Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 647/2021-T
Data da decisão: 2022-06-02  IRS  
Valor do pedido: € 6.411,67
Tema: IRS - Mais-valias imobiliárias. Valor de aquisição: Despesas e Encargos
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SUMÁRIO:

O legislador não estipula, para efeitos de comprovação dos elementos declarados em sede de IRS, no âmbito do artigo 128º, quer especificamente no que concerne à demonstração das despesas necessárias e aos encargos de valorização a que se refere a al. a) do n.º 1 do artigo 51º do CIRS, qualquer limitação aos meios de prova admissíveis ou regime de prova vinculada.

 

DECISÃO ARBITRAL

O árbitro singular, Luís Ricardo Farinha Sequeira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (adiante apenas ‘CAAD’) para constituir o presente Tribunal Arbitral (TA) singular, no âmbito do qual se decide o seguinte

 

I – Relatório

 

  1. A...,  contribuinte  fiscal  n.º ... e B..., contribuinte fiscal n.º..., ambos residentes na Travessa das ..., ...-... Vila Nova de Gaia (doravante, Requerentes), vêm requerer a constituição de tribunal arbitral e a apreciação do Pedido de Pronúncia Arbitral (adiante designado por “PPA”), ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a ilegalidade e consequente anulação da liquidação de IRS n.º 2021 ... e da liquidação de juros compensatórios n.º 2021 ..., no valor  de  €6.329,08  (seis  mil  trezentos  e  vinte  e  nove  euros  e  oito  cêntimos), à condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante denominada por “AT” ou “Requerida”) no reembolso da quantia e indevidamente paga, com respeito a esta liquidação, acrescida de juros indemnizatórios e bem assim a decidir no sentido do arquivamento do processo de contraordenação n.º ...2021... .

 

Sinteticamente, fundamenta o pedido nos seguintes termos.

Os Requerentes imputam dois  tipos  de  vícios  ao  ato  de  liquidação  de  IRS controvertido,  por  um  lado,  um  vício  formal,  consubstanciado  na  falta  de fundamentação, o que constitui violação, além do mais, do disposto no artigo 66.º, n.ºs 1 e 2, do CIRS;  por outro lado, vícios materiais, radicados, desde logo, na violação do disposto no artigo 51.º, alínea a), e no artigo 65.º, n.º 2 e 4, ambos do CIRS, mas também na  violação  dos  princípios  constitucionais  da  legalidade,  da  tributação  pelo rendimento real e da justiça, ínsito no princípio do Estado de direito.

No que concerne ao valor de aquisição a título oneroso de bens imóveis, previsto no n.º 1 do art. 46.º se refere que, “1 – No caso da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, se o bem imóvel houver sido adquirido a título oneroso, considera-se valor de aquisição o que tiver servido para efeitos de liquidação do imposto municipal sobre as transações onerosas de imóveis (IMT).

Já no que respeita às despesas e encargos, prevê o art. 51.º a) que [P]ara a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem:

a) Os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos,  e  as  despesas  necessárias  e  efetivamente  praticadas, inerentes  à  aquisição  e  alienação,  bem  como  a  indemnização comprovadamente paga pela renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a esses bens, nas situações previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º; (…)”

Nas situações de alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, ao valor de aquisição acrescem, por força do estatuído na alínea a) do artigo 51.º do Código do IRS, os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos, as despesas necessárias efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, e a indemnização comprovadamente paga pela renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a esses bens.

Dado que se trata de encargos e despesas necessários à obtenção do rendimento, a regra prevista no artigo 51.º do CIRS é uma concretização, relativamente ao cálculo das mais-valias, do princípio da capacidade contributiva e, em particular, do princípio da tributação  do  rendimento  líquido  objetivo  – princípios estruturantes do CIRS.

Desde que as aludidas obras originem uma melhoria ou valorização do imóvel, enquadram-se na previsão do artigo 51.º, alínea a) do CIRS e, portanto, acrescem ao valor de aquisição do imóvel alienado (o mesmo é dizer, deduzem-se para efeitos do cálculo da mais-valia sujeita a IRS), se o encargo estiver devidamente comprovado e tiver ocorrido nos últimos 12 anos.

Uma situação bastante comum de encargos com a valorização de bens imóveis alienados prende-se com a realização de obras pelo proprietário do imóvel, nos últimos 12 anos, relativamente às quais se encontre devidamente comprovado o encargo.

Desde que as aludidas obras originem uma melhoria ou valorização do imóvel, enquadram-se na previsão do artigo 51.º, alínea a) do CIRS e, portanto, acrescem ao valor de aquisição do imóvel alienado (o mesmo é dizer, deduzem-se para efeitos do cálculo da mais-valia sujeita a IRS), se o encargo estiver devidamente comprovado e tiver ocorrido nos últimos 12 anos.

Importa notar que é necessária não apenas a comprovação de que o encargo foi efetivamente suportado pelo vendedor, mas também a comprovação da efetiva ligação do encargo com a valorização do imóvel alienado.

Outra questão  frequentemente  discutida  prende-se  com o  conceito de valorização do imóvel a adotar, o qual condiciona a dedutibilidade fiscal ou não dos encargos que lhe estão subjacentes. A este propósito, a jurisprudência já sustentou que “a alínea a) do artigo 51.º do CIRS não restringe os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos cinco anos [atualmente, doze],  às  valorizações  materiais  ou  físicas  daqueles,  antes

abrangendo também os encargos efetivamente suportados que os valorizem economicamente” [In Acórdão do STA, de 21 de março de 2012, proferido no Processo n.º 0587/11.].

Quanto às despesas necessárias e inerentes à aquisição/alienação de direitos reais sobre bens imóveis, é entendimento consolidado que são dedutíveis, para efeitos do  cálculo  da  mais-valia  tributável, o  IMT  suportado  aquando  da aquisição do imóvel ora alienado e, ainda, os encargos notariais e de registo predial incorridos.

Também são  tidas  como  despesas  necessárias  à  alienação  e,  portanto, contribuem para a redução do valor da mais-valia, as despesas com a mediação imobiliária eventualmente incorridas para efeitos da alienação do imóvel, desde que devidamente comprovadas. A comprovação requerida deve abarcar o efetivo pagamento das despesas pelo proprietário do imóvel e, ainda, a conexão destas com o imóvel alienado / intervenção do mediador imobiliário na alienação em causa.

A AT entendeu que não é possível extrair tal conclusão (que os custos em causa foram efetivamente incorridos com as obras de reconstrução e reabilitação executadas no imóvel alienado) das faturas apresentadas pelos Requerentes, por nelas não constar a morada do imóvel alienado, enquanto local da obra a que se destinavam os materiais e os serviços constantes das mesmas.

Este  é,  aliás,  o  único  motivo em  que  a  AT  funda  a  desconsideração  das mencionadas faturas e, portanto, é tão somente nele que radicam as correções que foram efetuadas ao IRS da Requerente, referente ao ano de 2019.

Com efeito, a AT não questiona nem que o imóvel alienado foi objeto de obras de reconstrução e reabilitação, nem que os Requerentes suportaram metade dos respetivos encargos.

Não podem, por tal, os ora Requerentes, concordar com tal entendimento da AT, porquanto, em face de todo o acervo probatório carreado, lograram os mesmos provar, salvo melhor entendimento, que realizaram obras no imóvel em causa, qual a natureza das mesmas e qual o montante que nelas gastaram.

Nesta conformidade, a correção efetuada pela AT ao IRS dos Requerentes, referente ao ano de 2019, enferma de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, consubstanciado na errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 51.º, alínea a), do Código do IRS, o que implica a declaração  de  ilegalidade  e  sequente  anulação  da  liquidação  de  IRS controvertida, na parte em que radica naquela correção (cf. artigo 163.º, n.º 1,do CPA ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT).

Acresce ainda que a exigência imposta pela  AT  de  que  as  faturas  dos fornecedores deviam conter a morada da obra é desprovida de qualquer suporte legal e viola o princípio da legalidade, pois configura um pressuposto material de tributação não consagrado na lei (artigos 165.º, n.º 1, alínea i) e 103.º, n.º 2 da CRP).

Aliás, de acordo com o artigo 36.º, n.º 5, alínea a) do CIVA, que rege os requisitos formais a que devem obedecer as faturas, a morada que destas deve (leia-se, tem de) constar é a da sede ou domicílio do adquirente dos bens e serviços.

Assim, a única morada que, de acordo com a lei, tem obrigatoriamente de constar da fatura é a da residência do adquirente e não a do local das obras que este vai efetuar.

Pelo que o requisito que a AT demanda implicaria tão-só que a Requerente solicitasse faturas indicando uma morada que viola a lei fiscal!

Por outro lado, a AT violou o disposto nos n.ºs 2 e 4 do art. 65.º do CIRS, porquanto procedeu  à  alteração  dos  elementos  declarados,  efetuando correções  decorrentes  de  erros  evidenciados  na  declaração  Modelo  3,  não obstante  dispor  dos  documentos  que  comprovavam  a  veracidade  desses elementos, uma vez que a Requerente cumpriu o disposto no n.º 1 do art. 128.º CIRS, apresentando os documentos que sustentavam as despesas declaradas.

Na sequência da declaração de ilegalidade e anulação quer da liquidação de IRS quer da liquidação de juros compensatórios controvertidas, nos termos acima enunciados, haverá lugar ao  reembolso  dos  montantes  pecuniários indevidamente suportados pelos Requerentes, por força do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal afigura-se essencial para restabelecer a situação que existiria se aqueles atos tributários não tivessem sido

praticados nos termos em que foram.

Neste escopo, deverá proceder o pedido de reembolso aos Requerentes dos valores de  imposto  e  de  juros  compensatórios  indevidamente  pagos,  no montante global de €1.231,16 (mil duzentos e trinta e um euros e dezasseis cêntimos).

O artigo 43.º, n.º 1, da LGT estatui que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”, estatuindo o n.º 5 do artigo 61.º do CPPT que os “juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos”.

No caso concreto, verifica-se que a declaração de ilegalidade e a consequente anulação quer da liquidação de IRS quer da liquidação de juros compensatórios controvertidas, nos  termos  acima  enunciados,  só  poderão  ser inteiramente imputáveis à AT.

