Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 603/2021-T
Data da decisão: 2022-05-19  IMI  
Valor do pedido: € 26.299,40
Tema: IMI – Terrenos para construção. Determinação e impugnação do VPT. Acto de fixação da matéria tributável. Revisão do acto tributário.
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            SUMÁRIO:

 

I - A fórmula de avaliação dos terrenos para construção constante no artigo 45.º do CIMI, na redacção da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (vigente até à Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro), não previa que fossem aplicados os coeficientes multiplicadores do Valor Patrimonial Tributário, tais como os de afectação, de localização e de qualidade e conforto previstos nos artigos 38.º, n.º 1, e 41.º a 43.º todos do mesmo Código, os quais eram aplicáveis apenas na avaliação de prédios urbanos edificados.

 

II -  Os erros cometidos na avaliação de prédios urbanos são autonomamente impugnáveis, depois de esgotados os meios graciosos previstos para a sua revisão, no prazo de três meses após a notificação do VPT ao contribuinte, conforme resulta dos artigos 15.º, nº 2, do CIMI, 86.º, n.ºs 1 e 2, da LGT e 134.º, n.ºs 1 e 7, do CPPT, não sendo susceptíveis de ser impugnados contra o acto de liquidação lançado com base nesse valor.

 

 III. A título excecional, no prazo de três anos após o ano em que foi lançado o acto tributário da liquidação do imposto, pode (poder-dever), ao abrigo do disposto no artigo 78.º, números 4 e 5, da LGT, ser autorizada a revisão da matéria tributável que lhe serviu de base, desde que verificada injustiça grave ou notória, não devendo a revisão ser recusada se se verificar que a manutenção do referido acto configura esse tipo de injustiça.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

A. Sérgio de Matos, árbitro designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”), profere a seguinte decisão:

 

 

            I.         Relatório

 

A..., S.A com sede social na ..., titular do número de identificação fiscal ... (doravante “Requerente”), veio solicitar a constituição de Tribunal Arbitral, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 2.º e 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”) e formular pedido de pronúncia arbitral, tendo por objeto os actos de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa por si apresentado, a 26 de fevereiro de 2021, e o ato de liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”) identificado sob o n.º 2018 ... relativo ao período de tributação de 2018, cuja anulação impetra, bem como o reembolso da quantia que considera ter pago em excesso - 26.299,40€ - e o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios.

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante “AT” ou “Requerida”.

 

Em 24-09-2021, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT.

 

Em conformidade com o disposto nos artigos 5.º, n.º 2, alíneas a) e b), 6.º, n.º 1, e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro do Tribunal Arbitral o signatário que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável. Notificadas dessa designação, as Partes não se opuseram (artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD).

 

O Tribunal Arbitral ficou constituído em 30 de Novembro de 2021.

 

            Em 10-01-2022, a Requerida apresentou Resposta, na qual afirma que o que está em causa são os vícios dos atos de fixação da matéria tributável e não do ato de liquidação, invoca a incompetência do tribunal arbitral para apreciar vícios de atos de fixação do valor patrimonial e enuncia as questões que entende deverem ser apreciadas: saber se o ato que fixou o VPT está consolidado na ordem jurídica; saber se eventuais vícios próprios e exclusivos do VPT são suscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo; saber se Administração Tributária pode anular todos e quaisquer atos de fixação do VPT, praticados ao longo do tempo, ou apenas os que tenham ocorrido há menos de cinco anos. Pediu dispensa de junção do processo administrativo (“PA”) e de produção de alegações e pugnou pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral, com as legais consequências.

            Por despacho de 24-01-2022, convidou-se a Requerente a responder à matéria de excepção contida na resposta da AT, o que viria a suceder por requerimento apresentado em 07-02-2022, no qual o SP conclui pela improcedência da excepção suscitada.

            Em despacho de 25-03-2022, dispensou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, por desnecessidade, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, simplificação e informalidade processuais (arts. 16.º, al. c), e 29.º, n.º 2, do RJAT) e determinou-se a prossecução com alegações escritas, de facto e de direito, por prazo simultâneo de 15 dias.

            Em 21-04-2022, a Requente ofereceu as suas alegações finais, nelas tendo reiterado e densificado a argumentação que vinha de pretérito. A Requerida prescindiu de apresentar alegações, considerando, em requerimento de 22-04-2022, que nada haveria a acrescentar ao explanado na sua Resposta.

II.        SANEAMENTO

 

QUESTÃO PRÉVIA - DA COMPETÊNCIA MATERIAL

 

A Requerida alega, entre o mais, que “(...) o tribunal arbitral é incompetente para apreciar vícios de atos de fixação do valor patrimonial, atos esses que são destacáveis e autonomamente impugnáveis e encontram-se consolidados na ordem jurídica”; acrescenta que o Tribunal Arbitral não tem competência para a “(...) apreciação de atos administrativos em matéria tributária” e que “As competências do tribunal arbitral encontram-se fixadas na lei, apenas abrangem a apreciação de atos de liquidação, não abrangem o ato de fixação do VPT” - artigos 10.º, 25.º e 26.º da Resposta.

 

Não se acompanha esta posição da Requerida, mais ainda com a nota de que a jurisprudência por si invocada a lattere não se afigura sustentáculo da sua pretensão.

 

A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é limitada, em primeira mão, às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 deJaneiro (RJAT), aí se referindo que a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais (redacção da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro).

Segundo JORGE LOPES DE SOUSA, a alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT “abrangerá também os casos em que o ato de segundo grau é o indeferimento de pedido de revisão oficiosa de ato tributário, pois não se vê qualquer razão para restringir”, acrescentando que “apesar de o artigo 2.º, n.º 1 do RJAT fazer referência apenas a declaração de ilegalidade de atos, é inequívoco que nela se abrange a declaração de ilegalidade de indeferimentos tácitos, pois o n.º 1 do artigo 10.º do RJAT faz referência aos «factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário» e a «formação de presunção de indeferimento tácito» vem indicada na alínea d) do n.º 1 deste artigo 102.º».” – Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária”, in Guia da Arbitragem Tributária, Coord. de Nuno de Villa-Lobos e Tânia Carvalhais Pereira, Almedina, 2013, p. 122, 144 e 145.

Assim, é de considerar que se incluem também nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD as necessárias para apreciar atos de segundo ou terceiro graus que tenham por objeto a apreciação da legalidade de actos do tipo dos previstos naquela norma (art. 2.º do RJAT), nomeadamente de actos que decidam reclamações graciosas ou
pedidos de revisão oficiosa e recursos hierárquicos, como decorre das menções
expressas que se fazem no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT ao artigo 102.º do
CPPT, aos «actos susceptíveis de impugnação autónoma» e à «decisão do recurso hierárquico».

