Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 700/2021-T
Data da decisão: 2024-01-22  ISV  
Valor do pedido: € 2.209,86
Tema: ISV - Introdução no consumo de veículo híbrido plug-in usado proveniente de outro Estado-membro da EU. Não aplicação das taxas intermédias. Hipotética desconformidade com o artigo 110.º do TFUE. Reenvio prejudicial Decisão de Reenvio (em anexo à decisão).
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SUMÁRIO:

I- A introdução no consumo de um veículo em qualquer Estado-Membro da União Europeia constitui facto gerador relevante para efeitos do art. 5.º do CISV.

II- Nenhum Estado-Membro fará incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos de outros Estados-Membros, imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais similares.

III- O princípio da não discriminação implica que se aplique no tempo a taxa intermédia prevista na al. d), do n.º 1 do Art.º 8.º do CISV, vigente à data em que o mesmo foi introduzido no mercado em qualquer Estado-Membro da União Europeia.

 

DECISÃO ARBITRAL

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi, em 02-11-2021, aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD, sendo, nos termos legais, notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira. O Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Arbitral singular, o Dr. Luís M. S. Oliveira, entretanto substituído pelo signatário, nomeado por despacho de 29-11-2023, notificando as partes dessas designações. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66- B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 10-01-2022.

 

RELATÓRIO

A..., nif ..., residente na R ... nº ..., ...-... Lisboa, apresentou um pedido de constituição do Tribunal Arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), sendo Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Pediu a declaração de ilegalidade do ato de liquidação de Imposto Sobre Veículos resultante da introdução no consumo de um veículo ligeiro de passageiros equipado com motor híbrido plug-in, através da Declaração Aduaneira de Veículo n.º 2021/..., de 13.09.2021 (data de aceitação), praticado pela Alfândega de Leixões.

 

Em 27-05-2022, foi decidido, nos termos, que se concorda reproduzem:

.....

O Requerente submeteu uma Declaração Aduaneira de Veículo (DAV), relativa à introdução no consumo em Portugal de um veículo automóvel usado, com proveniência da Alemanha, equipado com motor híbrido plug-in. O referido veículo tinha tido a primeira matrícula no país de origem em 14.09.2018. À DAV foi atribuído o n.º 2021/..., de 13.09.2021 (data de aceitação).

A Alfândega de Leixões liquidou ISV no valor de EUR 2.928,28, valor que foi integralmente pago pelo Requerente.

A taxa de ISV, considerando o cálculo sobre as componentes de cilindrada e ambiental (tabela A), e tendo também em conta o tempo de uso desde a primeira matrícula (tabela D), foi aplicada pela Alfândega de Leixões em 100%, portanto sem ser objeto do abatimento que, na tese do Requerente, decorreria do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV – aí designado como ‘taxas intermédias’ –, em função de estar o veículo equipado com motor híbrido plug-in, com bateria que pode ser carregada através de ligação à rede elétrica.

O Requerente considera que a liquidação de ISV foi ilegal, “por violação do direito europeu, mais propriamente do art. 110.º do TFUE”. Peticiona portanto que a liquidação de ISV seja declarada ilegal pelo Tribunal e seja ordenada à AT a restituição do valor de EUR 2.209,86, que entende cobrado em excesso, acrescido dos juros indemnizatórios calculados à taxa legal em vigor à data do pagamento, desde a data do pagamento do imposto até à efetiva restituição.

Requereu produção de prova testemunhal, arrolando duas testemunhas.

Por despacho de 11.01.2022, o Tribunal mandou notificar o dirigente máximo do Serviço da AT, nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT, para, no prazo de 30 dias, apresentar Resposta, solicitar, querendo, a produção de prova adicional, e remeter cópia do Processo Administrativo.

Devidamente notificada, veio a Requerida AT deduzir exceção dilatória de incompetência absoluta deste Tribunal Arbitral, defender-se por impugnação e opor-se à produção de prova testemunhal.

Por despacho arbitral de 11.02.2022, foi notificado o Requerente para se pronunciar sobre a verificação da referida exceção dilatória, nos termos conjugados do disposto no n.º 2 do artigo 11.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e na alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, sendo fixado o prazo de 10 dias para o efeito, ao abrigo do disposto na alínea a) do artigo 16.º do RJAT, com observância do disposto no n.º 1 do artigo 23.º do CPPT.

Até ao termo do referido prazo, o Requerente não apresentou pronúncia sobre a exceção dilatória suscitada pela Requerida AT. Por Requerimento de 17.03.2022, veio o Requerente requerer ao Tribunal a fixação de prazo adicional para o fazer, invocando que “por deficiente tratamento da notificação do despacho, o mesmo foi extraviado”, reconhecendo, a passo, a inexistência de motivo constitutivo de justo impedimento.

Por Despacho arbitral do mesmo dia17.03.2022, foi a Requerida AT mandada notificar para, querendo, se pronunciar sobre o Requerimento do Requerente, o que fez em 22.03.2022, em resposta na qual propugna pelo indeferimento de tal pedido.

Em 23.03.2022, foi proferido Despacho arbitral com o seguinte teor:

«1. Apreciação e decisão sobre a exceção dilatória de incompetência do Tribunal Arbitral Na resposta apresentada pela Requerida AT, vem formulada a tese de que se verifica a exceção dilatória de incompetência do Tribunal Arbitral.

Por despacho arbitral de 11.02.2022, foi notificado o Requerente para se pronunciar sobre a verificação da referida exceção, nos termos conjugados do disposto no n.º 2 do artigo 11.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e na alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT). Foi fixado o prazo de 10 dias para o efeito, ao abrigo do disposto na alínea a) do artigo 16.º do RJAT, com observância do disposto no n.º 1 do artigo 23.º do CPPT.

Até ao termo do referido prazo, o Requerente não apresentou pronúncia sobre a exceção dilatória suscitada pela Requerida AT. Por Requerimento de 17.03.2022, veio o Requerente requerer a fixação de prazo adicional para o fazer, invocando que “por deficiente tratamento da notificação do despacho, o mesmo foi extraviado”, reconhecendo, a passo, a inexistência de motivo constitutivo de justo impedimento. Por Despacho arbitral do mesmo dia, foi a Requerida AT mandada notificar para, querendo, se pronunciar sobre o Requerimento do Requerente, o que fez em 22.03.2022, em resposta na qual propugna pelo indeferimento de tal pedido.

Como logo o próprio Requerente admite e afirma, inexiste invocação de qualquer motivo que possa ser considerado justo impedimento, nos termos e com os efeitos referidos no artigo 140.º do Código de Processo Civil. Assim, indefere-se o pedido de concessão de novo prazo para pronúncia sobre a matéria da exceção de incompetência do Tribunal Arbitral.

Mostra-se plenamente acautelado o princípio do contraditório, permitindo ao Tribunal conhecer da matéria de exceção, mostrando-se ainda supérfluo e contrário ao princípio da economia processual, neste mesmo enquadramento, dar cumprimento literal ao disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 18.º do RJAT.

Assim, passa a conhecer-se da matéria da referida exceção dilatória, uma vez que, a ser esta julgada procedente, tem como resultado a imediata absolvição da instância, por obstar a que o Tribunal conheça do mérito da causa, como decorre da aplicação do estatuído no n.º 2 do artigo 89.º do CPPT, ex vi alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT. Opta-se por não remeter o conhecimento desta matéria de exceção para a decisão final.

Na tese da Requerida AT, o Tribunal Arbitral é incompetente para conhecer do pedido por duas ordens de razões:

 

A. A pretensão, conforme formulada no pedido, visa unicamente o reconhecimento do direito à aplicação de taxa reduzida: o Requerente requer a constituição do Tribunal Arbitral com vista a obter a aplicação da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.° do CISV na redação que vigorava antes da versão atual, introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro. Ou seja, pretende a restituição de quantia, paga indevidamente, a que alegadamente teria direito por beneficiar da taxa prevista na redação anterior da dita alínea d) do n.º 1 do artigo 8.° do CISV.

O artigo 8.° do CISV, incluindo a alínea d) do n.º 1, refere-se a um benefício fiscal, consagrando ‘taxas intermédias”, conforme epígrafe, isenções parciais ou “reduções de taxas” nos termos do Estatuto dos Benefícios Fiscais. Assim, não é o ato decorrente da aplicação das taxas normais que o Requerente pretende efetivamente impugnar, antes pretendendo usufruir do benefício fiscal previsto no artigo 8.° do CISV, com o objetivo de afastar a tributação-regra, pedido que não pode ser submetido à presente instância arbitral, pois o processo arbitral apenas abrange os atos suscetíveis de impugnação judicial, isto é, os abrangidos pelo artigo 2.°, n.º 1, do RJAT.

No âmbito da competência dos tribunais arbitrais constituídos ao abrigo do RJAT não se inclui a possibilidade de apreciação de pedidos tendentes ao reconhecimento de direitos em matéria tributária ou de outros atos relativos a questões tributárias que não comportem a apreciação da legalidade do ato de liquidação. O peticionado nos autos não pode ter como causa de pedir e objeto a apreciação do não reconhecimento da aplicação de uma taxa reduzida ao ato de liquidação resultante da aplicação das taxas normais (tributação-regra), sob pena de ocorrer a exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral, que obsta ao conhecimento do pedido e determina a absolvição da Requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.°, n.º 1, e 577.°, alínea a), do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do artigo 29.°, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

B. Pretende o Requerente que a liquidação efetuada nos termos do artigo 7.° e do artigo 11.°, n.º 1, do CISV, seja parcialmente anulada, sem invocar qualquer ilegalidade que resulte da não aplicação da lei em vigor, visando, outrossim, uma nova liquidação que aplique um benefício (redução de taxa/taxa intermédia) que nem sequer está previsto no CISV para o veículo do Requerente, visto não preencher os requisitos previstos para o efeito.

Tal pedido – independentemente de tal benefício, previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV, não abranger o veículo em questão – consubstancia uma exigência para que a AT adote uma nova atuação em sede de liquidação do imposto, procedendo à realização de nova liquidação, que não a resultante da tributação-regra, aplicável ao facto gerador em presença, consistente na admissão de veículo usado, de outro Estado-membro, que é efetuada nos termos dos artigos 7.° e 11.° do CISV, cuja ilegalidade não vem impugnada, não obstante o Requerente afirme pretender a retificação da liquidação, o que resulta numa contradição, pois não pode impugnar uma liquidação que pretende ver substituída. A liquidação é sempre efetuada de acordo com o preceituado naqueles dispositivos legais, sendo que uma liquidação em que há lugar à aplicação de taxas intermédias, taxas reduzidas ou isenções totais, implica nova liquidação, com o processamento de outra DAV, revestindo a natureza de liquidação substitutiva. Nesta medida, pugnando o Requerente pela realização de segunda liquidação, que viria substituir a anterior, a qual sendo válida, não lhe pode ser assacado qualquer vício, visa, concomitantemente, que a Requerida adote um comportamento consistente na realização de novo ato de liquidação, resultando, deste modo, evidente que o que está em causa não é a correção da liquidação impugnada, mas sim a pretensão do Requerente de que seja emitida outra liquidação, em substituição da ora impugnada.

O meio processual próprio face à omissão do dever de proceder a liquidação substitutiva, seria o “reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”, em conformidade com o previsto no artigo 145.º do CPPT, uma vez que não está em causa a “intimação para um comportamento do seu direito” [sic], a qual não resulta diretamente da lei. Tal atribuição não cabe no elenco das competências do tribunal arbitral, descrito no n.º 1 do artigo 2.° do RJAT, o qual se restringe à declaração de ilegalidade de atos de liquidação previstos nas alíneas a) e b), isto é, à mera apreciação de legalidade. Termos em que conclui que, face à incompetência material absoluta do tribunal arbitral, deve a Requerida ser absolvida da instância, nos termos dos artigos 16.°, n.ºs 1 e 2 do CRPT, 99.º, n.º 1, 576.°, n.ºs 1 e 2, e 577.º alínea a), do CPC.

Face ao que antecede, como síntese da formulação da Requerida AT, mostra-se necessário que o Tribunal Arbitral aprecie os termos em que vem formulado o pedido de pronúncia arbitral, para determinar qual é, em termos substantivos, o objeto que neste se enuncia como decidendum.

O pedido de pronúncia arbitral é especificado ao longo do articulado, podendo sintetizar-se a respetiva formulação nos seguintes termos:

- A taxa aplicada pela AT sobre a componente cilindrada e ambiental do imposto foi de 100%, não tendo sido considerado qualquer abatimento pelo facto de a viatura estar equipada com motor híbrido plug-in, cuja bateria pode ser carregada através de ligação à rede elétrica, facto que leva o Impugnante a considerar que a liquidação de ISV foi ilegal, por violação do direito europeu, mais propriamente do art. 110.º do TFUE (artigos 5 e 6);

- A disposição aplicada foi a alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV, na redação introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, pela qual a “taxa intermédia” de 25% passou a aplicar-se “aos automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos plug-in, cuja bateria possa ser carregada através de ligação a rede elétrica e que tenham uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 50 quilómetros e emissões oficiais inferiores a 50g C02/Km"; - a viatura adquirida pelo Impugnante não preenchia estes dois requisitos, pelo que o ISV foi liquidado pela taxa de 100%, ou seja, como se se tratasse de viatura nova, matriculada pela primeira vez em 2021, ignorando a AT a legislação em vigor à data da primeira matricula da viatura (artigos 8 a 12);

- A liquidação do ISV, efetuada ao abrigo da nova redação do art. 8.º do CISV, tratou de forma desigual uma viatura matriculada originalmente noutro Estado-Membro da UE e posteriormente introduzida em Portugal, relativamente a uma outra adquirida e matriculada originalmente em Portugal, onerando de forma mais gravosa a viatura adquirida noutro Estado-Membro da EU, em desrespeito pelo artigo 110.º do TFUE (artigos 13 a 18).

- Tendo em consideração o primado do direito da UE sobre o direito nacional, previsto constitucionalmente, a norma jurídica que tributa a viatura em função do ano da matrícula em Portugal, e não em função do ano da sua matrícula original, é ilegal, o que toma a liquidação do ISV também ilegal (artigos 19 e 20).

- O ISV liquidado deveria ter tido em consideração a alínea d) do n.° 1 do art. 8.º do CISV que vigorava à data da primeira matrícula do veículo no seu país de origem, o que determinaria a aplicação da percentagem de 25% sobre a taxa intermédia, e não de 100% como foi, de que resultava um ISV a pagar no valor de € 1.128,71 (4.514,84 x 25%). A este valor, há ainda que deduzir os valores correspondentes à redução pelo número de anos de uso do veículo

 

(35% para a componente cilindrada e 20% para a componente ambiental) no valor global de €396,64. Do que resulta um ISV a pagar de € 718,42 e não os € 2.928,28 pagos pelo Requerente (artigos 32 a 35).

- Assim, reconhecendo-se a ilegalidade da liquidação efetuada, do que resultará a sua anulação parcial, deve ser restituído ao Requerente a quantia de € 2.209,86 paga a mais (artigo 36). - E vem concluído assim: “Nestes termos deve a presente impugnação ser julgada provada e procedente, ordenando-se a anulação parcial da liquidação do ISV, nos termos requeridos.

Mais deve a AT ser condenada a restituir ao Impugnante a quantia de € 2.209,86 cobrada em excesso, acrescida dos juros indemnizatórios calculados á taxa legal em vigor à data do pagamento, desde a data do pagamento do imposto até à efetiva restituição”.

Salvo o devido respeito, a explanação da causa de pedir e do pedido que consta do pedido de pronúncia arbitral não constitui um paradigma de linearidade conceptual e argumentativa.

Sem embargo de assim nos parecer, é cognoscível o que o Requerente ataca e visa ver escrutinado no presente processo. O Requerente impugna a legalidade da liquidação de ISV feita pela AT, por ter a mesmo sido feita por aplicação da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV, na redação introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, dispositivo este que o Requerente considera violador do artigo 110.º do TFUE.