E, neste desígnio, os Requerentes terão direito a juros indemnizatórios, nos termos do estatuído nos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, relativamente ao  montante  de  €1.231,16 (mil duzentos  e  trinta  e  um  euros  e  dezasseis cêntimos) a reembolsar, calculados desde a data em que efetuou o pagamento – 30.09.2021 – até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos, à taxa legal supletiva, nos termos estatuídos nos artigos 43.º, n.º 4 e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º do CPPT e 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril.

Termina, peticionando pela procedência do pedido de pronúncia arbitral, declarando-se ilegais e anular:

a. liquidação de 2021..., do qual resultou o valor a pagar de €6.329,08, na parte em que radica na sobredita correção efetuada ao IRS da Requerente, referente ao ano de 2019

b. a  liquidação  de juros  compensatórios  n.º 2021 ... –, do qual resultou o valor a pagar de €81,54,

c. liquidação  de  juros  compensatórios por recebimento indevido, n.º 2021 ..., do qual resultou o valor a pagar de €1,05, todos atinentes ao ano de 2019, com as legais consequências;

b) Condenar  a  Autoridade  Tributária  e  Aduaneira  a reembolsar o  montante  de €1.231,16  (mil  duzentos  e trinta e um euros e dezasseis cêntimos) à Requerente, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos legais.

c)   O  arquivamento  do  processo  de  contraordenação  n.º ...2021... .

 

Respondeu a AT nos termos, que sumariamente, adiante se expendem:

Pede a Requerente que o Tribunal Arbitral proceda ao arquivamento do processo de contraordenação n.º ...2021... .

O âmbito de competência dos tribunais arbitrais constituídos ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), não contempla a possibilidade de apreciação do pedido tendente ao requerido pelos Requerentes.

Isto porque, a competência dos tribunais arbitrais é, desde logo, circunscrita às matérias indicadas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.

Para além da competência para a apreciação direta da legalidade de pedidos deste tipo, poderão os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar atos de segundo ou de terceiro grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de atos de liquidação.

Não se insere, pois, no âmbito destas competências a apreciação do pedido, como o que resulta do PPA., no sentido de arquivamento de processo de contra-ordenação conforme pretendem os Requerentes.

Inexiste qualquer suporte legal que permita que sejam proferidas pelos tribunais arbitrais condenações de outra natureza que não as decorrentes dos poderes fixados no RJAT: poderes declaratórios com fundamento em ilegalidade.

A incompetência material do Tribunal para a apreciação do pedido identificado supra consubstancia uma exceção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, conducente à absolvição da instância quanto à pretensão em causa, de acordo com o previsto nos artigos 576.º, n.º 2, 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

Atendendo à demais argumentação despendida, bem como a documentação junta, consubstanciada nos documentos anexos referidos como de nº 6, o objeto do presente pedido arbitral incide sobre a discordância do montante de custos de construção a considerar, relativamente ao imóvel já identificado, cuja alienação foi geradora de mais-valias, a tributar, em sede de IRS.

Isto porque, os Requerentes referem o artigo 51º, nº 1, alínea a) do CIRS, sendo que, este artigo dispõe sobre encargos comprovadamente realizados com a valorização dos bens ou despesas necessárias e efetivamente praticadas, relativamente à respetiva alienação e /ou aquisição e não sobre despesas de construção, as quais são regidas pelo artigo 46º, nº 3 do mesmo Código.

Acrescendo que, não obstante a AT ter efetuado correções ao montante das despesas declaradas a este título, não se vislumbra no presente pedido arbitral qualquer oposição às mesmas.

Em matéria de alegada falta de fundamentação, como se sabe, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) tem uniformemente vindo a entender que a fundamentação do acto é um conceito relativo que varia conforme o tipo de ato e as circunstâncias do caso concreto, sendo que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal compreender o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato, ou seja, quando o destinatário possa conhecer as razões que levaram o autor do ato a decidir daquela maneira e não outra.

Tal como se refere no acórdão proferido por aquele tribunal superior a 2000-04-13, no âmbito

do recurso n.º 31.616:

«(…) Variando a densidade da fundamentação em função do tipo legal de acto e das suas  circunstâncias, é aceitável uma fundamentação menos densa de certos tipos de actos, considerando-se suficiente tal fundamentação desde que corresponda a um limite mínimo que a não descaracterize, ou seja, fique garantido o “quantum” indispensável ao cumprimento dos requisitos mínimos de uma fundamentação formal: a revelação da existência de uma reflexão e a indicação das razões principais que moveram o agente.»

Na mesma esteira se escreveu no acórdão do STA, proferido a 1998-10-28, que:

«Fundamentar um acto não significa uma exaustiva descrição de todas as razões que determinaram a sua prática, mas implica esclarecer devidamente o seu destinatário dos motivos que estão na sua génese e das razões que sustentam o seu concreto conteúdo (...), fundamentar consiste em enumeraras razões que levam a Administração a praticar determinado acto e a dar-lhe determinado conteúdo, com a descrição expressa das premissas em que assenta. Este dever de fundamentação visa, assim, permitir ao destinatário do acto conhecer o itinerário cognoscivo e valorativo deste, permitindo-lhe ficar a saber quais os motivos que levaram a Administração à sua prática e a razão por que decidiu nesse sentido e não noutro (...) um acto está devidamente fundamentado sempre que o administrado, colocado na posição de destinatário normal – o bonus pater familiae de que trata o art.º 487º n-.º 2 do Código Civil – fica esclarecido acerca das razões que o motivaram.» in Acórdãos Doutrinais do Supremo Tribunal Administrativo, págs. 503-512.

Ou seja, a fundamentação é um conceito relativo, que varia consoante o tipo legal de ato em concreto, havendo que entender a exigência legal em termos hábeis, dada a funcionalidade do instituto e os objetivos essenciais a prosseguir.

Conforme entendimento plasmado no acórdão da secção do contencioso do STA, proferido a 1993-05-25, no âmbito do recurso n.º 27387:

«Atento ao fim meramente instrumental perseguido pela fundamentação dos actos administrativos, dever-se-á entender que este ficará assegurado sempre que mau grado a inexistência de uma referência expressa a qualquer preceito legal, ou princípio jurídico, a decisão em causa se situe indubitavelmente num determinado quadro legal perfeitamente cognoscível do ponto de vista do destinatário normal” (na mesma esteira veja-se ainda os Acórdão de 15.02.2007 proferido no âmbito do Proc. n.º 1096/06 de 11.11.2004, Proc. n.º 504/04 de 23.12.2003, Proc. n.º 48.168-A (Pleno) de 30.04.2003, Proc. n.º 46556 (Pleno) de 10.07.2002 e Proc. n.º 274/2002 e de 29.10.2009 proferido no âmbito do Proc. n.º 0778/09).»

Aqui chegados, refira-se que os atos ora colocados em crise pelos Requerentes encontram-se plenamente fundamentada e espelha o procedimento administrativo que a antecede.

Ou seja, a sucinta fundamentação constante da decisão sub judice é a decorrência lógica e cronológica do processo administrativo instrutor e cujas conclusões e fundamentos foram regular e oportunamente notificados.

No caso vertente, a fundamentação é suficientemente clara e inequívoca, tanto mais que os Requerentes, por via do presente pedido de pronúncia arbitral, não só demonstram, em face dos argumentos por si explanados ao longo do seu articulado, ter cabalmente compreendido o quadro fáctico e legal em que assentou a decisão da Requerida, já que tenta rebater, toda a sua atuação, Como na realidade também já havia cabalmente compreendido o mesmo quadro fáctico e legal em sede de audição prévia.

Os Requerentes foram recebidos no Serviço de Finanças e prestaram os esclarecimentos tido

por convenientes, assim, como procederam à entrega de faturas e documentos.

Mas é à AT – Requerida – que cabe verificar se os documentos entregues comprovam que aquelas despesas e encargos têm algum nexo de causalidade com a obra realizada no imóvel em causa.

Por fim, e caso se venha a propugnar pela insuficiência da fundamentação – hipótese que só em teoria e sem conceder se admite –, sempre cabia à Requerente solicitar a emissão da certidão prevista no artigo 37.º do CPPT.

Ora, não tendo os Requerentes usado daquela faculdade conferida pela lei, forçoso se torna concluir que o ato sub judice continha, e contém, todos os elementos necessários à sua cabal compreensão e que o apregoado vício de que padecia ficou sanado.

Questão bem diferente é, a circunstância dos Requerentes não quererem conformar-se com os atos notificados, como claramente transparece do seu ppa.

De facto, não é possível afirmar que determinado ato se encontra infundamentado quando, no

caso concreto, a motivação contextual permitiu ao seu destinatário ficar a saber as razões de facto e de direito que levaram a Requerida a tomar a decisão em causa, com aquele sentido e conteúdo.

 

 

Assim, a redação conferida á alínea a) do artigo 51º do Código do IRS sendo genérica quanto

aos “encargos com a valorização dos bens” suscita dúvidas de interpretação, e concede uma razoável margem interpretativa, uma vez que o legislador sequer exemplificou a quais encargos se reporta, (ao contrário do que adotou noutros normativos de carácter tributário).

Estamos, ao que tudo indica, no âmbito dos conceitos indeterminados, concedendo uma elevada margem de interpretação quanto à amplitude do que deverá entender-se por encargos com a valorização do imóvel.

A este propósito, veja-se a Informação Vinculativa veiculada no processo n.º 2483/2004, refere expressamente que “Os encargos dizem respeito à valorização do próprio bem imóvel, isto é, são as despesas que, por natureza, trazem ao imóvel um valor adicional, como por exemplo as obras de beneficiação.”, considerando que tal conceito se aproxima do conceito de “benfeitoria útil”, plasmado no artigo 216° do Código Civil.

Resulta do artigo 216.º do Código Civil que são benfeitorias “(…) todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa”, sendo que são benfeitorias “úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor;(…)”.

