Sumário:
1. Nos termos da jurisprudência uniforme do CAAD, uma decisão do TJUE em processo de reenvio não se qualifica como “decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português”, não podendo, portanto, fundamentar um recurso de revisão ao abrigo da alínea f) do artigo 696.º do CPC;
2. Uma decisão jurisdicional, qua tale, não pode volver-se num “documento” para fundar, em alternativa, um recurso de revisão ao abrigo da alínea c) do artigo 696.º do CPC;
3. Não há qualquer inconstitucionalidade num hipotético regime diferenciado de recursos de revisão no âmbito da jurisdição estadual e arbitral: estas têm, intrinsecamente, diferentes regimes de recurso.
DECISÃO ARBITRAL
A..., S.A., Requerente no Processo n.º 574/2021-T que terminou em 23 de Maio de 2022 com uma decisão que lhe foi desfavorável, veio interpôr recurso de revisão dessa decisão arbitral ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), bem como do n.º 1 do artigo 293.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), e dos artigos 696.º e 697.º, n.º 2 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Deste conjunto de normas interessam as que estabelecem as limitações e condições materiais do recurso de revisão aplicáveis ao caso[1], ou seja:
- o Artigo 293.º do CPPT (“Revisão da sentença”):
“1 - A decisão transitada em julgado pode ser objeto de revisão, com qualquer dos fundamentos previstos no Código de Processo Civil, no prazo de quatro anos, correndo o respetivo processo por apenso ao processo em que a decisão foi proferida.
(…)
3 - O requerimento da revisão é apresentado no tribunal que proferiu a decisão a rever, no prazo de 30 dias a contar dos factos referidos no número anterior, juntamente com a documentação necessária.
(…)
5 - Salvo no que vem previsto no presente artigo, a revisão segue os termos do processo em que foi proferida a decisão revidenda.”
- a alínea f) do artigo 696.º do CPC (“Fundamento do recurso”):
“A decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando:
(…)
f) Seja inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português;”
A decisão que a Requerente invoca como fundamento do recurso de revisão é uma decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) proferida no processo de reenvio C-335/22, e junta aos autos.
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Não estando prevista no CPPT a tramitação dos recursos de revisão na fase anterior à sua admissão, tem de se recorrer ao regime do processo civil, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT. Por isso, nos termos do artigo 699.º, n.º 1, do CPC, há que proferir uma decisão liminar sobre a admissibilidade do recurso: “o tribunal a que for dirigido o requerimento indefere-o (…) quando reconheça de imediato que não há motivo para revisão”.
No caso em apreço, a jurisprudência do CAAD tem sido unânime[2] no entendimento de que “não há motivo para revisão”, recusando liminarmente os pedidos baseados em acórdãos proferidos pelo TJUE em processos de reenvio, com fundamento em que (pelo menos estes) não são proferidos por “uma instância internacional de recurso”, como exigido pela alínea f) do artigo 696.º do CPC.
Ciente disso (n.º 146 da petição de recurso), a Requerente invoca (ns. 147-150) o Acórdão do STA de 07 de Fevereiro de 2014, proferido no processo n.º 0360/13 – que, no entanto, só se refere a acórdãos proferidos pelo Tribunal de Justiça em acções por incumprimento – e (ns. 151-152) o acórdão do TCAN de 3 de Dezembro de 2020, proferido no processo n.º 00036/11.6BEPNF-A, que entendeu não haver diferenças entre os dois tipos de decisão do TJUE (em reenvio e em acção por incumprimento) para efeito de admissibilidade de recurso de revisão, bem como doutrina diversa no mesmo sentido (ns. 153 e 155-159).
Desinteressam todos os argumentos subsequentes da petição de recurso sobre a efectividade do Direito da União, porque não é isso que está em causa: tão só a questão de saber se uma decisão transitada em julgado deve ser reaberta em circunstâncias diversas das que o legislador interno fixou nas normas internas que, excepcionalmente, o admitem. Ora, à face de tais normas, “o TJUE, intervindo em sede de reenvio prejudicial, não pode ser entendido como uma instância internacional de recurso para efeito da legislação processual portuguesa”, como se escreveu na decisão proferida no processo n.º 544/2019-T. Consequentemente, não está preenchida a condição de que depende a admissibilidade do recurso de revisão previsto na alínea f) do artigo 696.º do CPC, não havendo qualquer outra que possa fundar um tal recurso (como se verá a seguir).
Assim, tendo em conta a uniformidade da jurisprudência arbitral, e não obstante a referida decisão em sentido divergente do TCAN, entende o presente Colectivo que não há razões para se afastar do entendimento que tem prevalecido nesta jurisdição – mesmo sem considerar se da específica natureza das suas competências (e a natureza material de uma “nova acção” que a própria Requerente reconhece caber ao recurso de revisão) não se poderia fazer derivar uma razão adicional para não seguir o entendimento do tribunal estadual que decidiu o referido processo n.º 00036/11.6BEPNF-A.
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Admitindo, “por mera hipótese académica”, e sem conceder, que o recurso poderia não ser admitido ao abrigo da alínea f) do artigo 696.º do CPC, a Requerente invocou subsidiariamente que “seria sempre de aplicar a alínea c) do artigo 696.º do CPC, na medida em que a decisão do TJUE constitui documento superveniente que o Banco só agora pôde fazer uso e que, por si só, é suficiente para modificar a decisão arbitral em sentido que lhe é mais favorável”.
E, na verdade, a alínea c) do artigo 696.º do CPC também admite o recurso de revisão quando “Se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida;”.
Tal norma é, porém, inaplicável ao caso: os documentos que aí são mencionados são, necessariamente, elementos de prova que possam alterar a decisão de facto. Uma decisão judicial qua tale interfere com o modo de aplicação do Direito, não releva enquanto elemento de prova – que, de resto, não é posta em causa no pedido de revisão. Ora, documentos e decisões judiciais não são espécies do mesmo género, de modo que uma decisão judicial que se não qualifique como “inconciliável” com a que se pretende rever; ou que não seja uma “decisão definitiva”; ou que, tendo embora sido proferida por “uma instância internacional”, não seja “vinculativa para o Estado Português”, não regressa a uma categoria base de “documento”. Esses requisitos não são atributos qualificativos que, pela sua presença, transformam um “documento” numa “decisão judicial”, e, pela sua falta, transformam uma “decisão judicial” num “documento”.
Estando em causa – como estava no pedido de revisão – uma questão de Direito, o recurso à alínea c) do artigo 696.º do CPC era manifestamente inadequado para sustentar tal pedido.
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Evidentemente, irrelevam, nesta fase preliminar de disquisição da admissibilidade do recurso, os argumentos invocados pela Requerente para intentar demonstrar que existe inconciliabilidade entre a decisão proferida pelo colectivo arbitral e a que foi subsequentemente proferida, em processo de reenvio, pelo TJUE: isso só caberia apurar se o recurso de revisão fosse admitido, e já se viu que não pode ser.
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De igual modo irreleva a suposta inconstitucionalidade que foi imputada à norma da alínea f) do artigo 696.º do CPC com fundamento na “comparação entre os diversos regimes de recurso jurisdicional internos”. Nem se discute se uma decisão prejudicial superveniente do TJUE permitiria um recurso de revisão nos Tribunais Administrativos e Fiscais e, ou, nos Tribunais Comuns: é que um dos – muitos – traços distintivos da jurisdição arbitral em relação à jurisdição estadual reside, justamente, na muito diversa configuração do regime de recursos. Identificar positivamente um recurso nestas jurisdições – o que não foi feito – não implica de modo algum que seja inconstitucional que a jurisdição arbitral dele não disponha. É quanto basta para afastar tal alegada inconstitucionalidade.
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Nos termos e pelos fundamentos expostos, indefere-se liminarmente o pedido de revisão.
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Notifique-se, e publique-se nos termos da alínea g) do artigo 16.º do RJAT.
Lisboa, 3 de Novembro de 2023
Os Árbitros
Victor Calvete
Paulo Ferreira Alves
Jorge Carita
A redacção da presente decisão segue a ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990 execepto em transcrições que o sigam.
CAAD: Arbitragem Tributária
Processo n.º: 574/2021-T
Tema: Imposto do Selo – Verba 17.3.4 da TGIS. Prestações de serviços efetuadas por instituições financeiras. “Comissões de colocação” de títulos negociáveis em mercado. Isenção. Artº. 5º, nº. 2., alínea b) da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12.02.2008 (Diretiva da Reunião de Capitais).
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SUMÁRIO:
I - A Diretiva 2008/7/CE, de 12 de Fevereiro de 2008, visa expressamente evitar a duplicação da tributação sobre reuniões de capitais no mercado interno.
II - Uma instituição financeira residente que não recorreu a emissão de dívida, antes prestou serviços para a colocação dessa dívida (em lugares indeterminados, de resto), não pode prevalecer-se do disposto nessa Diretiva para pretender eximir-se ao pagamento de Imposto do Selo sobre esse serviço prestado a terceiros.
III - As comissões de colocação cobradas pelos bancos a emitentes de dívida não cabem no conceito de formalidades conexas a que se refere o artigo 5.º, n.º 2, alínea b), da Diretiva 2008/7/CE.
DECISÃO ARBITRAL
Os Árbitros Victor Calvete (Árbitro Presidente), Paulo Ferreira Alves e Jorge Carita (Árbitros Adjuntos) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem este Tribunal Arbitral Coletivo, acordam no seguinte:
I – RELATÓRIO
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Em 9 de setembro de 2021, o A..., S.A, NIPC..., com sede na Rua..., n.º..., ...-... Lisboa, doravante designado por “Requerente”, solicitou a constituição de tribunal arbitral e procedeu a um pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 2, e 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), bem como dos artigos 95.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas a) e d), da Lei Geral Tributária (LGT) e 99.º, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), para requerer a declaração de ilegalidade dos seguintes atos:
a) Decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2021..., da autoria do Diretor de Serviço Central da Unidade de Grandes Contribuintes (cfr. Documento n.º 1)
b) Liquidações de IS realizadas através das guias n.º ..., n.º..., n.º..., n.º ..., n.º ..., n.º..., n.º..., n.º ..., e n.º ..., nas quais foi liquidado e pago IS de € 1.485.113,86 sobre comissões de colocação (cfr. Documentos n.º 2 a n.º 10).
