legislativo ou equiparado. A lei tem absoluta prioridade sobre os regulamentos, proibindo-se expressamente os regulamentos modificativos, suspensivos ou revogatórios das leis” (J.J.Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 4a ed. pp. 672).
Este conjunto de princípios determina as relações entre as normas em conflito, estabelecendo a primazia ou preferência normativa da lei sobre o preceito regulamentar.
A admitir-se que são divergentes os respectivos conteúdos preceptivos, como qualificara invalidade de que estará afectada a norma regulamentar: apenas como ilegalidade, ou também como inconstitucionalidade, directa ou indirecta?
No caso concreto, o único princípio constitucional afectado pela hipotética desconformidade da Portaria nº 648-A/86 com a lei respectiva será o da primazia, preferência ou preeminência da lei. Não foi invocada qualquer relação directa de desvalor entre a norma regulamentar e a Constituição. O que se alega é que o regulamento não respeita a lei. A desconformidade verificar-se-á entre duas normas infraconstitucionais, sendo uma, por força da Constituição, de valor superior à outra. Estar-se-á perante uma violação directa da Lei pela Portaria, o que indirectamente se traduzira também no desrespeito do princípio constitucional da legalidade da Administração.
Não se verifica uma inconstitucionalidade directa, visto que entre a Portaria e as normas constitucionais não existe um conflito directo, de ordem material, orgânica ou formal, o que, aliás, não é alegado. A relação entre a Constituição e o regulamento e mediatizada pela lei.
Ora, em princípio, salvo as excepções expressamente previstas, só a inconstitucionalidade directa esta sujeita ao sistema específico de garantia da Constituição previsto nos art°s 277° e segts (Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, vol, I, Vol.I, p. 577 e “Artº 115°: (Conformidade dos actos com a Constituição)”, in Estudos sobre a Constituição, Vol. I, p.387). (...)
O desrespeito das normas constitucionais de hierarquia ou de preferência normativa não é, em princípio o, uma inconstitucionalidade, nem sequer para efeitos do sistema de jurisdição constitucional.
Os artigos 280° e 281° da CRP, ao distinguirem nitidamente entre as figuras da inconstitucionalidade e da ilegalidade, não deixam dúvidas sobre o conteúdo e alcance da distinção: em princípio, só existe inconstitucionalidade quando, num conflito de duas normas de hierarquia diferente, uma das normas em confronto directo seja uma norma constitucional; quando, ao invés, o conflito de normas ponha em confronto duas normas infraconstitucionais, então não há inconstitucionalidade.”
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Encontra-se a mesma distinção entre inconstitucionalidade e ilegalidade normativa relativamente a regulamentos que contrariam o conteúdo de atos legislativos em Acórdãos do Tribunal Constitucional mais recentes, entre os quais o Acórdão n.º 310/2020, de 25.6.2020.
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Do exposto resulta claro que o Tribunal Constitucional e a doutrina têm vindo a distinguir entre (a) a desconformidade direta entre uma norma regulamentar e a Constituição, e (b) a desconformidade direta entre uma norma regulamentar e uma norma contida em lei ou decreto-lei (ou seja, entre duas normas infraconstitucionais, sendo uma, por força da Constituição, de valor superior à outra).[4]
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De forma a assegurar a efetividade do princípio da primazia da lei sobre normas regulamentares e do princípio da inderrogabilidade de norma de grau superior por norma hierarquicamente inferior, devem os tribunais ordinários (e arbitrais) determinar a “inaplicabilidade das normas de hierarquia inferior contrárias a normas de hierarquia superior” e a consequente aplicabilidade das normas de hierarquia superior.[5]
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Feitas estas considerações, cabe aferir se o artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014 apenas executa e complementa o n.º 2 do artigo 2.º do CFI (resultando do exercício da competência própria do Governo em matéria de regulamentação da lei fiscal), ou se altera o disposto no mesmo preceito (estabelecendo um regime discrepante do regime estabelecido no n.º 2 do artigo 2.º do CFI).
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Da leitura de ambas disposições em apreço resulta claro e evidente que, ao excluir o sector “ambiente” das atividades económicas relevantes para efeitos do CFI e do RFAI, o artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014 restringe e derroga o disposto no n.º 2 do artigo 2.º do CFI, constrangendo o âmbito de aplicação dos benefícios fiscais instituídos pelo legislador no CFI, nomeadamente, os associados ao RFAI.