Ora, atentando na letra da lei (encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos doze anos) não pode deixar de concluir-se, desde logo, que o encargo há-de estar ligado à valorização do bem alienado. Ou seja, não estão incluídos encargos que tenham por escopo a mera preservação do valor do bem, mas, tão só os que se destinem a aumentar esse valor.

Terá, como tal, de existir um nexo indissociável entre essas despesas e o aumento do preço do bem, para se considerar que essa despesa esteve na origem ou contribuiu para a obtenção do próprio rendimento.

No caso presente, não se pode estabelecer uma correlação de equivalência direta entre o montante constante das faturas apresentadas e o aumento do valor do imóvel.

Isto porque não resulta provado que os encargos constantes das faturas foram suscetíveis de incrementar o valor do económico do imóvel alienado (melhor identificado nos autos).

Isto é, não bastam pinturas para que se possa considerar que o imóvel sofreu um incremento do seu valor, como também não podem estar aqui incluídas as meras opções decorativas, como sejam os apliques/lâmpadas LED.

Além disso, os custos com a construção/melhoramento dum imóvel têm de ser devidamente comprovados.

E qual a forma de comprovar os custos com a construção/melhoramento dum imóvel?

Para que tal aconteça, a prova do encargo deverá ser efetuada através de fatura/recibo de pagamento da respetiva quantia, devendo do mesmo constar os elementos que inequivocamente associam a despesa com o imóvel alienado.

E isso só é efetuado se dos documentos comprovativos (faturas/recibos) constarem os requisitos previstos no artigo 36º do Código do IVA.

Ora, conforme a própria requerente reconhece na sua petição, das faturas não aceites pela Autoridade Tributária para efeitos de comprovação de encargos, não consta a morada do imóvel objeto de melhoramentos.

E, não tendo a morada do imóvel (mas apenas a morada do domicílio fiscal da requerente) não pode ser estabelecida a conexão dos encargos com aquele imóvel em concreto.

Mas para que os encargos e despesas possam ser elegíveis para a determinação das mais-valias, tem de ser provado que as mesmas são necessárias e inerentes à aquisição e alienação dos imóveis.

Sobre esta problemática, é inúmera a jurisprudência do CAAD, citando-se as decisões arbitrais, todas já transitadas em julgado, proferidas nos processos n.ºs 766/2016-T, 527/2016-T, 409/2015-T, 313/2015-T, 129/2015-T.

sobre a declaração de rendimentos, modelo 3, IRS do ano de 2019 apresentada pelos Requerentes existe a presunção de veracidade e de boa-fé, princípio este consagrado no artigo 75º da LGT, sendo que, o afastamento da presunção ocorre nos termos do artigo 75º,

no seu nº 2 e nas alíneas a) e b).

Pelo que, compete aos Requerente nos termos do artigo 74º, nº 1 da LGT o ónus de comprovar e documentar as despesas e encargos em causa, podendo recorrer a meios como a prova documental ou testemunhal.

Ora, na situação em apreço, os Requerentes não entregaram qualquer documento com vista á prova respeitante aos montantes declarados em sede de despesas e encargos, para além de que, os que juntaram, se reportam a faturas que não cumprem os requisitos do artigo 36º do CIVA e outros a que não correspondem à morada das obras referente ao imóvel sub judice.

Efetuada consultada á base de dados do património, mais concretamente, a referente à declaração Mod. 11, constata-se que a requerente e o marido, no espaço de tempo compreendido entre 2017 e a atualidade, adquiriram e venderam vários imóveis.

Poderia, pois, ter mais de uma obra de remodelação a decorrer (em imóveis diferentes).

Assim, se nas faturas não constar a identificação do imóvel não se saberia para qual seriam de considerar os encargos com a valorização. Ou seja, esta é mais uma razão para que o imóvel objeto de melhoramento tenha de vir identificado nas faturas.

Acresce que, conforme os Requerente descrevem no articulado 2.  do seu ppa., alterou profundamente a “estrutura” do imóvel.

Ora, se assim foi, deveria ter apresentado o Mod. 1 do IMI com vista à avaliação do imóvel no

âmbito do mencionado imposto.

Consultadas as bases de dados do património ao dispor da Autoridade Tributária não consta que esse modelo declarativo (e a avaliação que daí resultasse em virtude do melhoramento do imóvel) tivesse sido entregue.

E existe outro fator que poderá ter contribuído para a diferença de valores entre a aquisição e a venda do imóvel.

É que, no caso presente, e mais uma vez por consulta à base de dados da declaração Mod. 11 é possível verificar que a aquisição não foi uma simples compra e venda, estando com o código 201 - Arrematações de direitos reais sobre bens imóveis (documento, em anexo).

A aquisição do imóvel, nesta modalidade, foi até efetuada por valor inferior ao valor patrimonial tributário.

Fica, assim, a dúvida se a diferença entre o valor de realização e de aquisição não se fica a dever ao montante demasiado baixo pelo qual o imóvel foi adquirido.

Face aos elementos constantes dos autos e tendo em conta o que foi explanado supra, não se reconhece a existência de qualquer das ilegalidades apontadas pelos requerentes às decisões e liquidação controvertida.

Assim, não estarão reunidos os requisitos para que possam ser atribuídos juros indemnizatórios.

Tendo em consideração os documentos juntos pelos Requerentes temos a informar o  seguinte:

- Diversas faturas encontram-se ilegíveis devido à baixa qualidade de impressão/digitalização,

impossibilitando descortinar elementos essenciais que devem constar de uma fatura, como  sejam, os NIPC ou NIF do prestador de serviço e, por vezes, os valores envolvidos;

- Outras faturas, no local do destinatário do Serviço, a morada consta como “Desconhecida”;

- Afigura-se-nos que, pelo menos, 3 faturas anexas, já foram aceites pela AT em sede de Processo de Divergências (Prestador – NIPC – ... - € 153,75), (Prestador – NIPC –

...- € 300,00) e (Prestador – NIPC – ... - € 301,35), pelo que não devem ser aceites, sob pena de duplicação. Quanto a este aspeto, a Requerida está a presumir que as faturas destes prestadores com os montantes descritos são as mesmas que foram aceites em sede de Divergências;

Existem faturas, nomeadamente da empresa C..., que além de estarem ilegíveis, nem se consegue verificar o NIPC do Prestador, por vezes o número da fatura e os materiais vendidos;

Em algumas faturas emitidas manualmente não consta o destinatário dos serviços prestados.

Ora, a fatura é um documento que atesta a realização de uma transação comercial entre duas pessoas individuais ou coletivas, e deve conter informação sobre o produto transmitido ou o serviço prestado, bem como a quantidade e o valor da prestação ou transação, sendo o recibo o documento comprovativo de que o cliente pagou a totalidade ou parte, se tal tiver sido convencionado, dos produtos adquiridos ou serviços contratados.

Estando fixados os factos sobre os quais é requerida a decisão, os documentos juntos pelos Requerentes e pela Requerida salvo melhor opinião, são suficientes à emissão da decisão arbitral.

Termina, pugnando pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral, por não provado, mantendo-se na ordem jurídica o ato impugnado, absolvendo-se, em conformidade, a entidade requerida do pedido.

 

No seguimento do processo, foram os Requerentes convidados a apresentarem o teor de Doc. 6 que acompanhava o PPA, de modo legível, o que estes vieram a efetuar.

 

Foi dispensada a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, tendo Requerentes e Requerida, sido convidadas a, querendo, formular alegações simultâneas, não tendo qualquer das partes vindo a fazê-lo.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 24 de Dezembro de 2021.

 

  1. Saneamento:

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades, é tempestivo, tendo sido invocada exceção referente à incompetência deste tribunal arbitral para efeitos de conhecimento do pedido referente ao arquivamento do processo contraordenacional.

 

  1. Da Exceção de Incompetência material deste TA:

 

Para a Requerida o Tribunal Arbitral constituído é materialmente incompetente para apreciar e decidir o pedido formulado pela Requerente, no que respeita ao arquivamento do processo de contraordenação fiscal instaurado com o n.º ...2021..., o que consubstancia uma exceção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância.

 

Com efeito, o âmbito da jurisdição administrativa e a competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria, como resulta do disposto no artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

 

A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é definida pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, que estabelece o seguinte:

“1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais”.

 

Por outro lado, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é limitada pela vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira que, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, veio a ser definida pela Portaria n.º 112-A/2011, de 12 de Março, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

“Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com exceção das seguintes:

a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;

c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e

d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira”.

 

Como decorre do enquadramento legal supra, em relação a matérias aduaneiras, a definição de competências é feita tendo em atenção o tipo de tributos a que se dirigem as pretensões. E quanto a estes a Autoridade Tributária e Aduaneira só se vinculou quanto aos impostos administrados pela mesma.

 

Quanto ao mais, a competência é definida apenas tendo em atenção o tipo de atos que são objeto da impugnação, não havendo, designadamente, qualquer proibição de apreciação de matérias relativas a isenções fiscais ou quaisquer outras questões de legalidade relativas aos atos dos tipos referidos no artigo 2.º do RJAT.

 

No caso em apreço está em causa procedimento respeitante a processo de contraordenação fiscal, regulados pelo Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), aprovado pelo n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 15/2001, de 5 de junho, procedimento esse que não se insere em nenhuma das alíneas do artigo 2.º do RJAT.

 

É, pois, manifesta a incompetência do tribunal arbitral quanto a esta pretensão, o que determina a  absolvição da instância arbitral nesta parte,  nos termos dos artigos 2º, nº 1, do RJAT e   576.º, n.ºs 1 e 2 e 577º, al. a),  do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea  e) do RJAT.

