Sumário
1. “O artigo 63º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção” (acórdão do TJUE – 2ª Secção – Processo C-545/19)
2. As normas dos artigos 94º nº 1 alínea c), 94º nº 3 alínea b), 94º nº 4 e 87º nº 4 do CIRC e artigo 22º do EBF (redacção em vigor desde 01.07.2015) na medida em que constituem legislação interna portuguesa, onde se prevê a tributação em sede de imposto sobre o rendimento, através de retenção liberatória, dos dividendos de origem nacional quando são auferidos por OIC não residentes, ao mesmo tempo que prevê uma isenção de tributação, quanto ao mesmo imposto e quando os dividendos de origem nacional são auferidos por OIC residentes em Portugal; estão em desconformidade com o artigo 63º do TFUE.
Decisão Arbitral
1. Relatório
A..., OIC DE DIREITO ALEMÃO, NF..., COM SEDE EM ..., ..., ALEMANHA, REPRESENTADO POR B... GMBH, doravante “Requerente”, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral e de pronúncia arbitral (PPA), ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (doravante “RJAT”), tendo em vista a declaração de ilegalidade das retenções na fonte de IRC de 2017, a saber:
Ano da Retenção Valor Bruto do
Dividendo Data de Pagamento Taxa de
Retenção na
Fonte Guia de Pagamento Valor da retenção
2017 1.936,62 26.04.2017 25 ... 484,16
2017 46.186,84 06.06.2017 25 ... 11.546,71
2017 21.735,67 05.07.2017 25 ... 5.433,92
TOTAL 17.464,79
relativamente a dividendos que lhe foram pagos em Portugal, por sociedades residentes, quanto a (1) 10.759 acções da C... SGPS e (2) 389 598 acções D..., resultando um valor pago de IRC retido na fonte, quanto a 2017, de 17.464,79 euros.
É demandada a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, doravante identificada por “AT” ou Requerida.
O Requerente invoca que as retenções na fonte padecem do vício de violação da lei na variante de “violação do direito comunitário e da CRP”.
No final do PPA peticiona a: “ (1) anulação dos atos tributários de retenção na fonte ora sindicados por vício de violação de lei, em concreto por violação do Direito Comunitário e da CRP, ..., e ... consequente reconhecimento do direito do Requerente à restituição da quantia de EUR 17.464,79, relativa a retenções na fonte de IRC suportadas em Portugal sobre dividendos distribuídos no ano de 2017, ao abrigo do disposto nos artigos 94.º do CIRC e 22.º do EBF, tudo com as demais consequências legais; (II) eventual suspensão do processo até decisão por parte do TJUE em sede do pedido de reenvio prejudicial das questões prejudiciais formuladas no âmbito do processo n.º 93/2019-T, dado que, como acima referido, está em causa a mesma questão de Direito, com um substrato fáctico em tudo semelhante ao do Requerente no presente processo; (III) subsidiariamente, requer-se o reenvio prejudicial para o TJUE do presente processo quanto à questão relativa à incompatibilidade do artigo 22.º do EBF com o Direito da União Europeia, ao abrigo do disposto no artigo 267.º do Tratado; (IV) com a procedência dos pedidos formulados supra, a condenação da Autoridade Tributária no pagamento das custas de arbitragem”.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 30-08-2019.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular (TAS) o signatário desta decisão, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 21-11-2019.
A AT apresentou resposta em 07.01.2020 e juntou na mesma data o PA, não tendo suscitado excepções, nem questões prévias, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral (PPA).
Por despacho de 09.02.2020 foi suspensa a instância e reenviado o tema para o TJUE.
Por despacho de 17.03.2022 foi junto ao processo o acórdão do TJUE – 2ª Secção, de 17.03.2022 – processo C-545/19 e foi declarada finda a suspensão da instância.
Por despacho de 06.04.2022 foi dispensada a reunião de partes do artigo 18º do RJAT.
No mesmo despacho de 06.04.2022 foi fixado prazo para alegações, face ao teor do acórdão do TJUE junto ao processo.
Apenas o Requerente apresentou alegações complementares escritas em 28.04.2022.
