Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 783/2020-T
Data da decisão: 2022-05-16  IRC  
Valor do pedido: € 2.165.352,76
Tema: IRC/2014 e 2015 - Custos - Inventários - Erros e sua correção
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros, Juiz  Poças Falcão (Árbitro-Presidente), Prof. Doutor Luis Menezes Leitão e Dr. João Marques Pinto (Árbitros-vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 21 de Maio de 2021, acordam no seguinte:

 

1. RELATÓRIO

A...– SUCURSAL EM PORTUGAL, NIPC ..., com sede social em ..., ..., ..., ..., doravante designada por “Requerente”, veio, nos termos do disposto no artigo 10º do Decreto-lei nº 10/2011 de 20 de Janeiro (doravante RJAT), requerer a constituição do Tribunal Arbitral, tendo em vista à (i) revogação da decisão de indeferimento expresso de reclamação graciosa , (ii)  declaração de ilegalidade  das liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) com os nº 2018... (a que se refere a Demonstração de Acerto de Contas nº 2019...), no valor de € 1.543.076,58 e com o nº 2019... (a que se refere a Demonstração de Acerto de Contas nº 2019...), no valor de € 622.275,18, relativas aos exercícios de 2014 e 2015 respectivamente, bem como (iii) das respectivas liquidações de juros compensatórios.

A Requerente pede igualmente a restituição da quantia paga a títulos de juros indemnizatórios.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, doravante identificada dessa forma.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida em 28.12.2020.

Nos termos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º e da alínea b) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 03.05.2021, foram as partes notificadas dessa designação, não tendo qualquer uma delas manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11º nº 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 228º da Lei 66-B/2012 de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 21.05.2021

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Dada a semelhança com o Processo nº 413/2020-T, foi decidido pelo tribunal e aceite pelas partes que a prova testemunhal produzida nesse processo fosse considerada na presente acção, tendo os juízes árbitros procedido à respectiva audição.

As partes apresentaram Alegações, em 27.09.2021 a Requerente e em 29.09.2021 a Requerida.

Pelas razões invocadas nos respetivos despachos, foi decidido prorrogar o prazo para a prolação e notificação da decisão arbitral, previsto no artigo 21º-1, do RJAT (cfr Despachos de 16-11-2021, 17-1-2022 e 18-3-2022).

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, em face do que vem preceituado nos artigos 2º, nº 1 alínea a) e 10º nº 1, do citado DL 10/2011 de 20 de Janeiro e é competente.

As Partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4º 10º nº 2, do mesmo diploma e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011 de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades.

 

 

1.1.        Factos considerados provados:

 

1º - A Requerente faz parte do Grupo B..., uma multinacional da indústria de vestuário e calçado desportivo, sendo que a sua casa-mãe se encontra sediada na Holanda – C... (no requerimento inicial identificada pelas iniciais  “C...”).

 

2º - A Requerente dispunha, à data dos factos, de cinco lojas em Portugal, situadas nas seguintes localidades: Albufeira, Carregado, Alcochete, Vila do Conde e Odivelas.

 

3º - No mercado português, e sob coordenação dos escritórios da C... na Holanda, a Requerente dedica-se, em exclusivo, à execução de serviços de distribuição no retalho de produtos da marca D... .

 

4º - A E... (no requerimento inicial identificada pelas iniciais E...) é a sociedade responsável pela implementação das funções da cadeia de distribuição na Europa (neste âmbito, todas as funções logísticas relacionadas com a organização da rede de retalho da D... na Europa – incluindo importação, armazenamento e transporte para as lojas D... - são geridas e desenvolvidas pela E...).

 

5º - A gestão dos inventários e processos contabilísticos é centralizada e tratada pela C... .

 

6º - A E... é a responsável pela implementação das políticas de preços de venda e pelos (possíveis) descontos/deduções aplicáveis aos produtos da D... .

 

7º - A C... emite ordens de compra para produtos in-line bem como para re-buys junto da E..., cabendo-lhe escoar os produtos no mercado a retalho entre as várias Sucursais Retalhistas Europeias, decidindo, ainda, como rentabilizar ou dispor das mercadorias que apresentam menor rotatividade.

 

8º - A C... é a entidade responsável pela venda dos produtos D... na região EMEA (Europa, Médio Oriente e África).

 

9º - As várias Sucursais Retalhistas Europeias da C... (incluindo a Requerente) prestam serviços de distribuição a retalho dos produtos da marca D... na designada região EMEA.

 

10º - A Requerente adquire os produtos acabados à entidade com ela relacionada C..., para posterior venda aos consumidores finais nas diferentes lojas que detém no mercado português.

 

11º - A Requerente tem como actividade operacional, sob coordenação da E...: (i) a distribuição a retalho de bens adquiridos junto da C...; (ii) a exploração de lojas D... em Portugal sob a orientação/instrução do Grupo B..., implementando os conceitos da marca/loja concebidos pelo Grupo.