Não se mostra impeditivo desta leitura – quantum satis para fixar a substância do questionamento no âmbito da verificação da legalidade do ato de liquidação – que o Requerente prossiga propugnando pela aplicação do referido preceito [alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV] na redação em vigor à data da primeira matrícula da viatura, com o corolário que extrai do reconhecimento do direito à restituição da diferença de coleta.

O Tribunal Arbitral restringe a apreciação à verificação da legalidade / ilegalidade da liquidação de imposto – alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT –, cabendo subsequentemente à AT dar cumprimento ao disposto no n.º 1 do artigo 24.º do mesmo diploma, caso se venha a julgar no sentido de julgar procedente a tese da ilegalidade. Não cabe, seguramente, ao Tribunal Arbitral pronunciar-se para lá disso, pelo que não implicará a eventual declaração de ilegalidade da liquidação, se for esta a decisão, que o Tribunal venha a pretender ‘ditar’ que disposições legais, vigentes em que data, deveria a AT ter aplicado, mas esta não pronúncia em nada afeta o cabimento legal e a pertinência e suficiência da apreciação do pedido, como vem formulado.

Assim, tem-se por improcedente a exceção de incompetência do Tribunal Arbitral.

 

Apreciação e decisão sobre requerimento para produção de prova testemunhal

No pedido de pronúncia arbitral, o Requerente arrola duas testemunhas. Nada adianta quanto a que matéria deveriam as mesmas ser ouvidas, para esclarecimento do Tribunal Arbitral relativamente à matéria de facto.

Na Resposta, a Requerida AT observa que no presente processo apenas está em causa enquadrar e decidir uma questão de Direito, não sendo a matéria de facto controvertida.

Também assim se julga. Não se descortina que depoimento possam as testemunhas validamente fazer, no quadro da inexistência de controvérsia sobre a matéria de facto com relevância para a decisão, mostrando-se ainda incontrovertível que não poderia o Tribunal Arbitral aceitar potenciais explanações que não versassem sobre matéria de facto, v.g., sobre a aplicação da lei (artigo 341.º do Código Civil). Acresce que a matéria de facto é a que consta, com suficiência, do Processo Administrativo e dos articulados, pelo que também não seria de admitir a prova testemunhal (n.º 2 do artigo 393.º do Código Civil).

Não se mostra legalmente exigível maior fundamentação para indeferir o requerimento de produção da prova testemunhal – o que se faz no uso dos poderes conferidos pela alínea e) do artigo 16.º do RJAT –, pois não estando em aberto questões relativas à matéria de facto não se aplica o disposto no n.º 3 do artigo 90.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos,

aplicação que poderia ser equacionada ex vi alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

 

Dispensa da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e fixação de prazo para alegações

Acautelado que foi o princípio do contraditório, relativamente à matéria da exceção dilatória de incompetência do Tribunal Arbitral – a qual, neste mesmo Despacho, vai decidida no sentido da sua não verificação, o que desde logo preserva o direito do Requerente a uma decisão de mérito, para lá da sua própria inação – e não havendo situações subsumíveis nas alíneas a) ou c) do n.º 1 do artigo 18.º do RJAT, ou outros elementos sobre que as Partes se devam pronunciar, não se vê utilidade na realização da reunião prevista nesse preceito, a qual fica dispensada, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 16.º do mesmo diploma.

Fixa-se, para a faculdade de apresentação de alegações escritas, prazo simultâneo de 10 dias, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 120.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e na alínea c) do n.º do artigo 29.º do RJAT.

....

Saneador

O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e – como foi apreciado e decidido no Despacho arbitral atrás reproduzido – é materialmente competente [alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT].

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e encontram-se legalmente representadas (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades.

 

Do mérito

 

Factos provados

Julgam-se provados os seguintes factos, sendo a convicção do Tribunal fundada nas posições assumidas por cada uma das Partes nos articulados, as quais, de resto, não se apresentam divergentes quanto à matéria factual, e bem assim no conteúdo do Processo Administrativo:

O Requerente apresentou junto da Alfândega de Leixões – através de ‘declarante aduaneiro’ em sua representação – uma Declaração Aduaneira de Veículo (DAV), relativa a veículo ligeiro de passageiros híbrido elétrico/gasolina, de marca BMW, proveniente da Alemanha, aí matriculado pela primeira vez em 14.09.2018.

À DVA foi atribuído o n.º 2021/..., de 13.09.2021 (data da aceitação).

Da mesma DAV consta “autonomia da bateria < 50 kms”.

Da mesma DAV consta ainda a liquidação de ISV n.º 2021/..., no valor de EUR 2.928,28, com data de 13.09.2021 e com data de cobrança no dia imediato.

Factos não provados

Inexistem factos com relevância para a decisão arbitral a julgar como não provados.

 

Do Direito da UE em causa no processo

A questão a dilucidar no processo é a de saber se está viciado por ilegalidade – em razão de desconformidade com o art. 110.º do TFUE – o ato de liquidação de ISV, na parte relativa à não aplicação da “taxa intermédia” obtida pela aplicação de redução de 25% sobre o resultado da aplicação da tabela normal, para automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos plug-in, prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV, na redação vigente à data

da apresentação da DAV, isto é, a introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, desaplicando portanto o comando do mesmo preceito na redação que vigorava quando da primeira matrícula, a da Lei n.º 82-D/2014 de 31 de dezembro.

Na redação introduzida pela Lei n.º 82-D/2014 de 31 de dezembro, aplicável entre 01.01.2015 e 31.12.2020:

Artigo 8.º Taxas intermédias – automóveis

1 - É aplicável uma taxa intermédia, correspondente às percentagens a seguir indicadas do imposto resultante da aplicação da Tabela A constante do n.º 1 do artigo anterior, aos seguintes veículos:

a) “25%, aos automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos plug-in, cuja bateria possa ser carregada através de ligação à rede elétrica e que tenham uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 25 quilómetros.

[…]

Na redação introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, aplicável a partir de 01.01.2021:

1 - É aplicável uma taxa intermédia, correspondente às percentagens a seguir indicadas do imposto resultante da aplicação da Tabela A constante do n.º 1 do artigo anterior, aos seguintes veículos:

[…]

d) 25%, aos automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos plug-in, cuja bateria possa ser carregada através de ligação à rede elétrica e que tenham uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 50 km e emissões oficiais inferiores a 50 g CO2/km.

[…]

 

A tese do Requerente é a seguinte, em síntese:

À data da primeira matrícula do veículo – 14.09.2018 - vigorava o art. 8.º do CISV, na redação introduzida pela Lei n.º 82-D/2014 de 31 de dezembro. De acordo com a alínea d) deste artigo, a liquidação do ISV era efetuada através de aplicação de uma taxa de 25% aos automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos plug-in, cuja bateria possa ser carregada através de ligação à rede elétrica e que tenham uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 25 quilómetros. Ou seja, estes veículos, de acordo com o regime vigente à referida data, apenas pagavam 25% do ISV. e não os 100% pelos quais os demais eram tributados.

Esta norma legal foi alterada pela Lei do Orçamento de Estado para 2021 – Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro. A nova redação agravou o ISV, limitando a redução do imposto aos veículos que cumulativamente preencham os dois referidos requisitos – autonomia mínima, no modo elétrico, de 50 quilómetros e emissões oficiais inferiores a 50g CO2/Km.

Uma vez que o veículo adquirido pelo Requerente não preenchia estes dois requisitos, o ISV foi liquidado pela taxa de 100%, ou seja, como se se tratasse de veículo novo, matriculado pela primeira vez em 2021, ignorando a AT a legislação em vigor à data da primeira matrícula.

A liquidação do ISV, efetuada ao abrigo da nova redação, tratou de forma desigual um veículo matriculado originalmente noutro Estado Membro da UE e posteriormente introduzido em Portugal, relativamente a um adquirido e matriculado originariamente em Portugal, onerando de forma mais gravosa o adquirido noutro Estado Membro da UE. Se o Requerente tivesse adquirido o mesmo veículo usado em Portugal, este não seria onerado com a aplicação da taxa de 100% do ISV, pois no preço a pagar já estaria incorporado o ISV pago quando da importação como veículo novo e liquidado pela legislação em vigor nessa data.

A liquidação do ISV, efetuada ao abrigo de norma que entrou em vigor em janeiro de 2021, pelo aumento da carga fiscal que acarreta, excede o montante residual do imposto incorporado no valor de veículo usado já matriculado em Portugal, criando uma imposição interna da qual resulta tratamento desfavorável para veículos usados provenientes de outro Estado Membro, relativamente aos comercializadas em Portugal, em desrespeito pelo art. 110.º do TFUE.

Tendo em consideração o primado do direito da UE sobre o direito nacional, previsto constitucionalmente, a norma jurídica que tributa o veículo em função do ano da matrícula em Portugal, e não em função do ano da matrícula original, é ilegal, o que torna a liquidação do imposto também ilegal.

Ilegalidade que, embora em sede de IUC, foi já declarada pelo Tribunal Europeu, por despacho proferido no proc. n.º C-640/17, em sede de pedido de reenvio prejudicial emanado pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, cujo sumário concluiu que: “O art. 110.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado-Membro por força da qual o Imposto Único de Circulação que estabelece é cobrado sobre os veículos automóveis ligeiros de passageiros matriculados ou registados nesse Estado-Membro sem ter em conta a data da primeira matrícula de um veículo, quando esta tenha sido efetuada noutro Estado-Membro, com a consequência de a tributação dos veículos importados de outro Estado-Membro ser superior à dos veículos não importados similares”.

Além desta decisão, existe jurisprudência do TJUE que condenou Estados Membros por tratamento fiscal desigual dado a veículos usados importados, relativamente aos comercializados nos mercados internos. No que diz respeito a Portugal, destaca as decisões nos processos Gomes Valente e Nunes Tadeu, onde, respetivamente, foi declarado que:

- O art. 95.º, primeiro parágrafo, do Tratado só permite a um Estado-Membro aplicar aos veículos usados importados de outros Estados-Membros um sistema de tributação em que a depreciação do valor efetivo dos referidos veículos é calculada de modo geral e abstrato, com base em critérios ou tabelas fixas determinadas por uma disposição legislativa, regulamentar ou administrativa, se esses critérios ou tabelas forem suscetíveis de garantir que o montante do imposto devido não excede, ainda que apenas em certos casos, o montante do imposto residual incorporado no valor dos veículos similares já matriculados no território nacional”.

- “A cobrança por um Estado-Membro de um imposto sobre os veículos usados provenientes de outro Estado-Membro é contrária ao artigo 95º do Tratado CEE quando o montante do imposto, calculado sem tomar em conta a depreciação real do veículo, exceda o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados no território nacional”;

Invoca ainda a decisão de Tribunal Arbitral do CAAD no proc. 136/2021-T, que declarou a anulação parcial da liquidação do ISV com estes fundamentos:

“III- E é com base no conceito de facto gerador não discriminatório, decorrente do Direito da União, que devemos aplicar corretamente no tempo a taxa intermédia constante da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV: a) entre 2015 e 2019 para os veículos introduzidos pela primeira vez no consumo em qualquer Estado-membro da União Europeia; b) a partir de 2021 para os veículos introduzidos pela primeira vez no consumo em qualquer Estado-membro da União Europeia”.

Todavia, conclui o Requerente, se subsistirem dúvidas sobre a interpretação e aplicação do disposto no art. 110.º do TFUE, deve este Tribunal Arbitral proceder ao reenvio prejudicial desta questão ao Tribunal de Justiça para a interpretação da mesma à luz do Tratado. Questão que deve ser formulada de forma a aquele Tribunal esclarecer se a liquidação do ISV efetuada da forma como o foi, dando-lhe um tratamento igual ao de veículo novo matriculado pela

primeira vez em 2021, viola ou não o disposto no artigo 110.º do Tratado, porquanto discrimina negativamente os veículos usados admitidos no espaço português, provenientes de outro Estado-membro, relativamente aos matriculados e comercializados em Portugal. O ISV liquidado deveria ter tido em consideração a alínea d) do n.º 1 do art. 8.º do CISV que vigorava à data da primeira matrícula no país de origem, o que determinaria a aplicação da percentagem de 25% (taxa intermédia), e não de 100%.

 

2. Da Resposta e das Alegações da AT extrai-se, em síntese:

O cálculo do ISV foi efetuado com recurso à tabela A, aplicável a veículos ligeiros de passageiros, atendendo à componente cilindrada e à componente ambiental, nos termos do artigo 7.º, e da tabela D do artigo 11.º, n.º 1, do CISV, tendo sido aplicadas as taxas normais, previstas para os veículos ligeiros de passageiros usados de acordo com as características dos veículos (Quadro R da DAV).

Defende o Requerente que a liquidação de ISV é ilegal por entender que, tratando-se de veículo matriculado pela primeira vez, ainda que noutro Estado-membro, na vigência da redação anterior da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV, que previa a aplicação de uma taxa de 25% para os automóveis com motores híbridos plug-in, com bateria carregada através de ligação à rede elétrica, com autonomia mínima, no modo elétrico, de 25 quilómetros, deveria beneficiar da redução então prevista na referida norma.

O ISV é um imposto sobre o consumo, interno, de natureza específica, incidente sobre veículos, sendo exigível no momento da introdução no consumo de veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal. Não é um imposto harmonizado na UE, não se encontrando o seu regime regulamentado ao nível desta, nem existindo harmonização de taxas, não estando estas sujeitas ao princípio do primado do Direito da UE.

A fiscalidade automóvel não está harmonizada na UE (divergindo consideravelmente de um Estado-Membro para outro), incumbindo aos Estados-Membros gerirem a tributação incidente sobre os veículos novos sem matrícula e/ou portadores de matrículas estrangeiras (usados), pautando-se por critérios e opções de vária ordem, tendentes a satisfazer resultados e necessidades, designadamente ao nível do ambiente, da receita fiscal e da segurança rodoviária.

Os Estados-Membros são livres de exercer a sua competência fiscal e é neste pressuposto que, como na situação em apreço, a admissão dos veículos em Portugal está sujeita ao pagamento do imposto e à atribuição de matrícula nacional.

De acordo com o n.º 1 do artigo 5.º do CISV, constitui facto gerador do imposto a admissão de veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal. Em consonância com o procedimento subjacente à liquidação do ISV, o facto tributário em análise teve por base o facto gerador de imposto e a apresentação da DAV n.º 2021/..., de 13.09.2021.

Conforme estabelecido na alínea b) do n.º 1 do artigo 6.º do CISV, o ISV torna-se exigível no momento da introdução no consumo, considerando-se esta verificada no momento da apresentação da DAV pelos particulares, determinando o n.º 3 da mesma disposição legal que o imposto a aplicar é aquele que estiver em vigor no momento em que se torna exigível. Por força do estabelecido na alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º do CISV, a apresentação da DAV assume-se como a obrigação declarativa decorrente da verificação do facto gerador do imposto (admissão do veículo no território nacional), tornando o imposto exigível na introdução no consumo. Logo, a introdução no consumo efetuada num outro Estado-Membro não pode relevar ou ser considerada, para efeitos de constituição de facto gerador de imposto, na aceção do n.º 1 do artigo 5.º do CISV.

Somente a entrada do veículo no território nacional/admissão pode configurar facto gerador de imposto, o qual, mediante a obrigação declarativa de apresentação da DAV, determina a taxa de imposto a pagar, nos termos, conjugados, do n.º 1 do artigo 5.º, alínea b) do n.º 1 e n.º 3 do artigo 6.º do CISV. A DAV de introdução no consumo constitui condição sine qua non da fixação da matéria tributável e da liquidação, aplicando-se a taxa em vigor no momento da exigibilidade do imposto.