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De facto, da leitura do texto do artigo 2.º, n.º 2, do CFI e do artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014 salta à vista que esta Portaria não se limita a regular e a executar o disposto naquele preceito do CFI, antes se dedicando a dispor sobre o próprio campo de aplicação do CFI (e portanto do RFAI), substituindo-se para todos os efeitos ao disposto no artigo 2.º, n.º 2, do CFI e sendo incompatível com ele.
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Ora, o artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014, enquanto norma regulamentar de carácter executivo ou complementar da lei (fundada no artigo 199.º, al. c), da CRP), não pode contrariar o n.º 2 do artigo 2.º do CFI, enquanto preceito contido num ato legislativo, à luz do princípio da primazia da lei sobre normas regulamentares (do qual resulta que são inadmissíveis os regulamentos modificativos da disciplina legislativa).[6]
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Assim, não pode o artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014 ser interpretado como derrogando ou alterando o n.º 2 do artigo 2.º do CFI, o que sempre extravasaria a competência que lhe foi atribuída pelo n.º 3 do mesmo artigo do CFI.
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Como resulta do artigo 2.º, n.º 3, do CFI, o que nele se remeteu para portaria foi apenas a definição dos códigos de atividade económica correspondentes às atividades elencadas no n.º 2 do mesmo artigo, e não a definição dessas atividades, o que nem seria constitucionalmente admissível por a definição do âmbito objetivo de benefícios fiscais só poder ser regulada por lei ou decreto-lei autorizado (cfr. artigo 103.º, n.º 2, da CRP) e integrar a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República (cfr. artigo 165.º, n.º 1, al. i), da CRP).
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Temos que, ao excluir o sector “ambiente” do âmbito do RFAI, o artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014 padece de ilegalidade normativa, por alterar, restringir, revogar, o disposto na al. g) do n.º 2 do artigo 2.º do CFI, cumprindo a este Tribunal desaplicar o artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014 e declarar a ilegalidade e anular as Liquidações Contestadas, porque baseadas no entendimento de que a atividade da Requerente não é elegível para efeitos do RFAI e do benefício fiscal constante do artigo 23.º, n.º 1, al. a), do CFI, em violação dos artigos 22.º, n.º 1, e 2.º, n.º 2, al. g), do CFI.
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Neste contexto, cumpre salientar que não está aqui em causa estender o RFAI a atividades económicas que o legislador não quis abranger, com recurso à analogia proibido pelo artigo 10.º do EBF, nem uma interpretação abrogante de normas que estabelecem benefícios fiscais, mas apenas interpretar e aplicar as normas relativas ao RFAI constantes do CFI tal como aprovadas pelo legislador.
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Conforme determina a al. b) do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.
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Assim, em resultado da anulação das Liquidações Contestadas, deverá a Requerida reembolsar a Requerente do montante de imposto indevidamente pago, no montante de €294.615,03.
§4. Da atividade da Requerente como compreendendo também a “indústria transformadora”
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Face à solução chegada no ponto anterior, fica prejudicado o conhecimento de outros vícios invocados pela Requerente, nomeadamente, a questão de saber se a respetiva atividade constitui uma “indústria transformadora” para efeitos do RFAI (cfr. artigo 608.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT).
§5. Do direito a juros indemnizatórios
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A Requerente pede ainda a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, desde o pagamento indevido do imposto, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 2, e 100.º da LGT, e do artigo 61.º do CPPT.
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O direito do sujeito passivo a juros indemnizatórios decorre do dever, que recai sobre a AT, de reconstituição imediata e plena da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, como resulta do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, al. b), do RJAT e 100.º, n.º 1, da LGT, fazendo este último preceito referência expressa ao pagamento de juros indemnizatórios, compreendido nesse efeito repristinatório do statu quo ante.
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Significa isto que, na execução do julgado anulatório, a AT deve reintegrar totalmente a ordem jurídica violada, restituindo as importâncias de imposto pagas em excesso e, neste âmbito, a privação ilegal dessas importâncias deve ser objeto de ressarcimento por via do cálculo de juros indemnizatórios, por forma a reconstituir a situação atual hipotética que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado.
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Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT.
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Nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando se determine que houve erro imputável à AT de que resulte pagamento de imposto em montante superior ao legalmente devido.
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Foi o que sucedeu no caso em apreço, visto que ficou demonstrado que as Liquidações Contestadas padecem de erro de direito imputável à AT, vício para o qual a Requerente em nada contribuiu, e que desse erro resultou pagamento de IRC em montante superior ao legalmente devido.
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Assim, conclui-se que a Requerida deverá pagar à Requerente juros indemnizatórios sobre o montante de imposto e juros indevidamente pago por esta (€294.615,03), desde a data do respetivo pagamento até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos (cfr. artigo 61.º, n.º 5, do CPPT).