 

III - Fundamentação

 

  1. Matéria de facto

 

  1. Factos Provados

 

  1. Em  22.06.2018,  a  Requerente  adquiriu,  pelo  preço  global  de  €66.002,00 (sessenta e seis mil e dois euros), a fração autónoma designada pela letra “I”, destinada a habitação, correspondente a habitação no 1.º andar direito frente, com entrada pelo n.º ..., garagem e arrumo na cave entrada pelo n.º..., devidamente  assinalados  com  a  respetiva  letra  com  13,5  m2  e  3  m2 respetivamente, área – 103,5 m2, sito em Rua ..., n.º ..., ..., pertencente à freguesia de ..., concelho de Vila Nova de Gaia, descrito na ... Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o número ... e inscrito na matriz predial urbana da união de freguesias de ...  e ..., sob o artigo ..., com o valor  patrimonial tributário, correspondente à fração, de €66.301,66, conforme doc. 2 junto com o PPA, doravante designado por “Imóvel”.
  2. No seguimento da aquisição do Imóvel, os Requerentes procederam à realização de obras de remodelação sobre o mesmo, tal como, fotograficamente, se colhe do teor de Doc. 3 junto com o PPA, através do qual se pode observar o estado do interior do imóvel ante e depois da referida intervenção.
  3. Os custos das referidas obras no Imóvel foram custeadas pelos Requerentes.
  4. Já após  a  conclusão  das  mencionadas  obras  de  remodelação, os Requerentes vieram em 12.06.2019 a alienar o Imóvel pelo preço de €132.500,00.
  5. Em  30  de  junho  de  2020,  os  Requerentes  entregaram  a  declaração  de rendimentos Modelo 3 de IRS, acompanhada do Anexo G referente ao ano de 2019 dentro do prazo legalmente previsto, tendo declarado no campo 4001 daquele  Anexo  G rendimentos  provenientes  de  incrementos  patrimoniais resultantes da alienação de imóveis, concretamente, do Imóvel identificado em 1.,  despesas e  encargos,  no  montante de €26.688,25.
  6. No dia 22.07.2020 foram os Requerentes notificados pela AT, por e-mail, para a submissão “do Mod 3 de Substituição para corrigir no anexo G a despesa para o total de €1.976,01 (153,75 + 200,01 + 676,50 + 301,35 + 344,40 + 300,00), porque a maioria das faturas não indicam a morada da casa vendida (R...., ...– ... e ...), faltam recibos manuais das despesas com aquela morada (…)”, conforme doc. 4 junto com o PPA.
  7. Em 10.08.2020, os Requerentes deslocaram-se ao respetivo Serviço de Finanças, com o intuito de procederem à explicação do valor inscrito submetidos no Anexo G, campo 4001, tendo apresentado a documentação que entendiam sustentar tal preenchimento declarativo.
  8. Foram os Requerentes notificados, nos termos do artigo 60º da Lei Geral Tributária – Audição Prévia - do despacho proferido pelo Chefe de Finanças de Vila Nova de Gaia-..., no âmbito de processo de divergência relativo à declaração de IRS, Anexo G, melhor identificada em 5.
  9. No referido despacho, instavam-se os Requerentes no sentido de submeterem declaração de substituição, da qual fizessem constar do campo 4001 do quadro 4 do Anexo G, ao invés dos € 26.688,25 declarados, o montante de € 1.976,01, o que não sucedendo, levaria a que a AT procedesse à aludida correção declarativa.
  10. A 02.09.2020 os Requerentes procederam à submissão de declaração de substituição Modelo 3, com o respetivo Anexo G, do qual fizeram constar no campo 4001 – Despesas e Encargos - o montante de €18.650,43, ao invés dos anteriores 26.688,25.
  11. No dia 09.09.2020 foram os Requerentes notificados, pelo serviço de finanças supra identificado, do qual, além do mais, consta o seguinte teor, conforme doc.9 do PPA:«(…)A declaração de rendimentos relativa ao ano  de 2019, com a identificação .../81,  foi  selecionada  para  análise  por  ter(em)  sido  detetada(s)  a(s) seguinte(s) situação(ões):Alienação de imóveis não declarada ou necessidade de comprovação dos valores das despesas, valor da alienação, data de aquisição dos imóveis alienados ou afetação a atividade profissional. Assim, poderá V. Exa., no prazo de 15 dias (…), prestar os devidos esclarecimentos no site www.portaldasfinancas.gov.pt,  mediante  seleção  da  opção  “Serviços Tributários – Cidadãos – Consultar – Divergências”, onde pode anexar ficheiros dos documentos relevantes (…).(…)Decorrido o prazo mencionado, sem a regularização da situação detetada, o procedimento prosseguirá para correção dos valores declarados.(..)»
  12. Os ora  Requerentes  procederam  à entrega de 37 documentos junto da AT, atinentes à comprovação das despesas com a aquisição do imóvel, as faturas e respetivas declarações de associação emitidas pelos respetivos prestadores de serviços e fotografias do estado do imóvel antes e após as obras realizadas, conforme Doc. 11 junto com o PPA.
  13. De entre esses documentos apresentados perante a AT a que se refere o número anterior, constava igualmente a documentação. junta como Doc. 6 do PPA, no montante de € 18.650,43, relativa a faturas e faturas-recibos emitidos pelo respetivo fornecedor, em nome e/ou com o NIF de um dos Requerentes e declarações emitidas por alguns desses fornecedores, relativas à aquisição de bens, materiais e serviços atinentes à obra de remodelação no Imóvel, conforme melhor descritos nos documentos que infra se identificam:
  1. D... LDA, faturas F 2010/5601, emitida a 05-02-2019, no montante de 3.372,84€; 2010/5614, emitida a 07-02-2019, no montante de 129,15€; F 2010/5625,  emitida a 11-02-2019, no montante de 58,20€; e bem assim declaração emitida pelo fornecedor, descrevendo que os artigos constantes das faturas supra identificadas foram instaladas na morada do Imóvel;
  2. E... LDA, faturas  1  1901/000075,  emitida  a  31-01-2019,  no montante de 676,50€;  1 1901/0001, emitida a 06-03-2019, no montante de 200,01€; da qual constam como tendo tido local de descarga a morada do Imóvel;
  3. F... LDA, fatura  FA  2019/2, emitida a 17/01/2019, no montante de 301,35€, da qual consta que a instalação foi efetuada na morada do Imóvel;
  4. G..., LDA: fatura n.º 2019/27, emitida em 22/02/2019, no montante de 344,40€, da qual consta a observação segundo a qual o móvel instalado na morada do Imóvel;
  5. H...,  LDA:  Factura  n.º 2019/18,  emitida  em 20/02/2019, no montante de 153,75€, da qual consta que a instalação foi efetuada na morada do Imóvel;
  6. I..., LDA: fatura FAC 1/33, emitida a 26/02/2019, no montante de 300,00€ da qual consta que a instalação foi efetuada na morada do Imóvel;
  7. J..., LDA: fatura n.º FT 2018A21/142, emitida a 20/11/2018, no montante de 750,00€; fatura n.º FT 2019A21/21, emitida a 25/02/2019, no montante de 970,00€; e declaração emitida pelo fornecedor na qual se afirma que as faturas supra identificadas respeitam ao fornecimento e instalação de cozinha na morada do Imóvel;
  8. K... UNIPESSOAL,  LDA:    fatura    0058,    emitida    a 01/02/2019, no montante de 1.230,00€ e declaração emitida por este fornecedor no qual se atesta que a instalação relativa à colocação e fornecimento respeitante à fatura supra foi efetuada na morada do Imóvel;
  9. C... SA:  faturas 067201809/048252,  emitida  a  05/12/2018,  no montante de 1.669,94€; 2067201809/048550,  emitida  a  07/12/2018,  no montante de 194,68€; 2067201801/080086,  emitida  a  17/12/2018,  no montante de 63,18€; 2067201801/080412,  emitida  a  18/12/2018,  no montante de 31,80€;  2067201804/088484,  emitida  a  27/12/2018,  no montante de 60,36€;  2067201904/000255,  emitida  a  02/01/2019,  no montante de 20,90€;   2067201901/001595,  emitida  a  09/01/2019,  no montante de 755,43€; 2067201901/002925,  emitida  a  16/01/2019,  no montante de 37,65€;   2067201903/000554,  emitida  a  17/01/2019,  no montante de 130,48€; 2067201904/006564,  emitida  a  22/01/2019,  no montante de 59,50€; 2067201904/008128,  emitida  a  28/01/2019,  no montante de 110,55€ e (nota de crédito ...2067201908/001839, emitida  a  10/02/2019,  no montante de 29,62€); 2067201901/011741,  emitida  a  02/03/2019,  no montante de 79,12€ (e  nota de crédito ...2067201908/003007,  emitida  a  07/03/2019,  no montante de 8,39€);
  10. L... (L...): faturas M/7, emitida a 08/02/2019, no montante de €169,14; FT M/16, emitida a 14/03/2019, no montante de €39,66; FT M/18, emitida a 15/03/2019, no montante de €8,59; M/21, emitida a 03/04/2019, no montante de €7,19; Nota  de  crédito  NC  M/1,  emitida  a  01/03/2019,  no montante de €22,77; Nota  de  crédito  NC  M/2,  emitida  a  13/03/2019,  no montante de €1,02; e bem assim declaração emitida por este fornecedor em que se declara que os bens constantes das faturas supra foram entregues na morada do Imóvel;
  11. M...: Fatura n.º 0018, emitida a 13/05/2019, no montante de 1.000,00€; fatura n.º 0020, emitida a 06/06/2019, no montante de 4.300,00€; das quais consta identificada a morada do Imóvel;

 

  1.  Igualmente, de entre os documentos que fazem parte de Doc. 6 do PPA e apresentados à AT em sede de direito de audição em sede de procedimento por divergência, constavam os relativos às seguintes despesas:
  1. Fatura-recibo FR2018/710, no valor de 250,00€ emitida por N... SP RL, relativa a provisão para registo de escritura de aquisição do Imóvel e respetivo comprovativo de pagamento do preparo pago ao IRN;
  2. Imposto de Selo e IMT pagos pela aquisição do Imóvel, no valor de 528,02€ e 660,02€, respetivamente;
  3.  Fatura CSCE/1000570, com menção de pagamento efetuado na própria data, O..., relativa à emissão de Certificado energético do Imóvel, no valor : 49,82€;

 