Posição do Requerente
i. Refere a Requerente que é “um OIC constituído ao abrigo de legislação estrangeira (em concreto, ao abrigo da legislação de um outro Estado Membro da UE) e aí sujeito aos poderes de supervisão da respetiva entidade reguladora e não cumpre os pressupostos previstos na legislação portuguesa e certamente não estará sujeito à supervisão da CMVM”. Pelo que,
ii. “nos casos de distribuição de dividendos por parte de sociedades residentes em Portugal a OIC não constituídos ao abrigo da lei portuguesa, os rendimentos obtidos em Portugal estão sujeitos a retenção na fonte liberatória a uma taxa de 25%, tal como preceituado nos artigos 94.º n.º 1 alínea c), 94.º n.º 3 alínea b), 94.º n.º 4 e 87.º n.º 4 também do CIRC, não beneficiando do regime previsto no artigo 22.º do EBF”.
iii. “Ou seja, resulta das disposições legais ... que um OIC constituído ao abrigo do Regime Geral dos OIC, aquando da distribuição de dividendos provenientes de sociedades sediadas em Portugal, estava sujeito, no ano de 2017, a um regime fiscal mais favorável do que o aplicável a um OIC constituído de acordo com a legislação de um qualquer outro Estado Membro da União Europeia aquando da distribuição de dividendos de fonte portuguesa”.
iv. “Com efeito, a legislação nacional concede expressamente aos OIC constituídos em Portugal a possibilidade de beneficiarem de um regime que lhes permite receber os dividendos totalmente isentos de tributação, bastando, para tal, que estejam constituídos de acordo com a legislação nacional”.
v. “Por oposição, no caso de OIC constituídos noutros Estados Membros da União Europeia, os mesmos não são passíveis de beneficiar de idêntica isenção, estando sujeitos a uma tributação efetiva e liberatória de 25% em sede de IRC, sobre os dividendos auferidos, no ano de 2017, em Portugal”.
vi. “Facto que assume maior gravidade no caso do ora Requerente, uma vez que o mesmo não consegue recuperar o imposto retido na fonte (Portugal) no seu estado de residência (Alemanha), em virtude do seu estatuto de entidade isenta de tributação”.
Conclui que a legislação portuguesa é discriminatória em função da residência e da nacionalidade, quanto aos não residentes, em situação semelhante (comparável), porque não se verificam quaisquer das circunstâncias referidas no artigo 65º do TFUE, pelo que, se trata de uma “restrição da liberdade de circulação de capitais proibida pelo artigo 63.º do TFUE e pelo artigo 1.º da Diretiva 88/361/CEE, uma vez que o ora Requerente está sujeito a tributação em Portugal sobre os dividendos aqui obtidos, ao passo que os OIC constituídos ao abrigo da lei portuguesa estão isentos sobre os mesmos rendimentos”.
Termina acrescentando que “nos termos do artigo 8.º da CRP, o direito de fonte comunitária prevalece sobre o direito de fonte interna, beneficiando de uma cláusula de receção automática no ordenamento jurídico português, sendo no caso presente evidente o efeito direto das disposições do Tratado aqui sindicadas” pelo que “... se verifica também na situação em análise nos presentes autos uma manifesta desconformidade com o princípio do primado do Direito Comunitário, o que se materializa numa violação direta do nosso texto constitucional”.
Em sede de alegações complementares escritas, o Requerente abordou os argumentos que a AT invocou em sede de resposta ao PPA, mormente quanto às circunstâncias do artigo 65º do TFUE, ou seja, se a legislação portuguesa considerada discriminatória dos não residentes, diz respeito a (1) situações objetivamente comparáveis e (2) se não se pode justificar por qualquer razão imperiosa de interesse geral.
i. A este propósito refere que segundo o TJUE : “... o modo como os proveitos gerados pelo OIC são distribuídos aos seus investidores é irrelevante, dado que no presente caso tratamos apenas de retenção na fonte aplicada a dividendos distribuídos ao próprio OIC pelas entidades nas quais este participa (e nunca de proveitos distribuídos aos investidores)”, uma vez que “o que deve relevar, para efeitos da apreciação do caráter discriminatório da legislação portuguesa, é o impacto direto que essas normas têm na atividade dos OIC e não na situação fiscal dos respetivos investidores individualmente considerados”.
