Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 586/2021-T
Data da decisão: 2022-04-29   
Valor do pedido: € 7.794,62
Tema: IRS – Rendimentos prediais; opção pelo não englobamento; dedução de perdas; Artigo 55, n.º1, alínea b) do CIRS.
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DECISÃO ARBITRAL

 

A Árbitra Sofia Quental, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 30 de Novembro de 2021, decide o seguinte:

 

  • RELATÓRIO
  1. Em 15 de Setembro de 2021, A..., contribuinte n.º ... (doravante abreviadamente identificado por “o Requerente”), e B..., contribuinte n.º ... (doravante abreviadamente identificada por “a Requerente”), casados entre si, residentes na ..., ..., ..., ...-... Lisboa, (doravante abreviadamente identificados por “os Requerentes”), requereram a constituição do Tribunal Arbitral Singular em matéria tributária, nos termos do disposto da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT) tendo em vista a anulação do acto de indeferimento tácito do Recurso Hierárquico interposto do indeferimento da Reclamação Graciosa da liquidação de IRS de 2019, e consequente anulação parcial da referida liquidação de IRS com o n.º 2020..., da qual resulta um montante a reembolsar de € 7.794,62 acrescido de juros indemnizatórios. 
  2. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante abreviadamente identificada por “Autoridade Requerida” ou simplesmente por “AT”).
  3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Singular foi aceite em 16 de Setembro de 2021, pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, tendo as partes sido notificadas em 16 de Setembro de 2021.
  4. Os Requerentes não procederam à nomeação de Árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º do RJAT, a ora signatária foi designada pelo Excelentíssimo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral Singular, tendo a nomeação sido aceite no prazo e nos demais termos legalmente previstos.
  5. As partes foram devidamente notificadas dessa designação em 8 de Novembro de 2021, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do Árbitro, nos termos conjugados do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
  6. O Tribunal Arbitral Singular ficou, assim, regularmente constituído em 30 de Novembro de 2021 para apreciar e decidir o objecto do presente litígio.
  7. Deste modo importa ter em conta que os Requerentes sustentaram, em síntese, o seu pedido da seguinte forma:
    1. A partir de 1 de Junho de 2018, o Requerente arrendou a fracção autónoma da qual é proprietário.
    2. De modo a capacitar a fracção com vista ao arrendamento, o Requerente incorreu em gastos diversos com obras de conservação e manutenção nos anos de 2017 e 2018.
    3. Os referidos gastos ascenderam ao montante total de € 52.927,05.
    4. O Requerente apresentou declaração de rendimentos modelo 3, relativa ao ano de 2018, optando pela tributação conjunta com a ora Requerente, com quem é casado.
    5. Reportou no campo 5-B do anexo F relativo ao n.º 7 do art.º 41 do CIRS, da referida declaração modelo 3, o montante de € 52.927,07, a título de “gastos suportados e pagos nos 24 meses anteriores ao início do arrendamento relativos a obras de conservação e manutenção do prédio”.
    6. Declarou ainda no campo 5-A do anexo F, o montante de gastos suportados e pagos durante o período de 2018, no valor total de € 3.948,89.
    7. Dado que os rendimentos prediais reportados na referida declaração de IRS foram de € 26.655,24, o Requerente apresentou perdas nos rendimentos prediais de € 30.220,70.  
    8. Por essa razão, o Requerente não optou pelo englobamento de rendimentos prediais, mas sim pela tributação autónoma.
    9. Na declaração modelo 3 de IRS relativa a 2019, o Requerente reportou rendimentos prediais de € 34.558,03 e gastos no montante de € 6.720,10 traduzindo-se num resultado de € 27.837,93.
    10. Mais uma vez, não optou pelo englobamento dos referidos rendimentos prediais.
    11. Com base na declaração modelo 3 de 2019, a Autoridade Requerida emitiu a liquidação de IRS n.º 2020... na qual não foi considerado o reporte previsto no artigo 55.º, n.º 1, alínea b) do CIRS, para a dedução das referidas perdas incorridas em 2018 no valor de € 30.220,70, tendo procedido à tributação autónoma à taxa de 28% do valor de € 27.837,93, da qual resultou imposto a pagar no montante de € 7.794,62.
    12. Em consequência, o Requerente apresentou Reclamação Graciosa em 18.08.2020.
    13. Na referida reclamação entende o Requerente que as perdas verificadas em 2018 no valor de € 30.220,70, deviam ter sido consideradas em 2019, nos termos do disposto no artigo 55.º, n.º 1 alínea b) do CIRS, sem necessidade de o contribuinte ser obrigado a optar pelo englobamento dos rendimentos prediais.
    14. Refere ainda que, tais perdas de 2018 devem-se a obras de reabilitação para arrendamento da sua fracção autónoma e que foram concretizadas devido à possibilidade de repercutir os seus custos nos seis anos seguintes nos termos do já referido artigo 55.º. 
