DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Alexandra Coelho Martins (presidente), Jónatas Machado e João Pedro Rodrigues, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 22 de junho de 2021, acordam no seguinte:
I. RELATÓRIO
A..., LDA., doravante designada por “Requerente”, pessoa coletiva n.º..., com sede na Rua ..., ..., ..., Vila Nova de Gaia, apresentou, em 30 de março de 2021, pedido de constituição de Tribunal Arbitral e de pronúncia arbitral, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação vigente.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.
A Requerente pretende que seja declarada a ilegalidade e consequente anulação da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) n.º 2018..., referente ao exercício de 2016, no montante de € 67.932,12, incluindo juros compensatórios (de € 2.252,88), a qual teve origem nas conclusões alcançadas pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças do Porto, confirmadas pela decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, autuada sob o n.º ...2020... .
Em 1 de abril de 2021, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação com a notificação à AT.
Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a), e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As Partes, tendo sido notificadas dessa designação, não se opuseram.
O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 22 de junho de 2021.
Em 9 de setembro de 2021, a Requerida apresentou a sua Resposta e juntou o processo administrativo (“PA”).
Por despacho de 20 de setembro de 2021, o Tribunal Arbitral dispensou a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por desnecessidade, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo e da celeridade, simplificação e informalidade processuais (artigos 16.º, alínea c) e 29.º, n.º 2 do RJAT), notificando-se as Partes para se pronunciarem, querendo.
Em 7 de outubro de 2021, o Tribunal Arbitral determinou a notificação das Partes para apresentação de alegações e fixou a data de prolação da decisão arbitral.
Ambas as Partes optaram por não apresentar alegações.
O prazo para prolação da decisão foi prorrogado ao abrigo do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT, por despachos de 15 de dezembro de 2021 e de 21 de fevereiro e 21 de abril de 2022, derivado da tramitação processual, da interposição de períodos de férias judiciais e da situação pandémica.
POSIÇÃO DA REQUERENTE
Como fundamento da sua pretensão a Requerente invoca o vício formal de ilegalidade do procedimento inspetivo iniciado ao ano 2014, por falta de fundamentação da respetiva extensão aos períodos de tributação de 2015 e 2016, em violação do disposto no artigo 15.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (“RCPITA”), do qual retira a invalidade dos atos inspetivos subsequentes a essa extensão e, bem assim, do ato tributário impugnado, para o que alega, ainda, o vício de incompetência, de forma e de violação do princípio da legalidade.
A Requerente argui também o vício de erro nos pressupostos, em relação à parte da liquidação que resultou do acréscimo à matéria coletável de uma variação patrimonial positiva no montante de € 298.025,60 (ponto III.1.3 do RIT) ao abrigo do artigo 21.º do Código do IRC. Neste âmbito, sustenta que:
a) Os lançamentos contabilísticos de anulação de saldos e movimentos a crédito nas contas de “Caixa” e de “Bancos” por si realizados, com referência a 31 de dezembro de 2016, não corresponderam a quaisquer movimentos económicos ou financeiros ocorridos nessa data e apenas visaram regularizar a contabilidade, que enfermava de diversas incorreções procedentes de exercícios anteriores, nomeadamente dívidas inexistentes ao fornecedor B..., Lda. e a financiadores, tendo-se servido, para o efeito, dos saldos que constavam, também indevidamente das contas de “Bancos”, “Clientes” e “Caixa”;
b) A AT não identificou factos patrimonialmente relevantes para a tributação que realizou e foi seletiva na escolha dos movimentos de regularização, desprezando outros, de sentido contrário, que compensam os primeiros;
c) A AT não procedeu à efetiva investigação dos factos que impuseram a necessidade de regularizações, violando os princípios do inquisitório e da verdade material;
d) É incompreensível e não fundamentada a eleição, pela AT, do exercício de 2016 em detrimento dos demais para concretizar as correções ao lucro tributável;
e) A decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa deduzida contra o ato tributário padece de omissão de pronúncia, não tendo apreciado os argumentos da Requerente.
POSIÇÃO DA REQUERIDA
A Requerida contrapõe que não ocorreu uma alteração à extensão do procedimento inspetivo, mas novas ações inspetivas, autónomas, tendo sido efetuadas, relativamente a todas elas, as notificações exigidas por lei, incluindo os respetivos motivos, pelo que não foi preterida qualquer formalidade suscetível de invalidar os atos inspetivos praticados.
No que se refere à ilegalidade substantiva do acréscimo da variação patrimonial positiva à matéria coletável da Requerente, a Requerida defende que não foram apresentadas quaisquer provas, incluindo o mínimo suporte documental, para suportar a alegação de que eram inexistentes os saldos que constavam da contabilidade, ónus que entende recair sobre a Requerente, concluindo pela improcedência total do pedido.
II. SANEAMENTO
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, respeitante a um ato de liquidação de IRC, atenta a conformação do objeto do processo (v. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado dentro do prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), contado da notificação da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa.
Não foram identificadas questões que obstem ao conhecimento do mérito, ou nulidades.
III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
1. MATÉRIA DE FACTO PROVADA
Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos:
A. A sociedade A..., LDA., aqui Requerente, foi objeto de ações de inspeção que tiveram por âmbito o IRC e o IVA, credenciadas com as ordens de serviço externas números OI2017... (período de 2014), OI2017... (período de 2015) e OI2017... (período de 2016), notificadas em 27 de julho de 2017 (a primeira) e em 23 de janeiro de 2018 (as duas últimas) – cf. Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”) junto pela Requerente e constante do PA5.
B. A ação inspetiva credenciada pela ordem de serviço número OI2017... (período de 2014) teve origem numa análise a sujeitos passivos com reportes sistemáticos de IVA que não solicitaram reembolsos desse imposto. No âmbito desta ação, que inicialmente abrangia apenas o IVA, os Serviços de Inspeção Tributária verificaram variações na situação patrimonial da Requerente e determinaram, com a finalidade da sua averiguação, a ampliação ao IRC e, com o mesmo âmbito, aos períodos de tributação de 2015 e 2016 – cf. RIT e PA4.
C. Em 17 de agosto de 2017, a Requerente foi notificada do despacho de inspeção externo n.º DI2017..., que foi posteriormente convolado nas ordens de serviço externas relativas aos períodos de tributação de 2015 e 2016, acima referidas – cf. RIT e PA4.
D. Os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças do Porto emitiram para o efeito uma Informação, sobre a qual recaiu despacho concordante do Chefe de Divisão de 21 de agosto de 2017, no sentido de ampliar o procedimento inspetivo nos seguintes termos: “Ao abrigo da OI2017... encontra-se a decorrer um procedimento de inspeção externo ao sujeito passivo acima identificado onde através da análise comparada das peças contabilísticas, designadamente do Balanço, se verificaram variações na situação patrimonial que carecem de análise. Para este efeito, solicita-se a emissão de ordens de serviços para os exercícios económicos de 2015 e 2016, com âmbito IRC e IVA” – cf. PA4.