ii. “Adicionalmente, esclareça-se que o artigo 22.º do EBF não estabelece qualquer ligação entre o tratamento fiscal dos dividendos de fonte nacional recebidos pelos OIC (residentes e não residentes) e a situação fiscal dos seus detentores de participações, nem faz depender a aplicação da isenção de qualquer análise neste sentido – facto expressamente sublinhado pelo TJUE no acórdão ora junto aos autos”, pelo que “a aplicação do benefício previsto no artigo 22.º, n.º 3, do EBF, não está dependente de qualquer prévia aferição de quem são os investidores em OIC estabelecidos (e residentes para efeitos fiscais) em Portugal, ao contrário da construção efetuada e do que pretende fazer crer a Requerida”.
iii. “Efetivamente, a isenção de que beneficiam os OIC residentes em Portugal não está subordinada à tributação dos rendimentos distribuídos aos detentores de participações nos OIC. Nestes termos, a situação fiscal dos detentores de participações é totalmente irrelevante para efeitos da definição do regime fiscal aplicável aos OIC quando recebem dividendos de participações sociais em sociedades portuguesas”.
iv. “Como asseverou o TJUE, “há que observar que o único critério de distinção estabelecido pela legislação nacional em causa no processo principal se baseia no lugar de residência dos OIC, sujeitando apenas os organismos não residentes a uma retenção na fonte dos dividendos que recebem” (cfr. AllianzGI-Fonds AEVN, C-545/19, parágrafo 71)”.
v. Acrescenta que “... para efeitos da análise da comparabilidade da tributação sobre o rendimento, é irrelevante a especulação abstrata sobre a eventual incidência de outros impostos, taxas ou tributos incidentes sobre os investimentos efetuados pelos OIC”, uma vez que a “comparabilidade é aferida apenas tendo em consideração a extensão ou não da soberania tributária de um Estado aos contribuintes residentes num outro Estado”, sendo o que “concluiu o TJUE, ... após discorrer sobre a argumentação desenvolvida pelo Governo Português, que “a circunstância de os OIC não residentes não estarem sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.°, n.º 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas [tributações autónomas] não os coloca numa situação objetivamente diferente em relação aos OIC residentes no que se refere à tributação dos dividendos de origem portuguesa” (cfr. AllianzGI-Fonds AEVN, C-545/19, parágrafo 57)”.
vi. Conclui que “... em harmonia com o exposto pelo TJUE, “a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis” (cfr. AllianzGI-Fonds AEVN, C-545/19, parágrafo 74)”.
vii. Relativamente à invocada necessidade de preservar a coerência do regime fiscal, invocada pela Requerida refere “em conclusão: “[a] necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional não pode, por conseguinte, ser invocada para justificar a restrição à livre circulação de capitais induzida pela legislação nacional em causa no processo principal”, que é em tudo idêntico ao caso dos presentes autos arbitrais (cfr. AllianzGI-Fonds AEVN, C-545/19, parágrafo 81)”.
Posição da Requerida
i. Refere que “é possível concluir que os regimes fiscais aplicáveis aos OIC constituídos ao abrigo da legislação nacional e dos OIC constituídos e estabelecidos na Alemanha não são genericamente comparáveis, pois que a tributação dos primeiros compreende uma tributação em IRC sobre um lucro tributável que integra rendimentos marginais e repousa sobretudo no Imposto do Selo, ao passo que os segundos estavam isentos de tributação no imposto sobre o rendimento e, aparentemente, também de outros impostos”.
ii. “Basta recordar que um OIC constituído e estabelecido em Portugal, embora isento de retenção na fonte, está sujeito a uma tributação autónoma sobre os dividendos, à taxa de 23%, se as correspondentes partes sociais não forem detidas, de modo ininterrupto, pelo período de um ano e, além disso, esses rendimentos, quando forem parte integrante do valor líquido global do OIC, em cada trimestre, ainda sofrem a incidência do Imposto do Selo”.
