DECISÃO ARBITRAL
O árbitro Gonçalo Marquês de Menezes Estanque, designado pelo Conselho Deontológico do CAAD para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 07-12-2021, decide o seguinte:
1. Relatório
-
A... HPT, contribuinte n.º..., com sede em ..., ..., Alemanha (adiante designada por "Requerente"), representado por B... GmbH, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), tendo em vista:
-
A anulação dos atos tributários de retenção na fonte (com as guias de pagamento n.os ... e ...), por vício de violação de lei, em concreto por violação do Direito da União Europeia e da Constituição da República Portuguesa (CRP), e pelo consequente reconhecimento do direito do Requerente à restituição da quantia de EUR 38.285,01;
-
A eventual suspensão do processo até decisão por parte do TJUE em sede do pedido de reenvio prejudicial das questões prejudiciais formuladas no âmbito do processo n.º 93/2019-T, dado que, está em causa a mesma questão de Direito, com um substrato fático em tudo semelhante ao do presente processo;
-
Subsidiariamente, requer-se o reenvio prejudicial para o TJUE do presente processo quanto à questão relativa à incompatibilidade do artigo 22.º do EBF com o Direito da UE, ao abrigo do disposto no artigo 267.º do Tratado;
-
Com a procedência dos pedidos formulados supra, a condenação da Autoridade Tributária no pagamento das custas de arbitragem.
-
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT”).
-
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 28-09-2021.
-
Em 16-11-2021, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação do Árbitro, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT.
-
Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Singular ficou constituído em 07-12-2021.
-
A AT apresentou resposta em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral e solicitou a suspensão da instância até decisão por parte do Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) em sede do pedido de reenvio prejudicial das questões formuladas no âmbito do processo n.º 93/2019-T (o qual correu termos no TJUE sob o n.º de processo C-545/19).
-
Por despacho de 15-02-2022, foi decidida, conforme peticionado por ambas as partes e nos termos do artigo 272.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (“CPC”) aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, a suspensão da instância até à decisão do TJUE no âmbito do processo n.º C-545/19. Ademais, este Tribunal dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.
-
Em 18-03-2022, este Tribunal Arbitral determinou o levantamento da suspensão da instância e notificou as partes para a produção de alegações escritas, por prazo simultâneo de 30 dias, as quais foram apresentadas pela Requerida e pelo Requerente, respetivamente, em 06-04-2022 e 21-04-2022.
-
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
-
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.
-
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
-
Consideram-se provados os seguintes factos:
-
O Requerente é um Organismo de Investimento Coletivo (“OIC”), na forma de fundo de investimento alternativo, constituído de acordo com o Direito Alemão, gerido pela B... GmbH (“Sociedade Gestora”) e sujeito à supervisão do Bundesanstalt für Finanzdienstleistungsaufsicht (“BaFin)[1] (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
-
O Requerente e a respetiva Sociedade Gestora eram, no ano de 2019, residentes fiscais na República Federal da Alemanha (documentos n.os 1 e 2 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos).
-
O Requerente, em 2019, era não residente fiscal em Portugal e sem qualquer estabelecimento estável (artigo 4.º da Resposta da AT e parágrafo 13 do projeto de indeferimento da Reclamação Graciosa, junto com o Processo Administrativo, cujos teores se dão como reproduzidos).
-
Em 2019 o Requerente detinha participações sociais em três sociedades residentes em Portugal, cujo o n.º de ações discrimina-se abaixo:
C... SGPS, S.A.
|
63.852
|
D... SGPS, S.A.
|
355.596
|
E..., S.A.
|
44.675
|
(documento n.o 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
-
No ano de 2019, o Requerente recebeu dividendos, os quais foram sujeitos a retenção na fonte de IRC em Portugal pelo F... (“substituto tributário”), nos montantes a seguir discriminados:
Ano da Retenção
|
Valor Bruto do Dividendo
|
Data de Pagamento
|
Taxa de Retenção na Fonte
|
Guia de pagamento
|
Valor da retenção (€)
|
2019
|
8.488,25
|
15.05.2019
|
25%
|
...
|
2.122,06
|
2019
|
124.458,60
|
24.05.2019
|
25%
|
...
|
31.144,65
|
2019
|
20.193,20
|
10.09.2019
|
25%
|
...
|
5.048,30
|
|
|
|
|
TOTAL
|
38.285,01
|
(documentos n.os 6 e 7 juntos com o pedido de pronúncia arbitral e parágrafos 11 e 12 do projeto de decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, constante do Processo Administrativo, cujos teores se dão como reproduzidos).