O veículo em causa, não obstante esteja equipado com motor híbrido plug-in, não possui, como é exigido na norma em vigor, cumulativamente, uma autonomia, no modo elétrico, de 50 km, nem emissões oficiais de CO2 inferiores a 50g/km, sendo de 52g/km. Foi objeto de introdução no consumo através de DAV com data de aceitação em 2021, sendo que, naquela data, se encontrava em vigor a nova redação do artigo 8.º do CISV que resultou da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro. Aplicando-se as normas tributárias aos factos posteriores à sua entrada em vigor, conforme dispõe o n.º 1 do artigo 12.º da Lei Geral Tributária (LGT), relativo à aplicação da lei tributária no tempo, não se suscita dúvida de que ao facto tributário em causa se aplica a alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV atualmente em vigor.

Referindo-se o Requerente a alegada violação ao artigo 110.º do TFUE, comummente associada à versão anterior do n.º 1 do artigo 11.º do CISV, que não previa a aplicação de percentagens de redução para a componente ambiental em função dos anos de uso, analisada a DAV, verifica-se que ao imposto resultante da tabela A foram aplicadas as percentagens de redução previstas atualmente na tabela D (n.º 1 do artigo 11.º do CISV), tendo em conta a componente cilindrada e a componente ambiental, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional e à vida útil média remanescente dos veículos. O ISV aplicado ao veículo foi reduzido tendo em conta os anos de uso que decorreram entre a data da 1.ª matrícula e o termo do prazo de apresentação da respetiva DAV de introdução no consumo no território nacional.

No caso de veículos já matriculados em território nacional, o montante do imposto pago é incorporado no valor. Assim, quando um veículo registado em Portugal é vendido como usado, o seu valor de mercado, que inclui o montante residual do imposto de registo, será igual a uma percentagem, determinada pela desvalorização desse veículo, do seu valor inicial. Só existe violação do artigo 110.º do TFUE quando o montante do imposto que incide sobre um veículo usado proveniente de outro Estado-Membro exceda o montante residual do referido imposto incorporado no valor dos veículos usados similares já matriculados no território nacional (conforme decidido em sede arbitral, designadamente na decisão de 15.06.2020, no processo n.º 660/2019-T). Tal significa que a tributação de veículos usados provenientes de outros Estados-Membros, no momento da matrícula no Estado-Membro de admissão, com vista à colocação em circulação, deve refletir o tempo de uso, o que equivale a dizer que na tributação de usados provenientes de outro Estado-Membro devem ser usadas as mesmas componentes de base de tributação dos veículos novos, ajustadas pela componente que reflete o tempo de uso ou a depreciação dos veículos.

No caso em apreço, o imposto teve como base a tributação dos veículos novos, similares, que foram introduzidos no consumo durante o ano 2021, fazendo refletir no imposto liquidado o tempo de uso, tendo sido aplicada a tabela D constante da atual redação do n.º 1 do artigo 11.º do CISV.

Afirma o Requerente, para sustentar a sua posição, que a liquidação de ISV efetuada ao abrigo de norma legal que entrou em vigor em 2021 cria “uma imposição interna da qual resulta um tratamento desfavorável para as viaturas provenientes de um Estado Membro relativamente às comercializadas em Portugal”, considerando que “a norma jurídica que tributa em função do ano da matrícula em Portugal e não em função da sua matrícula original, é ilegal”.

Não se vislumbra em que medida, e de que forma, em concreto, a existência de um imposto interno sobre os veículos e a legislação nacional, mormente os artigos 5.º e 8.º do CISV, colidem com o estabelecido nos artigos 26.º e 28.º do TFUE. Os princípios relativos ao funcionamento do mercado interno e da livre circulação de mercadorias não se opõem à existência no ordenamento fiscal dos Estados-membros de impostos internos, porquanto não existe harmonização fiscal no seio da UE, podendo, inclusivamente os Estados-membros criar tributos que não existam noutros ordenamentos jurídicos. Não constitui entrave à circulação o facto de um veículo que foi introduzido e declarado num Estado-Membro ser posteriormente introduzido noutro Estado-membro, como ocorreu no caso vertente em Portugal, relativamente ao veículo

em causa.

Não existe acórdão do TJUE que se tenha pronunciado no sentido de que o facto gerador, tal como se encontra definido na legislação nacional, ou na de outro Estado-Membro, viola os artigos 26.º e 28.º a 37.º e 110.º do TFUE, nem tampouco um conceito definido pelo direito da UE para ser aplicado a todo o território desta, porquanto não existe harmonização no âmbito da tributação automóvel.

Não pode afirmar-se que, designadamente, o artigo 5.º, n.º 1, do CISV, e o conceito de facto gerador nele constante, constituem uma “imposição interna”, pois, além de tal afirmação colidir com o que vem sendo pugnado pela interpretação do TJUE neste âmbito, seria o mesmo que dizer que o regime jurídico do ISV, em Portugal, ou dos outros EM, por si constituiria um “encargo de efeito equivalente” ou uma “imposição interna”. Não existe definição decorrente do direito da EU, mas o TJUE tem considerado o “encargo de efeito equivalente” como “qualquer imposição, independentemente da sua designação ou meio de aplicação”, que, incidindo especificamente sobre o produto importado de um país membro e não sobre o produto nacional similar, tenha como resultado, ao alterar o seu preço, sobre a livre circulação de produtos a mesma incidência que um direito aduaneiro. Acresce que, mesmo na ausência de medidas de harmonização (direito derivado da UE), o TJUE defende que os Estados-Membros são obrigados a permitir que mercadorias legalmente produzidas e comercializadas num Estado-Membro circulem e sejam colocadas nos seus mercados. No caso concreto, o conceito de “facto gerador” não impede que os veículos de outros Estados-membros circulem e sejam colocados no mercado nacional.

Tendo em consideração o Acórdão “Keck” do TJUE, o artigo 5.º, n.º 1, do CISV é aplicado a todos os operadores e particulares, sujeitos passivos de ISV em Portugal, afetando da mesma maneira a “comercialização”, neste caso, a tributação, de produtos nacionais e de produtos provenientes de outros Estados-Membros, incluindo como facto gerador, além da admissão, ou entrada de um veículo de outro Estado-membro, o fabrico e a montagem no território nacional.

Não existe, por conseguinte, qualquer efeito discriminatório, até porque, em todos os casos, independentemente do facto gerador em causa, os veículos são tributados nos termos do artigo 7.º, sendo que, no caso dos veículos usados ainda lhes são aplicadas as reduções previstas na tabela D, do n.º 1 do artigo 11.º do CISV.

Não existe, igualmente, discriminação, impedimento à livre circulação das mercadorias, ou imposição interna, por força da aplicação ou não aplicação de um benefício fiscal previsto no CISV, porquanto o artigo 8.º é aplicado de igual modo, ou não, em função da verificação das condições relativas ao benefício, a todos os veículos, sejam eles provenientes de outros Estados-membros ou nacionais, não assentando a aplicação da taxa reduzida no facto de os veículos

serem exclusivamente nacionais. Não estando previsto na lei um critério que dependa da proveniência do veículo, o que seria potencialmente discriminatório, o veículo foi tributado, quer por força do facto gerador, quer quanto à não aplicação da taxa reduzida prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º, que também não seria aplicada a veículo nacional com as mesmas características.

A decisão proferida no Processo n.º 136/2021-T incorreu em erro de julgamento. Atentos os meios recursivos previstos no RJAT para reagir das decisões arbitrais, que não incluem tal fundamento, impediu a interposição de recurso da decisão por parte da Requerida.

Conclui a Requerida AT que a tributação em causa no processo, além de não violar qualquer princípio do TFUE, mormente o previsto no artigo 110.º, foi efetuada em cumprimento do previsto na lei em vigor aplicável aos factos, resultando comprovados os seus pressupostos e devendo ser mantido o ato tributário de ISV impugnado. Contudo, subsistindo dúvidas quanto à interpretação da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV, face ao direito da União Europeia, designadamente quanto ao disposto no artigo 110.º do TFUE, deverá o Tribunal Arbitral proceder ao reenvio prejudicial desta questão ao Tribunal de Justiça para uma interpretação à luz do TFUE, no sentido de saber se uma norma como a constante da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV, relativa a uma isenção parcial (redução de taxa), a aplicar a todos os veículos ligeiros de passageiros, nacionais e de outros Estados-membros, que não faz depender a aplicação do benefício do ano da 1ª matrícula, mas da verificação das condições nela previstas, viola os princípios que regulam o mercado interno, designadamente o seu artigo 110.º do TFUE.

 

Apreciação e decisão quanto ao cabimento do reenvio prejudicial

Por Despacho Arbitral de 20.04.2022 foi proferida a seguinte decisão interlocutória:

Existe extensa jurisprudência, em particular no CAAD, que versa a questão da legalidade de liquidações de ISV que aplicaram o artigo 11.º do CISV, na redação anterior à alteração que veio fixar percentagens de redução por anos após a primeira matrícula – previstas na Tabela D

– para passar a ter em conta também a componente ambiental. Isto é, que aplicaram o artigo 11.º na redação em que se fundamentou a AT para múltiplas liquidações de ISV que foram objeto de impugnação. Tal jurisprudência é uniforme na declaração de ilegalidade daquelas liquidações, designadamente com suporte em decisões do TJUE (em particular, os Processos C-200/15 e C-169/2020).

O segundo dos referidos processos – porque interposto pela Comissão Europeia contra a República Portuguesa – mostra-se de marcado impacto. Lê-se no Acórdão que “Ao não desvalorizar a componente ambiental no cálculo do valor aplicável aos veículos usados postos em circulação no território português e adquiridos noutro Estado-Membro, no âmbito do cálculo do imposto sobre veículos previsto no Código do Imposto sobre Veículos, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 71/2018, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110.º TFUE.”

A matéria que constitui a fattispecie da alínea b) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV é, patentemente, diversa da prevista no artigo 11.º do CISV, mas não o parece ser em termos absolutos, no sentido de serem zonas normativa e consequencialmente mutuamente estanques.

Que a componente ambiental, como anteriormente a componente cilindrada, tenha passado progressivamente, ao longo de várias iterações legislativas, a refletir o tempo de uso dos veículos usados introduzidos no consumo em Portugal, provenientes de outros Estados-membros – o tempo de ‘uso’ após a data da primeira matrícula – veio resolver a questão da violação do artigo 110.º do TFUE de que continuadamente padecia o regime do artigo 11.º, eliminando a discriminação negativa destes por comparação com veículos usados equiparáveis transacionados no mercado interno, considerando a incorporação, no preço de transação dos segundos, do efeito da desvalorização pelo tempo de uso, na medida em que tal preço incorpora o ISV suportado.

As “taxas intermédias” do artigo 8.º – se aplicadas – operam através de uma determinada redução percentual do ISV que haja sido calculado, em primeiro lugar, por aplicação da Tabela A, em função da tipologia do veículo (n.º 1 do artigo 7.º), em seguida, no caso de introdução no consumo em Portugal de veículo usado proveniente de outro Estado-membro, por aplicação da Tabela D (n.º 1 do artigo 11.º), internalizando esta no cálculo de liquidação do ISV a consideração do tempo de uso, nas componentes de cilindrada e ambiental.

Quando não são aplicadas as ditas “taxas intermédias”, como é o caso em juízo, a internalização do tempo de uso através da aplicação da Tabela D não é afetada – não suscitando questões de desconformidade com o artigo 110.º do TFUE, mas há que equacionar se resta alguma zona de tratamento discriminatório, quando a lei, como interpretada pela Alfândega de Leixões, não faz aplicar tais “taxas intermédias” ao resultado das Tabelas A e D, relativamente a veículo usado proveniente de outro Estado-membro, em função das características técnico-ambientais, considerando decisiva a data da introdução no consumo (data de aceitação da DAV, no caso de particulares), e não a data da primeira matrícula, quando nesta última data vigorava um desagravamento de imposto, o qual se aplicou a veículos usados equiparáveis que foram então introduzidos no consumo em Portugal.

Por outras palavras, há que equacionar se não subsiste ainda, nesta dimensão da aplicação de regimes legais no tempo, aproveitando e adaptando mutatis mutandis a formulação da própria Requerida AT: “violação do artigo 110.º do TFUE quando o montante do imposto que incide sobre um veículo usado proveniente de outro Estado-Membro exceda o montante residual do referido imposto incorporado no valor dos veículos usados similares já matriculados no

território nacional.”

Tem que ser pacífico, face à letra da lei, que os pressupostos de aplicação do benefício das “taxas intermédias” se reportam à data da geração do facto tributário ‘introdução no consumo’

– como justamente o recorda a Requerida AT – pelo que não poderia a Alfândega de Leixões fazer a liquidação do ISV por aplicação de lei diversa da que está em vigor na data de aceitação da DAV. Porém, não considera este Tribunal Arbitral inequívoco ou linear que fazer assim a aplicação da lei não resulte, afinal, em que esta se mostre, pelos efeitos que produz, para situações similares – de veículos usados com iguais tempo de uso e características técnicas –, compatível com a proibição de medidas tributárias discriminatórias estatuída no artigo 110.º do TFUE.

Relativamente a esta matéria, respeitante à aplicação das “taxas intermédias” fixadas no artigo 8.º do CISV, apenas se conhece uma decisão jurisprudencial, a extraída no Proc. 136/2021-T, do CAAD, decisão aliás invocada pelo Requerente, enquanto a AT lhe aponta “erro de julgamento”.

Este Tribunal Arbitral, sem prejuízo da elevada apreciação em que tem a construção jurídica aí formulada, entende-a questionável, antes sendo de opinião que importa, no caso vertente, dar cumprimento ao disposto no artigo 267.º do TFUE, na parte em aí se dispõe que, “Sempre que uma questão desta natureza [sobre a interpretação dos Tratados] seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal.”

Aliás, quer o Requerente, quer a Requerida AT, se pronunciam nos respetivos articulados no sentido de – em caso de dúvida relativa à interpretação da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV face ao direito da UE, designadamente ao disposto no artigo 110.º do TFUE, dever este Tribunal Arbitral proceder ao reenvio prejudicial.

 

Pela mesma decisão interlocutória, foram as Partes convidadas a formular as observações que considerassem pertinentes ao projeto, nela vertido, de questão a colocar no reenvio prejudicial.

Até ao termo do prazo fixado para a pronúncia, facultativa, que foi de 10 dias, correndo em simultâneo, nenhuma se pronunciou.

O facto de ter sido proferida uma decisão arbitral em que se entendeu não ser de efetuar o reenvio (no Proc. 136/2021-T, do CAAD) não vincula o presente Tribunal Arbitral, pois, como tem afirmado o TJUE ”compete exclusivamente ao juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça" (acórdãos do TJUE de 10.07.2018, processo C-25/17, n.º 31, e de 02.10.2018, processo C-207/16, n.º 45).

 

Assim, o Tribunal Arbitral – de cujas decisões não cabe recurso de mérito, salvo em matéria de inconstitucionalidade, ou com fundamento em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo (n.ºs 1 e 2 do artigo 25.º do RJAT) – entende que a solução da questão suscitada não é líquida, à face do direito da UE, no que de resto convergem as Partes, e que, na ausência de jurisprudência conhecida do TJUE sobre a questão, se justifica – recte, se impõe – o reenvio prejudicial.

 

Legislação nacional relevante:

Código do Imposto Sobre Veículos

Artigo 2.º Incidência objetiva

1 - Estão sujeitos ao imposto os seguintes veículos:

a) Automóveis ligeiros de passageiros, considerando-se como tais os automóveis com peso bruto até 3.500 kg e com lotação não superior a 9 lugares, incluindo o do condutor, que se destinem ao transporte de pessoas;

[…]

Artigo 3.º Incidência subjetiva

1 - São sujeitos passivos do imposto os operadores registados, os operadores reconhecidos e os particulares, tal como definidos pelo presente Código, que procedam à introdução no consumo dos veículos tributáveis, considerando-se como tais as pessoas em nome de quem seja emitida a declaração aduaneira de veículos.