iii. “Ao passo que os dividendos distribuídos por uma sociedade residente em Portugal a um Fundo de Investimento constituído ao abrigo da legislação alemã, em 2017, apenas foi objeto de retenção na fonte, a título definitivo, à taxa de 15% (taxa máxima estabelecida no artigo 10.º da CDT) e como os rendimentos gerados no Fundo, distribuídos e imputados, apenas, eram tributados na esfera dos investidores, certamente, os impostos suportados pelo Fundo eram igualmente imputados aos investidores”.
iv. “Para efeitos de comparação da carga fiscal incidente sobre os dividendos auferidos em Portugal pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF e os OIC constituídos na Alemanha, é redutor, e manifestamente insuficiente para extrair conclusões, atender apenas ao imposto retido na fonte e abstrair de outras imposições suscetíveis de onerar fiscalmente os dividendos. Do mesmo modo que, não está demonstrado cabalmente que, embora o Requerente não consiga recuperar o imposto retido na fonte (Portugal) no seu Estado de residência (Alemanha), devido ao seu estatuto de entidade isenta de tributação, a parte do imposto não recuperado pelo fundo não venha a ser recuperado pelos investidores”.
v. “Quanto à alegada violação do artigo 8.º da CRP que afirma o primado do direito comunitário sobre o direito nacional, importa notar que não está em causa a observância de normas do Direito Europeu contidas em Regulamentos ou Diretivas, mas, tão-só, decisões do TJUE que têm subjacentes factos concretos e disposições de ordenamentos jurídico-fiscais de outros Estados Membros”, pelo que em sede de reclamação graciosa e estando a “AT ... subordinada ao princípio da legalidade, ... não poderia, ... aplicar de forma direta e automática as decisões do TJUE proferidas sobre casos concretos que não relevam do direito nacional, para mais não estando em causa situações materialmente idênticas, e em que a aplicação correta do direito comunitário não se revela tão evidente (Ato Claro) que não deixe margem para qualquer dúvida razoável quanto ao modo como deve ser resolvida a questão suscitada”.
vi. E conclui: “o regime fiscal aplicável aos OIC constituídos ao abrigo da legislação nacional, embora consagre a isenção dos dividendos distribuídos por sociedades residentes, não afasta a tributação desses rendimentos por outras formas, seja por tributação autónoma, seja em imposto do selo, quando os mesmos rendimentos integram o valor líquido destes organismos, logo, não pode afirmar-se que, em substância, as situações em que se encontram aqueles OIC e os Fundos de Investimentos constituídos e estabelecidos noutros Estados-Membros que auferem dividendos com fonte em Portugal, sejam objetivamente comparáveis”.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
Consideram-se provados os seguintes factos, com relevo para a decisão:
A) O Requerente é uma pessoa coletiva de direito alemão, um Organismo de Investimento Coletivo (“OIC”) constituído sob a forma contratual, designado por fundo de investimento, é sujeito passivo de IRC não residente para efeitos fiscais em Portugal, sem qualquer estabelecimento estável no país, tendo a sua residência fiscal na Alemanha – conforme artigos 1º e 2º do PPA e Documento nº 1 junto com o PPA
B) O Requerente é gerido por uma entidade gestora de fundos de investimento, a B... GmbH, entidade igualmente com sede na Alemanha – conforme artigo 3º do PPA e Documento n.º 2 junto com o PPA;
C) O Requerente é um fundo aberto autónomo que se baseia num contrato entre a entidade gestora “ B... GmbH”, os seus investidores e o banco responsável pela custódia dos valores mobiliários, cujo objeto é exclusivamente a administração, gestão e investimento do seu património – conforme artigos 4º e 5º do PPA e Documento n.º 3 junto com o PPA;
D) Por não se tratar de um OIC sob a forma societária, mas antes meramente contratual, o Requerente não reveste juridicamente a forma de sociedade comercial, não estando, nos termos da legislação alemã aplicável, sujeito a qualquer obrigação de registo no Registo Comercial alemão e, como tal, não pode ser titular de direitos ou obrigações – conforme artigo 6º do PPA e Documento n.º 4 junto com o PPA;