 

12º - A política de preços de transferência estabelecida para a operação de compra dos produtos acabados pelo Grupo B... consiste na aplicação de uma margem operacional target de 2,3% (a margem operacional estipulada inclui a dedução de 0,2% alocados à C..., de forma a remunerar a sua prestação de serviços), expressa como uma percentagem das vendas líquidas a partes independentes, atribuída às diferentes Sucursais Retalhistas Europeias, incluindo a Requerente.

 

13º - De acordo com a política de preços de transferência fixada pelo Grupo B..., a Requerente deverá obter uma margem operacional que ascenda a 2.3% no final de cada período de tributação (Relatório de preços de transferência junto aos autos pela Requerente) destinando-se esta margem a cobrir os gastos incorridos e suportados com a aquisição dos produtos (vestuário, calçado e acessórios) e com a estrutura de apoio local, bem como com o propósito de remunerar as funções, riscos e activos da Empresa enquanto prestadora de serviços de distribuição a retalho no mercado português.

 

14º - O método de preços de transferência adoptado, globalmente, no Grupo B..., consiste no método da margem líquida operacional.

 

15º - A AT nunca questionou a margem operacional e a política de preços de transferência da ora Requerente e do Grupo B... .

 

17º - Através da emissão de notas de crédito ou notas de débito, a C... ajusta o preço dos produtos adquiridos pela Requerente nos casos em que o preço praticado conduza a uma margem operacional inferior ou superior àquela que foi estipulada pela política de preços de transferência do Grupo (Relatório de preços de transferência junto aos autos).

 

18º - Para efeitos fiscais, e para estar conforme ao Grupo B..., a Requerente adoptou um ano fiscal distinto do ano civil, iniciando o ano fiscal a 1 de Junho e terminando a 31 de Maio.

 

19º - Através das Ordens de Serviço n.º OI2017.../..., a Direcção de Finanças de Lisboa desencadeou uma acção de inspecção de âmbito geral externa para análise dos exercícios de 2014 e 2015 (para efeitos do Grupo B... corresponde aos anos fiscais de 2015 e 2016, respectivamente) – períodos desde 1 de Junho de 2014 a 31 de Maio de 2015 e 1 de Junho de 2015 a 31 de Maio de 2016.

 

20º - No dia 26 de Novembro de 2018, a Requerente foi notificada do Projecto de Relatório de Inspecção Tributária, nos termos do qual se propunha a realização de correcções em sede do IRC no valor de EUR 5.007.987,26 para o exercício de 2014 e de EUR 2.352.507,53 para o exercício de 2015, não tendo sido efectuadas quaisquer correcções em sede de IVA.

 

21º - As correcções efectuadas respeitavam a:

a.            Depreciações e Amortizações – EUR 4.511,31 (ano 2015)

b.            Diferenças de contagens de stock – EUR 5.077.987,26 (ano 2014) + EUR 2.347.996,22 (ano 2015)

 

22º - Relativamente às correcções resultantes de diferenças de contagem de stock, invocaram os serviços de inspecção da DFL a “inexistência de comprovação da majoração sobre o custo das vendas (USGAAP) ou imparidades/diferenças de contagem de stocks” considerando, por isso, que tais valores deveriam ser acrescidos ao lucro tributável de IRC dos exercícios de 2014 e 2015 por falta de documentação.

 

23º - Conforme resulta do relatório de inspecção, consideraram os Serviços da DFL que correcção se justificava, “por a mesma decorrer das normas previstas nos artigos 23.º, 23.ºA, 55.º e 123.º do CIRC.(…)Por outro lado, não deu cumprimento ao estipulado nos artigos 26.º e 28.º desta norma (…) facto que igualmente impediria a aceitação destes gastos à luz das citadas normas.”

 

24º - No dia 11 de Dezembro de 2018, a Requerente exerceu o seu direito de audição, no qual contestou parte das correcções propostas pela DFL.

 

25º Posteriormente, a Requerente foi notificada do Relatório Final de Inspecção Tributária, nos termos do qual a Administração Tributária confirmou a manutenção das correcções propostas no projecto de relatório relativamente aos dois exercícios.

 

26º - Em resultado das correcções acima referidas, a ora Requerente foi notificada das seguintes liquidações adicionais de IRC, acompanhas das liquidações de juros compensatórios e respectivas demonstrações de acerto de contas:

 

Período de Tributação   N.º da liquidação             Demonstração de acerto de contas         Valor

2014      2018...  2019...   1.543.076,58

2015      2019...  2019...   622.276,18

 

 

27º - Terminando o prazo de pagamento voluntário dos actos tributários acima referidos nos dias 11 e 22 de Fevereiro de 2019, respectivamente, a Requerente efectuou o pagamento voluntário das duas liquidações acima melhor referidas a 11 de Fevereiro de 2019.

 

28º - A Requerente apresentou reclamação graciosa destas liquidações no dia 17 de Junho de 2019 na qual contestou a legalidade das referidas liquidações.

 

29º - A Requerente foi notificada do projecto de indeferimento da reclamação graciosa no dia 15 de Junho de 2020, nos termos do qual os serviços da divisão de justiça tributária da DFL confirmaram na íntegra a validade das correcções com base na mesma posição sustentada em sede de inspecção.