    15. Pugnando assim pela correcção da liquidação de IRS do ano de 2019 de forma a considerar as perdas verificadas no ano de 2018.
    16. O Requerente foi notificado para exercer o direito de audição prévia, o qual foi exercido em 26.11.2020.
    17. Em 16.04.2021, o ora Requerente interpôs Recurso Hierárquico do indeferimento da Reclamação Graciosa, recurso esse que não foi decidido no prazo de 60 dias nos termos do artigo 66.º n.º 5 do CPPT, pelo que apresentou o ora Requerente a presente impugnação arbitral.
    18. Termina o Requerente sustentando ser anulado o indeferimento tácito da Reclamação Graciosa da liquidação de IRS de 2019 relativa à tributação autónoma dos rendimentos prediais auferidos por si nesse ano, requerendo a restituição do montante de € 7.794,62 acrescido de juros indemnizatórios.  
  8. Na sua Resposta, a Autoridade Requerida invocou, em síntese, o seguinte:
    1. O Requerente submeteu a declaração de rendimentos modelo 3 referente a 2018 não tendo exercido a opção de englobamento no anexo F.
    2. A respectiva liquidação originou imposto a pagar no valor de € 11.300,70, montante esse que foi totalmente pago.
    3.   Refere a Autoridade Requerida que “Por consulta à referida liquidação, verifica-se que não consta qualquer TOTAL DE PERDAS A REPORTAR”.
    4. A liquidação emitida para o ano de 2019 originou imposto a pagar no valor de € 13.934,74, o qual foi igualmente pago, referindo a Autoridade Requerida que nessa liquidação também não foram consideradas quaisquer perdas a recuperar.
    5. Refere ainda que não tendo sido apuradas quaisquer perdas não se verifica o alegado vício na liquidação contestada.
    6. Entende a Autoridade Requerida que “como não foi elegida a opção pelo englobamento, na declaração modelo 3, do período de tributação de 2018, tão pouco foram apuradas quaisquer perdas susceptíveis de reporte nos anos ulteriores”.
    7. O entendimento da Autoridade Requerida baseia-se na alínea b) do n.º 3 do artigo 22.º do CIRS que determina que “não são englobados para efeitos da sua tributação (…) os rendimentos referidos nos artigos 71.º e 72.º auferidos por residentes em território português, sem prejuízo da opção pelo englobamento neles previsto.”
    8. Invoca a AT André Salgado de Matos que refere que “o englobamento consiste no apuramento da totalidade do rendimento tributável (…) através da soma dos montantes dos rendimentos auferidos pelo mesmo sujeito passivo nas várias categorias do IRS, líquida das deduções específicas de cada categoria. É sobre o montante resultante da operação de ‘englobamento’ que vai apurar-se o ‘rendimento colectável’ – ou seja, o ‘quantum’ sobre o qual incidirá afinal o IRS – que resulta da subtracção à totalidade dos montantes englobados dos ‘abatimentos’ (art. 55.º). Isto está expresso no n.º 1, embora não estejam aí claramente separados os conceitos de ‘englobamento’ e ‘rendimento colectável’”.
    9. Regra geral, o rendimento colectável resulta do ‘englobamento’ dos rendimentos líquidos apurados em cada uma das categorias de rendimentos (cfr. supra, art. 21.º). No entanto, excepcionalmente, existem rendimentos que são tributados à parte da massa do rendimento colectável, mediante a aplicação de taxas ‘liberatórias’ (assim chamadas por que libertam definitivamente da obrigação de imposto em relação aos rendimentos sobre os quais incidem) que operam através de retenção da fonte (n.º 1), não sendo portanto sujeitos a englobamento e fugindo às taxas gerais do art. 71.º”.
    10. Ora com base nas normas invocadas e na doutrina considera a AT que o Requerente, ao ser residente em território português, e ao não ter optado pelo englobamento dos seus rendimentos prediais, está vedada a possibilidade de ver refletido o eventual resultado negativo do ano de 2018.
    11.  Continua a AT referindo que o reporte de prejuízos é uma operação a jusante que pressupõe a adopção a montante da opção do englobamento, o que não aconteceu no caso vertente.
    12. Não podendo os Requerentes beneficiar da aplicação da taxa liberatória prevista no artigo 72.º, n.º 1, alínea e) e simultaneamente reportar as perdas subjacentes ao englobamento que optaram por rejeitar.
    13. Termina considerando que a liquidação respeita os princípios constitucionais a que a AT está vinculada nos termos do artigo 55.º da LGT e no seguimento do princípio vertido no artigo 266.º da CRP.
    14. Nessa conformidade, entende a Autoridade Requerida que deverá improceder o pedido de pronúncia arbitral.
  9. Por despacho arbitral, de 22 de Março de 2022, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, e determinada a notificação das partes para produzirem alegações escritas.
  10. Ambas as partes apresentaram alegações reiterando as posições constantes dos articulados precedentes.