E) A entidade gestora investe o capital depositado por parte dos investidores em seu próprio nome, sendo que os ativos pertencentes ao Fundo estão em regime de compropriedade com os respetivos investidores e são dissociados dos demais ativos da entidade gestora, nos termos da lei regulatória aplicável, e, como tal, protegidos contra ações intentadas face a investidores, a entidade gestora e o banco responsável pela custódia – conforme artigos 7º e 8º e Documento n.º 5 junto com o PPA;
F) O Requerente e a respetiva entidade gestora são entidades sujeitas a supervisão do Bundesanstalt für Finanzdienstleistungsaufsicht (“BaFin“), entidade federal responsável pela supervisão do setor financeiro na Alemanha – conforme artigo 12º e Documento n.º 6 junto com o PPA;
G) O Requerente é uma entidade residente fiscal na Alemanha, sujeito a imposto sobre as pessoas coletivas no seu país de residência, beneficia de uma isenção (nos termos da Secção 1 parágrafo 1 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Sociedades Alemão – “German Corporate Income Tax Act” – e da secção 11 parágrafo 1,2 do Código Fiscal de Investimento Alemão – “German Investment Tax Act”), o que o impossibilita de recuperar a título de crédito por dupla tributação internacional ou formular qualquer pedido de reembolso, dos impostos suportados ou pagos no estrangeiro - conforme artigo 13º do PPA e Documento nº 4 junto com o PPA;
H) No ano de 2017, o Requerente era detentor de lotes de participações sociais nas seguintes sociedades residentes em Portugal:
C... SA Acções Nominativas 10.759
D... S.A. Acções Nominativas 194.799
D... S.A. Acções Nominativas 194.799
sendo a entidade custodiante dos títulos detidos em Portugal o E...– conforme artigos 15º e 16º do PPA e documentos nºs 7 e 8 juntos com o PPA;
I) O Requerente, no ano de 2017, na qualidade de acionista de sociedades residentes em Portugal, recebeu dividendos sujeitos a tributação em Portugal, por retenção na fonte liberatória, à taxa de 25% prevista no artigo 87.º, número 4, alínea c) do Código do IRC (“CIRC”), conforme a seguir discriminado:
Ano da Retenção Valor Bruto do
Dividendo Data de Pagamento Taxa de
Retenção na
Fonte Guia de Pagamento Valor da retenção
2017 1.936,62 26.04.2017 25 ... 484,16
2017 46.186,84 06.06.2017 25 ... 11.546,71
2017 21.735,67 05.07.2017 25 ... 5.433,92
TOTAL 17.464,79
pelo que suportou, em Portugal, no ano de 2017, a quantia total de imposto de EUR 17.464,79- conforme artigos 19º a 21º do PPA e Documentos nºs 7 e 8 juntos com o PPA;
J) Em 28.12.2018, o Requerente apresentou, ao abrigo dos artigos 98.º e 137.º do CIRC, 132.º do CPPT e 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”), reclamação graciosa dos atos de retenção na fonte de IRC relativos ao ano de 2017, processo que correu termos na Direção de Finanças de Lisboa sob o n.º ...2018... – conforme artigo 24º do PPA, Documento n.º 9 junto com o PPA e PA junto pela AT com a Resposta;
K) Em 07.06.2019, o Requerente foi notificado da decisão final de indeferimento da Reclamação Graciosa, constando a seguinte fundamentação:
1. “A Reclamante, não residente fiscal em Portugal e sem estabelecimento estável, é sujeito passivo de IRC, nos termos do disposto na al. c) do nº 1 do artº 2º do CIRC, incidindo o imposto apenas sobre os rendimentos obtidos em território nacional (país da fonte), nos termos da al. d) do nº 1 do artº 3 e nº 2 do artº 4º , ambos do CIRC, à taxa de 25% nos termos do nº 4 do artº 87º do CIRC, objeto de retenção na fonte a título definitivo ou liberatório, na data da verificação do facto tributário (pagamento ou colocação à disposição dos rendimentos), cujas importâncias retidas devem ser entregues nos cofres do Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que forem deduzidas, nos termos da al. c) do nº 1, al. b) do nº 3, nº 5 e nº 6, todos do artº 94º do CIRC.