 

30º - A Requerente não exerceu direito de audição prévia relativamente a este projecto de decisão, tendo sido notificada, a 28 de Setembro de 2020, da decisão final de indeferimento da reclamação.

 

 

31º - O custo de inventário constante do Sistema da Requerente está baseado no denominado “wholesalecost”(“custo das vendas por grosso”).

 

32º - No final dos exercícios objecto de inspecção – 2014 e 2015 - e das liquidações adicionais de IRC, foi efectuada uma contagem física de stock em cada uma das lojas Retail em território português, por parte de uma empresa independente denominada H..., munida de equipamento próprio, tendo contado, para o efeito, com o apoio das equipas das lojas;

 

33º - Após as contagens físicas efectuadas por parte dessa empresa independente, os valores foram validados e confirmados pelo responsável de cada loja;

 

34º - O responsável de loja faz o “upload” dos dados no sistema, os quais são incorporados e analisados pela equipa de gestão de inventários da C..., que recebe os ficheiros do inventário físico e regista no seu sistema (SAP) para efeitos de comparação e elaboração de ajustamento e a qual, na medida em que se verifiquem diferenças face aos valores registados em SAP, contabiliza o respectivo ajustamento;

 

35º - No decurso da actividade, e nos exercícios em questão verificaram-se algumas diferenças entre as contagens físicas das lojas e os stocks que constam do sistema, sendo que estas diferenças resultam de várias ocorrências ao longo do ano, por exemplo, furtos, bens danificados.

 

36º - O valor das contagens de stock foi comparado com o valor do stock registado em SAP, e as discrepâncias que resultaram desta comparação estiveram na origem dos montantes registados a título de ajustamentos por contagem de stock, sendo que foi por este valor que se registaram os ajustamentos.

 

37º - Os resultados da contagem de stock foram registados nas contas ... GL 58006000, e ... GL 59503003.

 

38º - Para além das compras e vendas, há outras situações que podem originar ajustamentos nas contas de inventário - furtos, incorrecções no registo em sistema das lojas, inventário obsoleto que não está em condições de ser vendido, artigos que são vendidos em pares e que são desemparelhados sem querer, etc.

 

39º - Foram ainda efectuados ajustamentos decorrentes de contagens físicas de stock, bem como registada uma provisão mensal para quebras expectáveis de stock, e uma provisão para registar potenciais perdas de valor dos bens abaixo do valor de custo.

 

40º - Os montantes das quebras apurados nas lojas em Portugal estão, em regra, em linha com as quebras apuradas nas restantes lojas europeias – todas têm uma percentagem de perdas bastante semelhante.

 

41º - A equipa de inventários da C... fez ajustamentos aos inventários com base nos ajustamentos decorrentes da informação fornecida pelas próprias lojas, resultantes de contagem física de stock.

 

42º - A Requerente regista, anualmente, uma provisão mensal a título de quebras expectáveis de stock de 1%.

 

1.2.        Fundamentação da decisão da matéria de facto

A fixação da matéria de facto baseia-se nos documentos juntos pela Requerente e no que consta do processo administrativo junto pela AT.

Baseia-se, ainda, nos depoimentos efectuados pelas testemunhas F..., gestora de inventários da C... para o Continente europeu e Inspector Tributário G..., inspetor tributário. Os depoimentos foram prestados em audiência no processo arbitral análogo nº 413/2020-T e o seu aproveitamento para estes autos decidido, com a concordância das partes, por despacho proferido em  autor do relatório de inspecção no âmbito do Processo nº 413/2020, de acordo com o despacho proferido em 1-9-2021.

 

2. Matéria de Direito

 

 

1º - A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), de acordo com a versão final do Relatório de Inspecção, fundamentou a decisão de liquidação de IRC, da seguinte forma:

“Pelo que foi anteriormente explanado, verificamos que os ajustamentos efectuados pela B... não encontram acolhimento quer na norma contabilística (SNC), quer no artigo 26º do CIRC, o mesmo se podendo aferir em relação às perdas por imparidades previstas no artigo 26º do CIRC.

Estes ajustamentos – repetimos, não previstos nas normas contabilística e fiscal – conduzem à redução do resultado da entidade, procedimento este que tem como intuito, conforme referido pelo sujeito passivo nas suas sucessivas respostas aos nossos pedidos de esclarecimentos, adequar a margem operacional da A... Sucursal em Portugal, que deve estar em consonância com o exposto no dossier de preços de transferência relativo aos anos fiscais sob análise, sendo que a politica de preços de transferência aplicável à operação de compra de produtos acabados pela Grupo B... consiste na aplicação de uma margem operacional que ascende a 2.3% expressa como percentagem de vendas líquidas, devendo a A... Portugal – tal como as outras sucursais – obter esta margem no final de cada período de tributação, de modo a cobrir os gastos incorridos.

É o próprio sujeito passivo que afirma que para garantir a obtenção deste objectivo  em termos de margem, o preço de aquisição dos produtos é analisado numa base trimestral, e se necessário é ajustado o preço praticado na operação intra-grupo de venda dos produtos.