-
O Requerente não foi sujeito à taxa de retenção na fonte “reduzida” de 15%, em conformidade com o previsto nos artigos 10.º, n.º 2, da Convenção entre a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha para Evitar a Dupla Tributação em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e sobre o Capital, aprovada pela Lei n.º 12/82, de e 3 Junho (parágrafos 13 e 14 do projeto de decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, constante do Processo Administrativo, cujos teores se dão como reproduzidos).
-
Por discordar dos referidos atos tributários de retenção na fonte, o Requerente apresentou, em 25-02-2021, Reclamação Graciosa, nos termos do artigo 132.º, n.º 2 do Código de Procedimento e Processo Tributário (“CPPT”), solicitando a anulação dos actos tributários de retenção na fonte de IRC (documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
-
A AT propôs o indeferimento da Reclamação Graciosa, o qual foi convolado em definitivo através do Ofício n.º ... (documentos n.os 9 e 10 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos).
2.2. Factos não provados
-
Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a decisão da causa.
-
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pelo Requerente, bem como no processo administrativo apresentado pela AT.
2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
-
O Tribunal Arbitral tem o dever de selecionar a matéria de facto que releva para a decisão e decidir se a considera provada ou não provada, conforme resulta do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e), do RJAT.
-
Apesar de não existir o dever de pronúncia quanto a toda a matéria de facto alegada pelas partes, importa referir que o Requerente, em sede de Alegações escritas, referiu que “a requerida não colocou em causa em nenhum momento (...) a factualidade apresentada pelo Requerente, não parecendo existir, quanto aos factos que devem considerar-se provados, qualquer desacordo entre as partes” (ponto 8 das Alegações escritas do Requerente), a verdade é que no artigo 6.º da Resposta da Requerida é alegada a “não prova” da sujeição (do Requerente) a imposto no país da residência, bem como a impossibilidade de recuperar o imposto suportado em Portugal (conforme invocado pelo Requerente no artigo 11.º do Pedido de Pronúncia Arbitral e Documento n.º 3 junto ao mesmo).
-
Contudo, conforme melhor se explicará adiante (parágrafo 41 da presente Decisão Arbitral), não estamos perante uma questão de facto com relevo para a decisão da causa.
3. Matéria de direito
-
A questão em causa nos presentes autos é, no essencial, a conformidade do regime do artigo 22.º do EBF com o Direito da União Europeia, na medida em que este regime do é aplicável apenas aos OIC (fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário) que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional — ficando de fora do âmbito de aplicação deste regime, os OIC que se constituam e operem em outros Estados.
-
Conforme referido, o Requerente é um OIC constituído de acordo com o Direito Alemão que, no ano de 2019, era sujeito passivo de IRC não residente fiscal e sem estabelecimento estável em Portugal, sendo antes residente fiscal na Alemanha.
-
Em 2019, o Requerente recebeu de sociedades residentes fiscais em Portugal dividendos no montante total (bruto) de €153.140,05, sujeitos a retenção na fonte em Portugal, no montante de € 38.285,01 (aplicando-se a taxa de 25%).
3.1. Quadro normativo
-
O artigo 87.º do CIRC estabelece o seguinte, no que aqui interessa:
“Artigo 87.º
Taxas
(...)
4 - Tratando-se de rendimentos de entidades que não tenham sede nem direção efetiva em território português e aí não possuam estabelecimento estável ao qual os mesmos sejam imputáveis, a taxa do IRC é de 25 % (...)”
-
Por seu turno, o artigo 94.º do CIRC, estabelece o seguinte, no que aqui interessa:
“Artigo 94.º
Retenção na fonte
1 - O IRC é objeto de retenção na fonte relativamente aos seguintes rendimentos obtidos em território português:
(...)
c) Rendimentos de aplicação de capitais não abrangidos nas alíneas anteriores e rendimentos prediais, tal como são definidos para efeitos de IRS, quando o seu devedor seja sujeito passivo de IRC ou quando os mesmos constituam encargo relativo à atividade empresarial ou profissional de sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade;
(...)
3 - As retenções na fonte têm a natureza de imposto por conta, exceto nos seguintes casos em que têm caráter definitivo:
(...)
b) Quando, não se tratando de rendimentos prediais, o titular dos rendimentos seja entidade não residente que não tenha estabelecimento estável em território português ou que, tendo-o, esses rendimentos não lhe sejam imputáveis;
(...)
4 - As retenções na fonte de IRC são efetuadas à taxa de 25 %, aplicando-se aos rendimentos referidos na alínea d) do n.º 1 a taxa de 21,5 %.”