De resto, esta interpretação no sentido da identidade dos âmbitos de aplicação do
processo de impugnação judicial e do processo arbitral sintoniza-se com a
autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo artigo 124.º, n.º 2, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, em que se revela a intenção de que o
processo arbitral tributário constitua «um meio processual alternativo ao processo de
impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo
em matéria tributária
».

No caso em análise, a Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa que não foi apreciado no prazo previsto no artigo 57.º, n.º 5, da LGT, pelo que se formou indeferimento tácito.

Como se decidiu no P. Arbitral n.º 487/2020-T, nos casos de indeferimento tácito não há, obviamente, apreciação expressa da legalidade de acto de liquidação, mas, tratando-se de uma ficção de acto destinada a assegurar a impugnação contenciosa em meio processual que tem por objecto um acto de liquidação, o meio de impugnação adequado depende do conteúdo ficcionado.
            No caso de impugnação administrativa directa de um acto de liquidação (através de
reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa), com fundamento na sua ilegalidade, o
conteúdo ficcionado é de indeferimento do pedido que foi formulado, de anulação do acto
de liquidação. Isto é, ficciona-se que o pedido foi indeferido por ter sido dada resposta
negativa a todas as questões de legalidade colocadas pelo Sujeito Passivo. Por isso, presume-se o indeferimento tácito de meio de impugnação administrativa (reclamação graciosa ou
pedido de revisão oficiosa) que tem por objecto directo acto de liquidação que se baseia em
razões substantivas e não por razões formais.[1]

De harmonia com o exposto, no caso vertente, estando-se perante indeferimento
tácito de um pedido de revisão que tem por objecto directo actos de liquidação, é de considerar que o acto ficcionado conhece da legalidade de actos de liquidação e, por isso, o meio processual adequado para a sua impugnação contenciosa é o processo de impugnação judicial, nos termos das alíneas d) e p) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT, de que é meio alternativo o processo arbitral.

Neste sentido, tem vindo a decidir uniformemente o Supremo Tribunal
Administrativo, como pode ver-se pelos seguintes acórdãos:

– de 6-10-2005, processo n.º 01166/04: «o indeferimento tácito de um pedido de
revisão oficiosa de acto de liquidação, baseado na sua ilegalidade, deve
considerar-se, para efeito das alíneas d) e p) do n.º 1 do art. 97.º do CPPT, como
um acto que comporta a apreciação da legalidade de acto de liquidação
»;

– de 02-02-2005, processo n.º 01171/04, de 08-07-2009, processo n.º 0306/09, de
23-09-2009, processo n.º 0420/09, de 12-11-2009, processo n.º 0681/09: «o meio
processual adequado para reagir contenciosamente contra o acto silente
atribuído a director-geral que não decidiu o pedido de revisão oficiosa de um acto
de liquidação de um tributo é a impugnação judicial
».

Enquanto tal, no trilho desta jurisprudência, é de entender que o acto ficcionado quando ocorre indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa é um acto que comporta a
apreciação da legalidade do acto de liquidação cuja revisão foi pedida, dando resposta
negativa aos fundamentos invocados, pelo que o meio contencioso adequado para o
impugnar é o processo de impugnação judicial e o processo arbitral.

Na mesma linha se pronunciaram, entre outras, as decisões arbitrais prolatadas no P. nº 500/2020-T, no P. n.º 504/2020-T e no P. n.º 532/2021-T.

Nestes termos, improcede a excepção de incompetência invocada pela Autoridade
Tributária e Aduaneira, aliás sendo o Tribunal competente em razão da matéria para conhecer das liquidações de IMI impugnadas, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 2, alínea a), 6.º, n.º 1, e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.

O Tribunal foi regularmente constituído.

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

A ação é tempestiva, tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, de acordo com a remissão operada para o artigo 102.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).

O processo não enferma de nulidades.

 

            III.      Fundamentação de Facto

 

            1.         Matéria de Facto Provada

 

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:

 

  1. A Requerente é uma sociedade anónima de direito português, com sede e direção efetiva em Portugal – admitido por acordo.

 

  1. A Requerente é proprietária de diversos prédios urbanos, designadamente terrenos para construção, os quais se encontram inscritos na matriz predial urbana da freguesia de ...cf. Doc. n.º 2 junto com o PPA, que aqui se dá por integralmente reproduzido.

 

  1. A Requerente recebeu, em 2019, a nota de liquidação de IMI identificada sob o n.º 2018..., de 23.03.2019, referente ao ano de 2018, a qual definia uma coleta total de imposto a liquidar no montante de Euro 120.474,57, de acordo com a seguinte tabela

 Uma imagem com mesa

Descrição gerada automaticamente

                        - cit. Doc. n.º 2 e admitido por acordo.

 

  1. A Requerente verificou que a referida liquidação apresenta um valor a pagar consideravelmente superior àquele que seria exigido, porquanto a AT utilizou, no que respeita aos terrenos para construção, um valor patrimonial tributário (“VPT”) consideravelmente superior àquele que deveria ter considerado – admitido por acordo.

 

  1. A tabela infra retrata o VPT dos terrenos para construção considerados na mencionada liquidação de IMI de 2018, bem como a respetiva data em que o mesmo foi determinado:

Uma imagem com mesa

Descrição gerada automaticamente

 - admitido por acordo.

 

  1. O VPT dos referidos terrenos para construção, que serviu de base para a liquidação de IMI realizada pela AT, foi determinado de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 38.º do Código do IMI, que estipula a fórmula para efeitos da determinação do VPT de prédios urbanos edificados, incluindo os coeficientes de localização, afectação e qualidade e conforto, os quais não são aplicáveis aos terrenos para construção – admitido por acordo.

 

  1. Considerando que a liquidação do IMI de 2018 teve por base um VPT incorretamente determinado relativamente aos terrenos para construção, donde resultou que o imposto liquidado foi consideravelmente superior ao legalmente devido, a Requerente apresentou pedido de revisão do ato tributário de liquidação do IMI, imputando-lhe diversas ilegalidades, solicitando a revisão do mesmo e requerendo a devolução do imposto pago em excesso, no montante de 26.299,40 € - cfr. Documento n.º 1 junto com o PPA, que aqui se dá por integralmente reproduzido.

 

  1. Em consequência da incorreção na liquidação por parte da AT, a Requerente pagou IMI em excesso, no valor de 26.299,40 € - admitido por acordo.

 

  1. O mencionado pedido de revisão oficiosa deu entrada no Serviço de Finanças de Loulé-1, no dia 26 de fevereiro de 2021, não tendo a Autoridade Tributária proferido decisão sobre o mesmo no prazo de quatro meses, ou seja, até 26 de junho de 2021 - cfr. cit. Documento n.º 1 e admitido por acordo.