  1.  Conforme resulta de Doc. 3 junto com o PPA – fotografias relativas ao estado do imóvel antes e após a intervenção de remodelação – e do teor de Doc. 6 junto com o PPA, foram levados a efeito obras no interior do Imóvel, cuja intervenção passou, pelo menos, pela:
  1. Remoção do chão existente e colocação de novo chão;
  2.  Remoção dos revestimentos das paredes de duas casas de banho e das loiças sanitárias e colocação de novos revestimentos nas paredes, novas loiças sanitárias, dois armários/bancadas de casa de banho e espelhos.
  3. Remoção de portas interiores e colocação de novas portas;
  4. Remoção de roupeiro e colocação de novo roupeiro;
  5. Remoção das bancadas de cozinha e do respetivo chão com colocação de nova bancada e armários, lava-louças e torneira;
  6. Instalação de nova iluminação;
  7. Pintura das paredes do Imóvel;

 

  1. Por ofício de 04.02.2021, veio o Serviço de Finanças de Vila Nova Gaia-..., a notificar os Requerentes, nos termos do artigo 77º da Lei Geral Tributária de que, por despacho exarado pelo Chefe do Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia -..., de 25.01.2021, se havia procedido à recolha de DC Único para correção de rendimentos, nos termos previstos no n.º 4 do artigo 65º do CIRS, corrigindo o valor do campo 4001 dos € 18.650,43 para os € 1.976,01, com base na seguinte fundamentação:

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  1. No seguimento de tal correção à declaração dos Requerentes e recolha do DC único, vieram os Requerentes a ser notificados da liquidação de IRS n.º 2021..., da qual resultou o valor a pagar de € 6.329,08 – Doc. 13 junto com o PPA.
  2. Foram os Requerentes igualmente notificados da “Demonstração de Acerto de Contas” 2021..., na qual se apurou um saldo a pagar no montante de € 2.430,51. – Doc. 14 do PPA.
  3. Os Requerentes vieram a deduzir Reclamação Graciosa, à qual coube o n.º ...2021..., sobre a liquidação de IRS melhor identificada em 18.
  4. Por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia-..., datado de 15.07.2021, veio a Reclamação Graciosa em causa a ser indeferida, com a seguinte fundamentação:

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  1. Decisão esta que foi comunicada ao Mandatário dos Requerentes através de comunicação por carta registada, entregue em 16.07.2021.
  2.  Aos 12 dias de Outubro de 2022 vieram os Requerentes a deduzir o PPA que está na origem dos presentes autos, tendo pago a respetiva taxa de arbitragem inicial devida.

 

  1. Factos não provados

 

  1. Os planos de pagamento constantes de Doc. 1 junto com o PPA e os respetivos valores neste âmbito pagos e em dívida, respeitam ao imposto apurado pela AT em sede de IRS de 2019 e juros compensatórios, através das liquidações adicionais objeto deste PPA.

 

 

  1. Motivação da matéria de facto

 

O Tribunal não tem o dever de pronunciar sobre toda a matéria de facto alegada pelas partes, tendo antes o dever de selecionar a que interessa à decisão, tendo em conta a causa de pedir que suporta o pedido formulado pelas requerentes, e decidir se a considera provada ou não provada, conforme resulta do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e), do RJAT.

 

Considerando as posições assumidas pelas partes nas respetivas peças processuais, o princípio da livre apreciação da falta de contestação especificada dos factos expresso nos artigos 110.º, n.º 7 e 115.º, n.º 1, ambos do CPPT, a prova documental e a cópia do processo administrativo junto aos autos, que foram objeto de exame e avaliação cuidada por este Tribunal, tendo em conta as regras da experiência de vida e de conhecimento das pessoas e da envolvência, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

Não se consideraram provadas nem não provadas as alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada

 

  1. Matéria de direito

           

 A questão central a dirimir no presente processo consiste na apreciação dos vícios de violação de lei imputado pelas Requerentes ao indeferimento do pedido de Reclamação Graciosa apresentado e, consequentemente ao ato de liquidação de IRS do período de tributação de 2019, por violação do disposto no artigo 51º do CIRS e ainda o vício de falta de fundamentação.

 

Os Requerentes imputam dois tipos de vícios ao ato de liquidação adicional de IRS controvertido, entre os quais não estabeleceu uma relação de subsidiariedade: por um lado, um vício formal, consubstanciado na falta de fundamentação, o que constitui violação, além do mais, do disposto no artigo 66.º, n.ºs 1 e 2, do Código do IRS; por outro lado, vícios materiais, radicados, desde logo, na violação do disposto no artigo 51.º, alínea a), e no artigo 65.º, n.º 2 e 4, ambos do Código do IRS.

 

O artigo 124.º do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, estatui que o tribunal deve apreciar prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado e, seguidamente, os vícios que conduzam à sua anulação (n.º 1). No concernente aos vícios que consubstanciem inexistência ou nulidade, o julgador deve conhecer prioritariamente dos vícios cuja procedência determine, segundo o seu prudente critério, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos. No tocante aos vícios que constituam anulabilidade, é estabelecido o mesmo critério, que só não será aplicável se o impugnante tiver estabelecido uma relação de subsidiariedade entre os vícios imputados ao ato – o que é permitido pelo artigo 101.º do CPPT – pois nesse caso é dada primazia à sua vontade (desde que o Ministério Público não tenha arguido outros vícios) (n.º 2).

 

As regras emanadas desta norma legal sobre a ordem de conhecimento de vícios destinam-se a tutelar o interesse do impugnante com a máxima economia processual, omitindo pronúncia sobre vícios invocados quando o vício ou vícios já reconhecidos impedem a renovação do ato com o mesmo sentido. Efetivamente, o estabelecimento desta ordem de conhecimento dos vícios pressupõe que, conhecendo de um vício que conduza à eliminação jurídica do ato impugnado, o tribunal deixará de conhecer dos restantes, pois, se o julgador tivesse de conhecer de todos os vícios imputados ao ato, seria indiferente a ordem de conhecimento. Isto significa, pois, que o reconhecimento da existência de um vício implica que se considere prejudicado o conhecimento dos restantes vícios.

 

A tutela dos interesses ofendidos é mais estável quando a decisão impede a renovação do ato lesivo dos interesses do impugnante e será mais eficaz quando permitir ao interessado, em execução de julgado, obter uma melhor satisfação dos seus interesses, ofendidos pelo ato anulado.

 

Volvendo ao caso concreto e visando fornecer uma tutela mais estável e eficaz aos interesses dos Requerentes, começaremos pela apreciação dos vícios de ordem material e, dentro destes, pelos de violação das apontadas normas do Código do IRS, pois, a verificarem-se, afastarão definitivamente a possibilidade de impor aos Requerentes novos atos tributários praticados nos mesmos moldes dos atos impugnados; posteriormente, se se revelar necessário à resolução do litígio e nessa exata medida, passar-se-á à apreciação do invocado vício formal.  

 

  1. Da violação do artigo 51º do CIRS:

 

Regressando à questão substantiva em apreciação, importará ter presente o quadro normativo aplicável referente ao cálculo das mais-valias e das respetivas componentes que confluem para a determinação do montante tributável final.

 

Assim, impõe-se considerar as seguintes normas do Código do IRS, com a redação à data dos factos e nos segmentos a que aqui importa atentar:

“Artigo 10.º

Mais-valias

1 – Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresarias e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:

a)            Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afetação de quaisquer bens do património particular a atividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário;

(…)

3 – Os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos atos previstos no n.º 1, sem prejuízo do disposto nas alíneas seguintes:

(…)

4 – O ganho sujeito a IRS é constituído:

a)            Pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso, nos casos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1;

(…)”

 

“Artigo 43.º

Mais-valias

1 – O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes.

2 – O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50% do seu valor.

(…)”

 

“Artigo 44.º

Valor de realização

1 – Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de realização:

(…)

f) Nos demais casos, o valor da respetiva contraprestação.

2 – Nos casos das alíneas a), b) e f) do número anterior, tratando-se de direitos reais sobre bens imóveis, prevalecerão, quando superiores, os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida.

(…)

5 – O disposto no n.º 2 não é aplicável se for feita prova de que o valor de realização foi inferior ao ali previsto.

6 – A prova referida no número anterior deve ser efetuada de acordo com o procedimento previsto no artigo 139.º do Código do IRC, com as necessárias adaptações.

(…)”

 

“Artigo 46.º

Valor de aquisição a título oneroso de bens imóveis

1 – No caso da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, se o bem imóvel houver sido adquirido a título oneroso, considera-se valor de aquisição o que tiver servido para efeitos de liquidação do imposto municipal sobre as transações onerosas de imóveis (IMT).

2 – Não havendo lugar à liquidação de IMT, considera-se o valor que lhe serviria de base, caso fosse devida, determinado de harmonia com as regras próprias daquele imposto.

(…)”

 

“Artigo 51.º

Despesas e encargos

  1. Para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem: (Anterior corpo do artigo; passou a nº 1 pela da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro)
    a) Os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos, e as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, bem como a indemnização comprovadamente paga pela renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a esses bens, nas situações previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º;

b) As despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, nas situações previstas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 10.º (…)”

 

Do cotejo dos normativos vindos de citar, resulta que o eventual acréscimo ao valor de aquisição se relaciona, no caso da alínea a) do n.º 1 do artigo 51º do CIRS, com as despesas e encargos incorridas relativamente a mais-valias resultantes de bens imobiliários, ao passo que, nas situações a que se refere a alínea b) dessa mesma norma, apenas será aplicável a situações em que estejam em causa mais-valias que têm por base bens mobiliários.

 

Assim, atenta a dicotomia que decorre das versadas alíneas a) e b) desse mesmo artigo 51º, não poderemos deixar de afastar da apresente apreciação o disposto na alínea b), porquanto no caso em análise se está perante mais-valias que têm na sua génese a transmissão de bens imobiliários, cumprindo, pelo exposto, atentar na versada alínea a).