[…]

Artigo 4.º Base tributável

1 - O Imposto Sobre Veículos possui natureza específica, sendo a sua base tributável constituída pelos seguintes elementos, tal como constantes do respetivo certificado de conformidade:

a) Quanto aos automóveis de passageiros, de mercadorias e de utilização mista, tributados pela Tabela A, a cilindrada, o nível de emissão de partículas, quando aplicável, e o nível de emissão de dióxido de carbono (CO2) relativo ao ciclo combinado de ensaios resultante dos testes realizados ao abrigo do 'Novo Ciclo de Condução Europeu Normalizado' (New European Driving Cycle - NEDC) ou ao abrigo do 'Procedimento Global de Testes Harmonizados de Veículos Ligeiros' (Worldwide Harmonized Light Vehicle Test Procedure - WLTP), consoante o sistema de testes a que o veículo foi sujeito para efeitos da sua homologação técnica;

[…]

Artigo 5.º Facto gerador

1 - Constitui facto gerador do imposto o fabrico, montagem, admissão ou importação dos veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal.

[…]

3 - Para efeitos do presente código entende-se por:

a) «Admissão», a entrada de um veículo originário ou em livre prática noutro Estado-membro da União Europeia em território nacional;

[…]

Artigo 6.º Exigibilidade

1 - Nos casos mencionados no n.º 1 do artigo anterior, o imposto torna-se exigível no momento da introdução no consumo, considerando-se esta verificada:

[…]

b) No momento da apresentação da declaração aduaneira de veículos pelos particulares.

[…]

3 - A taxa de imposto a aplicar é a que estiver em vigor no momento em que este se torna exigível.

Artigo 7.º Taxas normais – automóveis

1 - A Tabela A, a seguir indicada, estabelece as taxas de imposto, tendo em conta a componente cilindrada e ambiental, e é aplicável aos seguintes veículos:

a) Aos automóveis de passageiros;

[…]

Na redação introduzida pela Lei n.º 82-D/2014 de 31 de dezembro, aplicável entre 01.01.2015 e 31.12.2020:

Artigo 8.º Taxas intermédias – automóveis

1 - É aplicável uma taxa intermédia, correspondente às percentagens a seguir indicadas do imposto resultante da aplicação da Tabela A constante do n.º 1 do artigo anterior, aos seguintes veículos:

a) “25%, aos automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos plug-in, cuja bateria possa ser carregada através de ligação à rede elétrica e que tenham uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 25 quilómetros.”

[…]

Na redação introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, aplicável a partir de 01.01.2021:

Artigo 8.º Taxas intermédias – automóveis

1 - É aplicável uma taxa intermédia, correspondente às percentagens a seguir indicadas do imposto resultante da aplicação da Tabela A constante do n.º 1 do artigo anterior, aos seguintes veículos:

[…]

d) 25%, aos automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos plug-in, cuja bateria possa ser carregada através de ligação à rede elétrica e que tenham uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 50 km e emissões oficiais inferiores a 50 g CO2/km.

[…]

Artigo 11.º Taxas - veículos usados

1 - O imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados-Membros da União Europeia é objeto de liquidação provisória nos termos das regras do presente Código, ao qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na Tabela D ao imposto resultante da Tabela respetiva, tendo em conta a componente cilindrada e ambiental, incluindo-se o agravamento previsto no n.º 3 do artigo 7.º, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional e à vida útil média remanescente dos veículos, respetivamente:

Tabela D […]

Nestes termos, decide-se formular e submeter a apreciação, em reenvio prejudicial, a seguinte questão:

O artigo 110.º do TFUE opõe-se a que norma do direito nacional – constante da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV – que concede desagravamento para 25% do imposto incidente sobre a introdução no consumo de veículos automóveis (ISV), em benefício de veículos ligeiros de passageiros que cumpram determinados critérios ambientais, vigore e seja objeto de aplicação, na redação com início de vigência em 1 de janeiro de 2021, mais restritiva do que a até então vigente, tanto a veículos nacionais novos, como a veículos usados provenientes de outros Estados-membros da UE, matriculados pela primeira vez em Portugal a partir dessa data, conferindo tratamento tributário igual entre tais veículos, mas resultando numa situação que pode ser tida como de desigualdade, entre veículos usados, com o mesmo tempo de uso, que cumpram os critérios ambientais menos exigentes anteriormente em vigor, mas não cumpram os da lei nova, consoante (a) tenham sido comercializados e matriculados originariamente em Portugal antes da data de entrada em vigor da nova redação, caso em que terão sido desagravados para 25% do valor do imposto, o que se pode entender tender a refletir-se no respetivo preço de transação como usados, ou (b) tenham sido matriculados noutro Estado-membro em data em que vigorava a redação anterior e sejam introduzidos no consumo em Portugal após aquela mesma data, caso em que suportam 100% do valor do imposto?

Suspende-se a instância, até à pronúncia do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre o reenvio prejudicial.

 

Em 16 de Outubro de 2023 foi, no respeitante, pelo Tribunal de Justiça, (oitva secção), no processo C-349/22, produzido Acordão do seguinte teor, no essencial:

....

Com a sua questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 110.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que, na data da introdução no consumo num Estado-Membro de um veículo matriculado pela primeira vez noutro Estado-Membro, um imposto sobre veículos seja calculado segundo as regras aplicáveis nessa data, embora, no momento da primeira matrícula do referido veículo, estivesse em vigor uma versão anterior da legislação relativa a esse imposto, que conduzia à aplicação de um imposto mais baixo e da qual puderam beneficiar os veículos similares com as mesmas características relevantes que esse veículo mas que foram matriculados pela primeira vez nesse primeiro Estado-Membro.

A título preliminar, importa recordar que, sem prejuízo de determinadas exceções que não são relevantes para o presente processo, a tributação dos veículos automóveis não foi harmonizada a nível da União. Os Estados-Membros são, portanto, livres de exercer a sua competência fiscal neste domínio, na condição de o fazerem respeitando o direito da União [Acórdão de 19 de setembro de 2017, Comissão/Irlanda (Imposto de matrícula), C-552/15, EU:C:2017:698, n.° 71 e jurisprudência referida],

Por outro lado, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, um imposto sobre veículos automóveis cobrado por um Estado-Membro aquando do registo desses veículos com vista à sua entrada em circulação no seu território não constitui nem um direito aduaneiro nem um encargo de efeito equivalente a um direito aduaneiro, na aceção dos artigos 28.° e 30.° TFUE. Além disso, tal imposto também não pode ser apreciado à luz do artigo 34.° TFUE, que proíbe as restrições quantitativas à importação e as medidas de efeito equivalente a essas restrições. Com efeito, um imposto como o que está em causa no processo principal constitui uma imposição interna e deve, portanto, ser examinado à luz do artigo 110.° TFUE (Acórdãos de 7 de abril de 2011, Tatu, C-402/09, EU:C:2011:219, n.os 32 e 33, e de 17 de dezembro de 2015, Viamar, C-402/14, EU:C:2015:830, n.° 33 e jurisprudência referida).

O artigo 110.° TFUE tem por objetivo assegurar a livre circulação de mercadorias entre os Estados-Membros, em condições normais de concorrência. Esta disposição visa eliminar todas as formas de proteção que possam resultar da aplicação de imposições internas, designadamente daquelas que são discriminatórias para produtos provenientes de outros Estados-Membros (Acórdão de 14 de abril de 2015, Manea, C-76/14, EU:C:2015:216, n.° 28). Este artigo é violado sempre que a imposição que incide sobre o produto importado e a que incide sobre o produto nacional similar são calculadas de forma diferente e segundo modalidades diferentes que conduzam, ainda que apenas em certos casos, a uma imposição superior do produto importado [Acórdão de 2 de setembro de 2021, Comissão/Portugal (Imposto sobre veículos), C-169/20, EU:C:2021:679, n.° 34 e jurisprudência referida].

Em matéria de tributação dos veículos automóveis usados importados, o artigo 110.° TFUE visa garantir a perfeita neutralidade das imposições internas no que respeita à concorrência entre os produtos que já se encontram no mercado

nacional e os produtos importados e, por conseguinte, obriga cada Estado-Membro a escolher e a estruturar os impostos que incidem sobre os veículos automóveis de maneira a não terem por efeito favorecer a venda de veículos usados nacionais e desencorajar desse modo a importação de veículos usados similares (v., neste sentido, Acórdão de 7 de abril de 2011, Tatu, C-402/09, EU:C:2011:219, n.° 56, e Despacho de 17 de abril de 2018, dos Santos, C-640/17, EU:C:2018:275, n.° 17).

Ora, os veículos automóveis presentes no mercado de um Estado-Membro são

produtos nacionais desse Estado, na aceção do artigo 110.° TFUE. Quando esses produtos são vendidos no mercado dos veículos usados desse Estado-Membro, devem ser considerados produtos similares aos veículos usados importados do mesmo tipo, com as mesmas características e com o mesmo desgaste. Com efeito, os veículos usados comprados no mercado do referido Estado-Membro e os comprados, para importação e entrada em circulação no mesmo, noutros Estados-Membros, constituem produtos concorrentes (Acórdão de 7 de abril de 2011, Tatu, C-402/09, EU:C:2011:219, n.° 55, e Despacho de 17 de abril de 2018, dos Santos, C-640/17, EU:C:2018:275, n.° 16).

Assim sendo, existe uma violação do artigo 110.° TFUE sempre que o montante do imposto que incide sobre um veículo usado proveniente de outro Estado-Membro exceder o montante residual do referido imposto incorporado no valor dos veículos usados similares já matriculados em território nacional. Com efeito, tal situação pode favorecer a venda de veículos usados nacionais e

desencorajar assim a importação de veículos usados similares (Acórdão de 19 de dezembro de 2013, X, C-437/12, EU:C:2013:857, n.os31 e 32 e jurisprudência referida).

No caso em apreço, resulta dos elementos de que o Tribunal de Justiça dispõe que, por um lado, o imposto em causa é um imposto sobre o consumo cobrado,

nomeadamente, a todos os veículos obrigados à matrícula em Portugal e que é

exigível no momento em que esse veículo é aí introduzido no consumo. Assim sendo, este imposto é aplicável aos veículos novos e aos veículos usados importados, uma vez que só é cobrado uma única vez, no momento da introdução no consumo de um determinado veículo no território português.

Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio explica que o artigo 8.° do Código do Imposto sobre Veículos foi objeto de uma alteração posterior à data da primeira matrícula do veículo em causa no processo principal na Alemanha, mas antes da sua introdução no consumo em Portugal. A referida alteração destinava-se a tornar mais exigentes as condições para que um veículo pudesse beneficiar da aplicação da taxa reduzida de imposto igual a 25 %.

Com efeito, como resulta do pedido de decisão prejudicial, na vigência do regime que era aplicável em Portugal ao abrigo do artigo 8.°, n.° 1, alínea d), do Código do Imposto sobre Veículos, na versão introduzida pela Lei n.° 82-D/2014, à data da primeira matrícula do veículo em causa no processo principal na Alemanha, esse veículo tinha direito a beneficiar da aplicação da taxa reduzida de imposto igual a 25 %. Em contrapartida, à data da sua introdução no consumo em Portugal, o referido veículo não preenchia os requisitos para beneficiar dessa taxa reduzida na vigência do regime previsto no artigo 8.°, n.° 1, alínea d), do Código do Imposto sobre Veículos, na redação que lhe foi dada pela Lei n.° 75-B/2020.

Daqui resulta que veículos usados do mesmo tipo, com as mesmas características e com o mesmo desgaste, que, assim sendo, são produtos similares na aceção da jurisprudência mencionada no n.° 24 do presente acórdão, podem ser sujeitos a imposto a uma taxa diferente consoante tenham sido introduzidos no consumo em Portugal antes ou depois da alteração legislativa descrita nos n.os 27 e 28 do presente acórdão.

Neste contexto, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se, no momento

da introdução no consumo em Portugal de um veículo usado proveniente de outro Estado-Membro, tal aplicação da legislação relativa ao imposto sobre veículos conduz a que o imposto que incide sobre o veículo usado em causa exceda o montante residual do referido imposto incorporado no valor dos veículos usados similares já matriculados em território nacional, criando, assim, o risco de favorecer a venda de veículos usados nacionais e de desencorajar a importação de veículos usados similares, na aceção da jurisprudência referida no n.° 25 do presente acórdão.

Em primeiro lugar, esse órgão jurisdicional deverá ter em conta, por um lado, o facto de o imposto ser cobrado à taxa plena no momento da importação e da introdução no consumo do referido veículo proveniente de outro Estado-Membro,

mesmo quando preenchia os requisitos para beneficiar da aplicação da taxa reduzida de imposto igual a 25 % no momento em que foi matriculado pela primeira vez nesse outro Estado-Membro. Por outro lado, deverá ter em conta que o adquirente de um veículo usado similar, já presente no mercado português, apenas deve suportar o montante do imposto residual incorporado no valor comercial do veículo que adquire, sendo que, além disso, o valor desse imposto está ligado à referida taxa reduzida paga no momento da introdução inicial desse veículo no consumo.

A este respeito, importa recordar que o Tribunal de Justiça esclareceu que os Estados-Membros não podem instituir novos impostos ou introduzir modificações nos impostos existentes que tenham por objeto ou por efeito desencorajar a venda de produtos importados em benefício da venda de produtos similares disponíveis no mercado nacional e introduzidos no mesmo antes da entrada em vigor dos referidos impostos ou modificações (Acórdão de 19 de dezembro de 2013, X, C-437/12, EU:C:2013:857, n.° 35).

Em segundo lugar, resulta das explicações do órgão jurisdicional de reenvio que as modalidades de cálculo do imposto foram sendo progressivamente alteradas através de várias reformas legislativas, a fim de que a componente ambiental desse imposto passasse a ter em conta a depreciação resultante do tempo de uso dos veículos usados importados para Portugal.

No entanto, sob reserva das verificações que o órgão jurisdicional de reenvio deverá efetuar, tais reformas legislativas não parecem ser suscetíveis de garantir, por si só, uma aplicação do imposto compatível com o artigo 110.° TFUE. Com efeito, como resulta, em substância, do n.°31 do presente acórdão, o valor comercial dos veículos similares a um veículo como o que está em causa no processo principal, que também são comercializados no. mercado português dos veículos usados e que beneficiaram da aplicação da taxa reduzida de imposto igual a 25 % no momento da sua introdução no consumo, inclui o montante residual do referido imposto. Ora, é em relação à taxa a que este imposto foi pago que esse montante residual deve ser avaliado.

Tendo em conta os fundamentos acima expostos, há que responder à questão submetida que o artigo 110.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que, na data da introdução no consumo num Estado-Membro de um veículo matriculado pela primeira vez noutro Estado-Membro, um imposto sobre veículos seja calculado segundo as regras aplicáveis nessa data, embora, no momento da primeira matrícula do referido veículo, estivesse em vigor uma versão anterior da legislação relativa a esse imposto, que conduzia à aplicação de um imposto mais baixo e da qual puderam beneficiar os veículos similares com as mesmas características relevantes que esse veículo mas que foram matriculados pela primeira vez nesse primeiro Estado-Membro, se, e na medida em que, o montante do imposto cobrado sobre o mesmo veículo importado exceder o montante do valor residual do imposto que é incorporado no valor dos veículos nacionais similares presentes no mercado nacional dos veículos usados.

....