E. Culminando na emissão das ordens de serviço acima identificadas [OI2017..., para 2015, e OI2017..., para 2016] estendendo o procedimento inspetivo aos exercícios económicos de 2015 e 2016, notificadas à Requerente – cf. RIT.
F. As ações inspetivas ficaram concluídas em março de 2018, tendo a Requerente sido notificada do Projeto de Relatório, para exercício do direito de audição, em 6 de março de 2018, que se transcreve parcialmente, nos segmentos relevantes – cf. RIT e PA4:
“II.3.1. Enquadramento tributário
De acordo com a informação existente na base de dados informática da AT, o sujeito passivo iniciou a sua atividade no dia 25 de maio de 2004, e encontra-se coletado para o exercício da atividade de «outro comércio por grosso de bens de consumo, n.e.» (CAE 46494).
Em concreto, nos exercícios económicos em causa, a atividade do sujeito passivo consistiu em vender um artigo (grelhas de churrasco) adquirido em grande quantidade no exercício económico de 2008.
[…]
Encontra-se atualmente enquadrado, em termos de IVA, no regime normal de periodicidade trimestral, e em IRC é tributado de acordo com as regras do regime geral de determinação do lucro tributável.
[…]
No triénio 2014-2016, os balanços do sujeito passivo apresentam os seguintes valores:
Balanço 2014 2015 2016
Ativos fixos tangíveis 104.830,86 104.830,86 104.830,86
Outros ativos financeiros 3.500,00
Inventários 84.493,05 72.126,40 57.450,50
Clientes 159.024,77 178.332,19
Estado e outros entes públicos 34.646,73 29.171 27.221,09
Diferimentos 3.500,00 3.500,00
Caixa e depósitos bancários 151.697,51 150.419,28 23.959,49
Total do Ativo € 538.192,92 € 538.380,40 € 216.961,94
Capital realizado 60.000,00 60.000,00 60.000,00
Resultados transitados 28.845,79 22.457,06 18.684,88
Excedentes de revalorização 41.226,30
Outras variações no capital próprio 41.226,30 41.226,30
Resultado líquido do período 4.766,49 3.772,18 3.974,28
Total do Capital Próprio € 77.147,00 € 82.541,42 € 78.587,14
Financiamentos obtidos MLP 10.000,00 214.484,52 134.484,52
Fornecedores 238.025,60 238.025,60
Estado e outros entes públicos 6.913,56 3.328,86 3.910,28
Financiamentos obtidos CP 204.484,52
Diferimentos 1.622,24
Total do Passivo € 481.045,92 € 455.838,98 € 138.394,80
- os inventários têm vindo sempre a diminuir;
- os créditos sobre clientes aumentaram no exercício económico de 2015, mas no final do exercício económico de 2016 não há qualquer valor a receber;
- a rúbrica «caixa e depósitos bancários» também evidencia uma grande diminuição no final do exercício económico de 2016;
- as dívidas a fornecedores mostram-se avultadas e de igual montante nos exercícios económicos de 2014 e 2015. Contudo no final do exercício económico de 2016 não consta qualquer valor em dívida;
- o somatório dos financiamentos obtidos a curto, médio e longo prazo, avultado e de igual montante nos exercícios económicos de 2014 e 2015, evidencia uma grande diminuição no final do exercício económico de 2016.
As rúbricas «clientes», «caixa e depósitos bancários», «fornecedores» e «financiamentos obtidos», face às variações acentuadas exibidas, carecem de análise.
[…]
III – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA COLETÁVEL
III.1. Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC)
III.1.1. Conciliação do resultado líquido do exercício declarado fiscalmente com o apurado na contabilidade
III.1.1.1. Descrição dos factos
Após análise aos elementos contabilísticos disponibilizados pelo sujeito passivo verificou-se que o resultado líquido do exercício declarado na IES e vertido no campo 701 do quadro 07 da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC entregue para o exercício económico de 2016 não corresponde ao apurado na contabilidade (conta SNC 818 — resultado líquido).
A divergência foi justificada pela Contabilista Certificada como tendo-se tratado de um erro na importação dos dados da contabilidade para as declarações fiscais.
Adotando os valores expressos na contabilidade obtém-se o seguinte resultado líquido do exercício para o exercício económico de 2016:
Demonstração de Resultados 2016
Vendas e Prestações de Serviços € 6.682,35
Custo das Mercadorias Vendidas -€ 5.063,07
Fornecimentos e Serviços Externos -€ 624,56
Gastos com o pessoal -
Outros Rendimentos e Ganhos -
Outros Gastos e Perdas -
Gastos Depreciação -
Juros e Rendimentos Similares Obtidos -
Juros e Gastos Similares Suportados -
Imposto Rendimento do Exercício -
Resultado Líquido do Exercício € 994,72
Nota 1: Com base nestes valores a margem bruta de venda obtida pelo sujeito passivo é de 24,23% […]
Nota 2: A diferença do valor registado em vendas e prestações de serviços (€6.682,35) para a base tributável de IVA declarada no exercício económico (€7.405,59) é justificada por no segundo e terceiro trimestre de 2016 as vendas registadas na conta SNC 711113 (vendas de mercadorias no mercado nacional com IVA à taxa normal) terem sido registadas líquidas das notas de crédito emitidas e por não terem sido registadas na mesma conta as faturas elencadas no ponto III.1.2.1. Efetuando a conciliação da situação obtém-se:
Exercício económico 2016
Vendas e Prestações de Serviços € 6.682,35
Nota de crédito número 2016/1 € 157,50
Nota de crédito número 2016/2 € 468,00
Faturas simplificadas não registadas € 97,74
Base tributável em IVA €7.405,59
III.1.1.2. Enquadramento tributário
Refere o número 1 do artigo 17.º do CIRC:
«Artigo 17.º - Determinação do lucro tributável
1 – O lucro tributável das pessoas coletivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade ….»
Assim, face ao exposto propõe-se a correção do resultado tributável declarado no exercício económico de 2016 de acordo com os valores apresentados no quadro seguinte:
Rúbrica Exercício económico
2016
Resultado líquido do exercício declarado -€ 3.974,28
Resultado líquido do exercício apurado € 994,72
Correção ao resultado tributável € 4.969,00
III.1.2. Vendas não contabilizadas
III.1.2.1. Descrição dos factos
Verificou-se que em dezembro de 2016 foram emitidas as seguintes faturas simplificadas que não foram registadas nas contas de rendimentos (vendas e prestações de serviços) do sujeito passivo:
[…]
Assim, o montante de €6.682,35, referente a vendas e prestações de serviços, indicado no quadro exposto no ponto III.1.1.1., não contempla a totalidade das vendas realizadas.
III.1.2.2. Enquadramento tributário
Refere a alínea a) do número 1 do artigo 20.º do CIRC que se consideram rendimentos os valores resultantes de operações de qualquer natureza, nomeadamente os relativos a vendas.