 

  • SANEADOR
  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 1, do RJAT.
  2. As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
  3. Não se verificam nulidades e questões prévias que atinjam todo o processo, pelo que cumpre decidir.

 

 

  • MATÉRIA DE FACTO
  1. Factos dados como provados:

Consideram-se provados, com base nos factos que não mereceram impugnação e na prova documental constante dos autos, os seguintes factos com relevo para a decisão:

  1. O Requerente é proprietário de prédio urbano sito na Avenida ..., ..., segundo andar esquerdo (tornejado para a Rua ...), freguesia ..., ...-... Lisboa, descrito na matriz predial urbana com o n.º ...-F.
  2. O referido prédio encontra-se arrendado desde 1 de Junho de 2018.
  3. O prédio continua arrendado até ao momento.
  4. No decurso dos anos de 2017 e 2018, o Requerente incorreu em gastos diversos com obras de conservação e manutenção do referido imóvel.
  5. O montante de gastos declarados em 2018 com obras de conservação e manutenção nunca foi posto em causa pela Autoridade Requerida.
  6. Em 25.06.2019, o Requerente apresentou declaração de rendimentos modelo 3, relativa ao período de tributação de 2018, optando pela tributação conjunta com a ora Requerente com quem é casado.
  7. Declarou rendimentos auferidos a título de rendimentos prediais no montante de € 26.655,24.
  8. Declarou no campo 5-B do anexo F, gastos com obras de conservação e manutenção o montante de € 52.927,05.
  9. Reportou no quando 5-A campo Q4, gastos correntes do ano de 2018 no montante total de € 3.948,89.
  10. Pelo que apurou gastos no total de € 56.875,94 e perdas a imputar em períodos de tributação seguintes, no montante de € 30.220,70.
  11. No anexo F, quadro 7-D, não optou pelo englobamento dos rendimentos prediais.
  12. Em 18.06.2020, apresentou declaração modelo 3 de IRS, relativa ao período de tributação de 2019.
  13. Declarou no campo 4.1 do anexo F um total de rendimentos prediais de € 34.558,03.
  14. Declarou no campo 4.1 do anexo F gastos no total de € 6.720,10.
  15. No anexo F, quadro 6-F, não optou pelo englobamento dos rendimentos prediais.
  16. A AT emitiu a liquidação de IRS n.º 2020..., liquidando a título de tributação autónoma, o montante de imposto a pagar de € 7.794,62, por aplicação da taxa de 28% à totalidade dos rendimentos prediais auferidos, deduzidos dos gastos declarados apenas nesse ano, e sem consideração das perdas verificadas no período de tributação de 2018, no montante de € 30.220,70.
  17. Em 22.08.2020, os Requerentes pagaram a totalidade do imposto devido emergente da liquidação de IRS 2020... .
  18. O Requerente apresentou Reclamação Graciosa em 18.08.2020, tendo exercido o seu direito de audição prévia em 26.11.2020.
  19. A Reclamação Graciosa foi objecto de indeferimento definitivo em 16.02.2021.
  20. Face a tal indeferimento, o Requerente interpôs Recurso Hierárquico em 16.04.2021, que até à presente data não foi decidido.   