Este ajustamento é efectuado através da emissão de notas de crédito ou notas de débito por parte da C... à A... Portugal, nos casos em que o preço conduza a uma margem operacional superior ou inferior à estipulada pela política de preços de transferência do grupo.

Tendo sido notificado o sujeito passivo para apresentar cópia das notas de crédito / débito que suportam a contabilização destes valores, o mesmo limitou-se a entregar cópia das notas de crédito (sublinhado nosso) que permitiram o ajustamento negativo (trimestral) ao preço de aquisição das mercadorias, não apresentando documentação adicional, designadamente a que suporta os montantes acima referidos de ajustamento decorrentes de “Contagem de Stock” (€ 5.077.987,26 em 2014 e € 2.347.996,22 em 2015) nem qualquer nota de débito que permita concluir que se trata de adequar a margem ao dossier de preços de transferência pelo que termos que necessariamente concluir pela inexistência de documento de suporte válido nos termos do artigo 23º nºs 3 e 4 do CIRC,

Podemos referir que a D... em Portugal tem uma estrutura simples, sendo que a sua actividade decorre essencialmente – conforme referido pelo sujeito passivo – das decisões tomadas a nível central pelo grupo B... .

Desta forma, a entidade recorre a terceiros e à própria sede para garantir o seu normal funcionamento, não dispondo de armazém próprio, sendo que as mercadorias vêm directamente do estrangeiro para as lojas retail.

Assim, a estrutura de gastos da empresa tem na sua componente de gastos essencialmente o custo das mercadorias vendidas e fornecimentos e serviços externos.

Os gastos relevados decorrentes das regras de preços de transferência não são mais que uma transferência de resultados intra-grupo, sem que o sujeito passivo demonstre de forma inequívoca que os mesmos foram incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, desde logo porque não foi possível com rigor aferir a sua natureza, a que acresce o facto de que não existe suporte documental adequado, nomeadamente nota de débito emitida pelo fornecedor no caso a “casa-mãe”.

Mais em detalhe podemos referir que ao nível fiscal, devemos procurar no artigo 23º do CIRC o enquadramento a dar aos gastos contabilizados pelas entidades sujeitas a imposto.

Assim preconiza o artigo 23º deste Código, no seu nº 1 que são considerados como gastos elegíveis em sede de IRC os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para a obtenção dos rendimentos sujeitos a imposto.

No número seguinte do artigo 23º do CIRC é feita uma lista extensa dos tipos de encargos e perdas elegíveis em termos fiscais, que não sendo uma lista fechada, faz uma equivalência bastante alargada entre os gastos previstos no SNC e os gastos previstos nesse nº 2.

Este novo nº 1 do artigo 23º do CIRC (redacção dada pela Lei nº 2/2014 de 16 de janeiro) embora tenha sofrido uma alteração no seu texto face à litigância existente entre a AT e os contribuintes, tem como entendimento que “A indispensabilidade dos gastos deve, num plano geral, ser entendida como considerando dedutíveis aqueles que sejam incorridos no interesse da empresa, na prossecução das respectivas actividades”, conforme é mencionado no ponto III.h do Relatório da Comissão para a Reforma do IRC.

Ainda segundo esse ponto, as alterações ocorridas no CIRC, nomeadamente com a redacção dos nºs 3 e 4 do artigo 23º do CIRC, visaram também clarificar a questão da prova documental dos gastos suportados: “também a questão da prova documental dos gastos reconhecidos pela contabilidade tem dado azo a interpretações divergentes. Quer as operações realizadas com terceiros, quer as que resultam de fatos patrimoniais ocorridos na esfera interna das sociedades, têm suscitado questões, muitas vezes delicadas, de documentação probatória. Neste contexto, procurou-se também clarificar as regras a observar na documentação de suporte aos gastos contabilizados.

E dessa forma os nºs 3 e 4 do artigo 23º do CIRC estipulam o seguinte:

“3 — Os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito. 

4 - No caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo a que se refere o número anterior deve conter, pelo menos, os seguintes elementos:

 

a) Nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário;

 

b) Números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional;

 

c) Quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados;

 

d) Valor da contraprestação, designadamente o preço;

 

e) Data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados. “

Desta forma, os gastos que não respeitam o estipulado no artigo 23º do CIRC, nomeadamente os seus nºs 3 e 4, deverão ser considerados como não dedutíveis para efeitos fiscais nos termos da al. c) do nº 1 do artigo 23º-A do CIRC.

Artigo 23.º A - Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais

Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais

1 - Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:

(…)

d) As despesas ilícitas, designadamente as que decorram de comportamentos que fundadamente indiciem a violação da legislação penal portuguesa, mesmo que ocorridos fora do alcance territorial da sua aplicação;

Tal questão tem assentimento legal previsto na alínea b) do nº 2 do art.º 123º do CIRC, conjugado com o nº 3 do art.º 23º do CIRC, “os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito.”