Assim, propõe-se que o resultado tributável do exercício económico de 2016 seja corrigido positivamente no valor de € 97,74.
III.1.3. Análise da evolução das rúbricas do Balanço
III.1.3.1. Análise da evolução das rúbricas do passivo «fornecedores» e «financiamentos obtidos»
III.1.3.1.1. Fornecedores
No final do exercício económico de 2014 o sujeito passivo evidenciava na conta SNC 22 (fornecedores) o saldo de €238.025,60. Este saldo correspondia a dívidas contabilizadas aos seguintes fornecedores:
Conta SNC Descrição Saldo a crédito
22111001 B... Lda. ... € 238.025,56
22111005 C... € 0,04
Total € 238.025,60
Nota: o valor contabilizado na conta 2211105 não é relevante para a análise.
Analisada a contabilidade do sujeito passivo, verificou-se que o saldo do fornecedor B... Lda se manteve inalterado desde o início do exercício económico de 2014 até ao dia 31 de dezembro de 2016, dia em que este saldo foi totalmente anulado, ou seja o sujeito passivo deixou de reconhecer a dívida ao fornecedor B... Lda.
Analisados os lançamentos contabilísticos que originaram a anulação do saldo verifica-se que a contrapartida foram diversas contas de clientes, e as contas de caixa e depósitos bancários.
III.1.3.1.2. Financiamentos obtidos
No final do exercício económico de 2014 o sujeito passivo evidenciava nas contas SNC 2581 (empréstimos obtidos – outros empréstimos obtidos a curto prazo) e SNC 2582 (empréstimos obtidos – outros empréstimos obtidos – a médio e longo prazo) o saldo total de €214.484,52, que se decompunha da seguinte forma:
Conta SNC Descrição Saldo a crédito
2581 a curto prazo € 10.000,00
2582 a médio e longo prazo € 204.484,52
Total € 214.484,52
Analisada a contabilidade do sujeito passivo, verificou-se que os saldos das contas agora mencionadas se mantiveram inalterados desde o início do exercício económico de 2014 até ao dia 31 de dezembro de 2016, dia em que a conta SNC 2581 deixou de ter saldo e o saldo da conta SNC 2582 foi substancialmente diminuído, ou seja nesta data o sujeito passivo deixou de reconhecer os montantes debitados como dívidas ao(s) financiador(es).
Examinados os lançamentos contabilísticos que originaram a alteração dos saldos verifica-se que a contrapartida foram as contas de caixa, depósitos bancários e de um cliente comunitário (Stock Sécurité).
No final do exercício económico de 2016 0 saldo das contas atrás referidas passou a ser o que se apresenta, apurando-se a variação ocorrida:
Conta SNC Descrição Saldo a crédito
2581 a curto prazo € - -€ 10.000,00
2582 a médio e longo prazo € 134.484,52 -€ 70.000,00
Total € 134.484,52 -€ 80.000,00
III.1.3.1.3. Notificação realizada
Face à alteração dos saldos atrás mencionada, o sujeito passivo foi notificado para exibir cópia de todos os meios de pagamento utilizados para liquidação da dívida ao fornecedor e aos financiadores.
Em resposta à notificação o sujeito passivo afirmou que os pagamentos ao fornecedor B... Lda foram realizados por L..., o qual não consta como possuidor de qualquer relação formal de capital, gerência ou outra com o sujeito passivo. Contudo, não apresentou qualquer prova dessa ocorrência.
Relativamente aos financiamentos registados nas contas SNC 2581 e 2582, não foi identificada a forma como foram realizados os pagamentos.
III.1.3.2. Análise das rúbricas do ativo “caixa e depósitos bancários” e “clientes”
III.1.3.2.1. Caixa
Da análise efetuada verificou-se que o saldo da conta SNC 111 (caixa A) evoluiu da seguinte forma no triénio 2014 – 2016:
Data Saldo conta 111
01-01-2014 15.645,00
31-12-2014 14.788,98
31-12-2015 14.025,39
30-12-2016 21.336,74
31-12-2016 1.070,88
Verifica-se assim que entre o início do exercício económico de 2014 e o final do exercício económico de 2015 a variação do saldo foi pouco significativa.
No exercício económico de 2016 o saldo aumentou em resultado das vendas realizadas, que foram debitadas diretamente na conta SNC 111 (caixa A).
No dia 31 de dezembro de 2016 verificou-se que foi lançado a crédito o valor de €20.000,00 por contrapartida de fornecedores e empréstimos obtidos a curto, médio e longo prazo, ou seja nesta data está evidenciado na contabilidade um pagamento através de caixa aos fornecedores e financiadores.
III.1.3.2.2. Depósitos bancários
Na contabilidade do sujeito passivo está evidenciada apenas uma conta bancária designada em 2014 e 2015 por «Banco XPTO» e em 2016 por «Banco D...» (conta SNC 121 – depósitos à ordem – Banco XPTO / D...), que se constatou corresponder sempre à conta bancária do Banco D..., identificada com o NIB ....
O saldo contabilístico da conta SNC 121 evoluiu da seguinte forma no triénio 2014 2016:
Data Saldo conta 121
01-01-2014 138.142,34
31-12-2014 136.908,53
31-12-2015 136.393,89
30-12-2016 136.393,89
31-12-2016 16.700,48
Entre o início do exercício económico de 2014 e o dia 30 de dezembro de 2016 a variação contabilística do saldo não é relevante.
No dia 31 de dezembro de 2016 foi lançado a crédito o valor de €119.693,41 por contrapartida de fornecedores e empréstimos obtidos a curto, médio e longo prazo, ou seja nesta data está registado que o sujeito passivo procedeu a um pagamento através de bancos aos seus fornecedores e financiadores.
Conciliando os movimentos e saldos contabilísticos da conta SNC 121 com os movimentos e saldos evidenciados nos extratos bancários verificou-se que apenas alguns dos movimentos bancários foram lançados na contabilidade e que o saldo da conta bancária não tem qualquer correspondência com o saldo contabilístico da mesma.
De facto, nas datas a seguir indicadas, eram os seguintes os saldos bancários na conta atrás identificada:
Data Saldo extrato bancário
01-01-2014 € 0,96
31-12-2014 € 29,57
31-12-2015 € 19,61
30-12-2016 € 134,35
31-12-2016 € 134,37
Conclui-se assim que o lançamento contabilístico, datado de 31 de dezembro de 2016, de pagamento de €119.693,41 a fornecedores e financiadores não correspondeu a qualquer saída de fundos da conta bancária do sujeito passivo para essas entidades, uma vez que os extratos bancários não evidenciam essa operação, e a conta bancária de onde alegadamente esses fundos foram retirados não dispunha dos meios necessários a esse pagamento.
III.1.3.2.3. Clientes
III.1.3.2.3.1. Saldos
No início do procedimento de inspeção, o sujeito passivo, na pessoa do Sr. L..., na qualidade de representante do sujeito passivo para o procedimento tributário, nos termos do artigo 52.º do RCPITA, afirmou que os saldos de clientes evidenciados na contabilidade não correspondiam à realidade, uma vez que os clientes já tinham pago tudo.