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Assim o Requerente solicitou ao Tribunal que condene a AT no reembolso do IS pago indevidamente, no montante de € 1.485.113,86, nos termos do artigo 100.º da LGT e, bem assim, no pagamento de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, contabilizados desde a prolação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, tudo com as demais consequências legais.
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O Requerente solicita ainda a final, no caso de reenvio previsto no artigo 267.º do TFUE, que o Tribunal:
i) Convide a Requerida a pronunciar-se sobre as questões concretas a submeter à apreciação do TJUE, densificando, na notificação para o efeito, os motivos pelos quais considera insuficiente a jurisprudência comunitária existente;
ii) Suspenda a presente instância até à prolação de decisão pelo TJUE.
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O Requerente é representado, no âmbito dos presentes autos, pelo seu mandatário, Dr. B..., e a Requerida, a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT), é representada pela jurista Dra. C... .
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Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT e não tendo o Requerente procedido à nomeação de árbitro, foram designados, pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, os signatários, que aceitaram o cargo no prazo legalmente estipulado.
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O presente Tribunal foi constituído no dia 17 de novembro de 2021, na sede do CAAD, sita na Av. Duque de Loulé, n.º 72 A, em Lisboa, conforme comunicação do tribunal arbitral coletivo que se encontra junta aos presentes autos.
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A Requerida ofereceu a sua Resposta no dia 3 de janeiro de 2022, defendendo-se por impugnação. O processo administrativo não foi junto, presumivelmente para evitar a duplicação nos autos das suas peças (que foram juntas pelo Requerente nos 50 documentos que instruíam o Pedido de Pronúncia Arbitral - PPA).
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O Tribunal, por despacho de 17 de janeiro de 2022, uma vez que a questão dos autos é puramente de Direito e não foram indicadas testemunhas, dispensou a reunião do artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo (artigo 19.º do RJAT), e da celeridade, da simplificação e da informalidade processuais (artigo 29.º, n.º 2, do RJAT).
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No despacho referido em 8. supra, o Tribunal determinou que não se afigurava útil a repetição das razões das Partes em alegações, pelo que se dispensaram as mesmas, ao abrigo dos mesmos princípios, mas ficando sujeita tal dispensa à não oposição das partes no prazo de 5 dias – caso em que se fixaria prazo para alegações sucessivas.
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Mais se consignou no mesmo despacho que a decisão final seria proferida até ao termo do prazo fixado no n.º 1 do artigo 21.º do RJAT, devendo o Requerente proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente no prazo de 30 dias. Por dificuldades de agenda no termo do prazo, veio a ser proferido um despacho de prorrogação no dia 16 de Maio.
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O Requerente e a Requerida não se pronunciaram sobre a dispensa de apresentação de alegações e a Requerente procedeu ao pagamento da taxa arbitral subsequente em 18 de fevereiro de 2022.
II. Argumentação da Requerente
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O Requerente sustenta o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação do Imposto do Selo, referente ao exercício de 2019, e respetiva anulação, bem como a declaração da ilegalidade da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, por ter sido indevidamente liquidado e pago IS no montante de € 1.485.113,86 sobre comissões de colocação e o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, do seguinte modo:
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Como intermediário financeiro, o Requerente, que é uma instituição de crédito, participou em várias operações de emissão de valores mobiliários, sob a forma de títulos negociáveis – obrigações e papel comercial – mediante a prestação de serviços de colocação desses títulos em mercado, o que fez relativamente a vários emitentes.
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Como remuneração pelo serviço prestado, cobrou as respetivas comissões, que apelidou de “comissão de colocação” sobre as quais fez incidir o imposto do selo (Verba 17.3.4 da TGIS), na sua qualidade de sujeito passivo, sendo o encargo do imposto suportado pelas diversas entidades beneficiárias do serviço, elas próprias as emitentes dos títulos, que optaram por esta via para se financiarem.
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Operações de financiamento essas, que no quadro da legislação nacional e no contexto da legislação comunitária, nomeadamente da Diretiva 2008/7/CE, de 12 de fevereiro de 2008, sobre Reunião de Capitais, estão excluídas do pagamento de imposto do selo, por falta de previsão na respetiva Tabela Geral do Imposto do Selo.
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Isenção essa que a Requerente, enquanto entidade prestadora dos identificados serviços, entende que lhe é aplicável.
Por último, requer o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT.
III. Argumentação da Requerida:
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Na sua Resposta a Requerida invocou, em síntese, o seguinte:
“Da redação desta norma de incidência (verba 17.3.4. da TGIS) resulta que a sujeição a IS obedece a um elemento subjetivo e a um elemento objetivo:
a) Elemento subjetivo: A operação tem que ser realizada por, ou com intermediação de uma, entidade financeira; e
b) Elemento objetivo: A operação tem que corresponder à cobrança de comissões ou outras contraprestações por serviços financeiros, que não as expressamente previstas nas outras sub-verbas (em concreto, as sub-verbas n.º 17.3.1 a 17.3.3 da TGIS).
Para entender que, no caso concreto, ambos os elementos se encontram reunidos e, portanto, nada há que corrigir na auto-liquidação de Imposto do Selo.
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A Requerida e o Requerente estão de acordo de que não se coloca a questão de saber se as operações em causa estão ou não sujeitas a IS, da verba nº. 17.3.4 TGIS, afirmando inclusive o Requerente quanto a esta matéria que:
“60.º Conforme referido acima, de facto, decorre da verba n.º 17.3.4 da TGIS que são sujeitas a IS, à taxa de 4%, as comissões ou outras contraprestações por serviços financeiros, desde que cobradas por “instituições de crédito”, “sociedades financeiras” ou “instituições financeiras”.”
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Contudo, o Requerente vai mais longe no seu entendimento:
“61.º Porém, entende o Requerente ser erróneo considerar as “comissões de colocação” aqui em discussão enquadráveis naquela norma de incidência, porque a verba n.º 17.3.4 da TGlS tem que ser interpretada restritivamente, em conformidade com a proibição expressa no artigo 5.º, n.º 2, alínea b), da Diretiva da Reunião de Capitais.”
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E é aqui que surge o desacordo entre as partes, remetendo a Requerida a sua posição para o já consagrado no Acórdão do CAAD tirado no Proc. nº. 856/2019-T o qual separa a isenção de que beneficia a emissão de papel comercial da subsequente prestação de serviço de instituições bancárias e financeiras no âmbito dos diversos procedimentos correlacionados com a emissão.
A emissão, como forma alternativa de financiamento, merece proteção fiscal, já as comissões bancárias cobradas às entidades emitentes não, assim se podendo resumir a posição da Requerida.
IV. Saneamento
O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5º e 6º, todos do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades.
V. Matéria de Facto
Para a convicção do Tribunal Arbitral, relativamente aos factos provados e não provados, relevaram os documentos juntos aos autos, os quais se mostraram idóneos sobre os factos em discussão nos presentes autos.
Ademais, é de salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 511.º, n.º 1, do anterior CPC, correspondente ao artigo 596.º do atual CPC).
Assim, atendendo às posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados (pedido de constituição arbitral e resposta da Requerida), à prova documental junta aos autos, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
V.1. Factos dados como provados
Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:
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O Requerente é um banco de investimento que opera em Portugal desde fevereiro de 1983, tendo sido constituído, originalmente, como Sociedade de Investimentos sob a denominação de “D..., S.A.R.L.”, posteriormente integrado no Grupo E... e depois transformado em “F..., S.A.”, que mais tarde passaria a designar-se por “G..., S.A.”.
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Em setembro de 2015, o “H... Limited” adquiriu a totalidade do capital social do “G..., S.A.”, tendo a denominação social do Banco sido alterada para “A..., S.A.”, aqui Requerente.
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No presente, o Requerente opera através da sua sede em Lisboa, bem como de sucursais e subsidiárias no estrangeiro, possuindo todas as indispensáveis licenças e autorizações das autoridades portuguesas, bancos centrais e demais agentes reguladores, para operar em Portugal e nos países onde atua.
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O Requerente tem como objeto social “o exercício da atividade bancária, compreendendo todas as operações permitidas aos bancos, nos termos previstos por lei (…)[e] a aquisição de participações em sociedades com objeto diferente”, sendo uma instituição de crédito regularmente constituída ao abrigo da legislação nacional, licenciada como Banco pelo Banco de Portugal, com o código de IF 47, e registada como intermediário financeiro junto da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (doravante “CMVM”), com o número de registo 108, atividade essa a que corresponde o código CAE 64190 (outra intermediação monetária).
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No âmbito da sua atividade, entre 1 de janeiro e 31 de dezembro de 2019, o Requerente participou, como intermediário financeiro, em várias operações de emissão de valores mobiliários sob a forma de títulos negociáveis (e.g., obrigações, papel comercial), mediante a prestação de serviços de colocação desses títulos em mercado a vários emitentes.
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Em concreto, durante o período em causa, o Requerente prestou serviços de colocação às seguintes sociedades comerciais:
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I…;
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J…, Ltd.;
-
K..., Ltd.;
-
L… LTD;
-
M…;
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N…, Ltd;
-
O... Ltd.;
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P… Limited;
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Q..., Ltd.;
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R…;
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S…Ltd.;
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T… Ltd.;
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U…;
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V… Limited; e
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W... Limited (todos juntos doravante “emitentes”).
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Pelos serviços de colocação em mercado dos títulos negociáveis emitidos pelas sociedades acima identificadas, o Requerente cobrou a designada “comissão de colocação”.
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No âmbito destes serviços de colocação o Requerente obrigou-se perante as Emitentes a desenvolver os seus melhores esforços de modo a distribuir os valores mobiliários (e.g. obrigações, papel comercial), recebendo ordens de subscrição ou de aquisição, e podendo, em alguns casos, adquirir os valores mobiliários objeto da oferta, obrigando-se, nesse caso, a colocá-los por sua conta e risco, nos termos e nos prazos acordados com a emitente ou o alienante.