 

  1. Factos dados como não provados:

 

Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não há factos que não se tenham provado.

 

  • FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

A matéria de facto foi fixada por este Tribunal e a convicção ficou formada com base nas peças processuais apresentadas pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos.

Os factos dados como provados são aqueles que o Tribunal considera relevantes, não se considerando factualidade dada como não provada que tenha interesse para a decisão.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo Requerente, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.ºs 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.

 

 

  • DO DIREITO

 

  1. Delimitação do objecto

A questão central dirimida, a qual que se impõe decidir, consiste em determinar se as perdas apuradas pelos Requerentes, em sede de categoria F, no ano de 2018, no montante de € 30.220,70, podem ser reportados aos seis períodos de tributação subsequentes, e em concreto, ao período de 2019, nos termos e para os efeitos do artigo 55.º, n.º1, alínea b) do CIRS, sem que para tal seja necessário os Requerentes optarem pelo englobamento dos rendimentos prediais, nos termos e para os efeitos do artigo 22.º, n.º 3, alínea b) do CIRS.

  1. Enquadramento jurídico-tributário

O imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (“IRS”), conforme dispõe o artigo 1.º, n.º 1 do CIRS, incide sobre “o valor anual dos rendimentos das categorias (…) depois de efectuadas as correspondentes deduções e abatimentos.”

Nos termos do artigo 22.º, n.º 1 do CIRS, “o rendimento coletável em IRS é o que resulta do englobamento dos rendimentos das várias categorias auferidos em cada ano, depois de feitas as deduções e os abatimentos previstos nas secções seguintes.”

 Não obstante, quis o legislador que o IRS fosse um imposto de carácter “unitário e global na medida em que todos os rendimentos de uma pessoa singular são tributados num único imposto e nele se faz a discriminação dos rendimentos em nove categorias em virtude da necessidade de os autonomizar qualitativamente, dada a heterogénea natureza das respectivas fontes ou proveniências.” (conforme Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo do Sul, processo n.º 1697/99, datado de 30-05-2000).

Em virtude do exposto, cada categoria de rendimentos tem uma forma diferenciada de determinação do rendimento líquido posteriormente sujeito a taxa, quer por aplicação da tabela geral de taxas progressivas, disposta no artigo 68.º do CIRS, quer por aplicação das taxas liberatórias ou especiais, constantes dos artigos 71.º e 72.º do CIRS, respectivamente.

Determinou o legislador, e atendendo às características de cada categoria de rendimentos, que nem todos os rendimentos – mesmo auferidos por residentes - estariam, por definição, sujeitos a englobamento e consequente aplicação das taxas progressivas do artigo 68.º do CIRS.

Quanto aos rendimentos prediais, encontram-se estes elencados no artigo 8.º do CIRS, como rendimentos que provêm de “rendas dos prédios rústicos, urbanos e mistos pagas ou colocadas à disposição dos respectivos titulares, quando estes não optarem pela sua tributação no âmbito da categoria B.”

Estes rendimentos, quando auferidos por residente fiscal em território português, concede o legislador a possibilidade de o contribuinte optar pela sua tributação a taxas especiais autónomas, conforme dispõe o artigo 72.º, n.º 1, alínea e), ao invés de englobar os mesmos para efeitos de aplicação das taxas gerais do artigo 68.º do CIRS.

Em virtude do exposto, os rendimentos de categoria F são, nos termos do artigo 72.º, n.º 1, alínea e) do CIRS, tributados à taxa especial de 28%, a não ser que opte o contribuinte pelo englobamento dos mesmos, nos termos do artigo 22.º, n.º 3, alínea b) do CIRS.

Acresce que, em virtude da aplicação do princípio da capacidade contributiva, permite o CIRS no seu artigo 41.º, n.º 1, a possibilidade de deduzir relativamente a cada prédio ou parte de prédio, “todos os gastos efectivamente suportados e pagos pelo sujeito passivo para obter ou garantir tais rendimentos, com excepção dos gastos de natureza financeira, dos relativos e depreciações e dos relativos a mobiliários, eletrodomésticos e artigos de conforto ou decoração, bem como do adicional ao imposto municipal sobre imóveis”.