A contabilidade do sujeito passivo evidenciava o seguinte saldo de clientes nas datas a seguir indicadas
Data Saldo clientes
01-01-2014 133.303,45
31-12-2014 159.024,77
31-12-2015 178.332,19
30-12-2016 178.332,19
31-12-2016
O saldo no dia 30 de dezembro de 2016 inclui o saldo, cliente a cliente, do exercício económico de 2014 (com um total final de €159.024,77) e é igual, também cliente a cliente, ao do exercício económico de 2015, o que significa que no exercício económico de 2016 as vendas realizadas não tiveram como contrapartida contas de clientes, mas sim contas de disponibilidades, nomeadamente caixa como se referiu em ponto anterior.
III.1.3.2.3.2. Circularização realizada
Para validar os saldos contabilísticos foram contactados diversos clientes tendo sido solicitado o extrato da conta corrente do fornecedor A... Lda de 2013 a 2016 inclusive, e a identificação, no extrato, de todos os pagamentos efetuados.
[…]
Das respostas obtidas verificou-se que:
- apenas o cliente E... Lda evidenciava na sua contabilidade um valor a pagar de €6.150,00, mas com referência a Março de 2015.
A E... Lda foi declarada insolvente no dia 27 de julho de 2015 e o sujeito passivo A... Lda reclamou créditos no processo de insolvência. Uma vez que no final de 2016 o processo se encontrava ainda a decorrer, o valor reclamado não pôde ser recebido pela A... Lda naquele exercício económico;
- o cliente F... SA foi declarado insolvente a 07 de julho de 2015. Não tendo o sujeito passivo A... Lda reclamado qualquer crédito no processo de insolvência, tem de se considerar que o valor do saldo em conta corrente já estava recebido;
- os clientes «G...» e «H... » efetuaram transações com o sujeito passivo no decurso do quadriénio 2013-2016, mas ainda assim, de acordo com a informação obtida, não tinham qualquer valor em dívida no dia 30 de dezembro de 2016;
- os clientes «I... », «J... » e «K... » afirmaram não ter existido qualquer relação comercial ou transação com a A... Lda no quadriénio 2013-2016,
Constatou-se portanto, através dos contactos realizados, que apenas o cliente «E... » reconhecia um valor a pagar (ainda em dívida no final do exercício económico de 2016). Nenhum dos restantes clientes tinha valores em dívida.
O somatório dos saldos contabilísticos referentes aos clientes contactados corresponde a 73,10% do saldo total de clientes no dia 30 de dezembro de 2016. Sendo um valor representativo da totalidade das dívidas de clientes registadas na contabilidade permite afiançar que os lançamentos contabilísticos, datados de 31 de dezembro de 2016, alegadamente de pagamento a fornecedores e financiadores não puderam ter como contrapartida qualquer recebimento de clientes contemporâneo a esse suposto pagamento, porque nessa data os clientes já nada deviam ou, no caso da «E... », os valores não tinham sido ainda recebidos.
III.1.3.3. Conclusão
De tudo o anteriormente descrito, conclui-se que no dia 31 de dezembro de 2016 o sujeito passivo A... Lda desreconheceu passivos perante fornecedores e financiadores que totalizavam €318.025,60 (respetivamente €238.025,60 e €80.000,00).
Da análise à contabilidade retira-se que esse desreconhecimento foi efetuado com contrapartida em ativos registados em caixa, bancos e clientes. Contudo verificou-se que, exceto o valor contabilizado em caixa, os restantes ativos não eram efetivos.
Assim, uma vez que no exercício económico de 2016 o sujeito passivo deixou de reconhecer um passivo perante fornecedores e financiadores no valor de €318.025,60, mas em contrapartida apenas viu diminuídos os seus ativos no valor de €20.000,00 (valor pago através de caixa), conclui-se que em resultado desta operação a sua situação patrimonial líquida foi incrementada em €298.025,60 (€318.025,60 - €20.000,00).
III.1.3.4. Enquadramento tributário
Como foi demonstrado, a contabilidade do sujeito passivo evidencia no exercício económico de 2016 uma variação patrimonial positiva no montante de €298.025,60.
Refere artigo 21.º do CIRC com a epígrafe “variações patrimoniais positivas”:
«1 - Concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais positivas não refletidas no resultado líquido do período de tributação, exceto:
a) As entradas de capital, incluindo os prémios de emissão de ações ou quotas, as coberturas de prejuízos, a qualquer título, feitas pelos titulares do capital, bem como outras variações patrimoniais positivas que decorram de operações sobre ações, quotas e outros instrumentos de capital próprio da entidade emitente, incluindo as que resultem da atribuição de instrumentos financeiros derivados que devam ser reconhecidos como instrumentos de capital próprio;
b) As mais-valias potenciais ou latentes, ainda que expressas na contabilidade, incluindo as reservas de reavaliação ao abrigo de legislação de caráter fiscal;
c) As contribuições, incluindo a participação nas perdas do associado ao associante, no âmbito da associação em participação e da associação à quota;
d) As relativas a impostos sobre o rendimento;
e) O aumento do capital próprio da sociedade beneficiária decorrente de operações de fusão, cisão, entrada de ativos ou permuta de partes sociais, com exclusão da componente que corresponder à anulação das partes de capital detidas por esta nas sociedades fundidas ou cindidas.
…»
Verifica-se que de acordo com este artigo a variação patrimonial apurada concorre para a formação do lucro tributável, uma vez que não se encontra excecionada desse concurso.
Assim, o resultado tributável do exercício económico de 2016 vai ser corrigido positivamente no valor de € 298.025,60.
III.1.4. Agregação dos valores
Agregando os valores das correções expostas obtemos a seguinte correção total à matéria tributável em IRC no exercício económico de 2016:
Prejuízo fiscal declarado -€ 3.974,28
Correções Correção do resultado líquido contabilístico € 4.969,00
Vendas omitidas € 97,74
Variação patrimonial positiva € 298.025,60
Lucro tributável corrigido € 299.118,06
[…]”
G. A Requerente exerceu o direito de audição e contestou as correções propostas invocando, em síntese, argumentos idênticos aos do pedido de pronúncia arbitral, designadamente que se tratou de uma regularização de saldos envolvendo as contas de fornecedores, sócios, clientes e disponibilidades que já devia ter sido efetuada há mais de seis anos, em virtude de os correspondentes movimentos financeiros terem ocorrido nessa altura. Refere que à medida que as vendas eram realizadas e os clientes pagavam, o dinheiro recebido era canalizado para saldar a dívida contraída junto do fornecedor B... Lda e que, por outro lado, o montante que se encontrava contabilizado na conta SNC 121 já há muito tempo que não existia em virtude de ter sido canalizado para pagar aos sócios – cf. RIT.