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Oitava Secção) declara:

O artigo 110.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que, na data da introdução no consumo num Estado-Membro de um veículo matriculado pela primeira vez noutro Estado-Membro, um imposto sobre veículos seja calculado segundo as regras aplicáveis nessa data, embora, no momento da primeira matrícula do referido veículo, estivesse em vigor uma versão anterior da legislação relativa a esse imposto, que conduzia à aplicação de um imposto mais baixo e da qual puderam beneficiar os veículos similares com as mesmas características relevantes que esse veículo mas que foram matriculados pela primeira vez nesse primeiro Estado-Membro, se, e na medida em que, o montante do imposto cobrado sobre o mesmo veículo importado exceder o montante do valor residual do imposto que é incorporado no valor dos veículos nacionais similares presentes no mercado nacional dos veículos usados.

 

Vejamos,

Sobre o tema da vinculação dos tribunais nacionais ás decisões do TJUE, .....cumpre referir com Carla Machado, citada, entre outros, no Ac. do TRL460/17.0YHLSB de 07-06-2018 pertinente é não olvidar que “ as decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia constituem fonte de direito imediata, permitindo a uniformidade e a harmonização na aplicação do direito da União no território dos Estados-Membros

Assim, para além da consagração expressa de alguns dos princípios estruturantes da ordem jurídica europeia previstos no artigo 2.º do Tratado da União Europeia (TUE), além de alguns dos princípios gerais do direito da União Europeia, é mister atentar ao papel da jurisprudência principialista do TJUE, que gozando ainda de precedente vinculativo, assume particular relevância na fixação e subsequente densificação dos princípios que subjazem a esta ordem jurídica.

Depois, e partindo do princípio da lealdade europeia [ do artigo 4.º do TUE  ], pertinente é também não olvidar [ reafirma Carla Machado ] que tem o TJUE vindo a reafirmar uma série de outros princípios com vista a assegurar os objectivos da União de direito, sendo de destacar de entre eles o princípio do primado [ o qual impõe a prevalência do direito da União sobre o direito nacional , e estando o mesmo internamente plasmado na conjugação dos artigos 7.º, n.º 6 e 8.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa] , o princípio da interpretação conforme e o princípio da responsabilidade do Estado-juiz por violação das obrigações europeias, e dirigindo-se o primeiro também ao juiz nacional e a quem de resto incumbe fiscalizar e zelar pela aplicação do direito da União e a sua efectiva tutela jurisdicional.

Alinhando por semelhante entendimento, e no que aos efeitos materiais da decisão prejudicial - sobre a decisão a proferir no processo nacional em que foi colocada - diz respeito, chama a atenção Carla Câmara   que o tribunal que suscitou a questão e os restantes tribunais nacionais e do espaço da União estão vinculados às conclusões – bem como à fundamentação - do acórdão prejudicial, sendo razões de uniformidade as subjacentes a tal obrigatoriedade.

No mesmo sentido se pronuncia Jónatas Machado, in “Direito da União Europeia”, pág. 591/592, acrescentando: “…a sentença do TJUE vincula igualmente os demais tribunais nacionais do Estado-membro em causa e dos vários Estados-membros que se vejam confrontados com a mesma questão jurídica. A decisão adquire, por isso, uma eficácia a tender para efeitos erga omnes. Embora juridicamente se esteja perante efeitos circunscritos ao caso, e não se possa falar de preclusão de novos reenvios, os princípios da legalidade, da segurança jurídica, da igualdade, da proibição do arbítrio e da discriminação e da unidade do sistema jurídico europeu acabam por determinar a vinculação dos tribunais nacionais por estas decisões”.

 

Ou seja,

Pode, ou não, o Tribunal concordar com as asserções ou conclusões do Acórdão proferido, mas delas, em rigor, não se pode afastar para produzir a decisão que lhe é acometida, sendo certo, por maioria de razão, estarem os autos envolvidos no processo de reenvio por força da sua suspensão em razão do mesmo.

 

Sendo certo, nessa razão, que as normas em causa não permitem outra interpretação que não a referida:

O artigo 110.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que, na data da introdução no consumo num EstadoMembro de um veículo matriculado pela primeira vez noutro EstadoMembro, um imposto sobre veículos seja calculado segundo as regras aplicáveis nessa data, embora, no momento da primeira matrícula do referido veículo, estivesse em vigor uma versão anterior da legislação relativa a esse imposto, que conduzia à aplicação de um imposto mais baixo e da qual puderam beneficiar os veículos similares com as mesmas características relevantes que esse veículo mas que foram matriculados pela primeira vez nesse primeiro EstadoMembro, se, e na medida em que, o montante do imposto cobrado sobre o mesmo veículo importado exceder o montante do valor residual do imposto que é incorporado no valor dos veículos nacionais similares presentes no mercado nacional dos veículos usados.

 

Assim, conforme, aliás, referido na decisão n.º 350/2022 do CAAD, que é o sentido da jurisprudência, fortemente maioritaria do CAAD:.

(...) da conjugação do disposto no artigo 5º do Código do Imposto sobre Veículos em articulação com o direito da União, mais concretamente os artigos 26.º e 28.º a 37.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), que consagram o direito à livre circulação de mercadorias, resulta que  o facto gerador do imposto para efeitos do artigo 5º do CISV deve ser entendido como, a introdução ao consumo do veículo é na Alemanha, […], que é a data de atribuição da sua primeira matrícula.                         

E, que qualquer interpretação contrária colidiria com o princípio da não discriminação constante do artigo 110.º do TFUE, ou mesmo pelo princípio da liberdade de circulação de mercadorias, que encerra igualmente uma dupla proibição, consagrados nos artigos 28º nº 1, 30º e 34º, 35º do Tribunal de Justiça da União Europeia.

Pelo que, o conceito de facto gerador não discriminatório, decorrente do Direito da União Europeia, deve ser aplicado no tempo, ou seja, na data da sua primeira matrícula no país de origem que é de 29-12-2016 e em consequência deve ser aplicada a taxa em vigor nessa data.

 Face ao exposto, concluímos que, tendo em conta que o veículos tinha tido a primeira matrícula no país de origem, (Alemanha), em 14.09.2018. conforme factualidade dada como provada – será esta a data relevante para aplicação do facto gerador de imposto previsto no art. 5.º do CISV o que, assim sendo, determina a aplicação da taxa intermédia que resulta da al. d), do n.º 1 do art. 8.º do CISV, na redação que estava em vigor à data dessa primeira matrícula.

 Assim sendo, se conclui que é de aplicar a taxa intermédia de 25%, constante da al. d) do n.º 1 do art. 8.º do CISV, na redação da Lei 82-D/2014, de 31 de dezembro, uma vez que se trata de veículo ligeiro de passageiros, com motor híbrido plug-in, com bateria que pode ser carregada através de ligação à rede elétrica, com autonomia no modo elétrico de 48 km, sendo, assim, superior aos 25 km mínimos previstos na lei(...).

 

Nessa razão, determina-se a anulação parcial, (conforme pedido), do acto tributário de liquidação de ISV em apreço nos autos, uma vez que padece de ilegalidade, já que não considerou a redução de ISV, resultante da aplicação da taxa intermédia de 25%, constante da al. d) do n.º 1 do art. 8.º do CISV, na redação da Lei 82-D/2014, de 31 de dezembro.

 

Determinada a referida anulação do ato tributário de liquidação de ISV em apreço nos autos, e tendo o Requerente pago a totalidade do ISV liquidado, deve ser-lhe restituído o imposto indevidamente pago, nos termos do disposto nos arts. 24.º, n.º 1, al. b) do RJAT e 100.º da LGT.

 

 4.2. Juros indemnizatórios

Nos processos arbitrais tributários pode haver lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43.º, n.ºs 1 e 2, e 100.º da LGT, quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

E, como há muito vem entendendo o Supremo Tribunal Administrativo, a imputabilidade para efeitos de juros indemnizatórios apenas depende da prática de um acto ilegal, por iniciativa da Administração Tributária, mesmo em situações em que a ilegalidade deriva apenas do direito da União Europeia.

Esta imputabilidade do erro aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro, podendo servir de base à responsabilidade por juros indemnizatórios a falta do próprio serviço, globalmente considerado.

O TJUE também já decidiu que a cobrança de impostos em violação do direito da União tem como consequência na só direito ao reembolso como o direito a juros, como pode ver-se pelo acórdão de 18-04-2013, processo n.º C-565/11.

Também, de acordo com o disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, deverá ser entendido que o pedido de juros indemnizatórios é uma pretensão relativa a atos tributários, que visa explicitar/concretizar o conteúdo do dever de “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.

 

 Assim, o Requerente terá direito a juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre a quantia de ISV paga indevidamente, nos termos do disposto nos arts. 24.º, n.º 1 al. b) do RJAT, 100.º e 43.º da LGT, desde a data do pagamento até restituição.

 

 Procedem, assim, os fundamentos da Requerente, reconhecendo-se a ilegalidade da liquidação efetuada, do que resultará a sua anulação parcial, devendo ser restituído ao Requerente a quantia de €2.209,86 acrescida de juros indemnizatórios calculados desde a data do pagamento do imposto até à efetiva restituição.

 

DECISÃO

 

Termos em que:

- Se julga improcedente a excepção de incompetência material do Tribunal

- Se julga procedente o pedido arbitral de anulação do ato tributários impugnado 

- Se julga procedente o pedido de juros indemnizatórios;

- Se condena a Requerida nas custas do processo.

 

VALOR DO PROCESSO 

Em ordem ao disposto nos artigos 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da causa em €2.209,86.

 

CUSTAS 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, do RJAT, e Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em €612,00 que fica a cargo da Requerida.

 

Lisboa, 22-01-2024

 

O Árbitro   

 

Fernando Miranda Ferreira

 

 

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo n.º: 700/2021-T

Tema: ISV - Introdução no consumo de veículo híbrido plug-in usado proveniente de outro Estado-membro da EU. Não aplicação das taxas intermédias. Hipotética desconformidade com o artigo 110.º do TFUE. Reenvio prejudicial.

 

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL DE REENVIO PREJUDICIAL

 

 

  1. Relatório

 

1. A..., com o NIF ..., com residência na Rua ..., ..., ...-..., Lisboa (adiante, o ‘Requerente’), dirigiu ao Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) “impugnação” do ato de liquidação de Imposto Sobre Veículos (ISV) praticado pela Alfândega de Leixões, sobre a DAV n.º 2021/..., de 13.09.2021 (data da aceitação).

 

A “impugnação”, com a invocação de ser apresentada “nos termos do artigo 99.º do CPPT”, foi validada em 02.11.2021 como pedido de constituição de tribunal arbitral, pelo Senhor Presidente do CAAD, portanto ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 2.º e na alínea a) do n.º 2 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, ou ‘RJAT’).

 

O pedido foi automaticamente notificado à Autoridade Tribuária e Aduaneira (doravante, ‘Requerida’ ou ‘AT’).

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação atual, o Conselho Deontológico designou como árbitro de Tribunal Arbitral Singular o signatário, que dentro do prazo aplicável comunicou aceitar a designação. As partes foram devidamente notificadas desta, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação atual, o presente Tribunal Arbitral Singular foi constituído no dia 10.01.2022.

 

2. Síntese da pretensão do Requerente e seus fundamentos:

 

O Requerente submeteu uma Declaração Aduaneira de Veículo (DAV), relativa à introdução no consumo em Portugal de um veículo automóvel usado, com proveniência da Alemanha,  equipado com motor híbrido plug-in. O referido veículo tinha tido a primeira matrícula no país de origem em 14.09.2018. À DAV foi atribuído o n.º 2021/..., de 13.09.2021 (data de aceitação).

 

A Alfândega de Leixões liquidou ISV no valor de EUR 2.928,28, valor que foi integralmente pago pelo Requerente.

 

A taxa de ISV, considerando o cálculo sobre as componentes de cilindrada e ambiental (tabela A), e tendo também em conta o tempo de uso desde a primeira matrícula (tabela D), foi aplicada pela Alfândega de Leixões em 100%, portanto sem ser objeto do abatimento que, na tese do Requerente, decorreria do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV – aí designado como ‘taxas intermédias’ –, em função de estar o veículo equipado com motor híbrido plug-in, com bateria que pode ser carregada através de ligação à rede elétrica.

 

O Requerente considera que a liquidação de ISV foi ilegal, “por violação do direito europeu, mais propriamente do art. 110.º do TFUE”. Peticiona, portanto, que a liquidação de ISV seja declarada ilegal pelo Tribunal e seja ordenada à AT a restituição do valor de EUR 2.209,86, que entende cobrado em excesso, acrescido dos juros indemnizatórios calculados à taxa legal em vigor à data do pagamento, desde a data do pagamento do imposto até à efetiva restituição.

 

Requereu produção de prova testemunhal, arrolando duas testemunhas.

 

3. Por despacho de 11.01.2022, o Tribunal mandou notificar o dirigente máximo do Serviço da AT, nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT, para, no prazo de 30 dias, apresentar Resposta, solicitar, querendo, a produção de prova adicional, e remeter cópia do Processo Administrativo.

 

4. Devidamente notificada, veio a Requerida AT deduzir exceção dilatória de incompetência absoluta deste Tribunal Arbitral, defender-se por impugnação e opor-se à produção de prova testemunhal.

 

5. Por despacho arbitral de 11.02.2022, foi notificado o Requerente para se pronunciar sobre a verificação da referida exceção dilatória, nos termos conjugados do disposto no n.º 2 do artigo 11.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e na alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, sendo fixado o prazo de 10 dias para o efeito, ao abrigo do disposto na alínea a) do artigo 16.º do RJAT, com observância do disposto no n.º 1 do artigo 23.º do CPPT.

 

6. Até ao termo do referido prazo, o Requerente não apresentou pronúncia sobre a exceção dilatória suscitada pela Requerida AT. Por Requerimento de 17.03.2022, veio o Requerente requerer ao Tribunal a fixação de prazo adicional para o fazer, invocando que “por deficiente tratamento da notificação do despacho, o mesmo foi extraviado”, reconhecendo, a passo, a inexistência de motivo constitutivo de justo impedimento.

 

Por Despacho arbitral do mesmo dia17.03.2022, foi a Requerida AT mandada notificar para, querendo, se pronunciar sobre o Requerimento do Requerente, o que fez em 22.03.2022, em resposta na qual propugna pelo indeferimento de tal pedido.

 

7. Em 23.03.2022, foi proferido Despacho arbitral com o seguinte teor:

 

«1. Apreciação e decisão sobre a exceção dilatória de incompetência do Tribunal Arbitral

 

Na resposta apresentada pela Requerida AT, vem formulada a tese de que se verifica a exceção dilatória de incompetência do Tribunal Arbitral.

Por despacho arbitral de 11.02.2022, foi notificado o Requerente para se pronunciar sobre a verificação da referida exceção, nos termos conjugados do disposto no n.º 2 do artigo 11.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e na alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT). Foi fixado o prazo de 10 dias para o efeito, ao abrigo do disposto na alínea a) do artigo 16.º do RJAT, com observância do disposto no n.º 1 do artigo 23.º do CPPT.

Até ao termo do referido prazo, o Requerente não apresentou pronúncia sobre a exceção dilatória suscitada pela Requerida AT. Por Requerimento de 17.03.2022, veio o Requerente requerer a fixação de prazo adicional para o fazer, invocando que “por deficiente tratamento da notificação do despacho, o mesmo foi extraviado”, reconhecendo, a passo, a inexistência de motivo constitutivo de justo impedimento. Por Despacho arbitral do mesmo dia, foi a Requerida AT mandada notificar para, querendo, se pronunciar sobre o Requerimento do Requerente, o que fez em 22.03.2022, em resposta na qual propugna pelo indeferimento de tal pedido.

Como logo o próprio Requerente admite e afirma, inexiste invocação de qualquer motivo que possa ser considerado justo impedimento, nos termos e com os efeitos referidos no artigo 140.º do Código de Processo Civil. Assim, indefere-se o pedido de concessão de novo prazo para pronúncia sobre a matéria da exceção de incompetência do Tribunal Arbitral.