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DECISÃO
Termos em que se decide:
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Julgar procedente o pedido de cumulação de pedidos;
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Julgar improcedente a exceção de caducidade do direito à liquidação de IRC relativa ao exercício de 2016;
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Declarar a ilegalidade e anular (i) a liquidação adicional de IRC n.º 2021 ... referente ao exercício de 2016, a respetiva liquidação de juros n.º 2021..., consubstanciadas na demonstração de acerto de contas n.º 2021 ..., (ii) a liquidação adicional de IRC n.º 2021 ... referente ao exercício de 2017, as respetivas liquidações de juros n.ºs 2021 ... e 2021 ..., consubstanciadas na demonstração de acerto de contas n.º 2021..., e (iii) a liquidação adicional de IRC n.º 2021 ... referente ao exercício de 2018, a respetiva liquidação de juros n.º 2021 ..., consubstanciadas na demonstração de acerto de contas n.º 2021...;
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Julgar procedente o pedido de condenação da Requerida a reembolsar o montante de imposto e juros indevidamente pago pela Requerente, no montante de €294.615,03;
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Julgar procedente o pedido de condenação da Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios, sobre o montante de €294.615,03, desde a data do pagamento do referido montante pela Requerente até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos (nos termos do artigo 61.º, n.º 5, do CPPT).
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VALOR DA CAUSA
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, no artigo 97.º-A, n.º 1, al. a), do CPPT (aplicáveis ex vi da al. a) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT) e no artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de €294.615,03 (que a Autoridade Tributária não questionou e corresponde ao montante de imposto e juros contestado).
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CUSTAS
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e do artigo 4.º, n.º 4, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 5.202,00, que fica a cargo da Requerida em razão do decaimento.
Notifique-se.
Lisboa, 25 de maio de 2022
Os Árbitros,
Rita Correia da Cunha
António de Barros Lima Guerreiro
(com voto de vencido em anexo)
Mariana Vargas
DECLARAÇÃO DE VOTO
Ainda que considere corretamente enunciada a matéria de facto apurada no processo arbitral, discordo da fundamentação da Decisão Arbitral, na medida em que integra as seguintes afirmações:
“131-Feitas estas considerações, cabe aferir se o artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014 apenas executa e complementa o n.º 2 do artigo 2.º do CFI (resultando do exercício da competência própria do Governo em matéria de regulamentação da lei fiscal), ou se altera o disposto no mesmo preceito (estabelecendo um regime discrepante do regime estabelecido no n.º 2 do artigo 2.º do CFI).
132-Da leitura de ambas disposições em apreço resulta claro e evidente que, ao excluir o sector “ambiente” das atividades económicas relevantes para efeitos do CFI e do RFAI, o artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014 restringe e derroga o disposto no n.º 2 do artigo 2.º do CFI, constrangendo o âmbito de aplicação dos benefícios fiscais instituídos pelo legislador no CFI, nomeadamente, os associados ao RFAI.
133- De facto, da leitura do texto do artigo 2.º, n.º 2, do CFI e do artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014 salta à vista que esta Portaria não se limita a regular e a executar o disposto naquele preceito do CFI, antes se dedicando a dispor sobre o próprio campo de aplicação do CFI (e portanto do RFAI), substituindo-se para todos os efeitos ao disposto no artigo 2.º, n.º 2, do CFI e sendo incompatível com ele.
134- Ora, o artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014, enquanto norma regulamentar de carácter executivo ou complementar da lei (fundada no artigo 199.º, al. c), da CRP), não pode contrariar o n.º 2 do artigo 2.º do CFI, enquanto preceito contido num ato legislativo, à luz do princípio da primazia da lei sobre normas regulamentares (do qual resulta que são inadmissíveis os regulamentos modificativos da disciplina legislativa).
135- Assim, não pode o artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014 ser interpretado como derrogando ou alterando o n.º 2 do artigo 2.º do CFI, o que sempre extravasaria a competência que lhe foi atribuída pelo n.º 3 do mesmo artigo do CFI.
136- Como resulta do artigo 2.º, n.º 3, do CFI, o que nele se remeteu para portaria foi apenas a definição dos códigos de atividade económica correspondentes às atividades elencadas no n.º 2 do mesmo artigo, e não a definição dessas atividades, o que nem seria constitucionalmente admissível por a definição do âmbito objetivo de benefícios fiscais só poder ser regulada por lei ou decreto-lei autorizado (cfr. artigo 103.º, n.º 2, da CRP) e integrar a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República (cfr. artigo 165.º, n.º 1, al. i), da CRP).