 

  1. A Requerente pagou na totalidade a liquidação de IMI identificada supra (C) -  admitido por acordo.

 

  1. Em 23 de Setembro de 2021, a Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral.

          

            2.         Factos não Provados

 

Não há factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provado.
Os factos dados como provados foram-no com base nos documentos juntos pela
Requerente e / ou admitidos por acordo das partes.

 

3.         Motivação da Decisão de Facto

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal de se pronunciar sobre todas as alegações das Partes.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

A convicção do Tribunal fundou-se unicamente na análise crítica da prova documental junta aos autos e na matéria admitida por acordo, que está referenciada em relação a cada facto julgado assente.

 

            IV.      Fundamentação Jurídica

 

            A Requerente impugna actos de liquidação de IMI com fundamento em erros
dos actos de fixação dos valores patrimoniais tributários (VPT) dos prédios sobre que incidiu
o imposto, alegando que “...a AT utilizou, no que respeita aos terrenos para construção, um valor patrimonial tributário (“VPT”) consideravelmente superior àquele que, legalmente, deveria ter considerado ... determinado de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 38.º do Código do IMI... foram considerados nas avaliações oportunamente realizadas, os coeficientes de localização, coeficiente de afetação e o coeficiente de qualidade e conforto, os quais não são aplicáveis aos terrenos para construção... o imposto liquidado foi consideravelmente superior ao legalmente devido”.


            1. Da (in)impugnabilidade do ato de liquidação com base em vícios da fixação valor patrimonial tributário

 

Nesta vertente, a Autoridade Tributária e Aduaneira defende em suma:

 

- A Requerente pretende a anulação dos atos impugnados com fundamento em vícios, não do ato de liquidação, mas sim dos atos que fixaram o VPT;

- A presente ação não é fundamentada em qualquer vício dos atos de liquidação ou da decisão de indeferimento da revisão oficiosa, o que a Requerente contesta é, apenas e só, o ato de fixação da matéria tributável e não o ato de liquidação;

- Os vícios do acto que fixou valor patrimonial tributário (VPT) são destacáveis e autonomamente impugnáveis, não sendo suscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base nos mesmos;

            - Não tendo Requerente colocado em causa o valor patrimonial obtido pela 1.ª avaliação, requerendo uma 2.ª avaliação, o mesmo fixou-se, não sendo possível conhecer na posterior liquidação, de eventuais erros ou vícios cometidos nessa avaliação;

            - Na ausência de contestação, durante um certo lapso de tempo, o valor patrimonial tributário consolida-se na ordem jurídica, ao abrigo do princípio da segurança jurídica, razão pela qual não podem os atos de liquidação ser anulados com fundamento em erros no cálculo do VPT;

            -  Os atos de fixação do VPT, regulados no artigo 134.º do Código de Procedimento e Processo Tributário visam determinar a base tributável de imóveis, ou seja, determinam o valor de imóveis que posteriormente servirá de base à liquidação do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) ou do Imposto Municipal sobre a Transmissão de Imóveis (IMT);

            - Os atos de fixação do VPT não são atos de liquidação, são atos autónomos e individualizados com eficácia jurídica própria e diretamente sindicáveis, aliás, o princípio da impugnação unitária é expressamente afastado neste caso pelo artigo 86.º da Lei Geral Tributária. (LGT);

            - Ao estabelecer a sindicância direta destes atos, qualificando-os como atos destacáveis com autonomia e lesividade própria, o legislador teve em vista alcançar a desejável estabilização e consolidação da matéria tributável em momento anterior ao da efetivação da liquidação.

 

            Na esteira do que vem sendo decidido, nomeadamente nos P. 487/2021-T e P. 41/2021-T, em Tribunais Arbitrais presididos pelo Exmo. Senhor Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, jurisprudência a que aderimos e seguiremos, é de haver como acertado este posicionamento da Autoridade Tributária e Aduaneira.

            Por força do preceituado no artigo 15.º do CIMI a avaliação dos prédios urbanos é
directa e, por isso, é «susceptível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa directa»
(artigo 86.º, n.º 1, da LGT).

            Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo 86.º da LGT, «a impugnação da avaliação directa depende do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão».
            A impugnação da avaliação directa de valores patrimoniais está regulada nos termos do artigo 134.º do CPPT, em que se estabelece:

            – «os atos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de três meses após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer
ilegalidade
» (n.º 1); e

            – «a impugnação referida neste artigo não tem efeito suspensivo e só poderá ter lugar
depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação
» (n.º 7).

 

            Como decorre do n.º 1 do artigo 134.º, ao fixar um prazo especial de três meses para impugnação de actos de fixação de valores patrimoniais, e do n.º 7 do mesmo artigo, ao exigir

o esgotamento dos meios graciosos, está afastada a possibilidade de essa impugnação se fazer, por via indirecta, na sequência da notificação de actos de liquidação que a tenham como pressuposto, como são os de IMI, sem observância do prazo de impugnação referido
e sem esgotamento meios administrativos de revisão previstos no procedimento de avaliação.

            No âmbito do IMI, quando o sujeito passivo não concordar com o resultado da
avaliação directa de prédios urbanos, pode requerer ou promover uma segunda avaliação, no
prazo de 30 dias contados da data em que o primeiro tenha sido notificado (artigo 76.º, n.º
1, do CIMI).

            Só do resultado das segundas avaliações (que esgotam os meios graciosos do
procedimento de avaliação) cabe impugnação judicial nos termos do CPPT (artigo 77.º, n.º
1 do CIMI).

            Isto significa que os actos de avaliação de valores patrimoniais previstos no CIMI são actos destacáveis, para efeitos de impugnação contenciosa, sendo objecto de impugnação autónoma, não podendo na impugnação dos actos de liquidação que com base neles sejam efectuadas discutir-se a legalidade daqueles actos.

            Assim, o sujeito passivo de IMI pode impugnar as liquidações, mas não são relevantes como fundamentos de anulação eventuais vícios dos antecedentes actos de fixação de valores patrimoniais, que se firmaram na ordem jurídica, por falta de tempestivo esgotamento dos meios graciosos previstos nos procedimentos de avaliações e de subsequente impugnação autónoma a deduzir no prazo de três meses, nos termos dos n.ºs 1 e 7 do artigo 134.º do CPPT.

            Na verdade, não sendo impugnado tempestivamente o acto de fixação de valores
patrimoniais, forma-se caso decidido ou resolvido sobre a avaliação, que se impõe em sede
de liquidação de IMI, sendo que «o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada
município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores
patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das
matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita
» (artigo 113.º do CIMI).