Com relevância para o caso em concreto, pode ainda o contribuinte deduzir “gastos suportados e pagos nos 24 meses anteriores ao início do arrendamento relativos a obras de conservação e manutenção do prédio, desde que entretanto o imóvel não tenha sido utilizado para outro fim que não arrendamento”, nos termos do artigo 41.º, n.º 7 do CIRS.

Caso os gastos declarados num determinado ano em categoria F, ultrapassarem o montante dos rendimentos prediais declarados, pode o contribuinte deduzir as perdas apuradas, nos seis anos seguintes, conforme dispõe o artigo 55.º, n.º 1, alínea b) do CIRS:

Artigo 55.º - Dedução de perdas

  1. Relativamente a cada titular de rendimentos, o resultado líquido negativo apurado em qualquer categoria só é dedutível aos seus resultados líquidos positivos da mesma categoria, nos seguintes termos:

(…)

b) O resultado líquido negativo apurado em determinado ano na categoria F só pode ser reportado aos seis anos seguintes àquela a que respeita;”

 

  1. Aplicação do direito

A questão trazida a litígio resume-se a julgar se os Requerentes, residentes fiscais em Portugal, não tendo optado pelo englobamento dos rendimentos da categoria F na declaração de IRS de 2018, poderão ou não reportar aos seis períodos de tributação seguintes, em concreto ao ano de 2019, as perdas declaradas e verificadas em 2018.

Quanto à questão sub judice, já teve o presente Tribunal Arbitral oportunidade de se pronunciar diversas vezes, destacando-se as seguintes decisões:

  1. Processo n.º 701/2018-T

“(…) nada parece justificar o entendimento formulado pela Autoridade Tributária pelo qual no caso da não opção dos sujeitos passivos pelo englobamento, relativamente a rendimentos prediais, esses rendimentos seriam tributados separadamente à taxa especial de 28% sem qualquer possibilidade de dedução de perdas. De facto, (…), a dedução do resultado líquido negativo apurado pode ser deduzido aos resultados líquidos positivos nos termos do disposto no artigo 55.º, n.º 1, alínea b), do CIRS, sem qualquer dependência da opção pelo englobamento dos rendimentos.”

 

  1. Processo n.º 180/2019-T

“Face ao exposto, sem necessidade de quaisquer outras considerações, e revertendo à situação aos autos, inexiste base legal que permita à Requerida recusar a dedução de perdas no âmbito da categoria F, na circunstância de os sujeitos passivos não terem exercido a opção pelo englobamento dos rendimentos da categoria F.

 

  1. Processo n.º 663/2019-T

“Atento o acima exposto e o disposto no artigo 8.º, n.º 3, do CC, não vislumbramos qualquer motivo para nos afastarmos do trilho decisório seguido nas citadas decisões arbitrais, pelo que, subscrevemo-lo e reiteramos o entendimento de que a dedução de perdas da categoria F, tal como prevista no artigo 55.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRS, não está dependente do exercício da opção pelo englobamento dos rendimentos prediais.”

 

  1. Processo n.º 25/2020

“O artigo 55.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRS, que estabelece o regime da dedução de perdas da categoria F (rendimentos prediais), não exige o englobamento dos rendimentos prediais como condição para o reporte de perdas.”

 

  1. Processo n.º 122/2020

“Importa salientar a ausência, no artigo 55.º, n.º 1, alínea b), do CIRS, de qualquer