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Conforme se resume no quadro reproduzido infra, retirado do PPA, entre 1 de janeiro e 31 de dezembro de 2019 o Requerente emitiu 20 faturas relativas às mencionadas comissões de colocação de títulos negociáveis em mercado, sobre as quais foi liquidado e entregue ao Estado o IS, à taxa de 4%, da verba n.º 17.3.4 da TGIS:
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Complementarmente, o Requerente apresenta junto ao nº. 24º. do requerimento inicial o resumo da informação relevante sobre as emissões em causa, no âmbito das quais foram cobradas as comissões de colocação e liquidado o IS em discussão, indicando-se para efeitos de cruzamento da informação (i) número das faturas; (ii) identificação dos Emitentes; (iii) ISIN dos valores mobiliários; (iv) tipo de oferta (pública ou privada); (v) valor do IS liquidado; e (vi) documentação adicional anexa que suporta a informação da emissão, num total de € 1.485.113,86.
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O Requerente apresentou, a 28.01.2021, reclamação graciosa à AT (cfr. Documento n.º 50), nos termos dos artigos 23.º e 49.º do Código do IS e do artigo 131.º do CPPT, através da qual requereu a anulação parcial das liquidações acima identificadas e o consequente reembolso do IS indevidamente autoliquidado no valor de 1.485.113,86 Euros.
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Tal reclamação graciosa viria, contudo, a ser indeferida pela AT, tendo a decisão de indeferimento sido notificada ao Requerente no dia 07.07.2021.
M P. O pedido de pronúncia arbitral apresentado em 9 de setembro de 2021, tem por objeto os seguintes atos tributários:
- Liquidação de IS, referente à Guia n.º..., apresentada em 14-02-2019, referente a janeiro/2019, relativamente ao valor de 192.472,40:
- Liquidação de IS, referente à Guia n.º..., apresentada em 16-05-2019, referente a abril/2019, relativamente ao valor de € 314.712,23;
- Liquidação de IS, referente à Guia n.º..., apresentada em 19-06-2019, referente a maio/2019, relativamente ao valor de € 77.252,69;
- Liquidação de IS, referente à Guia n.º..., apresentada em 08-07-2019, referente a junho/2019, relativamente ao valor de € 43.846,15;
- Liquidação de IS, referente à Guia n.º..., apresentada em 08-08-2019, referente a julho/2019, relativamente ao valor de € 406.892,27;
- Liquidação de IS, referente à Guia n.º..., apresentada em 08-10-2019, referente a setembro/2019, no valor de € 89.141,55;
- Liquidação de IS, referente à Guia n.º ..., apresentada em 18-11-2019, referente a outubro/2019, no valor de € 120.000,00;
- Liquidação de IS, referente à Guia n.º..., apresentada em 17-12-2019, referente a novembro/2019, relativamente ao valor de € 169.769,96;
- Liquidação de IS, referente à Guia n.º..., apresentada em 17-01-2020, referente a dezembro/2019, no valor de € 71.026,59;
- E ainda a decisão de indeferimento proferida sobre tais atos de liquidação em sede da reclamação graciosa cujos termos correram sob o n.º de procedimento ...2021..., junto da Unidade dos Grandes Contribuintes.
V.2. Factos dados como não provados
Não ficou provada – nem sequer tendo sido alegado – o local onde foram colocadas as supra identificadas emissões de dívida, sendo certo que foram em geral contabilizadas em dólares (entre um mínimo de 54.000.000 USD e um máximo de 700.000.000 USD).
V.3. Fundamentação da decisão de facto
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram, como acima se referiu, escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, não existindo outra factualidade alegada que seja relevante para a correta composição da lide processual.
De resto, estão documentalmente comprovados e não foram objecto de controvérsia ente o Requerente e a Requerida.
VI- Do Direito
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Está bem delimitada no processo a natureza das comissões em causa, cuja tributação ou não em sede de Imposto do Selo (Verba 17.3.4 da TGIS) está na origem do diferendo.
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Ou seja, como intermediário financeiro, o Requerente (instituição de crédito), participou em várias operações de emissão de valores mobiliários, sob a forma de títulos negociáveis – obrigações e papel comercial – mediante a prestação de serviços de colocação desses títulos em mercado, o que fez relativamente a vários emitentes. Como remuneração pelo serviço prestado, cobrou as respetivas comissões, que apelidou de “comissão de colocação”, sobre as quais fez incidir o imposto do selo, da identificada verba, na sua qualidade de sujeito passivo, sendo o encargo do imposto suportado pelas diversas entidades beneficiárias do serviço, elas próprias as emitentes dos títulos, que optaram por esta via para se financiarem.
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Operações de financiamento essas que, no quadro da legislação nacional e no contexto da legislação comunitária, nomeadamente da Diretiva 2008/7/CE, de 12 de fevereiro de 2008, sobre Reunião de Capitais, estão excluídas do pagamento de imposto do selo, por falta de previsão na respetiva Tabela Geral do Imposto do Selo.
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O artigo 5.º da Diretiva, no seu n.º 1, proíbe qualquer forma de imposto indireto, nomeadamente sobre as entradas de capital, e as alíneas a) e b) do seu n.º 2 dispõem nos seguintes termos (destaque aditado):
“Os Estados-Membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indirecto:
a) A criação, a emissão, a admissão à cotação em bolsa, a colocação em circulação ou a negociação de ações, de participações sociais ou de outros títulos da mesma natureza, bem como de certificados representativos desses títulos, independentemente de quem os emitiu;
b) Os empréstimos, incluindo os estatais, contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, independentemente de quem os emitiu, e todas as formalidades conexas, bem como a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação dessas obrigações ou de outros títulos negociáveis.”
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Isenção essa, que o Requerente, enquanto entidade prestadora dos identificados serviços pretende que seja aplicada a si próprio.
Admitimos já que sem razão.
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Como nota prévia importa fazer uma breve referência ao conceito e características das denominadas “obrigações”. Socorremo-nos para o feito dos ensinamentos de José Engrácia Antunes in “Os Instrumentos Financeiros”, 3ª. edição revista e atualizada, 2018, Almedina:
“As obrigações …são valores mobiliários representativos de direitos de crédito” que estão regulamentados em diversos diplomas legais para além do Código das Sociedades Comerciais (CSC, artº. 348 e segs) e do Código de Valores Mobiliários (CMV), assumindo especial relevo a reforma introduzida pelo Decreto-Lei nº. 26/2015, de 6 de fevereiro, “que veio flexibilizar o regime aplicável à emissão de obrigações com vista a estimular o recurso a este meio de financiamento empresarial.” (Ob. cit. págs 114 e 115).
São apontadas algumas vantagens para este mecanismo de financiamento das empresas, por se tratar de um mecanismo mais barato, seguro e flexível, comparativamente a outras formas de que financiamento com recurso a capitais alheios (financiamento bancário) ou capitais próprios (ações).
Em suma “as obrigações são valores mobiliários que investem o seu titular na qualidade de mero credor daquela (empresa emitente) representando nuclearmente direitos de crédito ao reembolso da quantia emprestada (valor nominal da obrigação) e ao pagamento de eventuais juros ou prémios (fixos ou variáveis).” (Ob. cit. pág 116).
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Quanto à aplicação da norma de incidência em sede imposto do selo, não restam dúvidas de que estão reunidos os seus elementos subjetivos – as operações em causa foram realizadas por intermédio de uma instituição financeira – o aqui Requerente – bem como o elemento objetivo, já que a operação em causa tem que corresponder à cobrança de comissões ou outras contraprestações por serviços financeiros – que não as expressamente previstas na Verba 17.3.1 (juros) 17.3.3 (comissões por garantias prestadas), o que é o caso[3].
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No resumo do Requerente (artigo 26.º do requerimento inicial), a AT sustenta a sua decisão (cfr. Documento n.º 1) com base nos fundamentos abaixo transcritos:
“a) “(…) na letra da referida diretiva, não se encontra prevista a não sujeição de tributação das comissões por serviços financeiros de colocação de valores [i]mobiliários” (cfr. ponto 56 da decisão de indeferimento);
b) “(…) caso o legislador comunitário quisesse de facto não sujeitar, a tributação em sede de imposto de selo dos encargos decorrentes dos contratos de emissão de obrigações e papel comercial cobrados pelas instituições de crédito, enquanto intermediários financeiros, bastaria que tivesse feito essa menção na al. b) do n.º 2 do art.º 5.º da Diretiva 2008/7/CE, e não o fez” (cfr. ponto 66 da decisão de indeferimento);
c) Adicionalmente, refere a AT ser “meridianamente claro, quer pela doutrina e pela jurisprudência, que a emissão das obrigações e bem assim, de papel comercial, não está sujeita a IS, na medida em que a verba 17.1 da TGIS não tributa tais operações”. Concretiza a AT esta ideia dizendo que “tal realidade de resto, decorre da já referida Diretiva 2008/7/CE, através da qual, o legislador europeu pretendeu, de forma clara e inequívoca, colocar em pé de igualdade todos os operadores que recorram a mercados primários para a obtenção de financiamento” – sublinhado do Requerente (cfr. pontos 70 e 71 da decisão de indeferimento)
d) “(…) as várias sociedades comerciais, melhor elencadas no ponto 10 da PI pelo ora Reclamante, e que recorreram aos serviços do mesmo, não se encontravam impedidas por si só, de proceder diretamente à emissão de papel comercial, beneficiando nesse caso, de forma inequívoca da não tributação em sede de imposto de selo” – sublinhado do Requerente (cfr. ponto 76 da decisão de indeferimento);
e) “Caso os terceiros repercutidos de IS, mormente as sociedades comerciais elencadas no ponto 10 da PI, tivessem optado por proceder diretamente à emissão de obrigações, beneficiariam da não sujeição de IS, não apenas sobre a emissão, strictu sensu, mas igualmente sobre as formalidades conexas como, verbi gratia, o registo da emissão no livro de registo, o registo dos titulares das obrigações, eventuais autenticações de atas sociais, registos comerciais e publicações da deliberação de emissão pela sociedade” – sublinhado do Requerente (cfr. ponto 78 da decisão de indeferimento);
f) Na senda do referido acima, diz ainda a AT ser “justamente a parte final do art.º 5.º n.º 2 da Diretiva 2008/7/CE que corrobora, este entendimento, quando se refere à admissão à cotação em bolsa da emissão ou à colocação em circulação da emissão no mercado primário ou secundário, por exemplo através da colocação junto do público” – sublinhado do Requerente (cfr. ponto 79 da decisão de indeferimento);
g) “No caso sub judice, a ora Reclamante mediante a solicitação das instituições financeiras referidas, participou como intermediário financeiro, em várias operações de emissão de valores mobiliários sob a forma de títulos negociáveis, tendo nesse âmbito, prestado serviços de colocação dos títulos em mercado, prestações de serviços essas, pelas quais cobrou comissões de colocação, e sobre as quais foi liquidado o imposto de selo devido” – sublinhado do Requerente (cfr. ponto 80 da decisão de indeferimento);
h) “Destila-se assim, que as referidas instituições financeiras optaram por não proceder diretamente à emissão de obrigações ou papel comercial – apesar de, conforme acima se referiu, o Cód. das Soc. Comerciais o permitir – tendo contratado para o efeito, no âmbito de um contrato de prestação de serviços, verbi gratia serviços de intermediação financeira, a ora Reclamante” – sublinhado do Requerente (cfr. ponto 81 da decisão de indeferimento).