            A natureza de actos destacáveis que é atribuída aos actos de avaliação de valores
patrimoniais é, há muito, reconhecida pela jurisprudência do Supremo Tribunal
Administrativo, desde o tempo em que regime idêntico ao do artigo 134.º, n.ºs 1 e 7 do CPPT,
previsto nos n.ºs 1 e 6 do artigo 155.º do Código de Processo Tributário de 1991, quer em
sede de Sisa, quer de contribuição autárquica, quer de IMI quer de IMT, como pode ver-se
pelos seguintes acórdãos: de 30-06-1999, processo n.º 023160; de 02-04-2003, processo n.º 02007/02; de 06-02-2011, processo n.º 037/11; de 19-09-2012, processo n.º 0659/12 [2]; de 5-2-2015, processo n.º 08/13; de 13-7-2016, processo n.º 0173/16; de 10-05-2017, processo n.º 0885/16.

            Pelo exposto, os alegados vícios dos actos de avaliação invocados pela Requerente, que não foram objecto de impugnação tempestiva autónoma, não podem ser fundamento de anulação das liquidações de IMI.

            Os princípios constitucionais invocados pela Requerente, designadamente os
princípios da justiça, da legalidade tributária e da igualdade não contendem com tal regime de impugnação autónoma dos actos de avaliação de valores patrimoniais.

            Este regime de impugnação autónoma justifica-se por razões de coerência do sistema jurídico tributário inerentes ao facto de cada acto de avaliação poder servir de suporte a uma pluralidade de actos de liquidação de impostos (liquidações anuais de IMI e eventuais liquidações de IMT) e ser relevante para vários efeitos a nível de IRS[3],  IRC[4] e Imposto do Selo[5], o que não se compagina com a possibilidade de plúrima avaliação incidental que se reconduzisse à fixação de diferentes valores patrimoniais tributários para o mesmo prédio, no mesmo momento.

            Por outro lado, a caducidade do direito de acção derivada da inércia do lesado por
actos administrativos, durante um prazo razoável, é generalizadamente justificada por razões
de segurança jurídica, necessária para adequado funcionamento da administração pública, que também é um valor constitucional ínsito no princípio do Estado de Direito democrático e é reconhecida generalizadamente em matéria administrativa e tributária.

            O prazo de impugnação de três meses para impugnação de actos de fixação de valores

patrimoniais é perfeitamente razoável, sendo o prazo geral previsto na lei para a impugnação

da generalidade dos actos administrativos com fundamentos geradores de vícios de anulabilidade (artigo 58.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e artigo 102.º do CPPT).

            Contudo, apesar da não impugnabilidade normal de actos de liquidação com fundamento em vícios dos actos de avaliação de valores patrimoniais, os n.ºs 4 e 5 do art. 78.º da LGT admitem a possibilidade de revisão oficiosa de actos de fixação da matéria tributável, a que se reconduzem os actos de fixação de valores patrimoniais, a título excepcional, «com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte».[6]

            Enquanto tal, alegado e dado como provado que, em função da fórmula utilizada pela AT na avaliação dos referidos Terrenos para Construção resultou que a Requerente pagou um valor de IMI consideravelmente superior àquele que seria devido, o que é igualmente suscetível de configurar uma injustiça grave ou notória nos termos e para os efeitos previstos no artigo 78.º, n.º 4, da LGT, há que apreciar a questão de saber se estão reunidos os requisitos desta revisão excepcional.

 

            2. Da admissibilidade de revisão oficiosa das liquidações ao abrigo
do CIMI e do n.º 1 do artigo 78.º da LGT

           

            Primeiramente, há que esclarecer que não estão reunidos os requisitos da revisão oficiosa ao abrigo do CIMI e do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

            A Requerente invoca como fundamento de revisão oficiosa a alínea c) do n.º 1 do artigo 115.º do CIMI, que estabelece o seguinte:

 

Artigo 115.º

 

Revisão oficiosa da liquidação e anulação

 

            1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária, as liquidações são oficiosamente revistas:

            (...)

            c) Quando tenha havido erro de que tenha resultado colecta de montante diferente do legalmente devido;

 

            Constata-se que este artigo 115.º inere à revisão oficiosa de actos de liquidação de IMI e não a actos de avaliação de valores patrimoniais.

            Acresce que, como estas normas especiais são aplicáveis «sem prejuízo do  disposto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária», a possibilidade de revisão oficiosa está limitada pelas condições aí indicadas, designadamente a de que, quando o pedido de revisão não é apresentado dentro do prazo da reclamação administrativa, a revisão só pode ser efectuada se existir erro imputável aos serviços.

            Na situação em análise, os actos de liquidação de IMI, em si mesmos, não enfermam de qualquer erro imputável aos serviços pois, por força do disposto no artigo 113.º, n.º 1, do
CIMI «o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços
centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários
dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de
Dezembro do ano a que o mesmo respeita
».

            As liquidações foram efectuadas com base nos valores patrimoniais dos prédios que constavam das matrizes em 31-12-2018, pelo que não há erros da Administração Tributária ao efectuar as liquidações e, por isso, o indeferimento tácito da reclamação graciosa não enferma de ilegalidade.

 

            3. Da admissibilidade de revisão oficiosa dos actos de avaliação de valores patrimoniais ao abrigo dos n.ºs 3 e 4 do artigo 78.º da LGT

 

            A possibilidade de revisão oficiosa de actos de avaliação de valores patrimoniais não
está prevista no CIMI.

            Assim, só à face do regime geral da revisão oficiosa, previsto no artigo 78.º da LGT,
se pode aventar a possibilidade de revisão.

            O artigo 78.º da LGT estabelece o seguinte:

 

Artigo 78.º

Revisão dos actos tributários

 

            1. A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser
efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa
e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração
tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo
ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

            2.Revogado.
            3. A revisão dos actos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de
se tratar de erro material ou de direito, implica o respectivo reconhecimento
devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior.

            4. O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três
anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com
fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a
comportamento negligente do contribuinte.

            5. Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça
ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada
e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para
a Fazenda Nacional.

            6. A revisão do acto tributário por motivo de duplicação de colecta pode
efectuar-se, seja qual for o fundamento, no prazo de quatro anos.

            7. Interrompe o prazo da revisão oficiosa do acto tributário ou da matéria
tributável o pedido do contribuinte dirigido ao órgão competente da administração
tributária para a sua realização.


            Enquanto tal, das várias possibilidades de revisão oficiosa prenunciadas neste artigo 78.º da LGT, as dos n.ºs 1 e 6 reportam-se a actos de liquidação (como se infere do termo inicial do prazo de quatro anos previsto no n.º 1).