-
O artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 31 de Janeiro estabelece o seguinte:
“Artigo 22.º
Organismos de Investimento Coletivo
1 – São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.
2 – O lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC referidos no número anterior corresponde ao resultado líquido do exercício, apurado de acordo com as normas contabilísticas legalmente aplicáveis às entidades referidas no número anterior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
3 – Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1.
4 – Os prejuízos fiscais apurados em determinado período de tributação nos termos do disposto nos números anteriores são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo -os, de um ou mais dos 12 períodos de tributação posteriores, aplicando -se o disposto no n.º 2 do artigo 52.º do Código do IRC.
5 – Sobre a matéria coletável correspondente ao lucro tributável deduzido dos prejuízos fiscais, tal como apurado nos termos dos números anteriores, aplica -se a taxa geral prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC.
6 – As entidades referidas no n.º 1 estão isentas de derrama municipal e derrama estadual.
7 – Às fusões, cisões ou subscrições em espécie entre as entidades referidas no n.º 1, incluindo as que não sejam dotadas de personalidade jurídica, é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 73.º, 74.º, 76.º e 78.º do Código do IRC, sendo aplicável às subscrições em espécie o regime das entradas de ativos previsto no n.º 3 do artigo 73.º do referido Código.
8 – As taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC têm aplicação, com as necessárias adaptações, no presente regime.
9 – O IRC incidente sobre os rendimentos das entidades a que se aplique o presente regime é devido por cada período de tributação, o qual coincide com o ano civil, podendo no entanto ser inferior a um ano civil:
a) No ano do início da atividade, em que é constituído pelo período decorrido entre a data em que se inicia a atividade e o fim do ano civil;
b) No ano da cessação da atividade, em que é constituído pelo período decorrido entre o início do ano civil e a data da cessação da atividade.
10 – Não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos obtidos pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1.
11 – A liquidação de IRC é efetuada através da declaração de rendimentos a que se refere o artigo 120.º do Código do IRC, aplicando -se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 89.º, no n.º 1 do artigo 90.º, no artigo 99.º e nos artigos 101.º a 103.º do referido Código.
12 – O pagamento do imposto deve ser efetuado até ao último dia do prazo fixado para o envio da declaração de rendimentos, aplicando -se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 109.º a 113.º e 116.º do Código do IRC.
13 – As entidades referidas no n.º 1 estão ainda sujeitas, com as necessárias adaptações, às obrigações previstas nos artigos 117.º a 123.º, 125.º e 128.º a 130.º do Código do IRC.
14 – O disposto no n.º 7 aplica -se às operações aí mencionadas que envolvam entidades com sede, direção efetiva ou domicílio em território português, noutro Estado membro da União Europeia ou, ainda, no Espaço Económico Europeu, neste último caso desde que exista obrigação de cooperação administrativa no domínio do intercâmbio de informações e da assistência à cobrança equivalente à estabelecida na União Europeia.
15 – As entidades gestoras de sociedades ou fundos referidos no n.º 1 são solidariamente responsáveis pelas dívidas de imposto das sociedades ou fundos cuja gestão lhes caiba.
16 – No caso de entidades referidas no n.º 1 divididas em compartimentos patrimoniais autónomos, as regras previstas no presente artigo são aplicáveis, com as necessárias adaptações, a cada um dos referidos compartimentos, sendo -lhes ainda aplicável o disposto no Decreto -Lei n.º 14/2013, de 28 de janeiro”.
-
Por seu turno, o Código do Imposto do Selo estabelece, com relevância para a presente decisão, o seguinte:
“Tabela Geral do Imposto do Selo
Verba 29
Valor líquido global dos organismos de investimento coletivo abrangidos pelo artigo 22.º do EBF:
29.1 Organismos de investimento coletivo que invistam, exclusivamente, em instrumentos do mercado monetário e depósitos - sobre o referido valor, por cada trimestre: 0,0025 %
29.2 Outros organismos de investimento coletivo - sobre o referido valor, por cada trimestre: 0,0125 %”.
3.2. Posição das Partes
-
Em suma, o Requerente alega que:
- Os OIC não residentes fiscais em Portugal / não constituídos de acordo com Direito Português são objecto de um tratamento discriminatório contrário ao Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”), na medida em que o regime previsto no artigo 22.º do EBF é aplicável apenas aos OIC residentes em Portugal, que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.
- Nos termos do artigo 94.º, n.os 1, alínea c) e 3, alínea b), e 4, bem como do artigo 87.º, n.º 4, todos do CIRC, os dividendos de fonte portuguesa pagos a OIC não estabelecidos / não residentes em Portugal são tributados em sede de IRC mediante retenção na fonte liberatória, à taxa de 25%, o que sucedeu no caso do Requerente.