I) Com base nas transcrições acima, a AT conclui que as comissões de colocação não se encontram protegidas pela Diretiva da Reunião de Capitais, sendo por isso sujeitas a IS.”
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O Requerente desenvolve alguma da sua argumentação em torno das figuras da “emissão” e “colocação” admitindo que a AT confunde a “emissão”, enquanto criação dos valores mobiliários, com a “emissão na sua globalidade” resumindo a posição da AT do seguinte modo:
“…as sociedades comerciais identificadas podiam ter optado por “emitir”, por si só, títulos negociáveis, não estando sujeitas a IS, quer na emissão strictu sensu, quer nas formalidades conexas como v.g. o registo da emissão no livro de registo, o registo dos titulares das obrigações, eventuais autenticações de atas sociais, registos comerciais e publicações da deliberação de emissão pelas sociedades.” (Vd. Artº. 54º. do requerimento inicial)
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O Requerente invoca não ser praticável essa opção, se atendermos a que nos termos do – ora revogado – artigo 113.º do CMV, não era possível fazer a colocação de certos valores mobiliários por oferta pública, sem recorrer a um intermediário financeiro.
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Recordemos os aspetos essenciais do Pedido de Pronúncia Arbitral (PPA), para melhor identificarmos a realidade de facto que está subjacente à decisão que importa tomar.
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Comecemos pelo artº. 8º do PPA que refere:
“No decurso da sua atividade, o Requerente participou, como intermediário financeiro, em várias operações de colocação de valores mobiliários sob a forma de títulos negociáveis (e.g. obrigações, papel comercial). Nesse âmbito, prestou o serviço de colocação dos títulos em mercado, tendo, por isso, cobrado comissões de colocação e, por erro, liquidado IS sobre as mesmas.” (destaque nosso).
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Por aqui podemos obter uma excelente aproximação aos factos relativamente à posição de cada um dos respetivos intervenientes.
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Assim, o Requerente, enquanto instituição financeira, atua como intermediário financeiro. Ou seja, não é ele que está a socorrer-se do mercado para se financiar. Presta um serviço a terceiros, esses sim que optaram pela modalidade de financiamento em causa – emissão de obrigações/papel comercial. O Requerente coloca-se entre as entidades emitentes e o mercado.
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Prosseguindo no artº. 18º. desse mesmo PPA:
“No âmbito da sua atividade, entre 1 de janeiro e 31 de dezembro de 2019, o Requerente participou, como intermediário financeiro, em várias operações de emissão de valores mobiliários sob a forma de títulos negociáveis (e.g., obrigações, papel comercial), mediante a prestação de serviços de colocação desses títulos em mercado a vários emitentes.” (destaque nosso).
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Ou seja, relativamente às emissões de valores mobiliários sob a forma de títulos negociáveis, o Requerente prestou um serviço a várias entidades que consistiu “na colocação dos títulos em mercado”, prestação essa melhor detalhada no artº. 21º, do PPA, que igualmente transcrevemos:
“No âmbito destes serviços de colocação o Requerente obrigou-se perante as Emitentes a desenvolver os seus melhores esforços de modo a distribuir os valores mobiliários (e.g. obrigações, papel comercial), recebendo ordens de subscrição ou de aquisição, e podendo, em alguns casos, adquirir os valores mobiliários objeto da oferta, obrigando-se, nesse caso, a colocá-los por sua conta e risco, nos termos e nos prazos acordados com a emitente ou o alienante.” (destaque nosso).
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Assim dito, o Requerente assumiu as seguintes obrigações:
a). Distribuir os valores mobiliários;
b). Receber ordens de subscrição e de aquisição;
c). Adquirir os valores mobiliários objeto de oferta (nalguns casos);
d). Colocar por sua conta e risco os títulos referidos na alínea anterior.
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Face a tais serviços o Requerente emitiu 20 faturas relativas às mencionadas “comissões de colocação de títulos negociáveis em mercado”, melhor identificadas no Quadro junto ao artº. 23º. do PPA e que constituem os Docº. 11 a 30.
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Da sua análise resulta que as mesmas tiveram como destinatárias as entidades emitentes dos títulos, nas seguintes geografias:
- 14 da República Popular da China;
- 3 das Ilhas Virgens Britânicas;
- 2 da Bermuda;
- 2 de Hong Kong; e
- 1 de Singapura.
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Ou seja, as entidades emitentes têm todas sede ou direção efetiva fora do território português.
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E das faturas consta a tributação de tais serviços em sede de Imposto do Selo da Verba 17.3.4 da respetiva TGIS, à taxa de 4% que incide sobre o valor da comissão cobrada.
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Do artº. 24º. do PPA consta uma síntese das informações relevante sobre as diversas emissões em causa, resultando que, da análise dos Docº. 31 a 49, é possível constatar, para além de inúmeros outros elementos informativos, o montante do valor de cada uma dessas emissões de que beneficiaram as entidades emissoras acima identificadas.
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Sobre o valor da respetiva emissão não incidiu qualquer imposto, pelo menos que tenha sido trazido ao conhecimento no processo.
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Assim, de acordo com a matéria dada como provada, o imposto que está em causa nos presentes autos é o imposto autoliquidado pela Requerente, à taxa de 4%, e que foi cobrado às entidades para as quais o A... SA prestou diversos serviços, que apelidou de “comissão de colocação”.
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A Requerente, na qualidade de sujeito passivo, auto-liquidou tal imposto face ao disposto na Verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo anexa ao Código do Imposto do Selo, tendo procedido à sua repercussão para ao respetivos utilizadores do serviço: as diversas entidades, financeiras ou não, devidamente listadas no PPA.
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Não existe no Código do Imposto do Selo ou em qualquer disposição avulsa ao nível do direito interno que pudesse contemplar quaisquer isenções ou reduções de taxa para os serviços prestados pelo Requerente nesta sede.
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Tratando-se de sociedades não residentes, a conexão com o território nacional, para que o Requerente tivesse cobrado IS sobre as suas comissões só pode ter a ver com o facto de se ter considerado que os serviços tinham sido prestados em território nacional e aqui tinham que ser tributados.
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Aplicou, a nosso ver bem, o disposto no artº. 4º. do Código do Imposto do Selo.
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O nexo de conexão com o território nacional pode ser o local da sede do prestador de serviço ou o local onde o serviço é prestado. Daí a tributação em imposto do selo português das comissões de colocação (a conexão verifica-se para o serviço prestado), mas também a não aplicação das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 1.º da Diretiva às empresas emitentes (não há conexão destas com o território nacional[4]).
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Por outro lado, não estando provado onde ocorreu cada uma das emissões aqui em causa (a maior parte das quais em dólares) - e localizando-se a sede ou direção efetiva de cada uma das sociedades emitentes fora do território português, estaria afastada a competência do Estado Português para tributar a operação de emissão de dívida (ainda que não, como se viu, as operações de terceiros sedeados em Portugal que fossem destinadas a viabilizar essa emissão).
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A ser tributada a emissão seria competente o estado da localização da sede da sociedade emitente, ou o local da respetiva emissão, que apesar de poder implicar a intervenção de uma determinada praça financeira, estará sempre ligada ao ordenamento fiscal do Estado da sede da empresa.
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Em nossa opinião, seriam competentes para tributar uma operação de emissão de valores mobiliários os estados da sede de cada uma das empresas envolvidas, ou seja, a República Popular da China, Ilhas Virgens Britânicas, Bermuda, Hong Kong e Singapura.
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Isso quer dizer que o Requerente invoca o seu direito a beneficiar de uma isenção para as prestações de serviços em causa, invocando que no quadro da legislação nacional e no contexto da legislação comunitária, nomeadamente do artº. 5º. nº. 2, alínea b) da Diretiva 2008/7/CE, de 12 de fevereiro de 2008, sobre Reunião de Capitais, tais operações estão excluídas do pagamento de imposto do selo, quando, prima facie, a legislação aplicável para determinar a incidência fiscal da operação de financiamento não seria a nacional (sobre-determinada pela aplicação da dita Diretiva), mas sim a legislação de cada um dos ditos ordenamentos jurídicos de sede das empresas emitentes.
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A existência de diferentes formas de tributação das entradas de capital nas sociedades e de impostos sobre títulos nos seis países fundadores da Comunidade Económica Europeia e as distorções que tais tributações poderiam gerar, levou as instituições comunitárias a aprovar inicialmente a Diretiva do Conselho 69/335/CEE, de 17 de julho de 1969, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capital.
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Nos considerandos desta Diretiva chega mesmo a referir-se que “… a manutenção do imposto de selo sobre a emissão de títulos de empréstimo nacionais…, não é desejável do ponto de vista económico e se afasta, aliás, da orientação seguida pelo direito fiscal dos Estados-membros neste domínio;”
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Aí se propõe que relativamente aos impostos sobre a reunião de capitais (imposto do selo em Portugal) haja uma única tributação ao nível dos diversos Estados-membros e para não perturbar a circulação de tais capitais tal tributação deve ser de ”…nível idêntico em todos os Estados-membros;” Pretende-se, por isso, avançar numa harmonização de tais impostos, tanto no que respeita à sua estrutura como às respetivas taxas.