H. Os Serviços de Inspeção Tributária mantiveram as correções propostas no Relatório Final, mencionando o seguinte em relação aos argumentos do direito de audição da Requerente – cf. RIT:
“1- não foram contestadas as correções propostas nos pontos III. 1.1. e III. 1 .2. do projeto de relatório de inspeção tributária;
2- relativamente à correção proposta no ponto III. 1.3. do projeto de relatório de inspeção tributária, o sujeito passivo não ofereceu qualquer prova das alegações produzidas, designadamente de que os sócios e o fornecedor já haviam sido pagos há mais de seis anos.
Assim, por não ter sido contestada a correção proposta nos pontos III. 1.1. e III. 1.2. do projeto de relatório de inspeção tributária, e por não se poderem acolher, por falta de prova, as alegações referidas no direito de audição atinentes à correção proposta no ponto III. 1.3. do mesmo projeto de relatório de inspeção tributária, mantêm-se as correções fiscais anteriormente notificadas no mencionado projeto de relatório de inspeção tributária. […]”
I. Nesta sequência, a Requerida emitiu a liquidação de IRC n.º 2018 ..., de 7 de maio de 2018, no valor a pagar de € 67,932,12, sendo € 2.252,88 referentes a juros compensatórios – cf. documento 1 junto pela Requerente.
J. Em discordância com a liquidação de IRC sob apreciação, a Requerente apresentou, em 8 de maio de 2020, Reclamação Graciosa, autuada sob o n.º ...2020..., com fundamentos idênticos aos utilizados na presente ação arbitral – cf. documento 2.
K. A Reclamação veio a ser indeferida por despacho de 16 de dezembro de 2020, do Chefe de Divisão de Direção de Finanças do Porto, ao abrigo de Subdelegação de competências com os fundamentos que infra se transcrevem – cf. documento 4 e PA:
“Do alegado pelo reclamante
• Dos fundamentos constantes da petição inicial, que se dão aqui como integralmente reproduzido[s], no essencial, alega o reclamante:
• A presente reclamação restringe-se à correção aos valores declarados explicitamente no ponto III.1.3 do RIT;
• A reclamante, com o conjunto de lançamentos que efetuou em 31-12-2016, apenas visou regularizar a sua contabilidade, registando globalmente movimentos financeiros relativos a exercícios anteriores e que não haviam tido a relevação contabilística no momento em que ocorreram;
• O que se torna por demais evidente, já que não seria credível que, após tantos anos em que as contas de "Fornecedores", "Clientes", "Bancos", "Empréstimos Obtidos" e "Caixa" não registam movimentos relevantes, o reclamante tivesse reservado a data de 31-12-2016 para concretizar pagamentos e recebimentos em valores tão avultados;
• Competia à AT identificar os factos para descortinar se daí adveio à reclamante qualquer vantagem patrimonial não relevada para efeitos de tributação;
• Referência à análise dos balanços da reclamante e à diminuição do valor da empresa entre 2015 e 2016, no montante de € 3.974,28, correspondendo ao valor do prejuízo apurado em 2016;
• O fornecedor B... Lda é uma sociedade à época detida por L... e M..., progenitores dos sócios da reclamante, pelo que resulta manifesto que, face a esse especial relacionamento, as relações comerciais não são estabelecidas nos termos que normalmente seriam acordados entre entidades independentes;
• A gerência efetiva da reclamante era exercida pelo referido L..., o que veio permitir a confusão entre os interesses das duas empresas, principalmente no que se refere aos movimentos financeiros;
• Em 2008, a aquisição e importação dos bens à China foram suportados pela sociedade B... Lda, uma vez que a reclamante era uma empresa recente e não possuía crédito no mercado;
• Como o negócio era efetivamente da reclamante, foi efetuada a faturação da mercadoria à reclamante, e à medida que as vendas se iam concretizando pela reclamante, tornou-se possível solver a dívida perante a B... Lda, bem como perante outros credores, designadamente Suprimentos de Sócios, que figuravam na contabilidade como "Empréstimos Obtidos";
• Em resultado da confusão estabelecida entre as duas empresas, foram sendo praticados sucessivos erros na relevação contabilística dos pagamentos e recebimentos;
• As diferenças nas disponibilidades financeiras tiveram como óbvia finalidade o pagamento das responsabilidades que a empresa tinha perante terceiros, designadamente, o fornecedor B... Lda e Empréstimos de Sócios;
• A tributação em IRC terá que decorrer de efetivos movimentos com substância económica e não, como ocorre na situação em apreço, de simples registos destinados a eliminar erros contabilísticos de exercícios anteriores;
• Refere também que o procedimento inspetivo foi iniciado tendo como extensão exclusiva o exercício de 2014 e, só mais tarde, foi a mesma ampliada por forma a abranger os exercícios de 2015 e 2016;
• De acordo com o art.º 15.º do RCPITA, a alteração da extensão dos procedimentos tributários tem que ser operada através da notificação do despacho fundamentado da entidade que tiver ordenado tal extensão;
• O que nunca ocorreu, pois nem a reclamante foi objeto dessa notificação nem em consulta do processo, por mandatário autorizado, se logrou verificar a existência de qualquer despacho dirigido à fundamentação da necessidade de alterar a extensão do procedimento original;
• Desta forma, o procedimento de inspeção ao exercício de 2016 não se encontra legitimado, pelo que devem ser anulados todos os atos tributários que do mesmo decorreram.
Solicita a final a anulação da liquidação reclamada, bem como dos respetivos juros compensatórios calculados.
Da ação de Inspeção
O reclamante foi sujeito a uma ação inspetiva, em cumprimento das Ordens de Serviço n.º 012017..., 012017... e 012017... da Direção de Finanças do Porto, da qual resultaram as seguintes correções:
• Matéria tributável IRC/2016: € 303.092,34
Concluíram os Serviços de Inspeção Tributária que:
• Ponto III. 1.1 do RIT— O resultado líquido do exercício declarado na IES e vertido no campo 701 do quadro 07 da modelo 22 de IRC de 2016 não corresponde ao apurado na contabilidade
o Correção de € 4.969,00
• Ponto III.1.2 do RIT — Em dezembro de 2016 foram emitidas faturas que não foram registadas nas contas de rendimentos (vendas e prestações de serviços)
o Correção de € 97,74
• Ponto III.1.3 do RIT — No exercício de 2016 0 sujeito passivo deixou de reconhecer um passivo perante fornecedores e financiadores no valor de € 318.025,60, mas em contrapartida apenas viu diminuídos os seus ativos no valor de € 20.000,00, concluindo-se que em resultado da operação, a sua situação patrimonial líquida foi incrementada em € 298.025,60
o Correção de € 298.025,60
Da apreciação do pedido
No que diz respeito à extensão do procedimento inspetivo, verifica-se que houve inicialmente uma ação inspetiva credenciada pelo número OI2017..., sendo que essa ação abrangia o exercício de 2014. Posteriormente foram emitidas as ordens de serviço n.º OI2017... e OI 2017... (respeitantes aos exercícios de 2015 e 2016, respetivamente), como forma de complementar a ação que estava em curso, conforme despacho proferido em 21-08-2017 pelo Chefe de Divisão da Direção de Finanças do Porto.