- Porém, se o Requerente fosse um OIC com residência fiscal em Portugal, os referidos dividendos não teriam sido sujeitos a retenção na fonte, nos termos do artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF.
- O tratamento discriminatório operado pelos artigos 4.º, n.º 2, 94.º, n.ºs 1, alínea c), 3, alínea b), e 5, 87.º, n.º 4, do CIRC e 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, do EBF, encontra-se em violação do TFUE, designadamente dos seus artigos 18.º e 63.º, ao constituir uma restrição às liberdades fundamentais, mormente a liberdade de circulação de capitais.
- O regime previsto no artigo 22.º do EBF, faz depender a dispensa de retenção na fonte e tributação em sede de IRC dos dividendos de fonte portuguesa auferidos por um OIC da respectiva residência em território português, apesar dos OIC não residentes em Portugal e constituídos de acordo com o Direito de outro Estado-Membro, encontrarem-se numa situação objectivamente comparável à dos OIC residentes em território português.
- Neste contexto, constata-se que os atos tributários de retenção na fonte de IRC objecto dos presentes autos assentam numa situação de discriminação que viola o princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 63.º do TFUE.
- A partir do momento em que o Estado português optou por não tributar em sede de IRC os dividendos pagos a OIC residentes em Portugal, não poderá justificar a discriminação sub judice com fundamento na salvaguarda da repartição equilibrada do poder de tributação entre Estados-Membros.
- A sujeição dos OIC residentes em Portugal à Verba 29 da Tabela Geral do Imposto do Selo (“TGIS”) não é comparável à tributação em sede de IRC de dividendos de fonte portuguesa auferidos por OIC não residentes, pois a verba 29 da TGIS incide sobre o valor líquido global do OIC e não sobre o rendimento por este auferido.
- O artigo 22.º do EBF colide com as disposições do Tratado relativas ao princípio da não discriminação em razão da nacionalidade, bem como as garantias associadas ao direito de estabelecimento e, ainda, com as disposições relativas à livre circulação de capitais, tendo o efeito de dissuadir os OIC estabelecidos noutros Estados-Membros de investirem os respetivos capitais em sociedades com sede em Portugal.
- Em situações idênticas à objeto do presente processo, os Tribunais Arbitrais têm decidido pela anulação dos atos tributários (processos n.os 528/19-T, 548/19-T, 11/2020-T, 68/2020-T, 926/2019-T e 922/2019-T).
- Os atos tributários de retenção na fonte de IRC acima identificados enfermam do vício de violação de lei, consubstanciado na violação dos princípios da legalidade tributária, do primado do direito internacional e da livre circulação de capitais previsto no artigo 63.º do TFUE e, consequentemente, do artigo 8.º da CRP, a qual deverá determinar a anulação dos atos tributários de retenção na fonte ora em crise, com a consequente restituição do imposto retido na fonte no montante de EUR 38.285,01.
- Por fim, em sede de Alegações escritas, o Requerente em sintonia com o Acórdão proferido pelo TJUE no âmbito do processo n.º C-545/19 conclui que “ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes” (parágrafo 38), não sendo esse tratamento desfavorável justificado.
-
Por seu turno, a AT alega que:
- O Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, veio proceder à reforma do regime de tributação dos OIC e veio alterar o artigo 22.º do EBF, aplicável aos rendimentos obtidos por fundos de investimento mobiliário e imobiliário, bem como a sociedades de investimento mobiliário e imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.
- Esta redação, prevê, para estes sujeitos passivos de IRC, uma exclusão na determinação do lucro tributável dos rendimentos de capitais, prediais e mais-valias, referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do CIRS, conforme prevê o n.º 3 do artigo 22.º do EBF e, ainda, uma isenção das derramas municipal e estadual, conforme disposto no n.º 6 da mencionada norma legal.
- No que se refere ao quadro fiscal dos OIC, a opção legislativa teve por finalidade “aliviar” estes sujeitos passivos da tributação em IRC, mediante a subtracção à base tributável dos rendimentos típicos dos OIC, isto é, dos rendimentos de capitais (artigo 5.º do Código do IRS), dos rendimentos prediais (artigo 8.º do Código do IRS) e das mais-valias (artigo 10.º do Código do IRS), conforme previsto no n.º 3 do artigo 22.º do EBF e, ainda, prevendo a isenção de derrama municipal e de derrama estadual, nos termos do n.º 6 do artigo 22.º do EBF, deslocando a tributação para a esfera do Imposto do Selo (verba n.º 29 da TGIS).