2. No entanto, esta taxa pode ser afastada por aplicação de uma CDT, através da entrega do formulário Modelo 21 RFI, nos termos do disposto no artº 98º do CIRC. Da análise ao invocado, o mesmo já foi apresentado, estando em causa nos presentes autos o imposto remanescente.
3. Quanto à desconformidade das normas legais internas com o Direito da União Europeia, mais precisamente, a não consideração destes rendimentos para efeitos do apuramento do lucro tributável, prevista no nº 3 do artº 22º do EBF e sua impossibilidade de aplicação aos rendimentos distribuídos aos Organismos de Investimento Coletivo com sede fora de Portugal, cumpre dizer o seguinte,
4. Através do Decreto-Lei nº 7/2015, de 13 de janeir0, procedeu-se à reforma do regime de tributação dos Organismos de Investimento C0letivo (OIC), alterando, com interesse para o caso em apreço, a redacção do artº 22º do EBF, aplicável aos rendimentos obtidos por fundos de investimento mobiliário e imobiliário e sociedades de Investimento mobiliário e imobiliário, que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, conforme resulta do nº 1 do art 22º do EBF, e circular nº 6/2015.
5. Com a nova redação, estabeleceu o legislador, para esses sujeitos passivos de IRC, uma exclusão na determinação do lucro tributável dos rendimentos de capitais, prediais e mais-valias referidos nos artº 5º, 8º e 10º do CIRS, conforme resulta do nº 3 do referido artº 22º do EBF.
6. Exclusão esta, não aplicável à reclamante - pessoa coletiva de direito alemão por falta de enquadramento com o disposto no nº 1 do artº 22.º do EBF, o que é por si contestado no presente pedido ...
7. A consagração da liberdade de circulação dos capitais e, consequentemente, a proibição de adoção de medidas restritivas da mesma, encontra-se consagrada nas artº 63º e seguintes do TFUE, concretização do artº 18º do TFUE, e é aplicável tanto entre Estados-membros como entre Estados-membros e Estados-terceiros, ou seja, que não integram a UE.
8. Não obstante, conforme resulta da al. a) do nº 1 do artº 65º do TFUE, é permitido que os Estados-membros apliquem “as disposições pertinentes do seu direito fiscal qua estabeleçam uma distinçã0 entre contribuintes que não se encontrem em Idêntica situaçã0 no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido", tendo em conta a sua soberania fiscal, desde que, verificado o nº 3 da mencionada disposição legal.
9. Evidenciando-se que, ao contrário do que se verifica com o IVA, não existe no TFUE uma previsão quanto à harmonizaçá0 de impostos sobre o rendimento ou tributação direta, embora, numa tentativa de aproximação de legislações dos Estados-membros, a mesma encontre alguma expressão, nos artº 114º e 115º do referido Tratado.
10. Cumpre referir que, não compete à AT avaliar e conformidade das normas internas com as do TFUE, nem tão pouco apreciar da sua constitucionalidade, realçando-se que, na senda do entendimento acolhido pela recente jurisprudência emanada do Supremo Tribunal Administrativo, atendendo ao disposto nos artigos 266º da CRP e 55º da LGT, a Administração Tributária deve atuar em conformidade com a lei, não podendo, por regra, deixar de aplicar uma norma tributária constante de diploma legal, por alegada inconstitucionalidade, a não ser quando o Tribunal Constitucional já tenha declarado a inconstitucionalidade com força obrigatória geral, nos termos do artº 281º da CRP.
11. E, por outro lado. não pode a AT aceitar de forma direta e automática as orientações interpretativas do TJUE, quando estas não têm, na sua origem, a apreciação da compatibilidade entre as disposições do direito interno português e o direito europeu.
12. Sendo que, a jurisprudência trazida à colação pela Reclamante respeita a normas legais de outros ordenamentos jurídicos, não se conhecendo, quaisquer decisões do TJUE que tenham concluído pela desconformidade do artº 22º do EBF, na redação dada pelo DL. Nº 7/2015, de 13/01, com o TFUE.