Mostra-se plenamente acautelado o princípio do contraditório, permitindo ao Tribunal conhecer da matéria de exceção, mostrando-se ainda supérfluo e contrário ao princípio da economia processual, neste mesmo enquadramento, dar cumprimento literal ao disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 18.º do RJAT.   

Assim, passa a conhecer-se da matéria da referida exceção dilatória, uma vez que, a ser esta julgada procedente, tem como resultado a imediata absolvição da instância, por obstar a que o Tribunal conheça do mérito da causa, como decorre da aplicação do estatuído no n.º 2 do artigo 89.º do CPPT, ex vi alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT. Opta-se por não remeter o conhecimento desta matéria de exceção para a decisão final.

Na tese da Requerida AT, o Tribunal Arbitral é incompetente para conhecer do pedido por duas ordens de razões:

A. A pretensão, conforme formulada no pedido, visa unicamente o reconhecimento do direito à aplicação de taxa reduzida: o Requerente requer a constituição do Tribunal Arbitral com vista a obter a aplicação da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.° do CISV na redação que vigorava antes da versão atual, introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro. Ou seja, pretende a restituição de quantia, paga indevidamente, a que alegadamente teria direito por beneficiar da taxa prevista na redação anterior da dita alínea d) do n.º 1 do artigo 8.° do CISV.

O artigo 8.° do CISV, incluindo a alínea d) do n.º 1, refere-se a um benefício fiscal, consagrando ‘taxas intermédias”, conforme epígrafe, isenções parciais ou “reduções de taxas” nos termos do Estatuto dos Benefícios Fiscais. Assim, não é o ato decorrente da aplicação das taxas normais que o Requerente pretende efetivamente impugnar, antes pretendendo usufruir do benefício fiscal previsto no artigo 8.° do CISV, com o objetivo de afastar a tributação-regra, pedido que não pode ser submetido à presente instância arbitral, pois o processo arbitral apenas abrange os atos suscetíveis de impugnação judicial, isto é, os abrangidos pelo artigo 2.°, n.º 1, do RJAT.

No âmbito da competência dos tribunais arbitrais constituídos ao abrigo do RJAT não se inclui a possibilidade de apreciação de pedidos tendentes ao reconhecimento de direitos em matéria tributária ou de outros atos relativos a questões tributárias que não comportem a apreciação da legalidade do ato de liquidação. O peticionado nos autos não pode ter como causa de pedir e objeto a apreciação do não reconhecimento da aplicação de uma taxa reduzida ao ato de liquidação resultante da aplicação das taxas normais (tributação-regra), sob pena de ocorrer a exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral, que obsta ao conhecimento do pedido e determina a absolvição da Requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.°, n.º 1, e 577.°, alínea a), do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do artigo 29.°, n.º 1, alínea e) do RJAT.

B. Pretende o Requerente que a liquidação efetuada nos termos do artigo 7.° e do artigo 11.°, n.º 1, do CISV, seja parcialmente anulada, sem invocar qualquer ilegalidade que resulte da não aplicação da lei em vigor, visando, outrossim, uma nova liquidação que aplique um benefício (redução de taxa/taxa intermédia) que nem sequer está previsto no CISV para o veículo do Requerente, visto não preencher os requisitos previstos para o efeito.

Tal pedido – independentemente de tal benefício, previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV, não abranger o veículo em questão – consubstancia uma exigência para que a AT adote uma nova atuação em sede de liquidação do imposto, procedendo à realização de nova liquidação, que não a resultante da tributação-regra, aplicável ao facto gerador em presença, consistente na admissão de veículo usado, de outro Estado-membro, que é efetuada nos termos dos artigos 7.° e 11.° do CISV, cuja ilegalidade não vem impugnada, não obstante o Requerente afirme pretender a retificação da liquidação, o que resulta numa contradição, pois não pode impugnar uma liquidação que pretende ver substituída. A liquidação é sempre efetuada de acordo com o preceituado naqueles dispositivos legais, sendo que uma liquidação em que há lugar à aplicação de taxas intermédias, taxas reduzidas ou isenções totais, implica nova liquidação, com o processamento de outra DAV, revestindo a natureza de liquidação substitutiva. Nesta medida, pugnando o Requerente pela realização de segunda liquidação, que viria substituir a anterior, a qual sendo válida, não lhe pode ser assacado qualquer vício, visa, concomitantemente, que a Requerida adote um comportamento consistente na realização de novo ato de liquidação, resultando, deste modo, evidente que o que está em causa não é a correção da liquidação impugnada, mas sim a pretensão do Requerente de que seja emitida outra liquidação, em substituição da ora impugnada.

O meio processual próprio face à omissão do dever de proceder a liquidação substitutiva, seria o “reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”, em conformidade com o previsto no artigo 145.º do CPPT, uma vez que não está em causa a “intimação para um comportamento do seu direito” [sic], a qual não resulta diretamente da lei. Tal atribuição não cabe no elenco das competências do tribunal arbitral, descrito no n.º 1 do artigo 2.° do RJAT, o qual se restringe à declaração de ilegalidade de atos de liquidação previstos nas alíneas a) e b), isto é, à mera apreciação de legalidade. Termos em que conclui que, face à incompetência material absoluta do tribunal arbitral, deve a Requerida ser absolvida da instância, nos termos dos artigos 16.°, n.ºs 1 e 2 do CRPT, 99.º, n.º 1, 576.°, n.ºs 1 e 2, e 577.º alínea a), do CPC.

Face ao que antecede, como síntese da formulação da Requerida AT, mostra-se necessário que o Tribunal Arbitral aprecie os termos em que vem formulado o pedido de pronúncia arbitral, para determinar qual é, em termos substantivos, o objeto que neste se enuncia como decidendum.

O pedido de pronúncia arbitral é especificado ao longo do articulado, podendo sintetizar-se a respetiva formulação nos seguintes termos:

- A taxa aplicada pela AT sobre a componente cilindrada e ambiental do imposto foi de 100%, não tendo sido considerado qualquer abatimento pelo facto de a viatura estar equipada com motor híbrido plug-in, cuja bateria pode ser carregada através de ligação à rede elétrica, facto que leva o Impugnante a considerar que a liquidação de ISV foi ilegal, por violação do direito europeu, mais propriamente do art. 110.º do TFUE (artigos 5 e 6);

- A disposição aplicada foi a alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV, na redação introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, pela qual a “taxa intermédia” de 25% passou a aplicar-se “aos automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos plug-in, cuja bateria possa ser carregada através de ligação a rede elétrica e que tenham uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 50 quilómetros e emissões oficiais inferiores a 50g C02/Km"; - a viatura adquirida pelo Impugnante não preenchia estes dois requisitos, pelo que o ISV foi liquidado pela taxa de 100%, ou seja, como se se tratasse de viatura nova, matriculada pela primeira vez em 2021, ignorando a AT a legislação em vigor à data da primeira matricula da viatura (artigos 8 a 12);

- A liquidação do ISV, efetuada ao abrigo da nova redação do art. 8.º do CISV, tratou de forma desigual uma viatura matriculada originalmente noutro Estado-Membro da UE e posteriormente introduzida em Portugal, relativamente a uma outra adquirida e matriculada originalmente em Portugal, onerando de forma mais gravosa a viatura adquirida noutro Estado-Membro da EU, em desrespeito pelo artigo 110.º do TFUE (artigos 13 a 18).

- Tendo em consideração o primado do direito da UE sobre o direito nacional, previsto constitucionalmente, a norma jurídica que tributa a viatura em função do ano da matrícula em Portugal, e não em função do ano da sua matrícula original, é ilegal, o que toma a liquidação do ISV também ilegal (artigos 19 e 20).

- O ISV liquidado deveria ter tido em consideração a alínea d) do n.° 1 do art. 8.º do CISV que vigorava à data da primeira matrícula do veículo no seu pais de origem, o que determinaria a aplicação da percentagem de 25% sobre a taxa intermédia, e não de 100% como foi, de que resultava um ISV a pagar no valor de € 1.128,71 (4.514,84 x 25%). A este valor, há ainda que deduzir os valores correspondentes à redução pelo número de anos de uso do veículo (35% para a componente cilindrada e 20% para a componente ambiental) no valor global de € 396,64. Do que resulta um ISV a pagar de € 718,42 e não os € 2.928,28 pagos pelo Requerente (artigos 32 a 35).

- Assim, reconhecendo-se a ilegalidade da liquidação efetuada, do que resultará a sua anulação parcial, deve ser restituído ao Requerente a quantia de € 2.209,86 paga a mais (artigo 36).

- E vem concluído assim: “Nestes termos deve a presente impugnação ser julgada provada e procedente, ordenando-se a anulação parcial da liquidação do ISV, nos termos requeridos. Mais deve a AT ser condenada a restituir ao Impugnante a quantia de € 2.209,86 cobrada em excesso, acrescida dos juros indemnizatórios calculados á taxa legal em vigor à data do pagamento, desde a data do pagamento do imposto até à efetiva restituição”.

Salvo o devido respeito, a explanação da causa de pedir e do pedido que consta do pedido de pronúncia arbitral não constitui um paradigma de linearidade conceptual e argumentativa. Sem embargo de assim nos parecer, é cognoscível o que o Requerente ataca e visa ver escrutinado no presente processo. O Requerente impugna a legalidade da liquidação de ISV feita pela AT, por ter a mesmo sido feita por aplicação da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV, na redação introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, dispositivo este que o Requerente considera violador do artigo 110.º do TFUE.

Não se mostra impeditivo desta leitura – quantum satis para fixar a substância do questionamento no âmbito da verificação da legalidade do ato de liquidação – que o Requerente prossiga propugnando pela aplicação do referido preceito [alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV] na redação em vigor à data da primeira matrícula da viatura, com o corolário que extrai do reconhecimento do direito à restituição da diferença de coleta.

O Tribunal Arbitral restringe a apreciação à verificação da legalidade / ilegalidade da liquidação de imposto – alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT –, cabendo subsequentemente à AT dar cumprimento ao disposto no n.º 1 do artigo 24.º do mesmo diploma, caso se venha a julgar no sentido de julgar procedente a tese da ilegalidade. Não cabe, seguramente, ao Tribunal Arbitral pronunciar-se para lá disso, pelo que não implicará a eventual declaração de ilegalidade da liquidação, se for esta a decisão, que o Tribunal venha a pretender ‘ditar’ que disposições legais, vigentes em que data, deveria a AT ter aplicado, mas esta não pronúncia em nada afeta o cabimento legal e a pertinência e suficiência da apreciação do pedido, como vem formulado.

Assim, tem-se por improcedente a exceção de incompetência do Tribunal Arbitral.

 

2. Apreciação e decisão sobre requerimento para produção de prova testemunhal

 

No pedido de pronúncia arbitral, o Requerente arrola duas testemunhas. Nada adianta quanto a que matéria deveriam as mesmas ser ouvidas, para esclarecimento do Tribunal Arbitral relativamente à matéria de facto.

Na Resposta, a Requerida AT observa que no presente processo apenas está em causa enquadrar e decidir uma questão de Direito, não sendo a matéria de facto controvertida.

Também assim se julga. Não se descortina que depoimento possam as testemunhas validamente fazer, no quadro da inexistência de controvérsia sobre a matéria de facto com relevância para a decisão, mostrando-se ainda incontrovertível que não poderia o Tribunal Arbitral aceitar potenciais explanações que não versassem sobre matéria de facto, v.g., sobre a aplicação da lei (artigo 341.º do Código Civil). Acresce que a matéria de facto é a que consta, com suficiência, do Processo Administrativo e dos articulados, pelo que também não seria de admitir a prova testemunhal (n.º 2 do artigo 393.º do Código Civil).

Não se mostra legalmente exigível maior fundamentação para indeferir o requerimento de produção da prova testemunhal – o que se faz no uso dos poderes conferidos pela alínea e) do artigo 16.º do RJAT –, pois não estando em aberto questões relativas à matéria de facto não se aplica o disposto no n.º 3 do artigo 90.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicação que poderia ser equacionada ex vi alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

 

3. Dispensa da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e fixação de prazo para alegações

 

Acautelado que foi o princípio do contraditório, relativamente à matéria da exceção dilatória de incompetência do Tribunal Arbitral – a qual, neste mesmo Despacho, vai decidida no sentido da sua não verificação, o que desde logo preserva o direito do Requerente a uma decisão de mérito, para lá da sua própria inação – e não havendo situações subsumíveis nas alíneas a) ou c) do n.º 1 do artigo 18.º do RJAT, ou outros elementos sobre que as Partes se devam pronunciar, não se vê utilidade na realização da reunião prevista nesse preceito, a qual fica dispensada, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 16.º do mesmo diploma.

Fixa-se, para a faculdade de apresentação de alegações escritas, prazo simultâneo de 10 dias, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 120.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e na alínea c) do n.º do artigo 29.º do RJAT.

 

4. Outras matérias

 

Fixa-se como data prevista para prolação da decisão arbitral o dia 29.04.2022.

Deve a Requerente, até essa data, proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente.

Ao abrigo do princípio da cooperação processual, consagrado na alínea f) do artigo 16.º do RJAT, solicita-se às Partes a pronta junção ao processo dos respetivos articulados em formato editável (Word).»

 

8. Em 04.04.2022, o Requerente informou o Tribunal Arbitral de que não iria apresentar alegações. A Requerida apresentou alegações em 07.04.2022.

 

  1. Saneador

 

O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e – como foi apreciado e decidido no Despacho arbitral atrás reproduzido – é materialmente competente [alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT].

 

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e encontram-se legalmente representadas (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades.

 

  1. Do mérito

 

III-1 – Da matéria de facto

 

Factos provados

 

Julgam-se provados os seguintes factos, sendo a convicção do Tribunal fundada nas posições assumidas por cada uma das Partes nos articulados, as quais, de resto, não se apresentam divergentes quanto à matéria factual, e bem assim no conteúdo do Processo Administrativo:

 

O Requerente apresentou junto da Alfândega de Leixões – através de ‘declarante aduaneiro’ em sua representação – uma Declaração Aduaneira de Veículo (DAV), relativa a veículo ligeiro de passageiros híbrido elétrico/gasolina, de marca ..., proveniente da Alemanha, aí matriculado pela primeira vez em 14.09.2018.

 

À DVA foi atribuído o n.º 2021/..., de 13.09.2021 (data da aceitação).

 

Da mesma DAV consta “autonomia da bateria < 50 kms”.

 

Da mesma DAV consta ainda a liquidação de ISV n.º 2021/..., no valor de EUR 2.928,28, com data de 13.09.2021 e com data de cobrança no dia imediato.

 

Factos não provados

 

Inexistem factos com relevância para a decisão arbitral a julgar como não provados.

 

III-2 – Do Direito da UE em causa no processo

 

A questão a dilucidar no processo é a de saber se está viciado por ilegalidade – em razão de desconformidade com o art. 110.º do TFUE – o ato de liquidação de ISV, na parte relativa à não aplicação da “taxa intermédia” obtida pela aplicação de redução de 25% sobre o resultado da aplicação da tabela normal, para automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos plug-in, prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV, na redação vigente à data da apresentação da DAV, isto é, a introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, desaplicando portanto o comando do mesmo preceito na redação que vigorava quando da primeira matrícula, a da Lei n.º 82-D/2014 de 31 de dezembro.

 

Na redação introduzida pela Lei n.º 82-D/2014 de 31 de dezembro, aplicável entre 01.01.2015 e 31.12.2020:

 

Artigo 8.º Taxas intermédias – automóveis

1 - É aplicável uma taxa intermédia, correspondente às percentagens a seguir indicadas do imposto resultante da aplicação da Tabela A constante do n.º 1 do artigo anterior, aos seguintes veículos:

a) “25%, aos automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos plug-in, cuja bateria possa ser carregada através de ligação à rede elétrica e que tenham uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 25 quilómetros.