            Apenas as situações previstas nos n.ºs 4 e 5 deste artigo 78.º se reportam a actos de fixação da matéria tributável, categoria em que se integram os actos de fixação de valores patrimoniais. Na verdade, no âmbito do IMI, os actos de fixação dos valores patrimoniais são os actos que fixam a matéria tributável (não vislumbrando motivo para dissentir, continuamos a acompanhar as citadas Decisões Arbitrais, mormente a proferida no P. 487/2020-T, de 10-05-2021).

            Assim, apenas dentro do condicionalismo previsto nos n.ºs 4 e 5 se pode colocar a possibilidade revisão oficiosa.

            Apesar de neste n.º 4 do artigo 78.º da LGT se referir que «o dirigente máximo do
serviço pode autorizar, excepcionalmente
» a «revisão da matéria tributável», trata-se de um
poder-dever, estritamente vinculado, cujo cumprimento é sujeito a controle jurisdicional,
como tem entendido o Supremo Tribunal Administrativo:

 

            – «o facto de a lei determinar que “o dirigente máximo do serviço pode autorizar,
excepcionalmente,” a revisão, não obsta à possibilidade de convolação da reclamação graciosa em pedido de revisão com fundamento em injustiça grave ou notória pois tal poder de autorização não é mera faculdade mas, antes, um verdadeiro poder-dever
»; trata-se de «um poder estritamente vinculado»;[7]

            – «a previsão constante do dito art. 78.º n.º 4, como excepcional, é de entender como correspondendo a um poder-dever que implica a sua aplicação a todos os casos, verificados que sejam os referidos requisitos».[8]

 

             Por outro lado, a limitação de competências dos tribunais arbitrais que funcionam no
CAAD ao conhecimento de pedidos de declaração de ilegalidade de actos para que é
adequado o processo de impugnação judicial, não é obstáculo à apreciação do cumprimento
pela Autoridade Tributária e Aduaneira do dever de efectuar a revisão oficiosa de actos de
fixação da matéria tributável com fundamento em injustiça grave e notória, pois, como
também esclareceu o Supremo Tribunal Administrativo, «a forma processual adequada à
apreciação do pedido de anulação do acto de fixação da matéria tributável com fundamento em injustiça grave ou notória é, igualmente, a impugnação judicial (arts. 78º nº 3 da LGT e 97º nº 1 al. b) do CPPT)
».[9]         

            Nestas situações, em que o erro está na fixação da matéria tributável e não nos subsequentes actos de liquidação, a revisão não depende da existência de erro imputável
aos serviços, mas apenas que se esteja perante «injustiça grave ou notória, desde que o erro
não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte
».

            E ainda, como entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no citado
acórdão de 17-02-2021, a previsão da autorização como excepcional não afasta o «poder-dever que implica a sua aplicação a todos os casos, verificados que sejam os referidos
requisitos
».

 

            4. Tempestividade do pedido de revisão oficiosa

 

            O prazo para ser autorizada a revisão da matéria tributável pelo dirigente máximo do
serviço não é o previsto no n.º 1, mas sim o prazo reduzido aos «três anos posteriores ao do
acto tributário
», previsto no n.º 4 do artigo 78.º.

            Os «três anos posteriores ao do acto tributário» terminam no dia 31 de Dezembro do
terceiro ano posterior àquele em que foi praticado o acto tributário.

            A liquidação foi emitida em 2019, pelo que os três anos posteriores terminarão em 31-

12-2022.

            Aduz ainda a Requerida que as avaliações efetuadas há mais de cinco anos, em que foram considerados os coeficientes de localização e afetação na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, já não podem ser objeto de anulação administrativa, conforme decorre do artigo 168, n.º 1, do CPA.

            Porém, como se expressou na Decisão Arbitral contida no P. 465/2021-T, estando o sistema fiscal munido de meios próprios para apreciar os erros e ilegalidades cometidos nos atos de fixação da matéria tributável e nos consequentes atos de liquidação, mormente através do artigo 78.º da LGT, é à luz deste preceito legal (invocado pela Requerente) que os eventuais erros e ilegalidades daquelas avaliações devem ser conhecidos e não ao abrigo do artigo 168.º do CPA para que apela a Requerida. A alínea a) do artigo 2.º da LGT consagra a regra da prevalência da sua própria aplicação às relações jurídico-tributárias, apenas subsidiária e sucessivamente havendo lugar à aplicação da legislação complementar prevista nas suas alíneas b), c) e d), quando a solução do caso se não encontre no âmbito do seu compêndio normativo. Manifestamente, não é este o caso que se nos depara, porquanto a solução reside no artigo 78.º da LGT, pelo que não é admissível recorrer ao CPA.

            Aliás, a posição aqui adoptada pela Requerida é tanto mais de estranhar quando se conhece a Instrução de Serviço n.º 60318/2021, de 05.04.2021, da Direção de Serviços de Justiça Tributária da AT, na qual se colhe, entre o mais e em síntese, o seguinte:

            “- a intenção de a AT adaptar a sua atuação à jurisprudência do STA e dos tribunais centrais administrativos no que concerne à determinação do VPT dos terrenos para construção a qual deve ser efetuada de acordo com a regra constante do artigo 45.º do Código do IMI, não podendo ser considerados os coeficientes previstos no artigo 38.º do Código do IMI, como os coeficientes de localização, de afetação, de qualidade e de conforto;

            - nos processos e procedimentos pendentes, assim consideradas as situações de litígio entre os contribuintes e a administração tributária (...) a AT profira despacho favorável ao contribuinte nos procedimentos de contencioso administrativo pendentes de decisão e promova, nos termos e nos prazos previstos no artigo 112.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, pela revogação do ato impugnado nos processos de impugnação judicial, bem assim que na pendência da impugnação judicial observe o que resulta da «Instrução n.º 15 – Divulgação de entendimento quanto à revisão oficiosa de ato tributário impugnado judicialmente»;

            - que seja proferida decisão favorável aos contribuintes nos processos e procedimentos pendentes, nos termos explicitados, e que seja promovida a correção (anulação parcial) dos atos de liquidação que constituem o objeto do litígio entre os contribuintes e a administração tributária (…), cumprindo o desígnio legal de “reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado”, conforme disposto no artigo 100.º da Lei Geral Tributária”.

            Incompreensivelmente, constata-se que o teor e alcance desta Instrução de Serviço foram totalmente ignorados pela Requerida, pelo menos no domínio do presente processo arbitral.