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O início, em 1969, de uma caminhada que se pretendia alcançasse um imposto sobre as entradas de capital harmonizado. Essa harmonização deveria incidir ao nível da estrutura desses impostos e ao nível das taxas, como referido.
Todos os outros impostos que não tivessem estas características deveriam ser suprimidos.
Uma vez suprimidos não poderiam ser reintroduzidos.
E, não estando os mesmos em vigor à data da entrada em vigor da Diretiva já não poderiam ser aprovados (cláusula de “stand still”).
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A harmonização ao nível da base de incidência permitia incluir no campo da tributação diversas operações, entre as quais encontramos a constituição de uma sociedade, o seu aumento de capital, o aumento dos seus ativos, alguns empréstimos contraídos pelas sociedades, etc.
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Ao nível da determinação da matéria coletável a Diretiva em análise aponta para que a liquidação incida sobre a constituição, aumento de capital ou entrada de ativos, incidindo o imposto sobre o valor real dos bens entregues ou a entregar pelos sócios e no caso de empréstimos sobre o montante nominal do empréstimo contraído.
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O artº. 7º. da Diretiva determina que a taxa do imposto sobre as entradas de capital não poderá exceder 2% nem ser inferior a 1%, constituindo encargo das sociedades que pratiquem as operações aí identificadas.
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Finalmente, o artº. 11º. da Diretiva determinava o seguinte:
“Os Estados-membros não submeterão a qualquer imposição, seja sob que forma for:
(…)
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Os empréstimos, incluindo os estatais, contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, independentemente de quem os emitiu, e todas as formalidades conexas, bem como a criação, emissão, admissão em bolsa, colocação em circulação ou negociação dessas obrigações sou de outros títulos negociáveis.”
Esta a redação que, na sua substância, ainda hoje se mantém (cfr. infra, n.º 75), localizada agora na alínea b), do nº, 2 do artº. 5º. da Diretiva 2008/7/CE, de 12 de fevereiro de 2008, invocada a seu favor pela Requerente.
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Pretende-se evitar também que, por exemplo no que à emissão de títulos diz respeito, a sua tributação opere em mais do que um Estado-membro.
Pode-se dizer que não está perfeitamente consagrada uma isenção, devendo os Estados-membros transpondo a Diretiva fazer cessar as tributações existentes nesta matéria e não criando outras.
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A evolução da legislação nacional face às diversas diretivas está muito bem sintetizado num estudo de António Castro Caldas e Filipe Romão, cujas conclusões – válidas para a Diretiva sobre reunião de capitais que antecedeu a atual –, com a devida vénia transcrevemos:
“7. CONCLUSÃO
O objecto inicial da Directiva consistia na harmonização dos impostos sobre as entradas de capitais, como forma de promoção da livre circulação de capitais, enquanto condição para a criação de uma união económica com características análogas às de um mercado interno, tal como resulta do preâmbulo da Directiva.
Em 1985, foi adoptada a Directiva 85/303/CEE, que veio introduzir uma alteração no que respeita ao objectivo inicial da Directiva. Do desígnio inicial de harmonização dos impostos sobre as entradas de capitais, passou-se a assumir que a melhor solução para atingir os objectivos de reagrupamento e desenvolvimento das empresas e dos investimentos consistiria na eliminação dos impostos sobre as entradas de capitais.
Em Portugal, as operações de aumento de capital de sociedades de capitais estavam, em geral, isentas de Imposto do Selo desde 1991 (Decreto-Lei n.º 223/91, de 18 de Junho), tal como as operações de constituição de sociedades de capitais, desde 1990 (Decreto-Lei n.º 205/90, de 25 de Junho). No que ao caso específico de aumentos de capital social em dinheiro diz respeito, a isenção remontava a Maio de 1984 (nos termos da redacção conferida à verba 145 da anterior Tabela Geral do Imposto do Selo pelo Decreto-Lei n.º 154/84, de 16 de Maio).
A verba 26 da Tabela Geral do Imposto do Selo foi introduzida na sequência de vários acórdãos do TJCE sobre a desconformidade para com a Directiva da cobrança de emolumentos notariais (C-56/98 e C-19/99) e registais (C-206/99) aquando da realização e registo de operações de entradas de capitais. Em consequência, o Estado Português adoptou, por intermédio do Decreto-Lei n.º 322-B/2001, de 14 de Dezembro, o Imposto do Selo como o imposto sobre as entradas de capital cuja cobrança pelos Estados-membros se encontra prevista pela Directiva.
Na sequência de um pedido de decisão prejudicial apresentado no âmbito de uma impugnação judicial de uma liquidação de Imposto do Selo, o TJCE declarou desconforme à Directiva a verba 26.3 da Tabela Geral de Imposto do Selo na parte que determina a tributação de aumentos de capital social realizados em numerário, em virtude da isenção necessária estabelecida pelo art. 7º, n.º 1, da referida Directiva.
Tal decisão levou à alteração da verba 26.3 da Tabela Geral do Imposto do Selo, levada a cabo pelo OE 2008, e permite às sociedades que tenham suportado Imposto do Selo aquando de um aumento de capital social em numerário solicitar o seu reembolso ao Estado Português.
Para além dos efeitos directos do Acórdão, a interpretação que dele decorre do art. 7º, n.º 1, proíbe, em nosso entender, a tributação em imposto sobre as entradas de capital de todas as operações que, em 1 de Julho de 1984, não estivessem expressamente sujeitas a este imposto (e não apenas as que dele se encontrassem isentas) ou fossem tributadas a uma taxa igual ou inferior a 0,5%. Tal é o caso das transferências de sede (de direcção efectiva ou estatutária) de países terceiros para Estados-membros e entre Estados-membros.
Finalmente, e para além dos efeitos que resultam mais directamente do Acórdão, parece-nos que da interpretação que tem vindo a ser efectuada pelo TJCE quanto aos termos e alcance da Directiva resulta mesmo a desconformidade da totalidade da verba 26 da Tabela Geral do Imposto do Selo com aquela.
Efectivamente, tendo em conta que o Estado Português isentou de Imposto do Selo as operações de constituição de sociedades de capitais em 1990 e os aumentos de capital de sociedades de capitais (independentemente do modo de realização) em 1991, não poderia ter reintroduzido normas de incidência sobre estes factos tributários, como acabou por fazer em 2001.
Fica, assim, em crise a integralidade da verba 26 da Tabela Geral do Imposto do Selo, pelo que deverá ser possível exigir a devolução do imposto indevidamente pago em todas as constituições de sociedades e aumentos de capital (independentemente do modo de realização) levadas a cabo nos últimos quatro anos.” (Fiscalidade – Revista de Direito e Gestão Fiscal, nº. 31.
https://www.uria.com/en/publicaciones/2180-imposto-do-selo-desconformidade-da-verba-26-da-tabela-geral-do-imposto-do-selo)
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Importa referir que em 2010 o Estado Português revogou o que faltava da Verba 26 da TGIS.
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Apesar das diversas alterações introduzidas ao longo do tempo, o espírito e essência da primeira diretiva manteve-se e ainda se encontra presente no plano das garantias da liberdade de circulação de capitais, entretanto reforçada com a preocupação de não distorção da concorrência no mercado interno.
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Havendo a necessidade da consagração legislativa da isenção de que beneficiam as emissões de títulos, tal só pode significar que se isso não estivesse previsto a emissão de obrigações estaria sujeita a imposto no ordenamento jurídico competente, porque contemplada nas normas de incidência do imposto e o mesmo seria liquidado de acordo com as regras de determinação da matéria coletável desse ordenamento.
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Ou seja, haveria imposto, suportado pela sociedade emitente dos títulos e que por essa via se estava a financiar, que seria liquidado sobre o valor da emissão desses mesmos títulos.
Trata-se indiscutivelmente de um imposto sobre a reunião de capitais, e não sobre as prestações de serviços impostas pelas diversas entidades intervenientes no percurso que culmina com a entrada de capital na empresa.
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A Diretiva atualmente em vigor, que dá continuidade àquilo que neste domínio já representava o “acquis communautaire” à data da entrada de Portugal para a CEE, não foge da estrutura que vem de 1969, podendo salientar-se os seguintes aspetos.
- Estão perfeitamente identificadas as cédulas do que se denomina como “imposto sobre a reunião de capitais”:
Imposto sobre as entradas de capital;
Imposto do selo sobre os títulos;
Imposto sobe as operações de reestruturação (considerando 2).
- Para além da ameaça à livre circulação de capitais, a legislação dos Estados-membros é vista como suscetível de distorcer as condições de concorrência (considerando 3), o que importa salvaguardar.
- Estes impostos são considerados “desfavoráveis ao reagrupamento e ao desenvolvimento das empresas”, com prioridade ao relançamento dos investimentos (considerando 4).
- Não deixa de ser curioso que a Diretiva refira que a melhor maneira de atingir tais objetivos seria a completa supressão deste imposto sobre a reunião de capitais e não já a simples harmonização (considerando 5), mas sempre suplantada pelos constrangimentos orçamentais dos diversos Estados-membros que essa medida provocaria.
- É reforçada a preocupação da Diretiva de que em sede de imposto sobre a reunião de capitais, “…não deve ser aplicado imposto de selo sobre os títulos, quer estes sejam representativos de capitais próprios das sociedades quer de capitais de empréstimo, e qualquer que seja a sua proveniência.” (considerando 9 e sublinhado nosso).
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Não cabe aqui, de modo algum, o imposto do selo que onera as mais diversas comissões cobradas pelas instituições financeiras, seja a que título for:
São diversas normas de incidência, diversa a quantificação da matéria coletável, diferentes as taxas e diverso o tratamento de eventuais isenções.
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O imposto do selo sobre as comissões bancárias, incide sobre uma prestação de serviços (que não está sujeita a Imposto sobre o Valor Acrescentado), a matéria coletável é o valor do serviço prestado, o imposto é pago pelo utilizador dos serviços, e a taxa é de 4%.
Nada disto tem a ver com a tributação específica sobre a reunião de capitais.