referência ao englobamento, diferentemente do que sucede com a alínea d), sobre rendimentos da categoria G, que dispõe que “o saldo negativo apurado num determinado ano, relativo às operações previstas nas alíneas b), c), e), f), g) e h) do n.º 1 do artigo 10.º, pode ser reportado para os cinco anos seguintes quando o sujeito passivo opte pelo englobamento.” A comparação entre o teor literal das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 55.º do CIRS permite sustentar, em termos hermenêutico-sistemáticos, que o reporte e dedução de perdas previsto a alínea b) não está dependente da opção pelo englobamento, diferentemente do que sucede relativamente às operações mencionadas na alínea d). Nos termos do n.º 8 do mesmo artigo, o direito de reporte o resultado líquido negativo previsto na alínea b) do n.º 1 fica sem efeito apenas no caso de “os prédios a que os gastos digam respeito não gerarem rendimentos da categoria F em pelo menos 36 meses, seguidos ou interpolados, dos cinco anos subsequentes àquele em que os gastos foram incorridos”. De resto, resulta claramente da letra do artigo 55.º, n.º 1, que o legislador não prevê que a dedução de perdas na categoria F seja feita ao rendimento englobado, mas sim ao rendimento líquido apurado na referida categoria. Em face do exposto, o reporte de perdas pode, em abstrato, ser aplicável aos rendimentos prediais obtidos por residentes e não residentes na hipótese de inexistência de englobamento, sem que haja qualquer fundamento material que justifique uma diferenciação”.

 

Em muitas outras decisões arbitrais, decidiu o Tribunal Arbitral no mesmo sentido, elencando-se exemplificativamente as seguintes: 603/2020-T, 534/2018-T, 314/2017-T, 481/2017-T, 534/2018-T, 538/2018-T.

 

Neste mesmo sentido também se pronunciou o STA, no âmbito do processo n.º 0968/14.0BELLE 01411/15, em Acórdão datado de 20-03-2019: “A dedução de perdas aos rendimentos líquidos positivos da categoria F, prevista no art. 55º, nº 2 CIRS (na redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro), não depende de opção pelo englobamento a que alude o 72º, nº 8 do mesmo diploma legal”.

 

Não vemos, pois, motivo para nos afastarmos da já extensa jurisprudência existente sobre a matéria.

Em face do exposto, não tem a pretensão defendida pela AT qualquer suporte na letra da lei, pois a alínea b) do n.º1 do artigo 55.º do CIRS permite a dedução de perdas dentro da mesma categoria, implementando para categoria F, limites apenas temporais, diferentemente do normativo aplicável às mais-valias, disposto no artigo 55.º, n.º 1, alínea d) do CIRS, ao fazer depender a dedução de perdas do englobamento.

Pelo que, é seguro concluir que se fosse vontade do legislador fazer depender a dedução de perdas, em categoria F, da opção pelo englobamento, tê-lo-ia certamente feito.

Versa a mesma questão Paula Rosado Pereira (Manual de IRS, Coimbra, Almedina, 2018, p. 152 e 153), nos seguintes termos:

“O artigo 55.º, n.º 1, alínea b) do CIRS, que estabelece o regime da dedução de perdas da categoria F, não exige o englobamento dos rendimentos prediais como condição para o reporte de perdas. Tal conclusão parece-nos indubitável atento o facto de o artigo 55.º, n.º 1, alínea d) do CIRS, pelo contrário dispor expressamente que a dedução de perdas relativamente às mais-valias mobiliárias apuradas nos anos seguintes depende da opção do sujeito passivo pelo englobamento.”

“Dessa forma, caso o legislador fiscal pretendesse que o reporte de perdas no âmbito da categoria F dependesse do exercício da opção pelo englobamento (englobamento esse que teria de ocorrer, nesse caso, tanto no ano do apuramento da perda, como no ano em que o sujeito passivo quisesse beneficiar da dedução da mesma), tê-lo-ia dito, tal como fez relativamente às mais e menos-valias mobiliárias.”

(…)

Com efeito, a inviabilidade da dedução de perdas fora do regime de englobamento – se porventura se verificasse, o que não sucede – tiraria atratividade ao regime de tributação dos rendimentos prediais através de taxas especiais de tributação autónoma. Ora, isto não faria sentido, se pensarmos na intenção do legislador fiscal ao criar o regime em apreço. A sujeição dos rendimentos prediais a um regime de tributação autónoma, mediante a aplicação de uma taxa especial e a exclusão da obrigatoriedade do englobamento, visou tornar mais para os investidores o regime da tributação dos rendimentos prediais. Objetivo que sairia bastante prejudicado, caso o regime de tributação autónoma excluísse a dedução das perdas de anos anteriores fora do exercício da opção pelo englobamento.”

Ora, os Requerentes declararam no ano de 2018 gastos em categoria F, no montante de € 56.875,94, e rendimentos no montante de € 26.655,24.