Nos termos do nº 1 do artigo 123º do CIRC, o sujeito passivo é obrigado a dispor de contabilidade organizada que “permita o controlo do lucro tributável” pelo que a contabilidade, conforme o nº 2 do artigo 123º do CIRC, deve observar-se em especial o seguinte :

a) Todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário;

b) As operações devem ser registadas cronologicamente, sem emendas ou rasuras, devendo quaisquer erros ser objecto de regularização contabilística logo que descobertos.

Ora, do modus operandi utilizado na contabilização dos gastos referidos a primeira ilação que se retira, é a violação do nº 2 do art.º 123º do CIRC.

Concludentemente, o reconhecimento dos gastos assenta na infracção de normativos legais que impedem a sua elegibilidade fiscal.

Face ao exposto, conclui-se pela inexistência de comprovação da majoração sobe o custo das vendas (USGAAP) ou imparidades / diferenças de contagem de stocks por parte do sujeito passivo, porquanto a proposta de correcção encontra-se plenamente justificada por a mesma decorrer das normas previstas nos artigos 23º, 23º-A, 55º e 123º do CIRC. Assim deve ser acrescido ao lucro tributável declarado os valores de 5.077.987,25 € em 2014 e 2.347.996,22 € em 2015.

Por outro lado, não deu cumprimento ao estipulado nos artigos 26º e 28º desta norma, conforme amplamente se demostrou neste relatório, facto que igualmente impediria a aceitação destes gastos à luz das citadas normas.

Em síntese, os gastos contabilizados como redução do valor de inventários/imparidades não cumprem o disposto na legislação contabilístico/fiscal enumerada, pelo que devem ser acrescidos fiscalmente (€ 5.077.987,25 em 2014 e € 2.347.996,22 em 2015).” (sublinhado nosso)

 

2º - Quer no requerimento apresentado perante o CAAD, quer nas alegações finais produzidas, a Requerente impugnou os actos de liquidação de IRC decorrentes dos acréscimos efectuados pela AT à sua matéria colectável relativa aos exercícios de 2014 e 2015, com os seguintes fundamentos:

a) A Direcção de Finanças de Lisboa (DFL) confundiu ajustamentos às contas de inventários decorrentes de contagens de stocks com ajustamentos decorrentes da aplicação do método de preços de transferência, pelo que assentou as suas conclusões num “clamoroso erro de apreciação”

b) Assim, a conta 59503003, que foi objecto de correcções é usda para registar resultados das contagens de stocks em loja, a “shortage accrual” , a “obsoloscence accrual” e outros ajustamentos de inventários.

c) Para se chegar ao valor do custo total do inventário da Requerente, devem ser consideradas as duas sub-contas – “conta net” e “conta mark up”, uma vez que a conta net corresponde ao valor de aquisição liquido do desconto e a conta mark up ao valor desse meso desconto.

d) É, assim, legitimo concluir que o custo de inventário constante do Sistema contabilístico da Requerente está baseado no denominado “wholesale cost”.

e) Por outro lado, a Requerente refere que o custo do inventário é apurado através da fórmula de custeio “Moving average cost”, ou seja, custo médio ponderado.

f) Tratando-se um custo financeiro, o valor registado na “mark up account” deve integar o custo de inventário.

g) Assim sendo, não se verifica nesta forma de registar os custos do inventário qualquer incorporação de margens de lucro ou acertos de preços de transferência registados em contas de inventário, como sustenta a DFL.

h) Sendo que esta divisão dos registos contabilísticos adoptada pela Requerente, apenas serve para controlo interno e de registo dos descontos efectuados intra-grupo, pelo que este facto e esta prática contabilística não podem afectar e colocar em causa a sua natureza de parte integrante do custo de inventário.

i) A contagem anual de stock efectuada em cada uma das lojas retail da Requerente, feita por uma entidade independente, leva a uma comparação dos valores apurados com o valor de stock registado em SAP, e, sendo caso disso, a uma correcção do número de unidades, correcção esta que é efectuada quer ao nível da conta net, quer da conta mark up.

j) A divergência entre os valores registados na conta respectiva e os valores apurados na contagem anual de stocks, resultaram de dois erros contabilísticos, a saber:

             O saldo respeitante a mercadorias em trânsito não foi, por mero lapso, deduzido à totalidade do saldo registado a título de ajustamentos de inventário em 2014, antes foram incluídos no somatório efectuado;

             Foi aplicado um desconto standard menor nas vendas, o que levou a que o saldo tivesse ficado sobrevalorizado com o valor de unidades que já não estavam em stock

l) Estes dois lapsos/erros contabilísticos levaram a que o saldo total da conta 5903003, no exercício de 2014, no montante de € 4.007.035 (correspondente à soma de € 792.900 com o de € 3.214.135), deverá ser reclassificado para Custo das Mercadorias Vendidas e das Mercadorias Consumidas (“CMVMC”) e no exercício de 2015, esse saldo deve ser reclassificado, igualmente para CMVMC, no montante ascendente de € 2.685.958.

m) O facto de se ter procedido a esta reclassificação, não tem qualquer impacto a nível fiscal, pois os Custos das Mercadorias Vendidas e das Mercadorias Assumidas, se tratam de custos dedutíveis contabilística e fiscalmente, como determina o artigo 26º do Código do IRC.