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Ou seja: a alteração do regime fiscal interno foi condicionado por Diretivas e decisões judiciais que pressupunham que Portugal, como os demais Estados-membros, tivessem competência para tributar essas operações de “reunião de capitais” – competência essa dependente da sujeição das sociedades emitentes (“sociedades de capitais”) à soberania fiscal de um dos Estados-membros que não existe para as empresas emitentes nos presentes autos.
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Refere porém a Requerente que estamos perante “operações de financiamento” – e, portanto, não no âmbito das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 1.º da Diretiva 2008/7/CE (que circunscrevem o seu âmbito às “sociedades de capitais” tal como identificadas no seu Anexo 1), mas no âmbito da sua alínea c) (“Emissão de determinados títulos e obrigações.”).
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Uma vez que a AT não fundamentou o indeferimento da reclamação graciosa nessa base, não pode agora apreciar-se em que medida é que o âmbito da alínea c) pode considerar-se distinto do âmbito das alíneas a) e b) desse n.º 1, nem em que medida é que a referida Diretiva se insere no âmbito da liberdade de circulação de capitais[5], nem em que medida é que a Diretiva se pode aplicar onde não exista poder de tributação do Estado-membro sobre a operação de “reunião de capitais”[6].
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As considerações antecedentes são, contudo, suficientes para rejeitar liminarmente a necessidade de suspender a instância para suscitar perante o TJUE uma questão de reenvio prejudicial – questão a que, não obstante, se regressará adiante.
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Ou seja, após ter procedido à liquidação do imposto do selo ao abrigo de uma Verba específica da TGIS, a Requerente vem agora defender que tais operações estão fora do campo de incidência do imposto do selo e não podem ser tributadas face ao normativo comunitário invocado.
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O Requerente busca auxílio para a sua posição essencialmente em face ao Direito da União, já que relativamente ao Direito Português admite que não existe norma que contemple a tributação da emissão de dívida obrigacionista. Estará fora de campo do imposto, excluída das respetivas normas de incidência, não se tratando sequer de uma isenção (que pressupõe a incidência).
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O que invoca é que a sua intervenção se reconduz a “formalidades conexas” com as “operações de financiamento” e que, portanto, a sua actividade deve ser abrangida pelo regime aplicável à emissão de dívida por parte das entidades a quem presta serviços.
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Insiste o Requerente que o artº. 5º. nº. 2, alínea b) da Diretiva de Reunião de Capitais, “… proíbe a aplicação de qualquer tributação indireta (onde se inclui inequivocamente o IS), sobre as operações de reunião de capitais que a Diretiva pretende “proteger” estando, naturalmente, abrangidas por tal proteção as “comissões de colocação” dos títulos negociáveis a que se refere a Diretiva”.
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O invocado preceito, sob a epígrafe “Operações não sujeitas a impostos indiretos”, tem a seguinte redação:
“2. Os Estados-Membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indireto:
(…)
b) Os empréstimos, incluindo os estatais, contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, independentemente de quem os emitiu, e todas as formalidades conexas, bem como a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação dessas obrigações ou de outros títulos negociáveis.”
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Importa ter em consideração que a montagem da operação de emissão dos títulos, com todos os estudos, análises e formalidades inerentes, culmina com a colocação da operação no mercado, a sua tomada firme ou não, até à efetiva captação dos recursos, porque necessários à prossecução da atividade das empresas em causa.
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E aí as empresas emitentes podem, se a legislação específica o permitir, assumirem elas próprias a responsabilidade pela emissão dos títulos e a sua colocação no mercado, ou socorrem-se da colaboração de terceiros especialistas em tais matérias, voluntariamente, ou por imposição dos sistemas legais de cada um dos países em causa.
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Se houvesse imposto do selo sobre a emissão de obrigações ou outros valores mobiliários, mesmo que as emissões fossem obrigatoriamente da responsabilidade de instituições financeiras para tal legalmente habilitadas, o imposto seria sempre da responsabilidade das emitentes e nunca dessas instituições, meras prestadoras de serviços.
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Havendo isenção, exclusão de tributação ou qualquer outra realidade a mesma só poderia beneficiar aqueles que seriam tributados se tal isenção não existisse, ou seja as entidades emitentes e não os mais diversos prestadores de serviços chamados a colaborar nessa emissão.
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Por esse via, a pretendida pela Requerente, também a empresa de marketing responsável pela campanha de divulgação da emissão ou os auditores que certificaram que a situação financeira da empresa lhe permite efetuar tal emissão, todos esses serviços teriam igualmente que beneficiar de uma isenção de tributação nas atividades que prestassem às entidades emitentes.
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Como se referiu, no caso Português, para certas emissões, o recurso à colaboração das instituições financeiras era obrigatório, mas deixou recentemente de o ser (Vd. Artº. 113º. do CVM).
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Mas o imposto que as sociedades emitentes pagam às instituições financeiras e que onera o valor do serviço que lhes prestam nada tem a ver com a emissão dos títulos propriamente dita, que cai no domínio do financiamento das empresas (reunião de capitais).
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É verdade que a Diretiva diz que os Estados-membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indireto a emissão de obrigações.
E isso, o Estado Português não faz, pois não tributa tais emissões.
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Mas a Diretiva não diz que os Estados não devem sujeitar a impostos indiretos os serviços bancários ou financeiros. E o Estado Português sempre o fez e vai certamente continuar a fazê-lo, tributando as mais diversas prestações de serviços/comissões cobradas por instituições de crédito e sociedades financeiras.
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Mais: a Diretiva admite expressamente na alínea e) do seu artigo 6.º que os Estados possam cobrar “Direitos com carácter remuneratório;” – o que implica que onde haja prestações pode haver tributação.
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E também é claro que onde a tributação seja indistinta para sociedades de capitais e para sociedades pessoais (como é o caso da tributação em IS dos serviços prestados por intermediários financeiros na recolha de capitais para umas ou para outras) se está fora do âmbito restritivo da Diretiva. Isso ficou claro – se é que não o era já antes – com a decisão proferida pelo TJUE no Processo C-443/09, proferido em 19 de Abril de 2012 (Grillo Star EU:C:2012:213): “é manifesto que uma taxa anual como a que está em causa no processo principal não está relacionada com as formalidades a que as sociedades de capitais estejam sujeitas em consequência da sua forma jurídica.” (§37), o que “exclui que o seu pagamento constitua uma formalidade mais onerosa para uma empresa que tenha adotado a forma jurídica de uma sociedade de capitais do que para uma empresa constituída segundo uma forma jurídica diferente.” (§36).
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E, como já se verá, a jurisprudência também afasta tais serviços de qualquer tipo de caracterização como “formalidades conexas”, ainda que a jurisprudência do CAAD sobre esta matéria contemple situações diversas, já que por vezes a empresa contribuinte Requerente é o próprio emitente que busca o seu financiamento e outras vezes é o intermediário financeiro que busca capital para terceiros.
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Em todo o caso, não tem o Requerente a jurisprudência do CAAD a seu favor.
E aqui remetemos para as seguintes Decisões: Proc. 856/2019-T, Proc. n.º 2/2020-T, Proc. 502/2020-T, Proc. 559/2020-T e 471/2021-T, duas das quais já referenciadas pela Requerida na sua Resposta.
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Atentemos, para já, nos respetivos sumários:
“I – A proibição de sujeição a imposto do selo resultante do artigo 5.º, n.º 2, alínea b), da Directiva 2008/7/CE, aplicável a empréstimos contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis e formalidades conexas, não abrange os encargos com comissões bancárias cobradas pelas instituições de crédito a título de prestação de serviços de intermediação nessas operações financeiras;” (Proc. n.º. 502/2020-T).
… … …
“V. Os encargos decorrentes dos contratos de emissão de papel comercial, maxime as comissões cobradas pelos bancos não cabem no conceito de formalidades conexas, a que se refere o artigo 5.º, n.º 2, alínea b), da Diretiva 2008/7/CE.” (Proc. n.º 559/2020-T).
… … …
“VI. Os encargos decorrentes dos contratos de emissão de papel comercial, maxime as comissões cobradas pelos bancos não cabem no conceito de formalidades conexas, a que se refere o artigo 5.º, n.º2, alínea b), da Diretiva 2008/7/CE.” (Proc. n.º 471/2021-T).
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Quanto a um trecho da fundamentação desenvolvida no Proc. nº. 856/2019-T (onde quem impugnava o pagamento era a entidade emitente), a mesma já foi (parcialmente) transcrita pela Requerida na sua Resposta:
“Não pode, por isso, considerar-se que os encargos decorrentes dos contratos de emissão de obrigações e de papel comercial, maxime as comissões cobradas pelos bancos estão abrangidos pelo âmbito de aplicação da Directiva 2008/7/CE.
Estão em causa realidades distintas.
No caso da Directiva 2008/7/CE proíbe-se a sujeição, a qualquer forma de imposto indirecto, dos empréstimos contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis independentemente de quem os emitiu. Ora as emissões de papel comercial sub judice não foram tributadas em imposto de selo.
Por outro lado, os encargos decorrentes dos contratos de emissão de obrigações e de papel comercial, maxime as comissões cobradas pelos bancos, são tributados em sede de imposto de selo (cfr., v.g., verbas 17 e 17.3.3. da Tabela Geral de Imposto de Selo).”
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Seguimos também a decisão proferida no Proc. nº 502/2020-T, primeiro no que diz respeito à tributação das operações de emissão de papel comercial ou obrigações:
“Não existe no direito interno, e especificamente na verba 17. da Tabela Geral do Imposto do Selo, referente a operações financeiras, disposição que sujeite a imposto do selo a emissão de obrigações e a emissão de papel comercial, o que se encontra em consonância com a Directiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de Fevereiro de 2008, relativa aos impostos indirectos que incidem sobre reuniões de capitais.”
Não havendo dúvidas de que a emissão dos títulos está isenta, aquela decisão refere que:
“A situação é distinta quando o que está em causa é, não a própria emissão de empréstimos obrigacionistas e de papel comercial pelas sociedades comerciais, mas os encargos com comissões bancárias cobradas pelas instituições de crédito a título de prestação de serviços de intermediação nessas operações financeiras.”