[…]

 

Na redação introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, aplicável a partir de 01.01.2021:

 

Artigo 8.º Taxas intermédias – automóveis

1 - É aplicável uma taxa intermédia, correspondente às percentagens a seguir indicadas do imposto resultante da aplicação da Tabela A constante do n.º 1 do artigo anterior, aos seguintes veículos:

[…]

d) 25%, aos automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos plug-in, cuja bateria possa ser carregada através de ligação à rede elétrica e que tenham uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 50 km e emissões oficiais inferiores a 50 g CO2/km.

[…]

 

1. A tese do Requerente é a seguinte, em síntese:

 

À data da primeira matrícula do veículo – 14.09.2018 - vigorava o art. 8.º do CISV, na redação introduzida pela Lei n.º 82-D/2014 de 31 de dezembro. De acordo com a alínea d) deste artigo, a liquidação do ISV era efetuada através de aplicação de uma taxa de 25% aos automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos plug-in, cuja bateria possa ser carregada através de ligação à rede elétrica e que tenham uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 25 quilómetros. Ou seja, estes veículos, de acordo com o regime vigente à referida data, apenas pagavam 25% do ISV. e não os 100% pelos quais os demais eram tributados.

 

Esta norma legal foi alterada pela Lei do Orçamento de Estado para 2021 – Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro. A nova redação agravou o ISV, limitando a redução do imposto aos veículos que cumulativamente preencham os dois referidos requisitos – autonomia mínima, no modo elétrico, de 50 quilómetros e emissões oficiais inferiores a 50g CO2/Km.

 

Uma vez que o veículo adquirido pelo Requerente não preenchia estes dois requisitos, o ISV foi liquidado pela taxa de 100%, ou seja, como se se tratasse de veículo novo, matriculado pela primeira vez em 2021, ignorando a AT a legislação em vigor à data da primeira matrícula.

 

A liquidação do ISV, efetuada ao abrigo da nova redação, tratou de forma desigual um veículo matriculado originalmente noutro Estado Membro da UE e posteriormente introduzido em Portugal, relativamente a um adquirido e matriculado originariamente em Portugal, onerando de forma mais gravosa o adquirido noutro Estado Membro da UE. Se o Requerente tivesse adquirido o mesmo veículo usado em Portugal, este não seria onerado com a aplicação da taxa de 100% do ISV, pois no preço a pagar já estaria incorporado o ISV pago quando da importação como veículo novo e liquidado pela legislação em vigor nessa data.

 

A liquidação do ISV, efetuada ao abrigo de norma que entrou em vigor em janeiro de 2021, pelo aumento da carga fiscal que acarreta, excede o montante residual do imposto incorporado no valor de veículo usado já matriculado em Portugal, criando uma imposição interna da qual resulta tratamento desfavorável para veículos usados provenientes de outro Estado Membro, relativamente aos comercializadas em Portugal, em desrespeito pelo art. 110.º do TFUE.

 

Tendo em consideração o primado do direito da UE sobre o direito nacional, previsto constitucionalmente, a norma jurídica que tributa o veículo em função do ano da matrícula em Portugal, e não em função do ano da matrícula original, é ilegal, o que torna a liquidação do imposto também ilegal.

 

Ilegalidade que, embora em sede de IUC, foi já declarada pelo Tribunal Europeu, por despacho proferido no proc. n.º C-640/17, em sede de pedido de reenvio prejudicial emanado pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, cujo sumário concluiu que: “O art. 110.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado-Membro por força da qual o Imposto Único de Circulação que estabelece é cobrado sobre os veículos automóveis ligeiros de passageiros matriculados ou registados nesse Estado-Membro sem ter em conta a data da primeira matrícula de um veículo, quando esta tenha sido efetuada noutro Estado-Membro, com a consequência de a tributação dos veículos importados de outro Estado-Membro ser superior à dos veículos não importados similares”.

 

Além desta decisão, existe jurisprudência do TJUE que condenou Estados Membros por tratamento fiscal desigual dado a veículos usados importados, relativamente aos comercializados nos mercados internos. No que diz respeito a Portugal, destaca as decisões nos processos Gomes Valente e Nunes Tadeu, onde, respetivamente, foi declarado que:

- O art. 95.º, primeiro parágrafo, do Tratado só permite a um Estado-Membro aplicar aos veículos usados importados de outros Estados-Membros um sistema de tributação em que a depreciação do valor efetivo dos referidos veículos é calculada de modo geral e abstrato, com base em critérios ou tabelas fixas determinadas por uma disposição legislativa, regulamentar ou administrativa, se esses critérios ou tabelas forem suscetíveis de garantir que o montante do imposto devido não excede, ainda que apenas em certos casos, o montante do imposto residual incorporado no valor dos veículos similares já matriculados no território nacional”.

- “A cobrança por um Estado-Membro de um imposto sobre os veículos usados provenientes de outro Estado-Membro é contrária ao artigo 95º do Tratado CEE quando o montante do imposto, calculado sem tomar em conta a depreciação real do veículo, exceda o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados no território nacional”;

 

Invoca ainda a decisão de Tribunal Arbitral do CAAD no proc. 136/2021-T, que declarou a anulação parcial da liquidação do ISV com estes fundamentos:

“III- E é com base no conceito de facto gerador não discriminatório, decorrente do Direito da União, que devemos aplicar corretamente no tempo a taxa intermédia constante da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV: a) entre 2015 e 2019 para os veículos introduzidos pela primeira vez no consumo em qualquer Estado-membro da União Europeia; b) a partir de 2021 para os veículos introduzidos pela primeira vez no consumo em qualquer Estado-membro da União Europeia”.

 

Todavia, conclui o Requerente, se subsistirem dúvidas sobre a interpretação e aplicação do disposto no art. 110.º do TFUE, deve este Tribunal Arbitral proceder ao reenvio prejudicial desta questão ao Tribunal de Justiça para a interpretação da mesma à luz do Tratado. Questão que deve ser formulada de forma a aquele Tribunal esclarecer se a liquidação do ISV efetuada da forma como o foi, dando-lhe um tratamento igual ao de veículo novo matriculado pela primeira vez em 2021, viola ou não o disposto no artigo 110.º do Tratado, porquanto discrimina negativamente os veículos usados admitidos no espaço português, provenientes de outro Estado-membro, relativamente aos matriculados e comercializados em Portugal. O ISV liquidado deveria ter tido em consideração a alínea d) do n.º 1 do art. 8.º do CISV que vigorava à data da primeira matrícula no país de origem, o que determinaria a aplicação da percentagem de 25% (taxa intermédia), e não de 100%.

 

2. Da Resposta e das Alegações da AT extrai-se, em síntese:

 

O cálculo do ISV foi efetuado com recurso à tabela A, aplicável a veículos ligeiros de passageiros, atendendo à componente cilindrada e à componente ambiental, nos termos do artigo 7.º, e da tabela D do artigo 11.º, n.º 1, do CISV, tendo sido aplicadas as taxas normais, previstas para os veículos ligeiros de passageiros usados de acordo com as características dos veículos (Quadro R da DAV).

 

Defende o Requerente que a liquidação de ISV é ilegal por entender que, tratando-se de veículo matriculado pela primeira vez, ainda que noutro Estado-membro, na vigência da redação anterior da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV, que previa a aplicação de uma taxa de 25% para os automóveis com motores híbridos plug-in, com bateria carregada através de ligação à rede elétrica, com autonomia mínima, no modo elétrico, de 25 quilómetros, deveria beneficiar da redução então prevista na referida norma.

 

O ISV é um imposto sobre o consumo, interno, de natureza específica, incidente sobre veículos, sendo exigível no momento da introdução no consumo de veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal. Não é um imposto harmonizado na UE, não se encontrando o seu regime regulamentado ao nível desta, nem existindo harmonização de taxas, não estando estas sujeitas ao princípio do primado do Direito da UE.

 

A fiscalidade automóvel não está harmonizada na UE (divergindo consideravelmente de um Estado-Membro para outro), incumbindo aos Estados-Membros gerirem a tributação incidente sobre os veículos novos sem matrícula e/ou portadores de matrículas estrangeiras (usados), pautando-se por critérios e opções de vária ordem, tendentes a satisfazer resultados e necessidades, designadamente ao nível do ambiente, da receita fiscal e da segurança rodoviária. Os Estados-Membros são livres de exercer a sua competência fiscal e é neste pressuposto que, como na situação em apreço, a admissão dos veículos em Portugal está sujeita ao pagamento do imposto e à atribuição de matrícula nacional.

 

De acordo com o n.º 1 do artigo 5.º do CISV, constitui facto gerador do imposto a admissão de veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal. Em consonância com o procedimento subjacente à liquidação do ISV, o facto tributário em análise teve por base o facto gerador de imposto e a apresentação da DAV n.º 2021/..., de 13.09.2021.

 

Conforme estabelecido na alínea b) do n.º 1 do artigo 6.º do CISV, o ISV torna-se exigível no momento da introdução no consumo, considerando-se esta verificada no momento da apresentação da DAV pelos particulares, determinando o n.º 3 da mesma disposição legal que o imposto a aplicar é aquele que estiver em vigor no momento em que se torna exigível. Por força do estabelecido na alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º do CISV, a apresentação da DAV assume-se como a obrigação declarativa decorrente da verificação do facto gerador do imposto (admissão do veículo no território nacional), tornando o imposto exigível na introdução no consumo. Logo, a introdução no consumo efetuada num outro Estado-Membro não pode relevar ou ser considerada, para efeitos de constituição de facto gerador de imposto, na aceção do n.º 1 do artigo 5.º do CISV.

 

Somente a entrada do veículo no território nacional/admissão pode configurar facto gerador de imposto, o qual, mediante a obrigação declarativa de apresentação da DAV, determina a taxa de imposto a pagar, nos termos, conjugados, do n.º 1 do artigo 5.º, alínea b) do n.º 1 e n.º 3 do artigo 6.º do CISV. A DAV de introdução no consumo constitui condição sine qua non da fixação da matéria tributável e da liquidação, aplicando-se a taxa em vigor no momento da exigibilidade do imposto.

 

O veículo em causa, não obstante esteja equipado com motor híbrido plug-in, não possui, como é exigido na norma em vigor, cumulativamente, uma autonomia, no modo elétrico, de 50 km, nem emissões oficiais de CO2 inferiores a 50g/km, sendo de 52g/km. Foi objeto de introdução no consumo através de DAV com data de aceitação em 2021, sendo que, naquela data, se encontrava em vigor a nova redação do artigo 8.º do CISV que resultou da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro. Aplicando-se as normas tributárias aos factos posteriores à sua entrada em vigor, conforme dispõe o n.º 1 do artigo 12.º da Lei Geral Tributária (LGT), relativo à aplicação da lei tributária no tempo, não se suscita dúvida de que ao facto tributário em causa se aplica a alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV atualmente em vigor.

 

Referindo-se o Requerente a alegada violação ao artigo 110.º do TFUE, comummente associada à versão anterior do n.º 1 do artigo 11.º do CISV, que não previa a aplicação de percentagens de redução para a componente ambiental em função dos anos de uso,  analisada a DAV, verifica-se que ao imposto resultante da tabela A foram aplicadas as percentagens de redução previstas atualmente na tabela D (n.º 1 do artigo 11.º do CISV), tendo em conta a componente cilindrada e a componente ambiental, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional e à vida útil média remanescente dos veículos. O ISV aplicado ao veículo foi reduzido tendo em conta os anos de uso que decorreram entre a data da 1.ª matrícula e o termo do prazo de apresentação da respetiva DAV de introdução no consumo no território nacional.

 

No caso de veículos já matriculados em território nacional, o montante do imposto pago é incorporado no valor. Assim, quando um veículo registado em Portugal é vendido como usado, o seu valor de mercado, que inclui o montante residual do imposto de registo, será igual a uma percentagem, determinada pela desvalorização desse veículo, do seu valor inicial. Só existe violação do artigo 110.º do TFUE quando o montante do imposto que incide sobre um veículo usado proveniente de outro Estado-Membro exceda o montante residual do referido imposto incorporado no valor dos veículos usados similares já matriculados no território nacional (conforme decidido em sede arbitral, designadamente na decisão de 15.06.2020, no processo n.º 660/2019-T). Tal significa que a tributação de veículos usados provenientes de outros Estados-Membros, no momento da matrícula no Estado-Membro de admissão, com vista à colocação em circulação, deve refletir o tempo de uso, o que equivale a dizer que na tributação de usados provenientes de outro Estado-Membro devem ser usadas as mesmas componentes de base de tributação dos veículos novos, ajustadas pela componente que reflete o tempo de uso ou a depreciação dos veículos.

 

No caso em apreço, o imposto teve como base a tributação dos veículos novos, similares, que foram introduzidos no consumo durante o ano 2021, fazendo refletir no imposto liquidado o tempo de uso, tendo sido aplicada a tabela D constante da atual redação do n.º 1 do artigo 11.º do CISV.

 

Afirma o Requerente, para sustentar a sua posição, que a liquidação de ISV efetuada ao abrigo de norma legal que entrou em vigor em 2021 cria “uma imposição interna da qual resulta um tratamento desfavorável para as viaturas provenientes de um Estado Membro relativamente às comercializadas em Portugal”, considerando que “a norma jurídica que tributa em função do ano da matrícula em Portugal e não em função da sua matrícula original, é ilegal”.

 

Não se vislumbra em que medida, e de que forma, em concreto, a existência de um imposto interno sobre os veículos e a legislação nacional, mormente os artigos 5.º e 8.º do CISV, colidem com o estabelecido nos artigos 26.º e 28.º do TFUE. Os princípios relativos ao funcionamento do mercado interno e da livre circulação de mercadorias não se opõem à existência no ordenamento fiscal dos Estados-membros de impostos internos, porquanto não existe harmonização fiscal no seio da UE, podendo, inclusivamente os Estados-membros criar tributos que não existam noutros ordenamentos jurídicos. Não constitui entrave à circulação o facto de um veículo que foi introduzido e declarado num Estado-Membro ser posteriormente introduzido noutro Estado-membro, como ocorreu no caso vertente em Portugal, relativamente ao veículo em causa.

 

Não existe acórdão do TJUE que se tenha pronunciado no sentido de que o facto gerador, tal como se encontra definido na legislação nacional, ou na de outro Estado-Membro, viola os artigos 26.º e 28.º a 37.º e 110.º do TFUE, nem tampouco um conceito definido pelo direito da UE para ser aplicado a todo o território desta, porquanto não existe harmonização no âmbito da tributação automóvel.

 

Não pode afirmar-se que, designadamente, o artigo 5.º, n.º 1, do CISV, e o conceito de facto gerador nele constante, constituem uma “imposição interna”, pois, além de tal afirmação colidir com o que vem sendo pugnado pela interpretação do TJUE neste âmbito, seria o mesmo que dizer que o regime jurídico do ISV, em Portugal, ou dos outros EM, por si constituiria um “encargo de efeito equivalente” ou uma “imposição interna”. Não existe definição decorrente do direito da EU, mas o TJUE tem considerado o “encargo de efeito equivalente” como “qualquer imposição, independentemente da sua designação ou meio de aplicação”, que, incidindo especificamente sobre o produto importado de um país membro e não sobre o produto nacional similar, tenha como resultado, ao alterar o seu preço, sobre a livre circulação de produtos a mesma incidência que um direito aduaneiro. Acresce que, mesmo na ausência de medidas de harmonização (direito derivado da UE), o TJUE defende que os Estados-Membros são obrigados a permitir que mercadorias legalmente produzidas e comercializadas num Estado-Membro circulem e sejam colocadas nos seus mercados. No caso concreto, o conceito de “facto gerador” não impede que os veículos de outros Estados-membros circulem e sejam colocados no mercado nacional.