n) desta alteração resulta que os saldos remanescentes, no valor de € 1.273.215 (de 2014) e de - € 138.817 (de 2015) dizem, efectivamente, respeito a ajustamentos de inventários decorrentes da contagem física de stocks, relativamente aos quais, como já se referiu, é efectuada uma contagem física no final de cada ano fiscal por entidade independente.

o) a quebra de stocks que se verifica são, no entendimento da Requerente, directamente resultantes da sua actividade, pelo que os custos inerentes devem ser enquadrados na indispensabilidade prevista no artigo 23º do CIRC, sendo, por isso, dedutíveis para efeitos fiscais.

p) na medida em que a indispensabilidade dos custos, na mais recente interpretação jurisprudencial (cf., por exemplo, Acordão do TCA Sul proferido no âmbito do Proc. 6540/02 de 02.07.2002), já não terá que estar directamente ligada à obtenção de um proveito, mas deverá ser uma consequência directa do exercício de uma actividade.

q) Desta forma, entende a Requerente que, face aos fundamentos de facto ora apresentados e à prova produzida – que a Requerente considera que, num caso desta natureza, só podem ser as listagens de contagem física de stock e os próprios registos contabilísticos do SAP – ficou demonstrada a fundamentação e origem dos valores registados na conta de stocks, que foi a conta objecto da correcção que levou à liquidação adicional contestada.

r) Não pode colher o argumento deduzido pela DGL de que não foram exibidas notas de débito e de crédito que suportem as correcções efectuadas, porque, entende a Requerente que, tratando-se de ajustamentos decorrentes de contagens fiscais, é evidente que a documentação de suporte só poderão ser as listas das contagens físicas efectuadas em loja, especialmente quando realizadas por uma empresa independente e os registos contabilísticos do SAP.

s) Considera a Requerente que a natureza dos valores objecto de correcção respeita, tão só, a ajustamentos decorrentes de contagens físicas de stocks, não respeitando, de forma alguma, a acertos para aplicação do método de preços de transferência do grupo, como fundamentou a DFL (foi entendimento desta entidade que os ajustamentos às contas de inventários, em concreto os decorrentes de contagem de stock, visam uma transferência de resultados intra-grupo para correcção da margem líquida da Requerente).

t) Sendo que, no caso de a correcção proposta pela DFL se referir a uma transferência de resultados ou ajustamentos intra-grupo de forma a diminuir a matéria coletável da Requerente, deveria a ter lançado mão dos mecanismos legais previstos para o efeito, ou seja, deveria ter percorrido o caminho e o mecanismo previsto no artigo 63º do CIRC.

u) Ou, por outras palavras, se a fundamentação dos actos é a falta de documentação e justificação da margem operacional líquida aplicada à Requerente, a AT (DFL) deveria ter utilizado, o procedimento legal previsto para o efeito, estando ainda obrigada a um dever de fundamentação acrescido das correcções (cf. artigo 77º da LGT)

v) Nos termos do citado preceito da LGT, nomeadamente do seu nº 3, compete à Autoridade provar que estavam verificados os pressupostos que permitiam a correcção efectuada e qual o preço de livre concorrência, ou seja, descrever as relações especiais entre as partes, indicar que obrigações não foram cumpridas pela Requerente, aplicar os métodos de correcção previstos na lei e quantificar os respectivos efeitos,

x) Tudo isto porque, em matéria de preços de transferência, o acto de liquidação não pode assentar em meros indícios ou presunções.

y) Ora, entende a Requerente que nada disto foi feito pela DFL no caso em apreço, pois o relatório de inspecção é completamente omisso sobre qualquer argumento que coloque em causa a margem operacional adoptada nas relações intra-grupo.

z) Conclui a Requerente, no artigo 227º da sua petição inicial “..se na ótica da AT, os ajustamentos ora sindicados visavam uma transferência de resultados intra-grupo ao abrigo da politica de preços de transferência, caber-lhe-ia então fundamentar tais correções e demonstrar se tais ajustamentos diferiam face ao que normalmente é corrente no mercado perante transações equivalentes, se seriam excessivos ou se ficariam aquém do que é normalmente praticado”. (sublinhado nosso).

aa) Para tal teria que ter recorrido aos pressupostos e formalismos previstos nos artigos 77º da LGT, especialmente ao seu nº 3, e 63º do CIRC, o que não se verificou, pelo que o procedimento tributário de liquidação é manifestamente ilegal.

 

3. Fundamento da decisão

É entendimento do Tribunal que a apreciação e a decisão do presente caso, passará pela análise de duas questões fundamentais, a saber:

1ª – As correcções efectuadas pela Requerente aos valores de stock no final dos exercícios fiscais cumprem os requisitos essenciais para serem consideradas um custo fiscalmente dedutível;

2ª – A fundamentação da AT – via DFL – da correcção proposta respeita os mecanismos legalmente consagrados para o efeito, nomeadamente as normas aplicáveis a ajustamentos feitos por preços de transferência previstas na LGT (artigo 77º) e no CIRC (artigo 63º).