 

No âmbito da referida alínea a) do n.º 1 do artigo 51º do CIRS, o legislador previu três diferentes realidades suscetíveis de originar acréscimo ao valor de aquisição dos bens imobiliários que estão na base da mais-valia a apurar, secundando-se o posicionamento de Paula Rosado Pereira que se encontra vertido in Manual de IRS, Almedina, Coimbra, 2018, pp 218 a 222)

«Nas situações previstas no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do CIRS, a dedução de despesas e encargos, para efeitos do cálculo das mais-valias tributáveis, é efetuada mediante uma técnica de acréscimo, ao valor de aquisição do bem imóvel objeto de alienação onerosa (…). O acréscimo, nos termos do artigo 51.º, alínea a) do CIRS, pode corresponder a:

i)             Encargos com a valorização do bem, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos. Estão aqui em causa encargos intrinsecamente ligados ao bem alienado, conducentes a uma valorização, quer material ou física, quer económica, do mesmo. Carecem de relevância os encargos destinados à mera preservação do valor do bem, e não à sua valorização. (…)

ii)            Despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação dos bens em causa. (…)

iii)           Indemnização comprovadamente paga pela renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a esses bens.   

(…)

               Em termos gerais – uma vez que o cálculo da mais-valia tributável assenta na diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição (cfr. artigo 10.º, n.º 4, alínea a) do CIRS) –, o acréscimo, ao valor de aquisição do imóvel, dos encargos e das despesas suportados pelo sujeito passivo para obter o rendimento em causa, tem como efeito uma redução do valor da mais-valia sujeita a IRS.

                Assim:

Mais-valia = Valor de realização – (Valor de aquisição + Encargos + Despesas do art. 51.º do CIRS)

Dado que se trata de encargos e despesas necessários à obtenção do rendimento, a regra prevista no artigo 51.º do CIRS é uma concretização, relativamente ao cálculo das mais-valias, do princípio da capacidade contributiva e, em particular, do princípio da tributação do rendimento líquido objetivo – princípios estruturantes do CIRS.

(…)

Uma situação bastante comum de encargos com a valorização de bens imóveis alienados prende-se com a realização de obras pelo proprietário do imóvel, nos últimos 12 anos, relativamente às quais se encontre devidamente comprovado o encargo.

Desde que as aludidas obras originem uma melhoria ou valorização do imóvel, enquadram-se na previsão do artigo 51.º, alínea a) do CIRS e, portanto, acrescem ao valor de aquisição do imóvel alienado (o mesmo é dizer, deduzem-se para efeitos do cálculo da mais-valia sujeita a IRS), se o encargo estiver devidamente comprovado e tiver ocorrido nos últimos 12 anos.

Importa notar que é necessária não apenas a comprovação de que o encargo foi efetivamente suportado pelo vendedor, mas também a comprovação da efetiva ligação do encargo com a valorização do imóvel alienado.

Outra questão frequentemente discutida prende-se com o conceito de valorização do imóvel a adotar, o qual condiciona a dedutibilidade fiscal ou não dos encargos que lhe estão subjacentes. A este propósito, a jurisprudência já sustentou que “a alínea a) do artigo 51.º do CIRS não restringe os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos cinco anos [atualmente, doze], às valorizações materiais ou físicas daqueles, antes abrangendo também os encargos efetivamente suportados que os valorizem economicamente” [In Acórdão do STA, de 21 de março de 2012, proferido no Processo n.º 0587/11.].

Quanto às despesas necessárias e inerentes à aquisição/alienação de direitos reais sobre bens imóveis, é entendimento consolidado que são dedutíveis, para efeitos do cálculo da mais-valia tributável, o IMT suportado aquando da aquisição do imóvel ora alienado e, ainda, os encargos notariais e de registo predial incorridos.

Também são tidas como despesas necessárias à alienação e, portanto, contribuem para a redução do valor da mais-valia, as despesas com a mediação imobiliária eventualmente incorridas para efeitos da alienação do imóvel, desde que devidamente comprovadas. A comprovação requerida deve abarcar o efetivo pagamento das despesas pelo proprietário do imóvel e, ainda, a conexão destas com o imóvel alienado / intervenção do mediador imobiliário na alienação em causa.

São, ainda, aceites, para efeitos do cálculo da mais-valia tributável, as despesas incorridas pelo proprietário do imóvel com a solicitação do certificado energético. Esta despesa releva desde que, simultaneamente, se encontre comprovada através do recibo de pagamento e o certificado demonstre inequivocamente a sua conexão com o imóvel alienado. A partir de 2009, a compra e venda de um imóvel obriga o respetivo proprietário à obtenção de um certificado energético, o que contribuiu para vulgarizar bastante este tipo de despesa.»

 

Em similar sentido, o Prof.º José Guilherme Xavier Basto (in IRS: Incidência real e determinação dos rendimentos líquidos, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pp. 460 a 462), segundo o qual:

«(…) a lei consagra também a dedução de despesas e encargos, para a determinação de algumas das mais-valias sujeitas a imposto. A solução decorre, como é evidente, de um princípio geral da tributação do rendimento, que impõe que só devam ser sujeitos a imposto os rendimentos líquidos, obrigando assim à dedução das despesas necessárias para que o rendimento pudesse ter ocorrido.

O artigo 51.º manda, com efeito, acrescer ao valor de aquisição:

(…)

Na alínea a), consideram-se os “encargos com a valorização dos bens imóveis, comprovadamente realizados nos últimos cinco anos” [atualmente, doze anos] e também as “despesas necessárias e efectivamente realizadas” com a alienação do imóvel.

Ambas as fórmulas usadas na lei podem suscitar dúvidas de interpretação, particularmente a segunda, atendendo à grande margem de indeterminação do que sejam “despesas necessárias”.

(…) Há-de tratar-se, pois, de despesas que contribuem e são dirigidas, não meramente a conservar o valor do bem, mas a aumentar o seu valor. Não são as simples despesas de manutenção e conservação que são elegíveis para este efeito. Só as que “valorizam” o bem estão em causa. De entre estas, porém, a lei não parece autorizar distinções. (…)

Por outro lado, a dedução de encargos – através, neste caso, da sua adição ao valor de aquisição – é solução que decorre do princípio da tributação do rendimento líquido. Não prever a dedução de encargos efectivamente suportados que contribuem para a ocorrência do rendimento – neste caso, para a ocorrência do aumento do valor do imóvel que permitiu realizar mais-valia, na sua alienação – é violar um princípio económico e técnico da tributação do rendimento, o que só razões muito ponderosas poderiam justificar e haveria, por certo, de ser expressamente reflectido no texto legislativo. (…) Com a redacção actual do artigo 51.º, abrangem-se os encargos que, nos últimos 5 anos [atualmente, 12 anos], tenham contribuído para a valorização do imóvel – todos eles e não só as beneficiações materiais.»

 

Do mesmo modo, quer a jurisprudência dos tribunais arbitrais, quer dos tribunais estaduais, têm vindo a sufragar idênticos entendimentos quanto a esta matéria.

 

Assim, no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 21.03.2012, proferido no processo n.º 0587/11, sumariou-se nos seguintes termos: 

«I – A al. a) do art. 51.º do CIRS não restringe os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos cinco anos [atualmente, 12 anos], às valorizações materiais ou físicas daqueles, antes abrangendo também os encargos efectivamente suportados que os valorizem economicamente.

(…)»

(ii) Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 18.11.2009, proferido no processo n.º 0585/09, assim sumariado: 

«I – Nos termos do disposto no art. 51.º, al. b) do CIRS, para efeitos de tributação da mais-valia respectiva, só as despesas inerentes são necessárias, pelo que só elas são relevantes.

II – O qualificativo "inerente", logo etimologicamente – in re – contem, a se, uma ideia de inseparabilidade, uma relação intrínseca – que não meramente extrínseca – com a alienação: para ser considerada relevante, a despesa há-de sê-lo pela sua posição relativamente à alienação, há-de, em suma, ser dela indissociável.(…)»

 

Por seu turno, decidiu o Tribunal Central Administrativo Sul, de 14.04.2015, em aresto proferido no processo n.º 06824/13, o seguinte:

1. Artigo 51.º, n.º 1, al. a) do CIRS – as despesas suportadas pelo sujeito passivo que podem ser deduzidas ao valor de aquisição do imóvel para efeitos de mais-valias.

2. No critério legal, só as despesas inerentes são necessárias, pelo que só elas são relevantes. Tal critério contém uma ideia de inseparabilidade, uma relação intrínseca – que não meramente extrínseca – com a alienação: para ser considerada relevantes, a despesa há-de sê-lo pela sua posição relativamente à alienação, há-de, em suma, ser dela indissociável. A despesa há-de ser integrante da própria alienação. Não se vê, efectivamente, que outro sentido se possa atribuir à expressão “inerentes à alienação”. Não basta, pois, que as despesas sejam conexas à obtenção do rendimento, é necessário que elas dele sejam indissociáveis.»

 

Em similar sentido, veja-se o sumariado pelo Tribunal Central Administrativo Norte, de 30.03.2017, proferido no processo n.º 00543/04.7BEPNF, assim sumariado:

III. O ganho sujeito a IRS é constituído pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição (al. a) do n.º 4 do art. 10.º do CIRS), este calculado de acordo com o disposto nos artigos 46.º e seguintes do Código do IRS.

IV. Acrescem ao valor de aquisição, por força do art. 51.º do CIRS, os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos cinco anos [atualmente, 12 anos], e as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, nas situações previstas na alínea a) do n.º 1 do art. 10.º.»

 

Também no domínio da jurisprudência arbitral, atente-se no decidido no âmbito do processo n.º 766/2016-T, na qual é referido o seguinte:

«(…) atentando na letra da lei (encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos cinco anos [atualmente, 12 anos]) não pode deixar de concluir-se, desde logo, que o encargo há-de estar ligado à valorização do bem alienado. Daquele específico bem e não de qualquer outro.

                (…)

 Com efeito, considerando que as mais-valias são o saldo apurado pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição do imóvel não pode deixar de concluir-se, que o encargo há-de estar ligado à valorização do bem alienado  (…)»

 

Ante os entendimentos jurisprudenciais e doutrinais supra enunciados, cujo sentido e alcance acompanhamos, ter-se-á de verificar se, nos autos em análise, os Requerentes suportaram os referidos custos, mas igualmente que esses mesmos custos tiveram por propósito o a valorização do imóvel alienado e o qual está na base das mais-valias apuradas.