- In casu, para efeitos de análise da comparabilidade entre OIC residentes e não residentes, ter-se-á de analisar o regime de tributação no seu conjunto.
- Não pode afirmar-se que se esteja perante situações objectivamente comparáveis, porquanto, a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes, e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pelo Requerente.
- A carga fiscal que pode recair sobre os dividendos e as correspondentes acções dos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF, seja de IRC, tributações autónomas ou de Imposto do Selo, também tem um impacto negativo na capacidade financeira dos mesmos e nas taxas de rendibilidade dos investimentos, que pode exceder o imposto retido na fonte sobre os dividendos auferidos por Fundos de investimento de outros Estados-Membros.
- O que existe é uma aparência de discriminação na forma de tributar os dividendos distribuídos por sociedades residentes a OIC não residentes, mas, a que não corresponde uma discriminação em substância.
- A AT encontra-se subordinada ao princípio da legalidade, pelo que não poderia, na apreciação da reclamação graciosa interposta pelo Requerente, aplicar de forma directa e automática as decisões do TJUE proferidas sobre casos concretos que não relevam do direito nacional, para mais não estando em causa situações materialmente idênticas, e em que a aplicação correcta do direito comunitário não se revela tão evidente (Ato Claro) que não deixe margem para qualquer dúvida razoável quanto ao modo como deve ser resolvida a questão suscitada.
- O regime fiscal aplicável aos OIC constituídos ao abrigo da legislação nacional, embora consagre a isenção dos dividendos distribuídos por sociedades residentes, não afasta a tributação desses rendimentos por outras formas, seja por tributação autónoma, seja em Imposto do Selo, quando os mesmos rendimentos integram o valor líquido destes organismos, logo, não pode afirmar-se que, em substância, as situações em que se encontram aqueles OIC e os Fundos de Investimentos constituídos e estabelecidos noutros Estados-Membros que auferem dividendos com fonte em Portugal, sejam objectivamente comparáveis.
- A AT invoca ainda que, conforme decidido pelo Tribunal Arbitral no âmbito do Proc. n.º 96/2019-T, perante uma situação idêntica, não se procedeu à anulação dos atos tributários e que a Advogada-Geral nas conclusões apresentadas no âmbito do Processo do TJUE n.º C-545/19 deu razão à posição defendida pela AT.
3.3. Apreciação da questão
-
Em suma, a questão a dirimir no presente processo consiste na apreciação do vício de violação de lei imputado pelo Requerente, um OIC constituído na República Federal da Alemanha, ao indeferimento do pedido de Reclamação Graciosa n.º ...2021... apresentado contra os atos tributários de retenção na fonte de IRC, ocorridos em 2019, aquando da colocação à disposição do Requerente de dividendos decorrentes de participações detidas em sociedades residentes em território português.
-
Tal como se referiu, o Requerente considera que a interpretação do artigo 22.º do EBF consubstancia uma discriminação injustificada entre OIC residentes e não residentes em Portugal, violando assim o princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 63.º do TFUE e, consequentemente, o primado do Direito da União Europeia.
-
O artigo 22.º do EBF estabelecia uma exclusão para efeitos de determinação do lucro tributável em sede de IRC dos dividendos de fonte portuguesa obtidos por OIC que estivessem constituídos e operassem de acordo com a legislação nacional, isto é, que fossem residentes fiscais em Portugal. Não obstante, os OIC residentes ficam sujeitos à tributação autónoma prevista no artigo 88.º do código do IRC e, bem assim, à verba n.º 29 do Imposto do Selo.
-
Por seu turno, os OIC estabelecidos noutros Estados-Membros, isto é, sem residência fiscal em Portugal, não se encontram sujeitos a esta tributação em sede de Imposto do Selo, sendo antes tributados em sede de IRC quanto aos dividendos auferidos de fonte portuguesa.
-
Cumpre, assim, apreciar, por um lado, se existe uma discriminação de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes em Portugal no que respeita à tributação dos dividendos auferidos de fonte portuguesa, isto porque os dividendos pagos aos primeiros não se encontravam sujeitos a retenção na fonte nem eram tributados em sede de IRC, enquanto que os dividendos pagos aos segundos são tributados em sede de IRC mediante retenção na fonte através da aplicação de uma taxa liberatória. Por outro lado, existindo um tratamento discriminatório, importa verificar se o mesmo é ou não justificado.