137 Temos que, ao excluir o sector “ambiente” do âmbito do RFAI, o artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014 padece de ilegalidade normativa, por alterar, restringir, revogar, o disposto na al. g) do n.º 2 do artigo 2.º do CFI, cumprindo a este Tribunal desaplicar o artigo 2.º da Portaria n.º 282/2014 e declarar a ilegalidade e anular as Liquidações Contestadas, porque baseadas no entendimento de que a atividade da Requerente não é elegível para efeitos do RFAI e do benefício fiscal constante do artigo 23.º, n.º 1, al. a), do CFI, em violação dos artigos 22.º, n.º 1, e 2.º, n.º 2, al. g), do CFI.
138- Neste contexto, cumpre salientar que não está aqui em causa estender o RAFI a atividades económicas que o legislador não quis abranger, com recurso à analogia proibida pelo artigo 10.º do EFB, nem uma interpretação abrogante de normas que estabelecem benefícios fiscais, mas apenas interpretar e aplicar as normas relativas ao RFAI constantes do CFI tal como aprovadas pelo legislador.”
De acordo com a pronúncia em que assenta a Decisão Arbitral, a Portaria a que se refere o nº 3 do art. 2º do CFI, aplicável “ex vi” do nº 1 do art. 22º, deveria obrigatoriamente declarar elegíveis pelo RFAI todas as atividades referidas no nº 2 do art. 2º, sob pena de ilegalidade normativa.
Essa interpretação das normas invocadas não tem base legal.
Tal Portaria, com efeito, apenas pode considerar elegíveis através dos respetivos CAES as atividades que respeitem as Orientações relativas aos Auxílios Estatais com Finalidade Regional para 2014, , publicadas no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 209/1, de 27 de julho de 2013, de acordo com o Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014, o qual , em aplicação dos arts. 107º e 108º do Tratado, aprovou o Regulamento Geral de Isenção por Categoria(RGIC), publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 187/1, de 26 de junho de 2014., como expressamente determina, sem qualquer margem para equívoco, o nº 2 do art. 2º do CFI.
Não pode, sob pena de violação de legalidade normativa, considerar elegíveis através dos respetivos CAEs atividades que, não obstante abrangidas pelo nº 2 do art. 2º do CFI, não estiverem compreendidas no RGIC, salvo quando os auxílios a essas atividades tiverem sido expressamente autorizados pela Comissão europeia.
Tal portaria, como , aliás, resulta do seu texto preambular, é, na verdade, um instrumento de execução, efetivação e aplicação dos princípios e regras contidos nos art 107.º a 109.º do TFUE e no RGIC e não apenas uma norma regulamentadora do direito nacional. .
A sua função não é apenas complementar e executar o direito interno, no caso, o CFI.
Cabe-lhe garantir igualmente a compatibilidade dos auxílios previstos no CFI com o Direito Comunitário, através da exclusão dos CAEs das atividades não abrangidas pelo RGIC. Os auxílios não autorizados a essas atividades são proibidos pelo TFUE.
No exercício do seu poder regulamentar, o Ministro das Finanças, que atua como membro do Governo e não como mero órgão da administração tributária, não pode violar o Direito Comunitário.
É certo que, dado o seu carácter meramente regulamentar, sob pena de ilegalidade normativa por violação do referido nº 2 do art. 2º do CFI, a portaria não pode excluir arbitrariamente do acesso ao RFAI as atividades abrangidas pelo art. 2º, nº 1 do RFAI , quando respeitem as Orientações relativas aos Auxílios Estatais com Finalidade Regional para 2014 -2020 e as outras normas de direito interno aplicáveis.
Diferente é dizer como resulta implicitamente da Decisão Arbitral, que tem de considerar elegíveis para efeitos do RFAI auxílios ilegais perante a ordem comunitária.