 

            5. Da exigência de que o erro não seja imputável a comportamento negligente
do contribuinte

 

            A fixação da matéria tributável foi efectuada pela Administração, com base numa fórmula prevista na lei, sem que se tenha demonstrado que a Requerente forneceu qualquer informação errada quanto à natureza dos prédios, pelo que o eventual erro na aplicação na fórmula de avaliação invocado pela Requerente não pode ser considerado imputável a um seu comportamento negligente.

 

            6. Do erro imputado pela Requerente à fixação de valores patrimoniais relativo à aplicação de coeficientes aplicáveis a prédios edificados

 

            O erro que a Requerente imputa à fixação de valores patrimoniais é o de ter aplicado
à avaliação de terrenos para construção, normas legais relativas às avaliações dos prédios
edificados.
            O artigo 45.º do CIMI, na redacção da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (vigente
até à Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro) prevê o seguinte:

 

Artigo 45.º
Valor patrimonial tributário dos terrenos para construção

 

            1 - O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do
valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do
perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do
valor do terreno adjacente à implantação.

            2 - O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações
autorizadas ou previstas.

            3 - Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em
consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º.

            4 - O valor da área adjacente à construção é calculado nos termos do n.º 4 do artigo
40.º..
            5 - Quando o documento comprovativo de viabilidade construtiva a que se refere o
artigo 37.º apenas faça referência aos índices do PDM, devem os peritos avaliadores
estimar, fundamentadamente, a respectiva área de construção, tendo em
consideração, designadamente, as áreas médias de construção da zona envolvente.
(aditado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30-12).

 

            O artigo 42.º, para que remete o n.º 3 deste artigo 45.º, estabelece o seguinte, no que
aqui interessa:

Artigo 42.º
Coeficiente de localização

            (...)
            3 - Na fixação do coeficiente de localização têm-se em consideração, nomeadamente,
as seguintes características:

                        a) Acessibilidades, considerando-se como tais a qualidade e variedade das
            vias rodoviárias, ferroviárias, fluviais e marítimas;

                        b) Proximidade de equipamentos sociais, designadamente escolas, serviços
            públicos e comércio;

                        c) Serviços de transportes públicos;

                        d) Localização em zonas de elevado valor de mercado imobiliário.

            4 - O zonamento consiste na determinação das zonas homogéneas a que se aplicam
os diferentes coeficientes de localização do município e as percentagens a que se
refere o n.º 2 do artigo 45.º

           

            O Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a decidir, uniformemente, na esteira Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 23-10-2019, processo n.º 170/16.6BELRS 0684/17, que:

           

            I – Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção
há que observar o disposto no artigo 45.º do Código do IMI, não havendo lugar à
consideração do coeficiente de qualidade e conforto (cq).

            II – O artigo 45 do CIMI é a norma específica que regula a determinação do valor
patrimonial tributário dos terrenos para construção.

            III – O coeficiente de qualidade e conforto, factor multiplicador do valor patrimonial
tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se
determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação
comércio indústria e serviços não pode ser aplicado analogicamente por ser
susceptível de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto.

 

            Na fundamentação deste acórdão refere-se o seguinte:

 

            O terreno em causa nos autos integra uma das espécies de prédios urbanos
na categoria de terreno para construção. E, tratando-se de uma das espécies de
prédio urbano o valor patrimonial deverá ser determinado por avaliação directa (nº
2 do artigo 15 do CIMI) devendo ser avaliado de acordo com o disposto no artigo
45º do mesmo compêndio normativo pois que a fórmula prevista no nº 1 do artigo 38
do CIMI (Vt= Vc x A x CA x CL x Cq x Cv) apenas tem aplicação aos prédios urbanos
aí discriminados ou seja àqueles que já edificados estão para habitação, comércio,
indústria e serviços (assim se decidiu no ac. deste STA de 20/04/2016 tirado no
recurso 0824/15 disponível no site da DGSI - Jurisprudência do STA) onde se
expendeu:

            (…)
            Todavia o legislador não incluiu aí os terrenos para construção que também
classifica de prédios urbanos no artigo 6º do CIMI.

            Para a determinação do valor patrimonial tributário dos mesmos há a norma
do artigo 45 já referida onde apenas é relevada a área de implantação do edifício a
construir e o terreno adjacente e as características do nº 3 do artigo 42.

            Os restantes coeficientes não estão aí incluídos porquanto apenas podem
respeitar aos edifícios, como tal.

            O coeficiente de afectação só pode relevar face à comprovada utilização do
prédio edificado e bem assim o de conforto e qualidade.

            Tais coeficientes multiplicadores do valor patrimonial tributário apenas
respeitam ao edificado mas não têm base real de sustentação na potencialidade que
o terreno para construção oferece.

            A aplicação destes factores valorizadores na determinação do valor
patrimonial tributário dos terrenos de construção só poderia ser levada a cabo por
analogia com o disposto no artigo 38 do CIMI.

            Mas porque a aplicação desses factores tem influência na base tributável tal
analogia está proibida por força do disposto no nº 4 do artigo 11 da LGT por se
reflectir na norma de incidência na medida em que é susceptível de alterar o valor
patrimonial tributário.

            A aplicação desses coeficientes na determinação do valor patrimonial
tributário dos terrenos para construção seria violadora do princípio da legalidade
e da reserva de lei consagrado no artigo 103 nº 2 da CRP.

            A própria remissão para os artigos 42 e 40 do CIMI constante do artigo 45
e mesmo a redacção dada ao artigo 46 relativo ao valor patrimonial tributário dos
prédios da espécie “outros” em que expressamente se refere que “o valor
patrimonial tributário é determinado nos termos do artigo 38 com as necessárias
adaptações “é demonstrativo de que na determinação do valor patrimonial
tributário dos terrenos para construção não entram outros factores que não sejam o
valor da área da implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente
à implantação.

            É que mesmo a remissão feita para os artigos 42 e 40 do CIMI não consagra
a aplicação dos coeficientes aí referidos mas apenas acolhe, respectivamente as
características que hão-de determinar o valor do coeficiente a utilizar e o modo de
cálculo.

            O que se compreende face à definição de terrenos para construção do nº 3
do artigo 6 do C.I.M.I.(…)

            Concordando e não olvidando a doutrina expressa por José Maria Fernandes Pires in Lições de Impostos Sobre o Património e do Selo 2012, 2ª edição pp104 de que “o valor de um terreno para construção corresponde, fundamentalmente, a uma expectativa jurídica, consubstanciada num direito de nele se vir a construir um prédio ou prédios com determinadas características e com determinado valor,” e que para a avaliação de terrenos para construção a lei manda separar duas partes do terreno (uma primeira parte a do terreno onde vai ser implantado o edifício a construir) e uma segunda parte a restante constituída pelo terreno que fica livre no lote de terreno para construção expressando que para alcançar o valor da primeira parte é necessário proceder à avaliação do edifício a
construir como se ele já estivesse construído.