-
Esta questão foi analisada no acórdão AllianzGI‑Fonds AEVN, proferido pelo TJUE no âmbito do processo n.º C-545/19, em 17-03-2022, o qual, de resto, foi fundamento para a suspensão da instância no presente processo arbitral e em que, conforme referido por ambas as partes, os factos e a questão de fundo são precisamente os mesmos que se discutem no presente processo.
-
No âmbito do referido acórdão, o TJUE, ao que aqui importa, concluiu o seguinte:
“36 Resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que as medidas proibidas pelo artigo 63.º, n.º 1, TFUE, enquanto restrições aos movimentos de capitais, incluem as que são suscetíveis de dissuadir os não residentes de investir num Estado‑Membro ou de dissuadir os residentes de investir noutros Estados (v., designadamente, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C‑252/14, EU:C:2016:402, n.º 27 e jurisprudência referida, e de 30 de janeiro de 2020, Köln‑Aktienfonds Deka, C‑156/17, EU:C:2020:51, n.º 49 e jurisprudência referida).
37 No caso em apreço, é facto assente que a isenção fiscal prevista pela legislação nacional em causa no processo principal é concedida aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa, ao passo que os dividendos pagos a OIC estabelecidos noutro Estado‑Membro não podem beneficiar dessa isenção.
38 Ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes.
39 Esse tratamento desfavorável pode dissuadir, por um lado, os OIC não residentes de investirem em sociedades estabelecidas em Portugal e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem participações sociais em OIC e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.º TFUE (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C‑480/16, EU:C:2018:480, n.os 44, 45 e jurisprudência referida)”.
-
Portanto, prossegue o TJUE, o regime jurídico acima descrito viola diretamente o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º do TFUE, já que estabelecia um regime de tributação menos favorável aos OIC não residentes quando comparado com o regime aplicável aos OIC residentes.
-
Não obstante, importa também analisar se estamos perante situações objetivamente comparáveis. Neste sentido, refere, ainda, o TJUE (Acórdão AllianzGI‑Fonds AEVN, processo n.º C 545/19) que:
“49 Resulta de jurisprudência constante que, a partir do momento em que um Estado, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os contribuintes residentes mas também os contribuintes não residentes, relativamente aos dividendos que auferem de uma sociedade residente, a situação dos referidos contribuintes não residentes assemelha‑se à dos contribuintes residentes (Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C‑575/17, EU:C:2018:943, n.º 47 e jurisprudência referida).
(…) a legislação nacional em causa no processo principal não se limita a prever diferentes modalidades de cobrança de imposto em função do local de residência do OIC beneficiário de dividendos de origem nacional, mas prevê, na realidade, uma tributação sistemática dos referidos dividendos que onera apenas os organismos não residentes (v., por analogia, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C‑342/10, EU:C:2012:688, n.º 44 e jurisprudência referida).
(…) 53 A este propósito, importa salientar, por um lado, no que respeita ao imposto do selo, que resulta tanto das observações escritas apresentadas pelas partes como da resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de informações do Tribunal de Justiça que, pelo facto de a sua matéria coletável ser constituída pelo valor líquido contabilístico dos OIC, esse imposto do selo é um imposto sobre o património, que não pode ser equiparado a um imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.
54 Além disso, como salientou a advogada‑geral no n.º 47 das suas conclusões, no processo principal, a legislação fiscal portuguesa distingue, no caso dos OIC residentes, entre o rendimento do capital acumulado e o que é imediatamente redistribuído, apenas o primeiro sendo englobado na matéria coletável do referido imposto do selo. Ora, este aspeto basta, por si só, para distinguir este processo do que deu origem ao Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek (C‑252/14, EU:C:2016:402).
55 Com efeito, mesmo considerando que esse mesmo imposto do selo possa ser equiparado a um imposto sobre os dividendos, um OIC residente pode escapar a tal tributação dos dividendos procedendo à sua distribuição imediata, ao passo que esta possibilidade não está aberta a um OIC não residente.
56 Por outro lado, no que se refere ao imposto específico previsto no artigo 88.º, n.º 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, resulta das indicações da Autoridade Tributária, contidas na decisão de reenvio, que, por força desta disposição, este imposto só incide sobre os dividendos recebidos por OIC residentes quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período. Assim, o imposto previsto pela referida disposição só incide sobre os dividendos de origem nacional recebidos por um OIC residente em casos limitados, pelo que não pode ser equiparado ao imposto geral de que são objeto os dividendos de origem nacional recebidos pelos OIC não residentes.