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O mesmo se reiterou na decisão proferida no Proc. nº 471/2021-T:
“Realce-se, assim, repete-se, que não está em causa a autoliquidação do imposto do selo sobre quaisquer operações que tenham por objeto operações com títulos de dívida decorrentes de emissão de papel comercial, mas sim sobre “comissões bancárias” associadas aos empréstimos obrigacionistas e aos programas de papel comercial contratados pelas Requerentes com instituições de crédito.
Posto isto, verifica-se que esta questão foi decidida, em sentido contrário ao propugnado pelas Requerentes, nas decisões arbitrais proferidas nos processos n.ºs 586/2019-T e 2/2020- T. Por não terem sido invocadas razões para divergir da jurisprudência fixada nas referidas decisões arbitrais, passamos a segui-las de muito perto.”[7]
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Por sua vez, na decisão do processo n.º 2/2020-T escreveu-se o seguinte:
“A Diretiva visa criar um level playng field em todas a União, facilitando a livre circulação de capitais e favorecendo a concorrência em todo o espaço europeu, permitindo a reestruturação de empresas e seu desenvolvimento ou reagrupamento, liberando sobretudo operações que se traduzam em entradas de capital social (cfr. arts. 1º, 3º a 5º da Diretiva). No que respeita aos empréstimos, estatui-se também que os Estados-membros “não devem sujeitar sociedades de capitais a qualquer forma de imposto indireto sobre: (…) b) os empréstimos (…) contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, independentemente de quem os emitiu, e todas as formalidades conexas, bem como a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa (…)” – artigo 5º, nºs 1 e 2, alínea b) da Diretiva. Prosseguindo estas finalidades, e no que respeita às emissões obrigacionistas o legislador da União i) visa obviar a impostos indiretos sobre o capital mutuado, i.e. sobre o montante do empréstimo “contraído sob a forma de emissão de obrigações”; ii) sobre todas as formalidades conexas à emissão de obrigações, vg a realização de assembleias gerais societárias, as escrituras e demais atos notariais, os registos e as publicações obrigatórias; iii) sobre “a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa”. Valem aqui, mutatis mutandis, os argumentos já expendidos quanto ao âmbito de aplicação da isenção: abrange os atos e garantias, legal previstas e, como tal, inerentes a uma relação de emissão e de subscrição de valores mobiliários, e não quaisquer obrigações creditícias voluntariamente assumidas vg pela emitente com terceiros contratados pela sociedade emitente.”
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Uma coisa é certa: estamos perante realidades distintas:
De um lado, as instituições enumeradas no artº 24. do PPA inicial, as quais decidiram, como modo de financiamento, socorrer-se do mercado de capitais, para emitirem obrigações e ou outros títulos da dívida (papel comercial). São elas as destinatárias dos recursos financeiros, desse modo captados no mercado, opção de financiamento por elas assumida em detrimento, nesse momento concreto, de outas formas de reunião de capitais (aumento do capital social, suprimentos a efetuar pelos sócios, prestações suplementares de capital, realização de obrigações acessórias, recurso aos mecanismos de capital de risco, titularização em fundos de investimento, etc).
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Tudo tal e qual como o próprio A... SA, aqui Requerente, poderá fazer em relação a si próprio, em circunstâncias de carência de capital, não sendo por isso tributado.
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Em conclusão: o Requerente faz, no entender do Tribunal, uma inadmissível interpretação ampla e extensiva dos normativos comunitários e quer levar as suas prestações de serviços para o âmbito de uma isenção que, abrangendo operações de financiamento, beneficia quem se financia por essa via, evitando qualquer tipo de descriminação quanto a operações dessa natureza, respeitando a Diretiva comunitária de não agravamento da tributação indireta das operações de reunião de capital, assim fomentando a liberdade de circulação de capitais.
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Pelas razões expostas e face à referenciada jurisprudência do CAAD entende o presente Tribunal não ser de reconhecer razão ao Requerente na sua pretensão, pelo que o ato impugnado deve ser mantido na sua esfera jurídica em nada violando as disposições legais aplicáveis.
VII – REENVIO PREJUDICIAL
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Importa ainda considerar que o Requerente colocou subsidiariamente uma questão de reenvio prejudicial, nos seguintes moldes:
“Para o caso de persistirem dúvidas de que, a cobrança de IS sobre as comissões de colocação de acordo com a verba n.º 17.3.4 da TGIS é contrária ao direito comunitário, mormente ao artigo 5.º, n.º 2, alínea b), da Diretiva da Reunião de Capitais, então sempre se dirá o seguinte:
O artigo 5.º, n.º 2, alínea b), da Diretiva, é claro ao prever a não incidência de qualquer tributação indireta sobre a emissão de títulos negociáveis e todas as formalidades conexas com a mesma, bem como, entre outros atos, a colocação em circulação ou negociação, independentemente de esta ser obrigatória ou não (ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus).”
E mais refere o seguinte:
“Igualmente clara é a jurisprudência constante do TJUE (vide Acórdãos Air Berlin, processo C‑573/16; Comissão/Bélgica, processo C‑415/02; Albert Reiss, processo C‑466/03; HSBC Holdings, processo C‑569/07) ao considerar que esta disposição deve ser interpretada em sentido amplo, de forma a evitar que as proibições nela previstas sejam privadas de efeito útil, aplicando-se não apenas ao financiamento resultante da emissão, mas também às operações que façam “parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais”.”
Assim, por tudo o que acima ficou exposto, defende o Requerente que a Diretiva da Reunião de Capitais e a jurisprudência do TJUE têm plena aplicação ao presente caso, requerendo, por último, ao Tribunal Arbitral que acompanhe a interpretação do TJUE e, concomitantemente, se pronuncie pela declaração de ilegalidade e anulação dos atos tributários acima identificados.
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O Requerente pugna pela possibilidade de aplicação de anterior decisão interpretativa do TJUE, sem necessidade de reenvio nos termos do artigo 267.º do TFUE, invocando a favor da sua posição alguma jurisprudência comunitária (Acórdão CILFIT, processo n.º 77/83) referindo que no mesmo sentido vai a jurisprudência dos tribunais superiores nacionais, da qual destaca o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 29.10.2002, relativo ao processo n.º 6866/02).
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O Requerente invoca que “o Acórdão proferido no caso Air Berlin, processo C‑573/16, fornece todas as pistas necessárias para interpretar corretamente a Diretiva da Reunião de Capitais face ao presente caso.”
E conclui (destaque aditado):
“Não obstante, caso se entenda que devem ser distinguidos para este efeito os casos em que a intermediação financeira é obrigatória daqueles em que não é, e dada a ausência de decisões do TJUE especificas para os atos de colocação de valores mobiliários realizada através de intermediário financeiro de forma facultativa, deverá o Tribunal Arbitral, caso considere insuficiente a interpretação firmada por aquele TJUE, promover obrigatoriamente o reenvio prejudicial deste processo para o TJUE, uma vez que uma decisão contra o Requerente será uma decisão irrecorrível, nos termos do artigo 267.º, alínea b), segundo parágrafo, do TFUE, sob pena de o litígio em presença poder ser dirimido ao arrepio do direito comunitário – in casu, do artigo 5.º, n.º 2, alínea b), da Diretiva da Reunião de Capitais.
(...)
Verificando-se tal cenário, requer ao Tribunal Arbitral que, ao abrigo do princípio da colaboração processual, convide o Requerente a pronunciar-se sobre as questões concretas a submeter à apreciação do TJUE, devendo igualmente, na notificação para o efeito, especificar os motivos pelos quais considera insuficiente a jurisprudência comunitária existente.
(...)
Nesse caso, subsequentemente, impor-se-á a suspensão da presente instância e a submissão das questões à apreciação do TJUE, nos termos do artigo 267.º, alínea a), e primeiro parágrafo, do TFUE, o que também se peticiona para os devidos efeitos legais.”
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É totalmente pacífico que a decisão de submeter ou não uma questão ao procedimento de reenvio prejudicial para o TJUE é uma decisão que cabe ao Tribunal de decisão do caso independentemente da opinião dos sujeitos processuais (Proc. C-2/06, Kempter, ECLI:EU:C:2008:78, ns. 40 e 41[8]).
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Ainda assim, sobre as “pistas” do “caso Air Berlin, processo C‑573/16” importa esclarecer o seguinte:
No referido acórdão do Tribunal de Justiça, estava em causa, num primeiro momento, a cobrança de um imposto no Reino Unido a uma sociedade (Air Berlin) que, para dar cumprimento às regras da cotação na Bolsa de Frankfurt na sua Oferta Pública Inicial, foi obrigada a transmitir a titularidade das ações já existentes para a mandatária do serviço de liquidação e compensação dessa bolsa – muito embora isso não implicasse alteração na propriedade das ações.
Num segundo momento, estava em causa um aumento de capital, por emissão de novas ações, que, pela mesma razão, tiveram depois de ser transmitidas formalmente para a mesma entidade alemã – e foram objeto de tributação por causa dessa transmissão.
No primeiro caso, a Air Berlin defendia que a tributação, admitida pelo Direito da União, da transmissão de ações se devia limitar “às situações em que ocorre uma alteração da titularidade entre pessoas que atuam enquanto investidores, pelo que uma transmissão a um serviço de compensação não se integraria no âmbito de aplicação” da disposição em causa.
O Tribunal deu-lhe razão, entendendo que
“tal transmissão de titularidade, por não ter consequências sobre a propriedade efetiva, não pode ser considerada uma transmissão de valores mobiliários que constitua uma operação autónoma sobre a qual pode ser cobrado um imposto, em conformidade com o disposto no artigo 12.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 69/335. Esta transmissão deve ser vista apenas como uma operação acessória, integrada na operação de admissão das ações na bolsa de Francoforte, a qual, em conformidade com o artigo 11.o da Diretiva 69/335, não podia ser sujeita a qualquer imposição, fosse por que forma fosse.”
No segundo caso, o Tribunal entendeu que
“autorizar a cobrança de um imposto ou de uma taxa sobre a primeira aquisição de títulos de uma nova emissão equivale, na realidade, a tributar a própria emissão dos títulos, na medida em que ela faz parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais.”