Informação
Verifica-se assim que não houve qualquer alteração à extensão da ação inspetiva, mas sim novas ações, tendo, relativamente a todas elas (conforme indicado no RIT) sido efetuadas todas as notificações exigidas por lei.
Relativamente às correções efetuadas pela inspeção tributária à matéria coletável do exercício de 2016, o agora alegado não difere do que foi alegado no exercício do direito de audição, no decorrer do procedimento inspetivo, apesar de agora se apresentar mais elaborado.
Tal como no exercício do direito de audição, também agora não foram apresentadas quaisquer provas do alegado, sendo que nos termos do art.º 74.º da LGT o ónus da prova recai sobre quem o invoca, neste caso, sobre a reclamante.
Referência apenas à alegação da reclamante de que, entre 2015 e 2016 houve diminuição do valor da empresa em € 3.974,28, em resultado do prejuízo de 2016, o que não corresponde à realidade, uma vez que, conforme ponto III. 1.1 do RIT foi comprovado que aquele resultado líquido não estava em conformidade com o apurado na contabilidade, situação não contestada pela reclamante.
Desta forma, remete-se e concorda-se com a totalidade das conclusões do RIT.
Face ao exposto, conclui-se pela manutenção da liquidação reclamada, sendo de indeferir o pedido, devendo o reclamante ser notificado, nos termos e para os efeitos do art.º 60.º da LGT.”
L. Inconformada com o indeferimento da Reclamação Graciosa e com a liquidação de IRC do período de tributação de 2016 acima identificada, a Requerente apresentou no CAAD, em 30 de março de 2021, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem à presente ação – cf. registo de entrada no SGP do CAAD.
2. FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO E FACTOS NÃO PROVADOS
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.
No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se essencialmente na análise crítica da prova documental junta aos autos, que se limitou ao procedimento de Inspeção e de Reclamação Graciosa.
Em relação aos factos não provados, interessa assinalar que a Requerente não juntou quaisquer elementos de prova, incluindo documentais, para suportar a alegação de erros contabilísticos de exercícios anteriores (que diz terem ocorrido há mais de seis anos) pretensamente regularizados no exercício em causa [2016].
Assim, não se provou que os lançamentos contabilísticos efetuados pela Requerente – na origem da liquidação de IRC em análise – tivessem em vista a regularização dos erros cometidos na sua contabilidade em períodos de tributação anteriores a 2016 (v.g., artigos 37.º, 38.º, 39.º, 50.º, 65.º, 66.º, 68.º a 71.º do ppa).
Com relevo para a decisão não existem outros factos que devam considerar-se não provados.
IV. DO MÉRITO
1. DAS ALEGADAS ILEGALIDADES (FORMAIS) DO PROCEDIMENTO INSPETIVO
O procedimento de inspeção tributária visa a observação das realidades tributárias, a verificação do cumprimento das obrigações tributárias e a prevenção das infrações tributárias –
v. artigo 2.º, n.º 1 do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (“RCPITA”).
O mesmo pode ser iniciado até ao termo do prazo de caducidade do direito de liquidação dos tributos, é contínuo e deve ser concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início, prazo que pode ser prorrogado antes do seu termo, nas condições previstas no artigo 36.º do RCPITA.
Este procedimento tributário classifica-se, em interno e externo, quanto ao lugar da realização dos atos inspetivos. Nos termos do artigo 13.º, n.º 1 do RCPITA, ele será interno quando os atos de inspeção “se efetuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos por esta detidos ou obtidos no âmbito do referido procedimento”. Diferentemente, o procedimento será externo quando os atos inspetivos correspondentes “se efetuem, total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso”.
Quanto ao seu âmbito, o procedimento de inspeção tributária pode ser geral ou polivalente, se abrange a globalidade da situação tributária ou o conjunto dos deveres tributários do inspecionado (artigo 14.º, n.º 1 alínea a) do RCPITA) e parcial ou univalente, quando visa apenas alguns tributos ou deveres dos sujeitos passivos ou dos demais obrigados tributários (artigo 14.º, n.º 1, alínea b), do RCPITA) e ainda quando tenha em vista apenas a consulta e recolha de determinados documentos e elementos e a verificação dos sistemas informáticos usados pelos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários (artigo 14.º, n.º 2 do RCPITA).
No que respeita à sua amplitude ou extensão temporal, o procedimento de inspeção tributária pode abranger apenas um ou mais do que um período de tributação (artigo 14.º, n.º 3 do RCPITA).
No entanto, a classificação inicialmente atribuída pela AT ao procedimento de inspeção tributária pode vir a ser alterada durante a sua execução, no que respeita aos seus fins, âmbito e extensão, mediante despacho fundamentado da entidade que o ordenou, a notificar à entidade inspecionada (artigo 15.º, n.º 1 do RCPITA).
Não pode estar em causa, evidentemente, a possibilidade de a AT proceder à alteração dos fins, âmbito e extensão do procedimento tributário. Trata-se aí de um poder/dever indeclinável da mesma, que se enquadra no âmbito da sua competência para “realizar todas as diligências necessárias ao apuramento da situação tributária dos contribuintes, a executar mediante procedimento da inspeção, que seguirá os termos que lhe foram fixados na lei, artigo 63.º da LGT” .
Os poderes de inspeção tributária são necessários à salvaguarda de finalidades constitucionais substantivas, vertidas nos princípios da legalidade e igualdade tributárias. Se assim não fosse, isso representaria, indiscutivelmente “uma limitação desadequada e desproporcional dos poderes administrativos e, tão ou mais importante do que isso, uma violação dos princípios supra referidos, admitindo-se que a administração não estaria obrigada a, por todos os meios, apurar a verdade material” .
Nos termos do normativo em análise, a extensão do procedimento pode vir a ser alterada, de maneira em que ele possa vir a abranger outros períodos de tributação para além do(s) inicialmente previsto(s). No entanto, o respeito pelas garantias procedimentais do sujeito passivo exige i) despacho fundamentado ii) da autoridade que o ordenou, iii) devendo o mesmo ser notificado à entidade inspecionada.
No caso em apreço, resulta dos autos que o RIT elaborado e notificado à Requerente se reporta ao procedimento de inspeção desencadeado ao abrigo das Ordens de Serviço com os números OI 2017..., OI 2017... e OI 2017..., tendo o procedimento de inspeção iniciado com a notificação da primeira credencial OI 2017..., em 27/07/2017, que legitimava os atos de inspeção que tinham por âmbito o IRC e o IVA do exercício de 2014.
Conforme o disposto no artigo 51.º do RCPITA, a ação externa de inspeção credenciada com o número OI2017... iniciou-se com a notificação da ordem de serviço na pessoa da Contabilista Certificada, no dia 27.07.2017.