57 Por conseguinte, a circunstância de os OIC não residentes não estarem sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.º, n.º 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas não os coloca numa situação objetivamente diferente em relação aos OIC residentes no que se refere à tributação dos dividendos de origem portuguesa”
-
Ainda a respeito da análise da comparabilidade objetiva das situações em questão, referiu o TJUE no referido acórdão que:
“72 Ora, como resulta de jurisprudência do Tribunal de Justiça, a situação de um OIC residente que beneficia de uma distribuição de dividendos é comparável à de um OIC beneficiário não residente, na medida em que, em ambos os casos, os lucros realizados podem, em princípio, ser objeto de dupla tributação económica ou de tributação em cadeia (v., neste sentido, Acórdão de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C‑190/12, EU:C:2014:249, n.º 58 e jurisprudência referida).
73 Por conseguinte, o critério de distinção a que se refere a legislação nacional em causa no processo principal, que tem por objeto unicamente o lugar de residência dos OIC, não permite concluir pela existência de uma diferença objetiva de situações entre os organismos residentes e os organismos não residentes.
74 Atendendo a todos os elementos precedentes, há que concluir que, no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis.”.
-
Tendo por base as citadas considerações do TJUE, verifica-se que a situação na qual uma sociedade portuguesa paga dividendos a um OIC residente em Portugal é comparável à situação que está na origem dos presentes autos, em que esses dividendos foram pagos ao Requerente, na sua qualidade de OIC, residente na República Federal da Alemanha. Razão pela qual não pode existir discriminação entre um OIC residente e outro não residente no que respeita à tributação dos dividendos, sob pena de se verificar uma discriminação.
-
É certo que o princípio da livre circulação de capitais pode ser objeto de restrições, desde que motivadas por razões imperiosas de interesse geral, nomeadamente pela necessidade de preservar a coerência de um regime fiscal ou para preservar uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados. Desde já adiantamos que tais razões imperiosas de interesse geral não se verificam in casu.
-
O TJUE no acórdão AllianzGI‑Fonds AEVN (processo n.º C-545/19) conclui que “é necessário que esteja demonstrada a existência de uma relação direta entre o benefício fiscal em causa e a compensação desse benefício por uma determinada imposição fiscal”[2], sendo que, prossegue o TJUE, “não há uma relação direta (…) entre a isenção da retenção na fonte dos dividendos de origem nacional auferidos por um OIC residente e a tributação dos referidos dividendos enquanto rendimentos dos detentores de participações sociais nesse organismo”[3]. Isto porque, “a isenção (...) não está sujeita à condição de os dividendos recebidos pelos organismos serem redistribuídos por estes e de a sua tributação na esfera dos detentores de participações sociais compensar a isenção de retenção na fonte”. Razão pela qual tal justificação“não pode, por conseguinte, ser invocada para justificar a restrição à livre circulação de capitais induzida pela legislação nacional”[4].
-
Já no que respeita à necessidade de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados salientou o TJUE no supra referido acórdão AllianzGI‑Fonds AEVN (processo n.º C-545/19) que “quando um Estado‑Membro tenha optado, como na situação em causa no processo principal, por não tributar os OIC residentes beneficiários de dividendos de origem nacional, não pode invocar a necessidade de garantir uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros para justificar a tributação dos OIC não residentes beneficiários desses rendimentos”. Nesta medida, concluiu o TJUE que “a justificação baseada na preservação de uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados‑Membros também não pode ser acolhida”[5].
-
Em face de tudo o exposto, decidiu o TJUE no supra referido acórdão que:
“O artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento colectivo (OIC) não residente são objecto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção”.
-
Face ao exposto, é forçoso concluir-se que o artigo 22.º, n.os 1, 3 e 10 do EBF estabelecem um tratamento discriminatório prejudicial ao circunscrever o regime de isenção de tributação aos OIC que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.
-
Acresce ainda que as disposições dos tratados que regem a União Europeia são direta e obrigatoriamente aplicáveis na ordem jurídica interna, sendo que “os tribunais devem recusar a aplicação de lei ou norma jurídica que viole tratado internacional a que Portugal se tenha vinculado” (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do processo n.º 0188/15, datado de 01-07-2015)
-
Assim, perante a decisão do TJUE cujo entendimento é aplicável aos presentes autos, entende este Tribunal Arbitral que os atos tributários impugnados nos presentes autos são ilegais por assentarem numa disposição legal que viola o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º, n.º 1 do TFUE.
4. Reembolso de quantias pagas
-
O Requerente pede o reembolso do imposto indevidamente pago no montante de EUR 38.285,01. Como consequência da anulação dos atos tributários de retenção na fonte de IRC, há lugar a reembolso das quantias indevidamente pagas.