 

Sustentou a AT, em procedimento de divergência, que os encargos e despesas admissíveis de acrescerem ao valor de aquisição, totalizavam apenas € 1.976,01, porquanto a maioria das faturas (e recibos) não refere a morada do imóvel alienado, faltavam recibos com aquele endereço e os encargos com eletrodomésticos não poderiam ser elegíveis para o efeito.

 

A posteriori, veio a AT em sede de Reclamação Graciosa e de Resposta, a acrescer outros argumentos inovatórios face aos supra, nomeadamente, o facto de as faturas em causa não reunirem os requisitos a que têm de obedecer, nos termos do artigo 36º do CIVA e ainda pelo facto destes não terem demonstrado a existência de um nexo indissociável entre as obras levadas a efeito e a valorização do imóvel alienado.

 

O ato tributário arbitralmente impugnado resulta das correções efetuadas ao Anexo G da declaração Modelo 3, de 2019, da qual resultou liquidação adicional, a qual que não foi anulada pela AT em sede de reclamação graciosa, No caso, estamos perante correções efetuadas às despesas e encargos constantes do campo 4001 do Anexo G e, mais especificamente, aferir se a liquidação adicional de IRS 2019 se se encontra ou não inquinada de vício de violação de lei invalidante do referido ato tributário.

 

De notar que o objeto mediato em apreciação por este Tribunal é o da liquidação adicional de IRS dos Requerentes, referente ao ano de 2019, determinado pelas correções efetuadas pelo Serviço de Finanças Vila Nova de Gaia-... . Este é o ato tributário objetivamente em escrutínio, pelo que, releva apenas a fundamentação contida na referida liquidação, devidamente contextualizada, constante no respetivo processo administrativo, resultante do procedimento de divergência.

 

Com efeito, qualquer tentativa de fundamentação posterior é irrelevante, pois que, como é sabido, é entendimento reiterado da doutrina e da jurisprudência dos nossos tribunais superiores no sentido de não haver lugar a fundamentação do ato tributário (ou administrativo) a posteriori.

 

Assim, acompanhando o nosso Supremo Tribunal Administrativo, entende-se que “embora a fundamentação do acto administrativo seja um conceito relativo, o mesmo deve ter-se como fundamentado desde que um destinatário normal, colocado na situação concreta do real destinatário, se aperceba, sem equívoco, dos motivos por que assim foi decidido. (…) A fundamentação a posteriori, que não é legalmente admissível, pois que só é permitida a fundamentação contextual. Assim a fundamentação adicionada por um aditamento à acta, na qual já tinham sido classificados e graduados os concorrentes, dizendo quais foram os critérios utilizados em tal classificação e graduação, não pode ter-se como integrando a fundamentação.” 

 

É, pois, jurisprudência assente que: «A fundamentação dos actos administrativos e tributários à posteriori não é legalmente consentida, sendo que a validade do acto terá necessariamente que ser apreciada em função dos fundamentos de facto e de direito que presidiram à sua prática, irrelevando os que posteriormente lhe possam ser “aditados”. 

 

Ante o exposto, irreleva para efeitos de fundamentação do ato tributário, todo o acervo inovatório face àquela que emana do processo administrativo de divergência que está na base das correções efetuadas pela AT.

 

Efetuado o enquadramento quanto à fundamentação relevante para efeitos da apreciação da conformidade legal do ato tributário de liquidação e da subjacente decisão de indeferimento da reclamação graciosa, importa, pois, perceber se é possível do cotejo da documentação junta aos autos e ante o enquadramento jurídico-tributário  da questão de fundo vinda de enunciar, extrair resposta quanto à questão de saber se os Requerentes terão suportado as despesas e encargos por estes invocados e se esses encargos foram efetivamente incorridos em obras de valorização executadas no imóvel alineado?

 

A esta questão, a resposta não poderá deixar de ser respondida na afirmativa.

 

Resulta de todo o acervo probatório carreado para os autos – com particular destaque para os Docs. n.º 3 e  6 juntos com o PPA, afigura-se-nos que os Requerentes lograram aquilo que, à luz do normativo em questão e do entendimento que dele vem consolidadamente efetuando a jurisprudência e doutrina, lhes competia demonstrar, isto é, que os custos incorridos com os materiais e serviços fornecidos para as obras de remodelação foram executadas no Imóvel alienado, obras essas de remodelação que se encontram descritas no facto provado 15.

 

Incumbia aos Requerentes demonstrar que os aludidos encargos por si suportados (e quantificados em Doc. 6 do PPA) com a valorização, advenientes das versadas obras de remodelação, foram levadas à execução no Imóvel alienado, o que os Requerentes, inequivocamente, demonstraram.

 

Efetivamente, os Requerentes comprovaram que realizaram obras no Imóvel, qual a natureza das mesmas e qual o montante que nelas despenderam, sendo inegável que ante o estado anterior às obras e o resultado adveniente dessa intervenção é suscetível de gerar uma valorização do Imóvel alienado.

 

E prova disso mesmo radica do facto de num curto período temporal, sem que se conheçam outros fatores relevantes que para tal efeito pudessem concorrer, os Requerentes lograram alienar por um valor que rondou o dobro do montante de aquisição; não tendo sido indiciada qualquer outra ou razão nos autos que pudesse justificar tamanha oscilação no valor de transmissão do Imóvel entre as duas datas que não sejam as obras de remodelação levadas a efeito.

 

Cremos que o fundamento para tal valorização do Imóvel não se poderá deixar de dever aos encargos havidos com as obras nele executadas, as quais consabidamente, à luz da experiência e no âmbito do “padrão do homem médio” são aptas a provocar uma valorização do bem imobiliário intervencionado, como bem se evidencia do teor de Doc. 3 junto com o PPA.  

 

No caso vertente, a prova da valorização radica dos factos objetivos: em pouco mais de um ano, os Requerentes, em razão da obra de remodelação, levada a efeito, lograram alienar por um montante que ronda o dobro do valor de aquisição, sendo o fundamento para tal valorização as obras de remodelação executadas no Imóvel.

 

Com efeito, é possível estabelecer uma relação direta entre as mencionadas faturas e as obras efetuadas no Imóvel, pelas seguintes ordens de razão: a documentação coligida aos autos pelos Requerentes e os respetivos bens e serviços que dela se extraem, é consentânea  com o tipo de obras realizadas no imóvel em apreço, sendo certo que não existe nada nos autos que indicie que, à época dos factos, os Requerentes estivessem a executar, a seu cargo, obras de remodelação em qualquer outro ativo imobiliário que não no Imóvel.

 

E tal conclusão quanto à demonstração probatória, em sede de encargos de valorização, radica não só do facto de nos documentos aí melhor descritos se mencionar o local do Imóvel ou, quando tal não sucede, se encontrar documentalmente declarado pelo respetivo fornecedor/prestador o local da descarga e ou aplicação desses mesmos bens e serviços ser o da morada do Imóvel, permitindo, insofismavelmente, descortinar o destino dos materiais e serviços a que respeitam.

 

Ora, perante esta prova que se entende por documentalmente sólida face à finalidade visada demonstrar, não pode deixar de se rejeitar a argumentação contrária expendida pela AT, a qual contrapôs, para efeitos da conformidade legal da correção ora em apreciação, desde logo, o argumento de que a morada do Imóvel não constava das faturas e dos recibos manuais apresentados.

 

Como bem se denota da documentação junta (Doc. 6 do PPA), tal asserção não tem aderência à realidade e quando a tem, encontra-se suprida por documento complementar que para essa(s) fatura(s) expressamente remete(m).

 

Cumprindo recordar que o legislador não impõe, a respeito da demonstração a efetuar relativamente à demonstração probatória das despesas e encargos de valorização a que se reporta o artigo 51º do CIRS, qualquer regime de limitação ou de prova vinculada.

 

Preceitua o artigo 128º do CIRS:

Obrigação de comprovar os elementos das declarações

1 – As pessoas sujeitas a IRS devem apresentar, no prazo de 15 dias, os documentos comprovativos dos rendimentos auferidos, das deduções e de outros factos ou situações mencionadas na respetiva declaração, quando a Autoridade Tributária e Aduaneira os exija.

2 – O prazo previsto no número anterior é alargado para 25 dias quando o sujeito passivo invoque dificuldade na obtenção da documentação exigida.

3 – A obrigação estabelecida no n.º 1 mantém-se durante os quatro anos seguintes àquele a que respeitem os documentos.

4 – O extravio dos documentos referidos no n.º 1 por motivo não imputável ao sujeito passivo não o impede de utilizar outros elementos de prova daqueles factos.

 

Da leitura da versada norma legal, é possível estabelecer e assentar que o legislador exige aos sujeitos passivos de IRS a obrigação de apresentar junto da AT da documentação comprovativa dos elementos por aqueles declarados nas suas declarações de IRS.

 

Sendo que, da referido normativo, não se colhe qualquer limitação quanto à natureza do ou dos documentos comprovativos dos valores declarativamente expressos.

 

De resto, o legislador, no seu n.º 4, prevê igualmente a possibilidade dos contribuintes, ante a impossibilidade de apresentação dos documentos a que se reporta o n.º 1, não impedir que estes possam efetuar essa mesma prova por outros elementos probatórios, o que deixa bem evidenciado o propósito legislativo em não limitar do ponto de vista probatório o leque de prova a apresentar em ordem a suportar o teor do declarado em sede de Modelo 3 e respetivos anexos.

 

Se da referida norma vinda de citar, não se vislumbra qualquer indício sobre a versada limitação legislativa quanto aos meios de prova suscetíveis de confirmar os elementos declarados e tendo presente que no caso em apreço se está sempre perante prova documental, idêntica conclusão não poderá deixar de se efetuar da leitura do artigo 51º do CIRS, o qual igualmente se já deixou citado e no âmbito do qual o legislador não procede a qualquer densificação sobre qual ou quais os meios ou os elementos de prova suscetíveis de comprovar as despesas e os encargos de valorização, como aquele que se encontra em apreciação nestes autos.