Vejemos cada uma destas situações

3.1.  Das correcções efectuadas aos valores de stock no final do exercício de 2014 e 2015

Como se foi já referindo no texto desta decisão, ao ajustamentos efectuados pela Requerente resultaram essencialmente de duas situações, a saber:

             Da correcção de um lapso relativo ao registo contabilístico de mercadorias em trânsito; e,

             Da contagem anual de stock, efectuada no final de cada exercício,

Em qualquer dos casos, os argumentos apresentados pela Requerente estão devidamente justificados e deverão ser considerados os custos respectivos fiscalmente dedutíveis.

Na verdade, na primeira das referidas situações, os movimentos correctivos efectuados, assim que verificado o lapso detectado, e descritos nos artigos 106º a 140º, do pedido inicial formulado pela Requerente têm cabal demonstração nos registos contabilísticos realizados nos documentos societários, nomeadamente no sistema SAP.

Acresce que das correcções efectuadas pela Requerente que levaram à “transferência” de valores da conta de existência para a conta de “Custo das Mercadorias Vendidas e das Matéria Consumidas”, resulta que esses valores assim contabilizados devem ser aceites como custo fiscalmente dedutível, uma vez que cumpre os requisitos do artigo 23º do CIRC, ou seja, estão directamente ligados à atividade da empresa, para além de serem, seguramente, indispensáveis à obtenção de um lucro tributável.

Da mesma forma, se considera que, relativamente aos valores de perdas em stock apurados na contagem anual efectuada por uma empesa independente devem igualmente ser considerados como custo fiscalmente dedutível, pois deve-se considerar como idónea uma avaliação efectuada por uma terceira entidade, independente do sujeito passivo.

Não pode deixar de relevar a esta luz que os montantes das quebras apurados nas lojas em Portugal estão, em regra, em linha com as quebras apuradas nas restantes lojas europeias – todas têm uma percentagem de perdas bastante semelhante (cfr. 40º, dos factos provados).

 

Não resultam deste modo incumpridos os requisitos quer do artigo 23º do CIRC, quer os artigos 26º e 28º do mesmo diploma.

3.2 Dos ajustamentos da AT à luz do regime dos “preços de transferência” (artigo 77º, da LGT e 63º, do CIRC.

É entendimento do Tribunal que questão também essencial a analisar deverá ser a de apurar a legalidade da fundamentação utilizada pela AT (via DFL), nas correcções efectuadas à matéria colectável da Requerente e à consequente liquidação adicional de IRC.

Efectivamente, a DFL fundamentou, basicamente, a suas correcções no facto de os ajustamentos efectuados na conta de stocks estarem relacionados com a obtenção da margem líquida operacional das diferentes empresas retalhistas, como é o caso da Requerente, no âmbito do grupo B... .

Efetivamente, no relatório de inspecção ficou expressamente referido o seguinte:

“Os gastos relevados decorrentes das regras de preços de transferência não são mais que uma transferência de resultados intra-grupo, sem que o sujeito passivo demonstre de forma inequívoca que os mesmos foram incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, desde logo porque não foi possível com rigos aferir a sua natureza, a que acresce o gasto de que não existe suporte documental adequado, nomeadamente nota de débito emitida pelo fornecedor à casa-mãe.”

Ou seja, a AT (via DFL) considerou que os ajustamentos às contas de stocks, tinham como propósito fundamental uma transferência de resultados intra-grupo.

Ora, entende o Tribunal, à semelhança do invocado pela Requerente que, tendo a AT considerado os ajustamentos aos stocks como estando directamente relacionados com a  correcção da sua margem operacional, o procedimento correcto para fundamentar a liquidação adicional seria a utilização dos mecanismos previstos no artigo 63º do CIRC e, em particular, cumprir as condições fixadas no artigo 77º, especialmente no seu nº 3, da LGT.

Dispõe este artigo o seguinte (o sublinhado é nossa responsabilidade):

“1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

2 - A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.

3 - Em caso de existência de operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, ou de operações financeiras, efectuadas entre um sujeito passivo de imposto sobre o rendimento e qualquer outra entidade, sujeita ou não a imposto sobre o rendimento, com a qual aquele esteja em situação de relações especiais, e sempre que haja incumprimento de qualquer obrigação estatuída na lei para essa situação, a fundamentação da determinação da matéria tributável corrigida dos efeitos das relações especiais deve observar os seguintes requisitos:

a) Descrição das relações especiais;

b) Indicação das obrigações incumpridas pelo sujeito passivo;

c) Aplicação dos métodos previstos na lei, podendo a Direcção-Geral dos Impostos utilizar quaisquer elementos de que disponha e considerando-se o seu dever de fundamentação dos elementos de comparação adequadamente observado ainda que de tais elementos sejam expurgados os dados susceptíveis de identificar as entidades a quem dizem respeito;

d) Quantificação dos respectivos efeitos.

A contraposição entre a redacção dos nºs 1 e 2 desta norma (que consagra um dever genérico de fundamentação) e o seu número 3, indicia, de forma clara, que no caso da existência de operações entre entidades em situação de relações especiais (de acordo com o estabelecido no artigo 63º do CIRC), é imposto à Autoridade Tributária um dever especial de fundamentação.