Em conformidade, as respostas que o Tribunal de Justiça deu ao Tribunal interpelante foram as seguintes:
“‑ Os artigos 10.o e 11.o da Diretiva 69/335 devem ser interpretados no sentido de que se opõem à tributação de uma operação de transmissão de ações como a que está em causa no processo principal, através da qual a titularidade de todas as ações de uma sociedade foi transmitida a um serviço de compensação com o único objetivo de admitir essas ações em bolsa, sem que a sua propriedade efetiva tenha sido alterada.
‑ O artigo 5.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2008/7 deve ser interpretado no sentido de que se opõe à tributação de uma operação de transmissão de ações como a que está em causa no processo principal, através da qual a titularidade das novas ações emitidas por ocasião de um aumento de capital foi transmitida a um serviço de compensação com o único objetivo de propor a venda dessas novas ações.”
Como daqui resulta claro, não há pontos de contacto relevantes entre o que foi decidido no invocado acórdão (a aplicação de um imposto sobre a entidade de um Estado- Membro que se financiava no mercado de capitais, por via de normas da União que consentiam a aplicação desse imposto em caso de transmissão de valores mobiliários – transmissão essa que só existia do ponto de vista formal) e o que está em causa nos presentes autos (a aplicação de um imposto sobre uma entidade terceira pela prestação de serviços para obtenção de financiamento para sociedades externas ao espaço da União em mercados não identificados) [9].
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Podemos, assim, concluir que a Diretiva visa é isentar os próprios, não os terceiros que prestam serviços aos próprios emitentes, e menos ainda quando o que está em causa são fluxos out bound. A admitir-se o alastrar da isenção, então poderiam reclamar idêntico tratamento não apenas os intermediários financeiros obrigados a pagamento do Imposto do Selo por serviços prestados a propósito da emissão, mas também os obrigados a pagamento de qualquer outro imposto indireto suportado em última instância pelos emitentes de dívida – por exemplo, por serviços de aconselhamento jurídico ou económico, de publicitação/marketing da colocação de títulos, de design dos títulos físicos ou dos materiais promocionais, etc[10] – e onde quer que os interessados na emissão tivessem a sua sede (ie, qualquer que fosse a soberania tributária a ter em conta para a operação de financiamento).
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Note-se aliás que a alínea e) do n.º 1 do artigo 6.º da Diretiva 2008/7/CE permite expressamente aos Estados-membros a derrogação da proibição de impostos indiretos quando estes tenham “carácter remuneratório”. Ou seja, na verdade, quando se configurem como “taxas”, ie, quando constituam contraprestação de um bem ou serviço. Ora, se a própria imposição tributária que se traduz na remuneração direta de um serviço é legítima, por maioria de razão a será a imposição tributária que incide, de forma indireta, sobre a prestação de um serviço por parte de um terceiro.
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Concluindo como antes se tinha antecipado:
Desnecessário se torna proceder a qualquer reenvio prejudicial, não sendo naturalmente de suspender a instância para esse efeito, contrariamente ao pretendido pelo Requerente, cujos pedidos vão assim indeferidos.
VIII. DECISÃO
Termos em que este Tribunal Arbitral decide:
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Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, com todas as legais consequências;
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Condenar o Requerente no pagamento das custas do processo;
IX. VALOR DO PROCESSO
Em conformidade com o disposto no artigo 306.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, 97.º-A, n.º 1 a) do CPPT e artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor do pedido é de € 1.485.113,86 (um milhão, quatrocentos e oitenta e cinco mil, cento e treze euros e oitenta e seis cêntimos).
X. CUSTAS
Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 19.890,00 (dezanove mil oitocentos e noventa euros), nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo do Requerente.
Notifique-se.
Lisboa, 23 de maio de 2022
O Tribunal Arbitral Coletivo
Victor Calvete (Presidente)
(Na p. 10 da Decisão corrigi a última letra dos Factos Dados como Provados, de P para M)
Paulo Ferreira Alves (Adjunto)
Jorge Carita (Relator)
[1] A invocada norma do n.º 2 do artigo 697.º do CPC (“Regime do recurso”) que estabelece um prazo de caducidade e um prazo de interposição mais alargado do que os que são fixados pelos ns. 1 e 3 do artigo 293.º do CPPT (5 anos, em vez de 4; 60 dias, em vez de 30) é afastada por essas disposições prioritárias, pelo que não é relevante.
[2] Decisões arbitrais proferidas nos processos ns. 159/2019-T, 164/2019-T, 169/2019-T, 170/2019-T, 179/2019-T, 181/2019-T, 544/2019-T, 727/2019-T, 740/2019-T e 760/2019-T, todas publicadas no sítio do CAAD.
[3] Os valores mobiliários viram aprovado um regime de fiscal próprio pelo Decreto-Lei nº. 193/2005, de 13 de novembro, que sofreu até hoje diversas alterações, mas que apenas aborda a tributação em sede de imposto diretos sobre o rendimento, nada referindo acerca de impostos indiretos.
[4] Prima facie, isso até resultaria logo da tipologia de sociedades que consta do anexo I da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de Fevereiro de 2008, relativa aos impostos indirectos que incidem sobre as reuniões de capitais, que enumera as entidades que são consideradas “sociedades de capitais”. Dá-se a circunstância de, no Acórdão de 22 de Abril de 2015, proferido no Processo C-357/13 (Drukarnia Multipress - EU:C:2015:253), o TJUE ter feito prevalecer um entendimento amplo dos critérios do artigo 2.º, n.º 1, alíneas b) e c), da mesma diretiva sobre a listagem do seu Anexo I, de modo que esse argumento já não é probante. Em todo o caso, resulta claro dos Considerandos 3 (“é do interesse do mercado interno harmonizar a legislação relativa aos impostos indirectos que incidem sobre as reuniões de capitais para eliminar, tanto quanto possível, factores susceptíveis de distorcer as condições de concorrência ou entravar a livre circulação de capitais.”) e 7 (“A concepção de um mercado interno pressupõe que a aplicação de um imposto sobre as reuniões de capitais aos capitais mobilizados no âmbito de uma sociedade não deve poder ocorrer mais do que uma vez, no mercado interno.”) da referida Diretiva, que estão apenas abrangidas sociedades de capitais pertencentes ao mercado interno.
[5] Nem na Ficha Temática do Parlamento Europeu de Outubro de 2021 sobre “Livre circulação de capitais” (https://www.europarl.europa.eu/factsheets/pt/sheet/39/livre-circulacao-de-capitais), nem no “Legal framework of the free movement of capital in the EU” de 20 de Dezembro de 2016 (https://ec.europa.eu/info/files/120216-legal-basis-free-movement-capital_pt) é referida a Diretiva 2008/7/CE. Do “Plano de Ação para a Criação de uma União dos Mercados de Capitais (COM (2015) 468” - https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX:52015DC0468) resulta claro que “A prioridade absoluta da Comissão consiste em reforçar a economia na Europa e estimular o investimento, tendo em vista a criação de emprego.” Toda a sua argumentação assenta numa lógica in bound, não, como no caso, out bound – como, aliás, já decorria da Diretiva: vejam-se as alíneas e) (“A transferência de um país terceiro para um Estado-Membro da sede de direcção efectiva de uma sociedade de capitais cuja sede estatutária se encontre num país terceiro;”) e f) (“A transferência de um país terceiro para um Estado-Membro da sede estatutária de uma sociedade de capitais cuja sede de direcção efectiva se encontre num país terceiro;”) do artigo 3.º, que define “Entradas de capital” (destaques aditados).
[6] No Considerando 7 da Diretiva, por exemplo, escreve-se: “A concepção de um mercado interno pressupõe que a aplicação de um imposto sobre as reuniões de capitais aos capitais mobilizados no âmbito de uma sociedade não deve poder ocorrer mais do que uma vez, no mercado interno.” Ou seja, a tributação que se pretende limitar tem necessariamente a ver com os poderes tributários de cada Estado-membro – que já se viu não existirem para empresas situadas fora do espaço da União.
[7] A referência ao processo n.º 586/2019-T deve-se a mero lapso, pretendendo-se remeter para o processo n.º 856/2019-T.
[8] Que se reproduzem, com destaques aditados:
“41 A este respeito, sublinhe-se que o sistema instituído pelo artigo 234.° CE a fim de assegurar a uniformidade da interpretação do direito comunitário nos Estados‑Membros institui a cooperação directa entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais através de um processo alheio a qualquer iniciativa das partes (v., neste sentido, acórdãos de 27 de Março de 1963, Schaake e o., 28/62 a 30/62, Colect. 1962‑1964, p. 233; de 1 de Março de 1973, Bollmann, 62/72, Colect., p. 145, n.° 4; e de 10 de Julho de 1997, Palmisani, C‑261/95, Colect., p. I‑4025, n.° 31).
42 Com efeito, como esclarece o advogado‑geral nos n.os 100 a 104 das suas conclusões, o reenvio prejudicial assenta num diálogo de juiz a juiz, cujo início depende inteiramente da apreciação que o órgão jurisdicional nacional faça da pertinência e da necessidade do referido reenvio (v., neste sentido, acórdão de 16 de Junho de 1981, Salonia, 126/80, Recueil, p. 1563, n.° 7).”
[9] A mais da decisão proferida no caso Air Berlin, os demais acórdãos invocados também não condicionam a decisão do presente caso: no Proc. C-405/02 (Comissão/Bélgica) estavam em causa um imposto sobre títulos de novas emissões de dívida e um imposto sobre entregas materiais de títulos ao portador no momento da sua emissão; no Proc. C-466/03 (Albert Reiss) estavam em causa emolumentos cobrados por notários públicos no âmbito das formalidades exigidas obrigatoriamente para aumentos de capital; no Proc. C-569/07 (HSBC Holdings) estava em causa um imposto sobre a emissão de novos títulos decorrentes de uma Oferta Pública de Aquisição no âmbito de um serviço de compensação.
Também no Proc. C-299/13 (Isabelle Gielen) estava em causa um imposto sobre a conversão de títulos ao portador em títulos nominativos.
[10] Que não é de excluir que possam existir nalgum dos países da União Europeia. E só não poderiam reclamar isenção do IVA devido nalgumas dessas atividades porque a alínea f) do artigo 6.º da Diretiva 2008/7 derroga essa isenção para o caso desse imposto.