Parte dos referidos gastos foram suportados com gastos em obras de conservação e manutenção, incorridos até aos 24 meses anteriores ao arrendamento que ainda se mantém, no montante de € 52 927,05.

Do artigo 41.º, n.º 7 do CIRS, retira-se que podem os Requerentes deduzir gastos com obras de conservação e manutenção, incorridos nos 24 meses anteriores ao início do arrendamento, desde que, entretanto, não tenha sido dado ao imóvel outra finalidade, facto nunca posto em causa pela Autoridade Requerida.

Em virtude do supra exposto, os Requerentes apuraram no período de tributação de 2018, perdas no valor de € 30.220,70.

Pelo que, se verificam todos os requisitos ao direito dos Requerentes deduzirem aos rendimentos de categoria F, auferidos em 2019, as perdas apuradas em 2018, até à concorrência daquele rendimento.

Nestes termos, entende o Tribunal ser de proceder a pretensão dos Requerentes, concluindo pela ilegalidade da liquidação de IRS n.º 2020 ..., referente ao ano de 2019, na parte em que não considera as perdas apuradas em 2018 no montante de € 30.220,70, por enfermar de vício de violação da lei por erro sobre os pressupostos de Direito, consubstanciando errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 55.º, n.º 1, alínea b) do CIRS, pelo que deverá ser parcialmente anulada, na parte referida.

 

 

  1. Do pedido de juros indemnizatórios

Os Requerentes peticionam para além da anulação parcial da liquidação de IRS n.º..., e consequentemente reembolso do imposto indevidamente pago no montante de € 7.794,62, a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios.

 

Conforme dispõe a alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT, “A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta (…) Restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”. E, de acordo com o disposto no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º1, alínea a) do RJAT a administração tributária está obrigada à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse cometida a ilegalidade ”compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”.  

 

Em harmonia com o artigo 43.º, n.º 1 da LGT “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

 

Considera-se verificada a existência de erro imputável aos serviços, segundo jurisprudência uniforme do STA, sempre que se verificar a procedência da reclamação graciosa ou impugnação judicial de acto de liquidação (no mesmo sentido, as decisões nos processos arbitrais n.ºs 218/2013-T e 729/2020-T).

 

Complementarmente, o artigo 61.º, n.º 2 do CPPT determina no seu n.º 2 que “em caso de anulação judicial do acto tributário, cabe à entidade que execute a decisão judicial da qual resulte esse direito determinar o pagamento dos juros indemnizatórios a que houver lugar.”, bem como no seu n.º 5, que “os juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito, em que são incluídos.”

 

No caso em apreço, os Requerentes procederam ao pagamento do montante indevido de € 7.794,62 em 22.08.2020, por erro unicamente imputável à Requerida.

 

Pelo que, procede o pedido de juros indemnizatórios que deverão ser calculados desde 22.08.2020, sobre o montante indevidamente pago de € 7.794,62, até ao seu integral pagamento, à taxa legal supletiva nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

  • DECISÃO

Em face do exposto, o Tribunal Arbitral Singular decide julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, e em consequência;

  1. Anular o indeferimento tácito do Recurso Hierárquico;
  2. Declarar parcialmente ilegal e anular a liquidação de IRS n.º 2020 ..., referente ao período de tributação de 2019, na parte em que não reconhece dedução de perdas verificadas no ano de 2018 na Categoria F, no montante de € 30.220,70, imputadas até à concorrência dos rendimentos prediais auferidos em 2019, com as devidas consequências legais;
  3. Condenar a Autoridade Requerida a restituir aos Requerentes o montante de € 7.794,62;
  4. Julgar totalmente procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Requerida no pagamento dos juros indemnizatórios contados desde 22.08.2020, sobre o montante indevidamente pago de € 7.794,62, até ao seu integral pagamento, à taxa legal em vigor;
  5. Condenar a Autoridade Requerida no pagamento das custas do presente processo. 

 

  • VALOR DO PROCESSO

 

  1. Fixa-se o valor do processo em € 7.794,62 (sete mil setecentos e noventa e quatro euros e sessenta e dois cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 

  • CUSTAS

 

  1. Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 612,00 (seiscentos e doze euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, cujo pagamento fica a cargo da Requerida.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 29 de Abril de 2022

 

 

A Árbitra

 

 

 

Sofia Quental