13. Todavia, sempre se dirá que, de acordo com Paula Rosado Pereira (Princípios de Direito Fiscal Internacional, Almedina, 2010 páginas 349 a 350) no Caso Schumacker, o Tribunal de Justiça aceitou que o tratamento fiscal diferenciado de residentes e não residentes não é discriminatório, desde que uns e outros se encontrem em situações diferentes, considerando a autora que “A análise da jurisprudência da Tribunal de Justiça revela, assim, que na perspectiva deste órgão, em temos genéricos, o uso da residência como elemento de conexão, bem como a diferenciação fiscal entre sujeitos passivos residentes e não residentes, tanto na legislação interna dos Estados como nas CDT, é aceitável e não contraria as liberdades de circulação consagradas no TFUE”.
14. Pelo exposto, é de indeferir o presente pedido.
15. Acrescenta-se, ainda que, por não se verificarem in casu os pressupostos do nº 1 do artº 43º da LGT, não assiste ao reclamante o direito a juros indemnizatórios.”
- conforme artigo 25º do PPA e Documento nº 10 junto com o PPA;
L) Em 30.08.2019 o Requerente entregou no CAAD o presente pedido de pronúncia arbitral – conforme registo no SGP do CAAD.
2.1. Fundamentação da decisão da matéria de facto. Factos não provados.
Os factos provados basearam-se nos documentos juntos pelas Partes e nos factos articulados que estão em conformidade, de forma expressa ou implícita, com os factos alegados por ambas. Por cada alínea dos factos provados, são indicados os documentos ou artigos das peças processuais que não mereceram dissentimento entre as partes e que foram considerados relevantes.
Não há outros factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provado.
3. Matéria de direito
Como se expressou no Relatório desta decisão, por despacho de 09.02.2020 foi suspensa a instância e reenviado o tema para o TJUE.
Ambas as partes concordaram com o reenvio prejudicial para o TJUE da questão de fundo em discussão neste processo, até porque são as mesmas do Processo CAAD nº 93/2019-T, no qual, por despacho de 09.07.2019 da Exma. Senhora Árbitro que integra o Tribunal, foi formulado o pedido de reenvio prejudicial.
Tendo sido dado nota neste processo do reenvio para o TJUE, formulado no processo a que atrás se aludiu, a correr no CAAD, foi apenas suspensa esta instância até que fosse adoptada uma decisão pelo TJUE.
Não há sequer a possibilidade de aqui se discutir, se a questão de fundo objecto deste processo, é ou não igual àquela que se discute no Processo CAAD nº 93/2019-T, divergindo apenas quanto aos valores retidos na fonte a título de IRC e aos anos em que tal ocorreu.
Por despacho de 17.03.2022 foi junto ao processo o acórdão do TJUE – 2ª Secção, de 17.03.2022 – processo C-545/19 que resultou do reenvio para o TJUE a que atrás se aludiu.
As partes foram notificadas para exercerem o contraditório quanto à sua junção ao processo.
Posteriormente foi conferido prazo para apresentação de alegações complementares, face, agora, à decisão do TJUE. Apenas o Requerente as apresentou como consta do Relatório desta decisão.
***
Foram colocadas 5 questões prejudiciais ao TJUE, que foram dirimidas pelo Acórdão do TJUE de 17.03.2022, Processo C-545-1; tendo o Tribunal:
• Considerado que a situação da compatibilidade da legislação fiscal portuguesa teria que ser examinada exclusivamente à luz do artigo 63º do TJUE;
• Considerado que a isenção fiscal conferida pelo artigo 22º-3 do EBF, quanto à não retenção na fonte de IRC, sobre dividendos auferidos por OIC constituídos e que operem de acordo com a legislação portuguesa, regime que não se aplica aos dividendos auferidos por OIC estabelecidos noutro Estado-Membro, constitui tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes - pontos 37 e 38 do acórdão do TFUE.
• Pelo que “esse tratamento desfavorável pode dissuadir, por um lado, os OIC não residentes de investirem em sociedades estabelecidas em Portugal e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem participações sociais em OIC e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63º TFUE” - ponto 39 do acórdão do TJUE.