 

Tendo em consideração o Acórdão “Keck” do TJUE, o artigo 5.º, n.º 1, do CISV é aplicado a todos os operadores e particulares, sujeitos passivos de ISV em Portugal, afetando da mesma maneira a “comercialização”, neste caso, a tributação, de produtos nacionais e de produtos provenientes de outros Estados-Membros, incluindo como facto gerador, além da admissão, ou entrada de um veículo de outro Estado-membro, o fabrico e a montagem no território nacional. Não existe, por conseguinte, qualquer efeito discriminatório, até porque, em todos os casos, independentemente do facto gerador em causa, os veículos são tributados nos termos do artigo 7.º, sendo que, no caso dos veículos usados ainda lhes são aplicadas as reduções previstas na tabela D, do n.º 1 do artigo 11.º do CISV.

 

Não existe, igualmente, discriminação, impedimento à livre circulação das mercadorias, ou imposição interna, por força da aplicação ou não aplicação de um benefício fiscal previsto no CISV, porquanto o artigo 8.º é aplicado de igual modo, ou não, em função da verificação das condições relativas ao benefício, a todos os veículos, sejam eles provenientes de outros Estados-membros ou nacionais, não assentando a aplicação da taxa reduzida no facto de os veículos serem exclusivamente nacionais. Não estando previsto na lei um critério que dependa da proveniência do veículo, o que seria potencialmente discriminatório, o veículo foi tributado, quer por força do facto gerador, quer quanto à não aplicação da taxa reduzida prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º, que também não seria aplicada a veículo nacional com as mesmas características.

 

A decisão proferida no Processo n.º 136/2021-T incorreu em erro de julgamento. Atentos os meios recursivos previstos no RJAT para reagir das decisões arbitrais, que não incluem tal fundamento, impediu a interposição de recurso da decisão por parte da Requerida.

 

Conclui a Requerida AT que a tributação em causa no processo, além de não violar qualquer princípio do TFUE, mormente o previsto no artigo 110.º, foi efetuada em cumprimento do previsto na lei em vigor aplicável aos factos, resultando comprovados os seus pressupostos e devendo ser mantido o ato tributário de ISV impugnado. Contudo, subsistindo dúvidas quanto à interpretação da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV, face ao direito da União Europeia, designadamente quanto ao disposto no artigo 110.º do TFUE, deverá o Tribunal Arbitral proceder ao reenvio prejudicial desta questão ao Tribunal de Justiça para uma interpretação à luz do TFUE, no sentido de saber se uma norma como a constante da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV, relativa a uma isenção parcial (redução de taxa), a aplicar a todos os veículos ligeiros de passageiros, nacionais e de outros Estados-membros, que não faz depender a aplicação do benefício do ano da 1ª matrícula, mas da verificação das condições nela previstas, viola os princípios que regulam o mercado interno, designadamente o seu artigo 110.º do TFUE.

 

 

 

3. Apreciação e decisão quanto ao cabimento do reenvio prejudicial

 

Por Despacho Arbitral de 20.04.2022 foi proferida a seguinte decisão interlocutória:

 

Existe extensa jurisprudência, em particular no CAAD, que versa a questão da legalidade de liquidações de ISV que aplicaram o artigo 11.º do CISV, na redação anterior à alteração que veio fixar percentagens de redução por anos após a primeira matrícula – previstas na Tabela D – para passar a ter em conta também a componente ambiental. Isto é, que aplicaram o artigo 11.º na redação em que se fundamentou a AT para múltiplas liquidações de ISV que foram objeto de impugnação. Tal jurisprudência é uniforme na declaração de ilegalidade daquelas liquidações, designadamente com suporte em decisões do TJUE (em particular, os Processos C-200/15 e C-169/2020).

 

O segundo dos referidos processos – porque interposto pela Comissão Europeia contra a República Portuguesa – mostra-se de marcado impacto. Lê-se no Acórdão que “Ao não desvalorizar a componente ambiental no cálculo do valor aplicável aos veículos usados postos em circulação no território português e adquiridos noutro Estado-Membro, no âmbito do cálculo do imposto sobre veículos previsto no Código do Imposto sobre Veículos, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 71/2018, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110.º TFUE.”

 

A matéria que constitui a fattispecie da alínea b) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV é, patentemente, diversa da prevista no artigo 11.º do CISV, mas não o parece ser em termos absolutos, no sentido de serem zonas normativa e consequencialmente mutuamente estanques.

 

Que a componente ambiental, como anteriormente a componente cilindrada, tenha passado progressivamente, ao longo de várias iterações legislativas, a refletir o tempo de uso dos veículos usados introduzidos no consumo em Portugal, provenientes de outros Estados-membros – o tempo de ‘uso’ após a data da primeira matrícula – veio resolver a questão da violação do artigo 110.º do TFUE de que continuadamente padecia o regime do artigo 11.º, eliminando a discriminação negativa destes por comparação com veículos usados equiparáveis transacionados no mercado interno, considerando a incorporação, no preço de transação dos segundos, do efeito da desvalorização pelo tempo de uso, na medida em que tal preço incorpora o ISV suportado.

 

As “taxas intermédias” do artigo 8.º – se aplicadas – operam através de uma determinada redução percentual do ISV que haja sido calculado, em primeiro lugar, por aplicação da Tabela A, em função da tipologia do veículo (n.º 1 do artigo 7.º), em seguida, no caso de introdução no consumo em Portugal de veículo usado proveniente de outro Estado-membro, por aplicação da Tabela D (n.º 1 do artigo 11.º), internalizando esta no cálculo de liquidação do ISV a consideração do tempo de uso, nas componentes de cilindrada e ambiental.

 

Quando não são aplicadas as ditas “taxas intermédias”, como é o caso em juízo, a internalização do tempo de uso através da aplicação da Tabela D não é afetada – não suscitando questões de desconformidade com o artigo 110.º do TFUE, mas há que equacionar se resta alguma zona de tratamento discriminatório, quando a lei, como interpretada pela Alfândega de Leixões, não faz aplicar tais “taxas intermédias” ao resultado das Tabelas A e D, relativamente a veículo usado proveniente de outro Estado-membro, em função das características técnico-ambientais, considerando decisiva a data da introdução no consumo (data de aceitação da DAV, no caso de particulares), e não a data da primeira matrícula, quando nesta última data vigorava um desagravamento de imposto, o qual se aplicou a veículos usados equiparáveis que foram então introduzidos no consumo em Portugal.

 

Por outras palavras, há que equacionar se não subsiste ainda, nesta dimensão da aplicação de regimes legais no tempo, aproveitando e adaptando mutatis mutandis a formulação da própria Requerida AT: “violação do artigo 110.º do TFUE quando o montante do imposto que incide sobre um veículo usado proveniente de outro Estado-Membro exceda o montante residual do referido imposto incorporado no valor dos veículos usados similares já matriculados no território nacional.”

 

Tem que ser pacífico, face à letra da lei, que os pressupostos de aplicação do benefício das “taxas intermédias” se reportam à data da geração do facto tributário ‘introdução no consumo’ – como justamente o recorda a Requerida AT – pelo que não poderia a Alfândega de Leixões fazer a liquidação do ISV por aplicação de lei diversa da que está em vigor na data de aceitação da DAV. Porém, não considera este Tribunal Arbitral inequívoco ou linear que fazer assim a aplicação da lei não resulte, afinal, em que esta se mostre, pelos efeitos que produz, para situações similares – de veículos usados com iguais tempo de uso e características técnicas –, compatível com a proibição de medidas tributárias discriminatórias estatuída no artigo 110.º do TFUE.

 

Relativamente a esta matéria, respeitante à aplicação das “taxas intermédias” fixadas no artigo 8.º do CISV, apenas se conhece uma decisão jurisprudencial, a extraída no Proc. 136/2021-T, do CAAD, decisão aliás invocada pelo Requerente, enquanto a AT lhe aponta “erro de julgamento”.

 

Este Tribunal Arbitral, sem prejuízo da elevada apreciação em que tem a construção jurídica aí formulada, entende-a questionável, antes sendo de opinião que importa, no caso vertente, dar cumprimento ao disposto no artigo 267.º do TFUE, na parte em aí se dispõe que, “Sempre que uma questão desta natureza [sobre a interpretação dos Tratados] seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal.”

 

Aliás, quer o Requerente, quer a Requerida AT, se pronunciam nos respetivos articulados no sentido de – em caso de dúvida relativa à interpretação da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV face ao direito da UE, designadamente ao disposto no artigo 110.º do TFUE, dever este Tribunal Arbitral proceder ao reenvio prejudicial.

 

Pela mesma decisão interlocutória, foram as Partes convidadas a formular as observações que considerassem pertinentes ao projeto, nela vertido, de questão a colocar no reenvio prejudicial. Até ao termo do prazo fixado para a pronúncia, facultativa, que foi de 10 dias, correndo em simultâneo, nenhuma se pronunciou.

 

O facto de ter sido proferida uma decisão arbitral em que se entendeu não ser de efetuar o reenvio (no Proc. 136/2021-T, do CAAD) não vincula o presente Tribunal Arbitral, pois, como tem afirmado o TJUE ”compete exclusivamente ao juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça" (acórdãos do TJUE de 10.07.2018, processo C-25/17, n.º 31, e de 02.10.2018, processo C-207/16, n.º 45).

 

Assim, o Tribunal Arbitral – de cujas decisões não cabe recurso de mérito, salvo em matéria de inconstitucionalidade, ou com fundamento em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo (n.ºs 1 e 2 do artigo 25.º do RJAT) – entende que a solução da questão suscitada não é líquida, à face do direito da UE, no que de resto convergem as Partes, e que, na ausência de jurisprudência conhecida do TJUE sobre a questão, se justifica – recte, se impõe – o reenvio prejudicial. 

  

Legislação nacional relevante:

 

Código do Imposto Sobre Veículos

 

Artigo 2.º Incidência objetiva

1 - Estão sujeitos ao imposto os seguintes veículos:

a) Automóveis ligeiros de passageiros, considerando-se como tais os automóveis com peso bruto até 3.500 kg e com lotação não superior a 9 lugares, incluindo o do condutor, que se destinem ao transporte de pessoas;

[…]

 

Artigo 3.º Incidência subjetiva

1 - São sujeitos passivos do imposto os operadores registados, os operadores reconhecidos e os particulares, tal como definidos pelo presente Código, que procedam à introdução no consumo dos veículos tributáveis, considerando-se como tais as pessoas em nome de quem seja emitida a declaração aduaneira de veículos.

[…]

 

Artigo 4.º Base tributável

1 - O Imposto Sobre Veículos possui natureza específica, sendo a sua base tributável constituída pelos seguintes elementos, tal como constantes do respetivo certificado de conformidade:

a) Quanto aos automóveis de passageiros, de mercadorias e de utilização mista, tributados pela Tabela A, a cilindrada, o nível de emissão de partículas, quando aplicável, e o nível de emissão de dióxido de carbono (CO2) relativo ao ciclo combinado de ensaios resultante dos testes realizados ao abrigo do 'Novo Ciclo de Condução Europeu Normalizado' (New European Driving Cycle - NEDC) ou ao abrigo do 'Procedimento Global de Testes Harmonizados de Veículos Ligeiros' (Worldwide Harmonized Light Vehicle Test Procedure - WLTP), consoante o sistema de testes a que o veículo foi sujeito para efeitos da sua homologação técnica;

[…]

 

Artigo 5.º Facto gerador

1 - Constitui facto gerador do imposto o fabrico, montagem, admissão ou importação dos veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal.

[…]

3 - Para efeitos do presente código entende-se por:

a) «Admissão», a entrada de um veículo originário ou em livre prática noutro Estado-membro da União Europeia em território nacional;

[…]

 

Artigo 6.º Exigibilidade

1 - Nos casos mencionados no n.º 1 do artigo anterior, o imposto torna-se exigível no momento da introdução no consumo, considerando-se esta verificada:

[…]

b) No momento da apresentação da declaração aduaneira de veículos pelos particulares.

[…]

3 - A taxa de imposto a aplicar é a que estiver em vigor no momento em que este se torna exigível.

 

Artigo 7.º Taxas normais – automóveis

1 - A Tabela A, a seguir indicada, estabelece as taxas de imposto, tendo em conta a componente cilindrada e ambiental, e é aplicável aos seguintes veículos:

a) Aos automóveis de passageiros;

[…]

 

Na redação introduzida pela Lei n.º 82-D/2014 de 31 de dezembro, aplicável entre 01.01.2015 e 31.12.2020:

 

Artigo 8.º Taxas intermédias – automóveis

1 - É aplicável uma taxa intermédia, correspondente às percentagens a seguir indicadas do imposto resultante da aplicação da Tabela A constante do n.º 1 do artigo anterior, aos seguintes veículos:

a) “25%, aos automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos plug-in, cuja bateria possa ser carregada através de ligação à rede elétrica e que tenham uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 25 quilómetros.”

[…]

 

Na redação introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, aplicável a partir de 01.01.2021:

 

Artigo 8.º Taxas intermédias – automóveis

1 - É aplicável uma taxa intermédia, correspondente às percentagens a seguir indicadas do imposto resultante da aplicação da Tabela A constante do n.º 1 do artigo anterior, aos seguintes veículos:

[…]

d) 25%, aos automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos plug-in, cuja bateria possa ser carregada através de ligação à rede elétrica e que tenham uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 50 km e emissões oficiais inferiores a 50 g CO2/km.

[…]

 

Artigo 11.º Taxas - veículos usados

1 - O imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados-Membros da União Europeia é objeto de liquidação provisória nos termos das regras do presente Código, ao qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na Tabela D ao imposto resultante da Tabela respetiva, tendo em conta a componente cilindrada e ambiental, incluindo-se o agravamento previsto no n.º 3 do artigo 7.º, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional e à vida útil média remanescente dos veículos, respetivamente:

Tabela D […]

 

Nestes termos, decide-se formular e submeter a apreciação, em reenvio prejudicial, a seguinte questão:

 

O artigo 110.º do TFUE opõe-se a que norma do direito nacional – constante da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV – que concede desagravamento para 25% do imposto incidente sobre a introdução no consumo de veículos automóveis (ISV), em benefício de veículos ligeiros de passageiros que cumpram determinados critérios ambientais, vigore e seja objeto de aplicação, na redação com início de vigência em 1 de janeiro de 2021, mais restritiva do que a até então vigente, tanto a veículos nacionais novos, como a veículos usados provenientes de outros Estados-membros da UE, matriculados pela primeira vez em Portugal a partir dessa data, conferindo tratamento tributário igual entre tais veículos, mas resultando numa situação que pode ser tida como de desigualdade, entre veículos usados, com o mesmo tempo de uso, que cumpram os critérios ambientais menos exigentes anteriormente em vigor, mas não cumpram os da lei nova, consoante (a) tenham sido comercializados e matriculados originariamente em Portugal antes da data de entrada em vigor da nova redação, caso em que terão sido desagravados para 25% do valor do imposto, o que se pode entender tender a refletir-se no respetivo preço de transação como usados, ou (b) tenham sido matriculados noutro Estado-membro em data em que vigorava a redação anterior e sejam introduzidos no consumo em Portugal após aquela mesma data, caso em que suportam 100% do valor do imposto?

 

Suspende-se a instância, até à pronúncia do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre o reenvio prejudicial.

 

Passe-se carta, a dirigir pela Secretaria do CAAD à Secretaria do Tribunal de Justiça da União Europeia, veiculando o pedido de decisão prejudicial, acompanhada de traslado integral do processo e de cópias do pedido de pronúncia arbitral, com os documentos juntos, da resposta e das alegações da Autoridade Tributária e Aduaneira, com os documentos juntos, do Processo Administrativo.

 

Lisboa, 23 de maio de 2022.  

 

O Árbitro

 

(Luís M. S. Oliveira)