5. Dos juros indemnizatórios
-
No artigo 174.º do Pedido de Pronúncia Arbitral, o Requerente expressamente invoca a “(...) revogação da decisão de indeferimento expresso da reclamação e de restituição ao Requerente da quantia de EUR 38.285,01 acima melhor discriminada, tudo com as demais consequências legais, mormente o pagamento de juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto no artigo 43.º da LGT”.
-
Apesar desta referência expressa à condenação da Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios, a verdade é que no pedido o Requerente não pede expressamente tal condenação, fazendo tão somente uma referência genérica à restituição da quantia de “EUR 38.285,01 relativa a retenções na fonte de IRC (...) tudo com as demais consequências legais”.
-
Independemente da clareza ou não do pedido de pagamento de juros indemnizatórios, o certo é que, conforme referido pelo Supremo Tribunal Administrativo em Acórdão de 31-03-2016 (processo n.º 120/15), “o direito aos juros indemnizatórios não está subordinado ao princípio do pedido, devendo estes ser liquidados e pagos oficiosamente pela administração tributária”. Veja-se no mesmo sentido o Acórdão do Tribunal Central Administrativo-Sul, proferido em 22-05-2019, no âmbito do processo n.º 1770/12.9BELRS[6]. Pelo que, em suma, tem este Tribunal Arbitral o dever de apreciar o direito do Requerente aos juros indemnizatórios pois o mesmo não está subordinado ao princípio do pedido.
-
É certo que, conforme alega a AT, “(...) os erros que afetam as retenções na fonte não imputáveis à administração Tributária, pois não foram por ela praticadas (...)” (artigo 158.º da Resposta), porém tal facto é irrelevante para a determinação da existência ou não do direito a juros indemnizatórios.
-
Da ilegalidade do indeferimento do pedido de Reclamação Graciosa apresentado pelo Requerente e, consequentemente, da ilegalidade dos atos tributários de retenção na fonte de IRC, resulta para a AT a obrigação de restabelecer a situação que existiria se o ato tributário não tivesse sido praticado.
-
Nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, para além do reembolso do imposto indevidamente pago “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”. Sendo que, é entendimento do Supremo Tribunal Administrativo, expresso no acórdão proferido no âmbito do processo n.º 0890/16, em 18-01-2017, que “[e]m caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico) o erro passa a ser imputável à AT depois de eventual indeferimento da pretensão deduzida pelo contribuinte”[7].
-
Face ao exposto, há assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago no montante de €38.285,01, o qual, conforme referido, deve ser acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril. Os juros indemnizatórios devem ser contados desde a data do indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada pelo Requerente e até ao integral reembolso do montante do imposto indevidamente pago.
6. Decisão
-
De harmonia com o exposto, decide este Tribunal Arbitral em:
-
Anular a decisão de indeferimento do pedido de Reclamação Graciosa n.º ...2021...;
-
Julgar procedente o pedido de anulação dos atos tributários de retenções na fonte de IRC, no montante de €38.285,01, com o consequente reembolso deste valor, acrescido de juros indemnizatórios;
-
Condenar a AT no pagamento das custas.
7. Valor do processo
-
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de €38.285,01, atribuído pelo Requerente, sem contestação da Autoridade Tributária e Aduaneira.
8. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em €1.836,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, totalmente a cargo da AT.
Lisboa, 31-05-2022
O Árbitro,
(Gonçalo Marquês de Menezes Estanque)
[1] Autoridade de Supervisão Financeira da República Federal da Alemanha.
[2] Considerando 78 do Acórdão AllianzGI‑Fonds AEVN (processo n.º C-545/19).
[3] Considerando 80 do supra referido Acórdão do TJUE.
[4] Considerando 79 do supra referido Acórdão do TJUE.
[5] Considerando 83 do invocado Acórdão do TJUE.
[6] “A reconstituição da situação hipotética actual justifica a obrigação de restituição do imposto que houver sido pago, tal como do pagamento de juros indemnizatórios, cuja atribuição ao sujeito passivo, nos termos da lei, não está dependente da formulação de pedido nesse sentido, posição esta que está de acordo com os efeitos consequentes que decorrem da anulação do acto tributário, tal como do facto do pagamento de juros não estar dependente de pedido (cfr.artº.100, da L.G.Tributária; artº.61, nº.3, do C.P.P. Tributário)” (sublinhado e negrito nossos).
[7] Ainda no mesmo sentido veja-se o Acórdão, também do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 07-04-2021 no âmbito do processo n.º 0360/11.8BELRS.