Este entendimento é corroborado pela Jurisprudência, em Acordãos do TCA-Sul (Processos 10/17.9BCLSB e 18/18.7BCLSB) onde se considerou que, nestas situações, “o legislador previu um dever de fundamentação particularmente exigente no caso de correcções  fundamentadas na existência de relações especiais, estabelecendo para essas situações, a par do dever geral de fundamentação, um dever especial que passa pela evidenciação dos requisitos aludidos nas três alíneas referidas supra….e, nomeadamente que fiquem descritas as relações especiais, fossem descritos os termos em que normalmente decorrem operações da mesma natureza entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias e fosse descrito e quantificado o montante efetivo que serviu de base à correcção.”

No mesmo sentido o Acordão do TCAS com o número 01114/03 (sublinhado igualmente da nossa responsabilidade)

Contudo, “a doutrina e jurisprudência sempre notaram que a redacção do artigo 57.º em apreço era vaga o bastante para gerar dúvidas quanto à verificação dos requisitos exigidos, e por isso mesmo terá contribuído para a alteração...introduzida pela lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro.

Também essa terá sido a razão por que o legislador sentiu necessidade de, quando esteja em causa a aplicação do falado artigo 57.º, consagrar uma especial exigência em termos de fundamentação.

 Na verdade, e para além das disposições de aplicação mais geral, entre elas, as dos artigos 1.º n.º 2 do decreto-lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho, 125.º n.º 1 do Código de Procedimento Administrativo (CPA), 21.º n.º 1 e 82.º do Código de Processo Tributário (CPT) (leia-se art.º 77.º da LGT), neste último diploma foi incluída uma regra específica sobre a fundamentação das correcções da matéria tributável.”

Ora, entende o Tribunal que a AT (via DFL) não foi satisfeito  minimamente, este dever especial de fundamentação, não tendo, no caso concreto, sido cumprida qualquer das condições impostas nas alíneas c) e d) do nº 3 do supra transcrito artigo 77º da LGT, dalgum modo conjugando esta incompleta fundamentação com a que traduz invocando, de forma não consistente e clara,  o não cumprimento pela Requerente do disposto nos artigos 26º e 28º, do CIRC e na legislação contabilístico-fiscal e fundamentando a correção à luz dos artigos 23º, 23º-A, 56º e 123º, do CIRC (Cfr pg. 52, do RIT).

 

Por fim, a Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

 

Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do acto tributário, há assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago.

 

Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

Há assim lugar, na sequência de declaração de anulabilidade do ato de liquidação de IRC, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).

 

4. Decisão

Pelo exposto, decide este Tribunal:

a)  Julgar totalmente procedente o pedido arbitral e, em consequência, anular os atos de liquidação de IRC impugnados, referentes aos exercícios de 2014 e 2015, no montante global de € 2.165.352,76 (dois milhões cento e sessenta e cinco mil trezentos e cinquenta e dois euros e setenta e seis cêntimos), bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa contra eles deduzida, conforme pedido;

b) Condenar a Administração Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago e no pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito e

c) Condenar a Requerida nas custas, atento o seu total decaimento.

 

Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 2.165.352,76 (dois milhões cento e sessenta e cinco mil trezentos e cinquenta e dois euros e setenta e seis cêntimos), que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação objeto da presente imugnação, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 3, do RJAT, e 5.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela II anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 28.152,00, a cargo da Requerida, conforme decidido supra.

 

 

 

Notifique.

 

Lisboa, 16-5-2022

O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

José Poças Falcão

(Árbitro Presidente)

 

João Marques Pinto

(Árbitro Adjunto e relator)

 

Luís Menezes Leitão

(Árbitro Adjunto)

(Vencido nos termos da declaração de voto junta)

 

 

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

Voto vencido o presente acórdão por considerar não ter sido feita prova adequada dos ajustamentos efectuados pela B... em relação ao seu lucro tributável. Efectivamente, a única prova apresentada resulta das declarações de F..., gestora de inventários da C... para o Continente europeu, prestadas noutro processo o que não é manifestamente suficiente para proceder à aceitação de ajustamentos ao lucro tributável, e ainda mais com esta amplitude. Na verdade, estando em causa ajustamentos resultantes de contagem de stock teria que ser apresentada documentação comprovativa dos mesmos, nos termos do art. 23º, nºs 3 e 4, CIRC, não sendo suficientes declarações do responsável nem quaisquer comparações com práticas de empresas do grupo noutros países. Quanto às perdas do inventário, as mesmas têm que corresponder às regras do art. 26º CIRC, o que manifestamente neste caso não ocorre.

Nos termos do art. 74º, nº1, da LGT cabia ao contribuinte comprovar as perdas em que incorreu, o que manifestamente o mesmo não fez. Em consequência, a AT tem toda a legitimidade para efectuar as correcções que fez ao lucro tributável, as quais deveriam ter sido por isso aceites por este Tribunal Arbitral.

Por estes motivos voto vencido o presente acórdão.

 

(Luís Menezes Leitão)