            Com o devido respeito, não se acolhe integralmente esta doutrina pelas dúvidas e imprecisões que pode acarretar e que em matéria fiscal devem ser evitadas. Desde logo a lei, no artº 6º nº 3 do CIMI classifica de terrenos para construção realidades que não têm aprovado qualquer projecto de construção pelo que a sua inexistência determina por si só a inviabilidade de efectuar o cálculo da chamada área de implantação do edifício porque inexistente mesmo em projecto e por outro lado, nos casos em que existe esse projecto (parece ser o caso dos autos uma vez que no processo administrativo apenso se faz referência a uma moradia unifamiliar (vide fls.48 a 56)) cumpre salientar que a qualidade e o conforto  têm de ser efectivos o que se compreende porque o direito tributário se preocupa com realidades e verdades materiais não podendo a expectativa ou potencial construção de um edifício com anunciados/programados índices de qualidade e conforto integrar um conceito que objectivamente, só é palpável e medível se efectivada a construção e se, realizada
sem desvios ao constante da comummente conhecida “memória descritiva” que
acompanha cada projecto de construção. Também é certo que a valorização
imediata do prédio por efeito da atribuição do alvará de terreno para construção
não deixará de ser levada em conta para efeitos de tributação, em caso de alienação,
com a tributação noutra sede tributária.

            Como se expressou no acórdão deste STA a que supra fizemos referência
(…) Efectivamente o coeficiente de afectação tem a ver com o tipo de utilização do
prédio já edificado e o mesmo se diga do coeficiente de qualidade e conforto.

            Nos terrenos em construção as edificações aprovadas são meramente potenciais e é
o valor dessa capacidade construtiva, geradora de acréscimo de valor patrimonial
ou riqueza para o seu proprietário que se procura taxar. E não factores ainda não
materializados (…).

            Tendo em conta a realidade o legislador consagrou para a determinação do valor
patrimonial tributário desta espécie de prédios a regra específica constante do supra
referido artigo 45 do CIMI e não outra, onde reitera-se se tem em conta o valor da
área de implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à
implantação bem como as características de acessibilidade, proximidade, serviços e
localização descritas no nº 3 do artigo 42, tendo em conta o projecto de construção
aprovado, quando exista, e o disposto no nº 2 do artigo 45 do C.I.M.I, mas não outras
características ou coeficientes.

            Isto só pode significar que na determinação do seu valor patrimonial tributário dos
terrenos para construção não tem aplicação integral a fórmula matemática
consagrada no artigo 38º do CIMI onde expressamente se prevê, entre outros o
coeficiente, aqui discutido, de qualidade e conforto relacionado com o prédio a
construir. O que, faz todo o sentido e dá coerência ao sistema de tributação do IMI
uma vez que os coeficientes previstos nesta fórmula só podem ter a ver com o que já
está edificado, o que não é o caso dos terrenos para construção alvo de tributação
específica, sim, mas na qual não podem ser considerados para efeitos de avaliação
patrimonial factores ainda não materializados. E, sendo verdade que para calcular
o valor da área de implantação do edifício a construir a lei prevê que se pondere o
valor das edificações autorizadas ou previstas (artº 45º nº 2 do CIMI) para tal
desiderato, salvo melhor opinião não necessitamos/devemos entrar em linha de
conta, necessariamente, com o coeficiente de qualidade e conforto pois que não
estando materializado não é medível/quantificável, sendo consabido da experiência
comum que um projecto de edificação contemplando possibilidades modernas de
inserção acessória de equipamentos vulgarmente associados ao conceito de conforto
tais como ar condicionado, videovigilância robótica doméstica, luzes inteligentes
etc, se edificado/realizado com defeitos pode não se traduzir em qualquer
comodidade ou bem estar, antes pelo contrário ser fonte de problemas/insatisfações
e dispêndios financeiros.

 

            Esta jurisprudência foi sendo consolidada no STA, como pode ver-se, entre vários outros, pelos seguintes acórdãos:

            – de 05-04-2017, processo n.º 01107/16 («Na fórmula final de cálculo do VPT dos
terrenos para construção é de afastar a aplicação do coeficiente de localização,
na medida em que esse factor de localização do terreno já está contemplado na
percentagem prevista no nº 3 do art. 45º do CIMI
»);

            – de 28-06-2017, processo n.º 0897/16 («II – Os coeficientes de afectação e conforto,
factores multiplicadores do valor patrimonial tributário contidos na expressão
matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços não
podem ser aplicados analogicamente por serem susceptíveis de alterar a base
tributável interferindo na incidência do imposto. III – Na fórmula final de cálculo
do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação do coeficiente de
localização, na medida em que esse factor de localização do terreno já está
contemplado na percentagem prevista no nº 3 do art. 45º do CIMI
»).

            – de 16-05-2018, processo n.º 0986/16 («O coeficiente de qualidade e conforto,
factor multiplicador do valor patrimonial tributário contidos na expressão
matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial
tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços e bem
assim o coeficiente de afectação não podem ser aplicados analogicamente por
serem susceptíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do
imposto (IMI)
»;

            – de 14-11-2018, processo n.º 0133/18 («No cálculo do VPT dos terrenos para
construção é de afastar a aplicação do coeficiente de localização, na medida em
que esse fator de localização do terreno já está contemplado na percentagem
prevista no nº 3 do art. 45º do CIMI
»;

            – de 13-01-2021, processo n.º 0732/12.0BEALM 01348/17 («Relativamente à
avaliação de terrenos para construção, sobre o que regula o art. 45.º do C.I.M.I.,
não são de aplicar os coeficientes ou características não especificamente
previstos, entre os quais o coeficiente de qualidade e conforto
».

 

            Na linha desta jurisprudência, é de entender que a avaliação dos terrenos para
construção devia ser efectuada sem aplicação dos coeficientes não especificamente previstos, entre os quais os coeficientes de localização, de afectação e de qualidade e conforto.

    

            Ora, no caso sob escrutínio e como resulta dos Factos Provados E e F, na determinação dos VPT’s dos Terrenos para Construção, a AT aplicou um coeficiente de localização de 3,00 e um coeficiente de qualidade e conforto de 1,20.

 

            Enquanto tal, atenta a jurisprudência referida, conclui-se que a fixação de valores patrimoniais destes prédios enferma dos erros que a Requerente lhes aponta, exclusivamente imputáveis à Administração Tributária que foi quem praticou os actos de avaliação.

 

            7. Da Injustiça grave ou notória

 

            Um outro requisito da revisão oficiosa ao abrigo do n.º 4 do artigo 78.º da LGT é o
de o apuramento da matéria tributável consubstanciar «injustiça grave ou notória».