• Quanto à questão da existência de situações objectivamente comparáveis, invocadas pela AT, refere que “a circunstância de os OIC não residentes não estarem sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88, nº 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas não os coloca numa situação objetivamente diferente em relação aos OIC residentes no que se refere à tributação dos dividendos de origem portuguesa” – ponto 57 do acórdão do TJUE
• E concluiu que: “o critério de distinção a que se refere a legislação nacional ..., que tem por objeto unicamente o lugar de residência dos OIC, não permite concluir pela existência de uma diferença objetiva de situações entre os organismos residentes e os organismos não residentes”, pelo que “atendendo a todos os elementos precedentes, há que concluir que, no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis” – pontos 73 e 74 do acórdão do TJUE.
• Quanto à existência de razões imperiosas de interesse geral, invocadas pelo Governo Português junto do TJUE (coerência do regime fiscal português e repartição equilibrada do poder de tributar de Portugal vs. RFA), conclui o TJUE que “a necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional não pode ser invocada para justificar a restrição à livre circulação de capitais induzida pela legislação nacional em causa ...” e “a justificação baseada na preservação de uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados-Membros também não pode ser acolhida” – pontos 81 e 84 do acórdão do TJUE.
Teremos que concluir, face à declaração do TJUE, a saber: “O artigo 63º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção” (acórdão do TJUE – 2ª Secção – Processo C-545/19), que
as normas dos artigos 94º nº 1 alínea c), 94º nº 3 alínea b), 94º nº 4 e 87º nº 4 do CIRC e artigo 22º do EBF (redacção em vigor desde 01.07.2015), na medida em que constituem legislação interna portuguesa, onde se prevê a tributação em sede de imposto sobre o rendimento, através de retenção liberatória, dos dividendos de origem nacional quando são auferidos por OIC não residentes, ao mesmo tempo que prevê uma isenção de tributação, quanto ao mesmo imposto e quando os dividendos de origem nacional são auferidos por OIC residentes em Portugal; estão em desconformidade com o artigo 63º do TFUE.
Face ao primado do Direito da UE, em relação às disposições legais internas que sejam contrárias às disposições comunitárias (que resulta do nº 4 do artigo 8º da CRP), será de concluir que as retenções na fonte de IRC aqui impugnadas, padecem da desconformidade de violação da lei comunitária, procedendo o pedido de pronúncia arbitral.
3.1 - Pedido de reembolso da quantia de 17.464,79 euros
Consta do ponto 2 da fundamentação da decisão que recaiu sobre a reclamação graciosa o seguinte “...esta taxa pode ser afastada por aplicação de uma CDT, através da entrega do formulário Modelo 21 RFI, nos termos do disposto no artº 98º do CIRC. Da análise ao invocado, o mesmo já foi apresentado, estando em causa nos presentes autos o imposto remanescente”.
Na Resposta ao PPA, a AT referiu a este propósito, nos artigos 13º e 14º o seguinte: “Note-se que, tanto quanto nos é dado a conhecer a Requerente optou por não solicitar o reembolso ao abrigo do n.º 2 do artigo 10.º, da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e a Alemanha (adiante CDT), que estabelece um limite máximo para o imposto cobrado no Estado da fonte de 15% do montante bruto dos dividendos, o que bem se compreende, dado que, aparentemente a Requerente é uma entidade fiscalmente transparente, sendo os beneficiários finais efetivos os seus participantes. É, pois, sobre este montante de € 17.464,79 que incide o pedido de pronúncia arbitral”.
Face ao exposto, provou-se que o Requerente, pagou os valores correspondentes às retenções na fonte aqui impugnadas, no valor de 17 464,79 euros (alínea I) dos factos provados).
Anulando-se, como se vai anular, as referidas retenções na fonte, por estarem em desconformidade com a lei, resulta que o Requerente tem direito ao reembolso do montante global pago.
4. Decisão
Nestes termos decide este Tribunal Arbitral:
A) Julgar procedente o PPA e anular os actos de retenção na fonte de IRC indicados na alínea I) dos factos provados;
B) Reconhecer o direito do Requerente em ser reembolsado do valor global de IRC que lhe foi retido na fonte, de 17.464,79 euros.
5. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 17 464,79 euros.
6. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1 224,00, face à Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida, por ter decaído na totalidade (artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC e 122.º, n.º 2, do CPPT).
Lisboa, 08 de Maio de 2022
Tribunal Arbitral Singular,
Augusto Vieira