No decurso desse procedimento de inspeção, a AT decidiu alterar a extensão do mesmo, de forma a complementar a ação que estava em curso, tendo para esse efeito emitido novas credenciais para abranger os exercícios de 2015 e 2016, a saber, credenciais números OI 2017 ... e OI 2017 ..., mantendo idêntico âmbito.
No dia 17.08.2017 foi notificado, também na pessoa da Contabilista Certificada, o despacho de inspeção externo número DI2017..., posteriormente convolado nas ordens de serviço externas números OI2017... e OI2017..., notificadas ao sujeito passivo no dia 23.01.2018.
A extensão do procedimento inspetivo aos anos 2015 e 2016 foi precedida de uma informação fundamentada, datada de agosto de 2017, dos Serviços de Inspeção Tributária da Requerida que explicita com clareza que da análise dos elementos contabilísticos se constataram variações na situação patrimonial da Requerente que carecem de análise.
Alega a Requerente que apenas foi notificado das novas credenciais, as quais não contêm qualquer “despacho fundamentado da entidade” que determinou tal extensão.
Sobre este ponto, importa salientar que as credenciais OI 2017 ... e OI 2017 ... foram notificadas ao sujeito passivo mediante carta aviso, nos termos da alínea l) do n.º 3 do artigo 59.º da LGT e o artigo 49.º do RCPITA. As mesmas tiveram origem na convolação de anterior credencial, por força do Despacho com o n° DI 2017 ..., do Chefe de Divisão da Direção de Finanças do Porto, do qual o Requerente havia sido notificado em 17/08/2017.
Neste Despacho, reconhece-se a existência de um procedimento inspetivo em 2014, baseado na OI 2017 ... e assinala-se, como referido, na sequência de uma análise comparada das peças contabilísticas, nomeadamente do Balanço, a subsistência de algumas variações na situação patrimonial que carecem de análise, justificando-se assim a emissão de ordens de serviço, para 2015 e 2016, com âmbito de IRC e IVA.
Dos autos resulta também a justificação da pretensão da AT de que as ordens de serviço respeitantes a 2014, 2015 e 2016 fossem concluídas em simultâneo, dado que só desse modo seria possível uma análise da avaliação do ativo e passivo do Requerente ao longo desse triénio.
No dia 15.02.2018 notificou-se a prorrogação das ações de inspeção credenciadas com as ordens de serviço externas números OI2017... e OI2017..., também por um prazo de três meses nos termos da alínea a) do número 3 do artigo 36.º do RCPITA.
Mesmo que se entenda que não se trata aí de novas ações inspetivas, como sustenta o Requerente, mas da alteração da extensão da ação inspetiva de 2014, sempre se afigura, ao presente Tribunal Arbitral, suficientemente fundamentado o despacho o n.º DI2017..., para efeitos do artigo 15.º, n.º 1 do RCPITA.
Por conseguinte, não se verificou a preterição de qualquer formalidade, vício de incompetência ou violação do princípio da legalidade, suscetíveis de invalidar os atos inspetivos praticados no âmbito da ação inspetiva que culminou com as correções supra referenciadas, tendo sido tudo justificado e devidamente notificado à Requerente que não se opôs à prática de qualquer ato inspetivo no decurso do procedimento.
2. ACRÉSCIMO DE VARIAÇÃO PATRIMONIAL POSITIVA – ÓNUS DA PROVA
A Requerente opõe-se à correção de € 298.025,60 efetuada pela AT ao abrigo do artigo 21.º do Código do IRC (ponto III.1.3 do RIT), com fundamento em erro nos pressupostos, considerando não existir facto tributável, i.e., qualquer variação patrimonial positiva a acrescer, uma vez que os lançamentos contabilísticos realizados a 31 de dezembro de 2016 não traduzem operações imputáveis a esse ano, mas regularizações contabilísticas que visaram corrigir os erros de que enfermava a sua contabilidade cometidos em períodos de tributação antecedentes.
Esta correção se refere a um conjunto de lançamentos contabilísticos efetuados à data de 31 de dezembro de 2016, conforme evidenciado no RIT e nas demonstrações financeiras da Requerente do triénio. Concluiu a AT que, no exercício de 2016, a Requerente deixou de reconhecer um passivo perante fornecedores e financiadores no valor de € 318.025,60, mas em contrapartida apenas viu diminuídos os seus ativos no valor de € 20.000,00, deduzindo que, em resultado da operação, a sua situação patrimonial líquida foi incrementada em € 298.025,60, quantia que acresceu à matéria tributável, conforme disposto no artigo 21.º do Código do IRC.
Nos termos do RIT, esta conclusão baseou-se na constatação de que a anulação, por alegado recebimento, do saldo devedor da conta de Clientes de 2016, no total de € 178.332,19, não teve qualquer correspondência com a realidade desse exercício, pois, na sequência da circularização levada a efeito pela Requerida aos clientes mais relevantes, representativos de 73,10% do saldo de clientes antes da anulação, nenhum deles confirmou a realização de qualquer pagamento. Assim, aquela anulação teve contrapartida nas contas de disponibilidades (v.g. caixa).
De igual modo, da reconciliação dos movimentos constantes dos extratos bancários, constatou-se que o lançamento a crédito na conta de “Bancos”, no valor de € 119.693,41, como pagamento a “fornecedores e financiadores” não correspondeu a qualquer saída efetiva de meios financeiros, sendo que as contas bancárias nem sequer possuíam essas disponibilidades.
O circunstancialismo exposto identificado pelos Serviços de Inspeção da AT permite a inferência razoável de que os lançamentos efetuados em 31 de dezembro, alegadamente de pagamento a fornecedores e financiadores, não representaram uma contrapartida de recebimentos contemporâneos a esse suposto pagamento porque os clientes já nada deviam ou, no caso de um deles, não tinham ainda sido recebidos.
É certo que a Requerente, com o conjunto de lançamentos contabilísticos que efetuou, todos à data de 31/12/2016, alega que apenas visou regularizar a sua contabilidade, porquanto esta, fruto de imprecisões cometidas em exercícios anteriores, não evidenciava a realidade patrimonial da empresa. Nas suas palavras, tal regularização foi dirigida ao registo, de forma global, de movimentos financeiros relativos a exercícios anteriores e que não haviam tido a devida relevação contabilística no momento em que ocorreram. Sustenta a Requerente que a evidência de que esses movimentos, meramente contabilísticos, eram relativos a exercícios anteriores a 2016 surge, desde logo, sustentada no facto de não ser crível que, após tantos anos, as contas de "Fornecedores”, “Clientes”, “Bancos”, “Empréstimos Obtidos” e “Caixa” não registassem quaisquer movimentos relevantes.