            O n.º 5 do artigo 78.º esclarece o alcance destes conceitos, estabelecendo que «para
efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e

grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a
realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional
».

            Na situação focalizada nestes autos, é evidente a natureza «grave» da injustiça gerada
com as erradas avaliações, pois a tributação em IMI dos prédios referidos foi
consideravelmente agravada (em mais 26.299,40 €), como resulta da prova – Factos Provados G e H.

 

            Em conclusão:

 

            Decorre do exposto estarem reunidos todos os requisitos de que depende a revisão da matéria tributável, à luz do prevenido nos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT, pelo que em lugar do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, a Autoridade Tributária e Aduaneira deveria ter efectuado a revisão e anulado parcialmente a liquidação impugnada.

            Consequentemente, justifica-se a anulação do indeferimento tácito, bem como a anulação parcial da liquidação questionada, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável ex vi do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

            Sendo esta anulação baseada em vícios que obstam à renovação da liquidação com o
mesmo conteúdo, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas, por ser
inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC).

 

            8. Reembolso de quantia paga e juros indemnizatórios

 

            A Requerente quantifica e a AT não contesta, pelo que se deu como  provado, ser de 26.299,40€ o valor de IMI que pagou indevidamente, por efeito da consideração dos coeficientes multiplicadores do valor patrimonial tributário.

            Assim, como consequência da anulação parcial da sobredita liquidação, a Requerente tem direito a ser reembolsada da quantia de 26.299,40€.

            No que toca a juros indemnizatórios, o n.º 1 do artigo 43.º da LGT reconhece o direito quando se determinar em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços.

            O pedido de revisão do acto tributário é equiparável a reclamação graciosa quando é
apresentado dentro do prazo da reclamação administrativa, que se refere no n.º 1 do artigo
78.º da LGT, como se refere no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-7-2006,
proferido n processo n.º 0402/06.

            Também se refere no mesmo acórdão que «nos casos de revisão oficiosa da
liquidação (quando não é feita a pedido do contribuinte, no prazo da reclamação
administrativa, situação que é equiparável à de reclamação graciosa) (...) apenas há direito
a juros indemnizatórios nos termos do art. 43.º, n.º 3, da LGT
».

            Este regime justifica-se pela falta de diligência do contribuinte em apresentar
reclamação graciosa ou pedido de revisão no prazo desta, como se prevê no n.º 1 do artigo
78.º da LGT.

            No caso que nos prende, a norma à face da qual tem de ser aferida a existência de direito a juros indemnizatórios é a alínea c) deste n.º 3 do artigo 43.º da LGT, que estabelece que eles são devidos «quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se
efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à
administração tributária
».

            Como releva dos Factos Provados (I) o pedido de revisão oficiosa foi apresentado
em 26-02-2021, pelo que apenas a partir de 26-02-2022 haverá direito a juros indemnizatórios, porquanto o pedido não foi apreciado.

            Os juros indemnizatórios devem ser contados com base no valor de 26.299,40€,
desde 26-02-2022, até ao integral reembolso daquele montante, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT,
do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

V.        Decisão

 

            De harmonia com o supra exposto, decide este Tribunal Arbitral:

            a) Julgar improcedentes as excepções suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira;

            b) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

            c) Anular a decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado;

            d) Anular a liquidação de IMI n.º 2018..., datada de 23.03.2019, referente ao ano de imposto de 2018, quanto ao valor de 26.299,40€;

            e) Julgar procedente o pedido de reembolso da quantia paga em excesso e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a efectuar o pagamento à Requerente da quantia de 26.299,40€;

            f) Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-los à Requerente, calculados à taxa legal supletiva, sobre a quantia de 26.299,40€, desde 26-02-2022 até ao efectivo reembolso.

             

VI.      Valor do Processo

 

Fixa-se o valor do processo em 26.299,40€, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e do artigo 306.º, n.º 2, do CPC, ex vi artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

 

VII.     Custas

 

            Custas no montante de 1.530,00 €, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira, de acordo com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, 4.º, n.º 5, do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

            Notifique-se.

Lisboa, 19 de Maio de 2022.

 

O Árbitro,

 

(A. Sérgio de Matos)



[1] Essencialmente neste sentido podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 2-2-
2005, processo n.º 1171/04; de 8-7-2009, processo n.º 306/09; de 23-9-2009, processo n.º 420/09; e de 12-11-
2009, recurso n.º 681/09.

[2] Refere-se neste aresto:


Na verdade, em sede de IMI, a lei prevê um procedimento de determinação da matéria tributável – a
avaliação do prédio (art. 14.º do CIMI) – que termina com o acto de fixação do VPT que serve de base à
liquidação do imposto. Este acto, como é sabido, é um acto destacável para efeitos de impugnação
contenciosa, pelo que é autonomamente impugnável, numa excepção ao princípio da impugnação unitária
que, em regra, vigora no processo tributário (cfr. art. 134.º do CPPT) e que se encontra «em sintonia com
o preceituado no art. 86.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que os actos da avaliação directa são
directamente impugnáveis»


(...)
[t]ratando-se de actos destacáveis e inexistindo qualquer restrição relativa às ilegalidades que podem
ser objecto de impugnação contenciosa, os vícios de que enferme o referido acto de avaliação apenas
poderão ser arguidos em impugnação do acto de avaliação e não do acto de liquidação que seja praticado
com base naquele, já que a atribuição da natureza de acto destacável tem por fim, precisamente,
autonomizar os vício deste acto para efeitos de impugnação contenciosa »

[3] Artigos 10.º, n.º 6, alínea d), 31.º, n.º 13, alínea d), 41.º, n.º 4, 43.º, n.º2, alínea b), 45.º, n.º 3, 46.º, n.º 3, e
51.º, n.º 2, do CIRS.

[4] Artigos 56.º, n.º 2, 64.º, n.ºs 2, 3, alíneas a) e b), 4 e 5, 139.º, n.º 1, 2, e 3 do CIRC.

[5] Artigos 13.º, n.ºs 1, 6 e 7, 31º, n.º 2, 32.º do Código do Imposto do Selo.

[6] Essa possibilidade foi aceite no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 31-10-2019, processo n.º 2765/12.8BELRS, invocado pela Requerente, embora com fundamentação não totalmente coincidente com a que no presente aresto se adopta.

               [7] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07-10-2009, processo n.º 0476/09.

               No mesmo sentido, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 02-11-2011, processo n.º 329/11 e de 14-12-2011, processo n.º 366/11.

               [8] Neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17-02-2021, processo n.º 39/14.9BEPDL 0578/18.

               [9] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 13-10-2010, processo n.º 0455/10.