 

Neste mesmo sentido, anote-se o acordado pelo Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito do processo n.º 01254/04, de 20.04.2005, segundo o qual a “lei não estipula um regime de prova vinculada. Pelo contrário, nesta matéria, o n.º 3 do art.º 128º, do CIRS aponta até em sentido diverso”

 

Isto é, também aqui o legislador não procedeu a qualquer distinção ou diferenciação, sendo que, pela sua pertinência e aderência em matéria de interpretação da norma legal, acompanha-se o acordado pelo Tribunal  Central Administrativo Norte, no âmbito do processo 01901/10.3BERG, 08.06.2012, segundo o qual  “Prescreve o nº 1, do artº 9º do CC que à actividade interpretativa não basta o elemento literal das normas e que é essencial a vontade do legislador, captável no quadro do sistema jurídico, das condições históricas da sua formulação e, numa perspectiva actualista, na especificidade do tempo em que são aplicadas.

No nº 2 estabelece-se, por seu turno, que a determinação da vontade legislativa não pode abstrair da letra da lei, isto é, do significado da sua expressão verbal.
Finalmente, no nº 3, dispõe-se, por apelo a critérios de objectividade, que o intérprete, na determinação do sentido prevalente da lei, deve presumir o acerto das soluções consagradas e a expressão verbal adequada (Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, vol. I, 3ª ed., págs. 58 e 59).

No fundo, o referido normativo expressa os princípios doutrinários consagrados ao longo do tempo sobre a interpretação das leis, designadamente o apelo ao elemento literal, por um lado, e aos de origem lógica - mens legis ou fim da lei, histórico ou sistemático - por outro.
Interpretar uma lei não é mais do que fixar o seu sentido e o alcance com que ela deve valer, ou seja, determinar o seu sentido e alcance decisivos; o escopo final a que converge todo o processo interpretativo é o de pôr a claro o verdadeiro sentido e alcance da lei (Manuel de Andrade, Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis, págs. 21 a 26).
Interpretar, em matéria de leis, quer dizer não só descobrir o sentido que está por detrás da expressão, como também, dentro das várias significações que estão cobertas pela expressão, eleger a verdadeira e decisiva (Pires de Lima e Antunes Varela, Noções Fundamentais do Direito Civil, vol. 1º, 6ª ed., pág. 145).

Daí que, perante as regras de interpretação da lei que resultam do artº 9º do Código Civil, a regra é a de que onde a lei não distingue não pode o intérprete distinguir; mesmo que se possa entender que onde a lei não distingue deve o intérprete distinguir sempre que dela resultem ponderosas razões que o imponham,”

 

Ora, no caso dos vertentes autos, é insofismável concluir que o legislador não pretendeu, ante o teor das normas vindas de citar, tratar de forma diferente as despesas e encargos a que se refere a al. a) do artigo 51º do CIRS face a todos os demais elementos, valores, rendimentos e deduções constantes de uma declaração de IRS.

 

Não cabendo assim ao intérprete destrinçar e no caso, diferenciar, limitando nos casos das despesas e encargos a que se refere a al. a) do artigo 51º do CIRS, a existência de uma prova vinculada a determinados e concretos documentos de prova, enquanto os únicos aptos ou idóneos a suportar o teor do declarado pelos contribuintes.

 

Acrescendo ainda, não se vislumbrar quaisquer ponderosas razões subjacentes para que tal distinção, por via de limitação dos elementos suscetíveis de comprovar essas despesas e encargos a que se refere a al. a) do artigo 51º do CIRS, quando comparados com o regime geral de comprovação do teor declarativo que dimana do artigo 128º do CIRS.

 

Ora, face ao que vem de se expor, é irrelevante que a menção da morada do Imóvel conste ou não expressamente das faturas (ou recibos) em causa, relevando, isso sim, que do acervo probatório que se venha a produzir, se permita estabelecer a necessária conexão entre os valores despendidos a título de despesas inerentes à aquisição e alienação e de encargos de valorização a que se reporta a al. a) do artigo 51º do CIRS e o Imóvel alienado.

 

E, a este respeito, os Requerentes lograram efetuar a competente demonstração probatória dessa mesma conexão, recorrendo, de resto, unicamente à via documental, embora não exclusivamente e apenas com recurso às respetivas faturas e/ou recibos juntos, o que, como se supra concluiu, a lei não exige.

 

Acresce, no que às despesas necessárias e inerente à alienação, pelos Requerentes incorridas e por estes invocadas (constantes do Doc. 6 do PPA) e a que se reporta o facto provado 14. não se pode deixar de reconhecer, com total objetividade que os custos aí espelhados assumem a natureza de despesas inerentes e efetivamente suportadas por aqueles, porquanto constituem, de resto, despesas indissociáveis a uma qualquer transmissão imobiliária, como o são da emissão de certificado energético, a ou outorga de escritura (ou documento particular autenticado) de compra e venda e o correspondente registo junto da conservatória do registo predial dessa mesma transmissão

 

Face ao teor de tal documentação que entendemos ser claro quanto à sua efetivação, inerência e necessidade, não surpreende que, não obstante a AT em sede de procedimento de divergência não tenha vindo a admitir tais despesas para efeitos do cômputo do valor de aquisição, não tenha sobre estas despesas em concreto vertido qualquer fundamentação específica em ordem a suportar a correção de tais valores, nem tendo avançado qualquer explicação que permitisse arredar tais custos da esfera das despesas havidas com a alienação do Imóvel.

 

Em suma, do concatenação da prova produzida, temos por seguro concluir que, quer as despesas, quer os encargos de valorização não podem deixar de constituir custos subsumíveis à previsão  normativa decorrente da al. a) do n.º 1 do artigo 51º do CIRS e, em consequência, aptas a acrescer ao valor de aquisição, com tudo o que tal significa em matéria de quantificação  para efeitos do apuro das mais-valias.

  

Perante o vindo de assentar, a correção efetuada pela AT e a qual deu lugar à liquidação adicional de IRS e juros compensatórios enferma de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, consubstanciado na errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 51.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS, o que implica a declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação adicional de IRS e juros compensatórios controvertida, na parte em que procedeu à correção (cf. artigo 163.º, n.º 1, do CPA ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT) de tais despesas e encargos no campo 4001 do Anexo G, de € 18.650,43 para os € 1.976,01.

 

Resultando demonstrado que os Requerentes suportaram despesas e encargos no valor de € 18.560,43, subsumíveis ao disposto na al. a) do n.º 1 do artigo 51º do CIRS, logo suscetíveis de acrescer ao valor de aquisição do Imóvel, não pode a liquidação impugnada, ao não refletir tal realidade jurídico-tributário, deixar de ser, nesta conformidade, parcialmente anulada.

 

Do mesmo passo, não tendo a Requerida AT reconhecido, em sede de Reclamação Graciosa, a ilegalidade da liquidação adicional em resultado da decisão de correção tributária em procedimento de divergência, inelutável se torna reconhecer a desconformidade legal de tal decisão de manutenção na ordem jurídico-tributário de um ato tributário eivado de vício legal e, em consequência, anular tal decisão do meio de defesa gracioso em apreço.    

 

  1. Questões de conhecimento prejudicado

 

 Resultando do exposto a declaração de ilegalidade da liquidação impugnada objeto dos presentes autos, por erro nos pressupostos de facto e de direito supra melhor expendidos, fica prejudicado, por inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC), o conhecimento dos restantes vícios que lhes são imputados pelo Requerente.

 

Na verdade, o artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer uma ordem de conhecimento de vícios, pressupõe que, julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados ao ato impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento. Fica prejudicado o conhecimento de outros vícios invocados pelos Requerentes.

 

 

  1. Dos Juros indemnizatórios e da restituição do imposto indevidamente pago:

Quanto ao pedido de juros indemnizatórios formulado pelos Requerentes, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

No caso, não se provou que os Requerentes tivessem procedido ao pagamento do montante de imposto liquidado (o que é diferente, note-se, de se ter provado que não pagou), uma vez não ser possível extrair a correlação existente entre os planos de pagamento cujos extratos do sistema do Portal das Finanças os Requerentes juntaram e o ato tributário adicional que está na base de tais pedidos.

Deste modo, não poderão proceder os pedidos acessórios de condenação da Requerida na restituição do imposto indevidamente pago e dos correspondentes juros indemnizatórios, sem prejuízo, obviamente, da obrigação daquela proceder a tal restituição e ao pagamento dos juros devidos, caso os Requerentes demonstrem o pagamento do imposto indevidamente liquidado, obrigação essa que os Requerentes poderão fazer valer, se necessário, em sede de execução do presente julgado.

 

 

IV – Decisão

Termos em que se decide:

 

a) Julgar procedente a exceção de incompetência material no que concerne ao pedido de arquivamento do processo contraordenacional e consequentemente, absolver a Requerida da instância;

b) Julgar procedente o pedido de reconhecimento da ilegalidade do ato de liquidação adicional de IRS e de juros compensatórios nºs IRS n.º 2021 ... e 2021..., procedendo à anulação parcial destes atos tributários nos termos anteriormente expostos e bem assim, anular, por ilegal, a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa n.º ...2021...;

b) Julgar improcedentes os pedidos de pagamento de juros indemnizatórios e de restituição do imposto indevidamente pago;

 

 

 

 

Valor da causa:

 

Nos termos do artigo 299.º, n.º 1, do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT e no artigo 6.º, alínea a), do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, «na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a acção é proposta, excepto quando haja reconvenção ou intervenção principal».

 

Assim, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em € 6.411,67 (seis mil quatrocentos e onze euros e sessenta e sete cêntimos).

 

Custas:

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 612,00.

 

Os Requerentes impugnaram o ato tributário solicitando que, para o apuramento da mais valia, fosse anulada a correção efetuada pela AT, a qual, face ao valor anteriormente declarado pelos Requerentes de € 18.650,43 a título de despesas e encargos, apenas veio a admitir em sede de procedimento de divergência o montante de € 1.976,01.

 

Tendo os Requerentes obtido integral ganho de causa relativamente a tal pedido de anulação parcial, impõe-se condenar a Requerida AT no pagamento da totalidade das custas devidas por estes autos arbitrais.

 

 

Notifique.

 

Lisboa, 02 de Junho de 2022.

  

 

O Árbitro

 

 

                                                Luís R. F. Sequeira