A jurisprudência praticamente uniforme do CAAD , iniciada pela Decisão Arbitral nº 545/18( ver os pontos 3.2.12 e 3.2.13), é inequívoca no sentido que a portaria de regulamentação cuja legalidade está em causa não só não pode como não deve definir entre os CAEs abrangidos pelo benefício fiscal os que, embora respeitando a atividade enumeradas pelo art. 2º, nº 2, não observem o âmbito sectorial de aplicação das orientações relativas aos auxílios com finalidade regional para o período 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 209, de 23 de julho de 2013 (OAR) e do RGIC, constante do citado Regulamento nº 605/2014. Se não o fizerem, não serão aceites como válidos, à luz do direito da União Europeia, mesmo que digam respeito a atividades, como as telecomunicações, constantes do art. 2º, nº 1, do CFI,mas que não estão abrangidas, como ficou demonstrado nesse Processo Arbitral, pelo art. 52º do Regulamento (EU) nº 605/2014. Tal jurisprudência seria prosseguida, ainda a propósito das telecomunicações, pela Decisão Arbitral nº 218/2019-T e reiterada a propósito da legitimidade da exclusão do benefício fiscal dos auxílios à atividade agrícola expressamente previstos no art.. 2º, nº 2, alínea d), do CFI, mas não abrangidas pelo RGIC pela Decisão Arbitral nº 312/2021- T
Da remissão legal expressa para o RGIC não pode deixar de resultar a a presunção de que o Estado português pretendeu , ao aprovar o CFI, no exercício das suas competências legislativas e regulamentares próprias , cumprir plenamente todas as obrigações resultantes do espírito e da letra do RGIC e não violá-las.
Aos tribunais nacionais cabe levar a cabo uma interpretação das normas do CFI e do RFAI que respeite essa perspetiva.
As Decisões Arbitrais proferidas nos processos n.sº 463/2019-T, de 26.3.2020, 220/2020-T, de 12.10.2020, e 273/2021-T, de 21.10.2021, referidas pela Requerente, bem como as Decisões Arbitrais proferidas nos processos n.ºs 434/2020-T, de 30.6.2021, e 333/2021-T, de 26.1.2022 não só não autorizam como são incompatíveis com a interpretação que suporta a presente Decisão Arbitral
Tais Decisões Arbitrais limitam-se a declarar que a portaria em causa não pode arbitrariamente excluir do benefício, sob pena de ilegalidade normativa , os auxílios previstos no CFI e que respeitem, por aí estarem expressamente consentidos, com o consequente afastamento do regime de notificação prévia, o RGIC.
O art. 47º do RGIC , invocado pela Requerente, autoriza diretamente os auxílios à atividade de reciclagem e reutilização de resíduos produzidos por terceiros, com destino a uma atividade de transformação.
Não visa os auxílios ao transporte ou eliminação de resíduos, mas a uma atividade conhecida por economia circular entendida como um modelo de produção e de consumo que envolve a partilha, o aluguer, a reutilização, a reparação, a renovação e a reciclagem de materiais e produtos existentes, enquanto possível, com o consequente alargamento do ciclo de vida dos produtos-
Na prática, a economia circular implica a redução do desperdício ou dos resíduos ao mínimo. Quando um produto chega ao fim do seu ciclo de vida, os seus materiais são mantidos dentro da economia sempre que possível, podendo ser utilizados uma e outra vez, o que permite assim criar mais valor.
Não foi, no entanto, a falta de enquadramento da atividade da Requerida no art. 47º do Regulamento, que a Decisão Arbitral injustificadamente optou por não fazer, que fundamentou esta. mas uma pretensa obrigação de a Portaria nº 282/2014 incluir os CAEs de todas as atividades
Por outro, lado, de acordo com o Acórdão do Pleno do STA de 30/1/2019, 564/18.2BALSB, a obrigação do pagamento de juros indemnizatórios não existe quando, em virtude da subordinação da administração fiscal ao princípio constitucional da legalidade, não estava na disponibilidade da AT agir de modo diferente daquele que agiu.
Ampliando o direito a juros indemnizatórios a outros fundamentos que não incluem o erro imputável aos serviços na liquidação, o nº 3, na redação dada pela Lei nº 9/2019, de 1/2 , estabeleceria serem também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:
a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;
b) Em caso de anulação do ato tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;
c) Quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.
d)Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.
Em todos esses casos previstos nesse nº 3, o direito a juros indemnizatórios não tem de ser reconhecido em decisão administrativa ou judicial como exige o nº 1.
Nasce automaticamente da verificação de qualquer dos factos elencados nesse nº 3, entre os quais figura o trânsito em julgado da decisão judicial, incluindo as decisões que declare a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma e não de qualquer ato prévio, administrativo ou judicial.
Assim, o nº 1 do art. 43º da LGT é indevidamente invocado para justificar o direito a juros indemnizatórios que apenas poderia ter por fundamento a alínea d) do nº 3.
António de Barros Lima Guerreiro
[1] J.J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição (4ª ed., Almedina 2000) pp. 703, 803.
[2] J.J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição (4ª ed., Almedina 2000) pp. 680-681.
[4] J.J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição (4ª ed., Almedina 2000) p. 897.
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