Em seu entender, estando a empresa com a sua atividade praticamente paralisada, os saldos daquelas contas permaneceram praticamente imutáveis, como, aliás, informa a própria AT no seu RIT, referindo-se ao exercício de 2014. Por outro lado, alega, é completamente alheio à possível realidade aceitar-se que o impugnante tivesse reservado a data de 31/12/2016 para, depois de anos sem movimentação, concretizar todos os pagamentos e recebimentos, em valores tão avultados, que, na interpretação da AT deverão conduzir à atribuição de uma variação patrimonial tributável. Alega a mesma que os movimentos de regularização de erros praticados na contabilidade não correspondem, por regra e como manifestamente foi o caso, a quaisquer movimentos económicos ou financeiros ocorridos nas datas da escrituração de tais regularizações.
Contudo, a Requerente não carreou para os autos quaisquer elementos de prova, documentais ou outros, que suportem as suas alegações.
Em face do exposto, importa ter presente o artigo 74.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (“LGT”) que dispõe que “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.”
Por sua vez nos termos do artigo 75.º do mesmo diploma:
“1 - Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.
2 - A presunção referida no número anterior não se verifica quando:
a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo;
[…]”
Para além de uma alegação genérica por parte da Requerente, remetendo para um critério de verosimilhança – segundo o qual não seria credível que que, após tantos anos em que as contas de “Fornecedores”, “Clientes”, “Bancos”, “Empréstimos Obtidos” e “Caixa” não registam movimentos relevantes, o reclamante tivesse reservado a data de 31-12-2016 para concretizar pagamentos e recebimentos em valores tão avultados –, a verdade é que dos autos não resultam elementos concretos e documentados que demonstrem que os registos contabilísticos não têm efetivamente subjacente qualquer realidade económica e mesmo financeira. Esta ausência é tanto mais importante quanto é certo que é através da contabilidade que é possível conhecer as operações que as empresas realizam juntamente com os respetivos resultados, nomeadamente os bens detidos na atividade, o dinheiro disponível para pagamentos, os pagamentos efetuados, as dívidas contraídas, os créditos concedidos e os prazos de liquidação, juntamente com toda a informação relevante sobre a empresa e o seu contexto económico e financeiro.
Nos termos do artigo 31.º, n.º 2 da LGT “[s]ão obrigações acessórias do sujeito passivo, designadamente, as que visam possibilitar o apuramento da obrigação de imposto, nomeadamente a apresentação de declarações, a exibição de documentos fiscalmente relevantes, incluindo a contabilidade ou escrita, e a prestação de informações.” Essas obrigações assessórias devem ser cumpridas no quadro de um dever geral de boa prática tributária, revelando-se a apresentação, atempada e rigorosa, da contabilidade financeira, nos termos dos artigos 120.º e 121.º do Código do IRC, necessária à publicidade e disponibilidade de toda a informação financeira sobre o histórico das operações da empresa, devidamente identificadas, reconhecidas e mensuradas.
Nos termos do artigo 123.º, n.º 2 e 3, do Código do IRC, todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e suscetíveis de serem apresentados sempre que necessário, devendo as operações devem ser registadas cronologicamente, sem emendas ou rasuras, devendo quaisquer erros ser objeto de regularização contabilística logo que descobertos. Aí se dispõe, igualmente, que não são permitidos atrasos na execução da contabilidade superiores a 90 dias, contados do último dia do mês a que as operações respeitam.
Sendo esta informação contabilística indispensável para a tomada de decisões esclarecidas e racionais de investidores, financiadores, trabalhadores, fornecedores ou clientes, é também com base nela que as entidades públicas em geral levam a cabo as suas funções de regulação e controlo da atividade económica e que a AT, em especial, realiza a sua indeclinável missão de verificação da ocorrência de factos tributários e liquidação e cobrança dos impostos legalmente correspondentes. Compreende-se, pois, que as demonstrações financeiras da Requerente assumam, para AT, uma relevância primordial.
Ora, não tendo a Requerente feito a prova – nomeadamente através da prestação de informações durante a ação inspetiva ou em sede de reclamação graciosa – de que os lançamentos efetuados a 31.12.2016 visaram apenas regularizar a sua contabilidade, porquanto esta padeceria de imprecisões cometidas em exercícios anteriores (e importaria saber quais), é forçoso concluir que as alegações apresentadas não constituem prova suficientemente consistente e convincente para que o mesmo afaste a presunção de veracidade dos elementos constantes da contabilidade do sujeito passivo estabelecida no citado artigo 75.º, n.º 1, da LGT.
Na verdade, os movimentos contabilísticos evidenciam uma realidade que não tem correspondência na factualidade alegada pela Requerente, a qual, de todo o modo, não ficou devidamente provada. A Requerente não justificou demonstrando concretamente, com um mínimo de suporte documental possível, porque é que aqueles saldos “constavam da contabilidade de forma indevida”, não concretizando porque é que os mesmos eram “inexistentes”.
De resto, o acolhimento da posição da Requerente constituiria um perigoso incentivo a uma contabilidade pouco diligente, se não mesmo negligente, incompatível com a função regulatória do IRC. Não basta à Requerente alegar que os registos contabilísticos em causa nos autos se destinavam a regularizar a contabilidade por motivo de imprecisões cometidas em exercícios anteriores. É necessário ainda que a Requerente comprove o que alega. O ónus de comprovar que os registos contabilísticos não têm subjacente qualquer realidade económica e mesmo financeira, conforme alega a Requerente, é um ónus que incumbe à Requerente pois é a ela que cabe justificar os seus registos contabilísticos.
Entende, contudo, a Requerente que esse ónus é da AT, o que não tem qualquer sustentação legal.
Interessa relembrar que a AT desenvolveu atividade instrutória, procurando obter esclarecimentos sobre esses registos contabilísticos no decurso da ação inspetiva sem que lhe fosse apresentada qualquer prova minimamente objetiva do que então foi alegado, o mesmo sucedendo em sede de Reclamação Graciosa, não lhe sendo atribuível uma valorização seletiva de factos, contrariamente ao que afirma a Requerente.
A Requerente não invoca qualquer especial dificuldade ou impossibilidade de prova do alegado, razão porque é perfeitamente exigível que demonstre a factualidade que invoca. Nos termos supra expostos, será de julgar o pedido totalmente improcedente, mantendo-se os atos tributários na ordem jurídica.
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Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil (artigo 608.º do Código de Processo Civil (“CPC”), ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
V. DECISÃO
De harmonia com o supra exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar totalmente improcedente o pedido arbitral, com a consequente manutenção da liquidação de IRC impugnada, referente ao período de tributação de 2016.
VI. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se ao processo o valor de € 67.932,12, indicado pela Requerente, correspondente ao montante da liquidação de IRC cuja anulação se pretende, e não impugnado pela Requerida (valor da utilidade económica do pedido), de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
VII. CUSTAS
Custas no montante de € 2.448,00, a cargo da Requerente, por decaimento, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Notifique-se.
Lisboa, 26 de maio de 2022
Os árbitros,
Alexandra Coelho Martins
Jónatas Machado
João Pedro Rodrigues