SUMÁRIO:
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O n.º 2 do artigo 28.º da LGT estabelece que “quando a retenção tiver a natureza de pagamento por conta do imposto devido a final, cabe ao substituído a responsabilidade originária pelo imposto não retido e ao substituto a responsabilidade subsidiária, ficando este ainda sujeito aos juros compensatórios devidos desde o termo do prazo
de entrega até ao termo do prazo para apresentação da declaração pelo
responsável originário ou até à data da entrega do imposto retido, se anterior.”
b) Estando em causa a distribuição de lucros, os devedores principais das importâncias sobre eles não retidas com natureza de imposto por conta são os substituídos, ou seja, as sócias a quem os lucros foram distribuídos (o que se presume tenha ocorrido no exercício fiscal de 2016).
c) Nem o responsável principal nem o responsável subsidiário respondem por dívida de retenção na fonte não efetuada, quando aquela tenha natureza de pagamento por conta e seja apurada após o termo do exercício em que devia ter sido efetuada.
d) A reversão da execução efetuada contra o responsável subsidiário por dívida por retenção na fonte, com natureza de pagamento por conta, que devia ter sido efetuada e não o foi, não tem base jurídica que a suporte, como decorre do n.º 2 do artigo 28.º da LGT, pelo que, por ilegal, deve ser anulada com todos os efeitos legais.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Fernanda Maçãs (árbitro-presidente), Dr. João Pedro Dâmaso (relator) e Dr. Paulo Lourenço, designados pelo Conselho Deontológico do CAAD para formarem o Tribunal Arbitral, constituído a 3 de Novembro de 2021, acordam no seguinte:
I. Relatório
1. A..., portador do número de identificação fiscal ..., citado para pagar a quantia de € 5.877.706, 78, na qualidade de responsável subsidiário, por despacho do diretor de finanças, proferido no âmbito do processo executivo n.º ...2019..., em que é executada a sociedade comercial com a firma B... Lda., conforme certidão de dívida nº 2019/..., extraída em 03/12/2019, por falta de pagamento voluntário da liquidação adicional nº 2019..., no valor de €5.812.980,77, emitida em 16-10-2019, referente a IRC do ano de 2016, vem IMPUGNAR, pelo presente pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do artigo 22º nº 5 da Lei Geral Tributária (LGT) conjugado com o artigo 2° n° 1, alínea a), do Decreto-Lei 10/2011, de 20 de Janeiro, a legalidade do acto tributário de liquidação nº 2019..., o qual originou a dívida exequenda, cuja responsabilidade subsidiária pelo pagamento lhe é atribuída.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT a 3 de Novembro de 2011.
A 15 de Outubro de 2021, o Senhor Presidente do CAAD informou as partes da designação dos árbitros, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT.
Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído a 3 de Novembro de 2011.
2.A fundamentar o pedido invoca o SP, entre o mais:
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O ato tributário de liquidação que ora se impugna é ilegal, porque assenta numa errónea quantificação dos factos tributários que são invocados pela AT. “Ou seja, o acto tributário que ora se impugna está «fundamentado» pela AT na existência de uma suposta
uma variação patrimonial positiva, inscrita nos registos contabilísticos do ano de 2013, no valor de €28.618.869,58, que não teria sido oferecida à tributação de IRC nesse mesmo exercício (em virtude de uma conduta artificiosa – maliciosa - dos gerentes da sociedade), motivo pelo qual a AT recorre à cláusula especifica anti abuso (consagrada no artigo 51º do CIRC) para fundamentar o ato de liquidação impugnado.
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“Conforme se demonstrou através de prova documental (cfr. Declarações anuais – IES – dos anos de 2012 e 2013 – doc. 9 e doc. 10 – e declaração de autoliquidação modelo 22 do ano de 2013 – doc. 11) não «foi contabilizada directamente em contas de resultados – reservas e resultados transitados» no ano de 2013 a indemnização e os juros recebidos em 2013, no valor total de €28.618.869,58 (isto porque o valor da referida indeminização e dos juros já tinham sido reconhecidos nos resultados e nas reservas no ano de 2008 e seguintes). E assim sendo, o acto tributário é ilegal porque enferma de errónea quantificação dos factos tributários que são invocados pela AT.
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Quanto à inaplicabilidade da norma específica anti-abuso, não existe qualquer esquema (artificio) para não tributar os lucros distribuídos no exercício de 2016, pelo que não é aplicável o nº13 e 14º do artigo 51º do CIRC;
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O facto do rendimento auferido pela B..., na parte que diz respeito à indemnização recebida, hipoteticamente não ter sido tributado nessa sociedade, não afasta a aplicabilidade da dispensa de retenção na fonte, resultante da aplicação dos artigos 97º nº1 alínea c), conjugado com o artigo 51º nº1, ambos do CIRC;
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Consequentemente, o acto tributário de liquidação adicional é ilegal, porque viola os artigos 97º nº1 alínea c) e 51 nº1 do CIRC, pelo que deve ser integralmente anulado, com fundamento no artigo 99º alínea a) do CPPT.
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Quanto à caducidade do direito de liquidar o imposto, alega o SP que, mesmo admitindo hipoteticamente a existência de uma variação patrimonial positiva supostamente registada na contabilidade da B... no ano de 2013 e não refletida para efeitos de apuramento do lucro tributável desse ano, o facto é que a AT não emitiu tempestivamente (isto é, dentro do prazo de caducidade de quatro anos) uma liquidação adicional (correctiva) de IRC, referente ao exercício de 2013, de modo a incluir no apuramento do lucro tributável de 2013 a indemnização recebida do Estado e respetivos juros.
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O facto de a AT não ter conseguido tributar a hipotética variação patrimonial positiva ocorrida no ano de 2013, não legitima a AT (talvez para «compensar» a suposta perda de receita fiscal ocorrida em 2013) a emitir uma liquidação adicional (ilegal) que afasta a aplicabilidade da dispensa de retenção na fonte (resultante da aplicação dos artigos 97º nº1 alínea c), conjugado com o artigo 51º nº1, ambos do CIRC) ao dividendo distribuído em 2016.
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Repetimos que o requisito da tributação efectiva dos lucros na esfera da sociedade que os distribui não é condição para a aplicabilidade do artigo 51º n.º1 do CIRC, na esfera da sociedade a quem são distribuídos, nem por força do n.º1 nem por força dos nº.13 e n.º14 daquele artigo, pois nenhum destes preceitos legais enumera tal requisito como condição da sua aplicabilidade.
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Assim sendo, o ato tributário é ilegal – porque viola os artigos 97º nº1 alínea c) e 51º nº1Código do IRC – pelo que deve ser integramente anulado, com fundamento no vício de errónea quantificação do facto tributário, por força do previsto no artigo 99º alínea a) do CPPT.
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Quanto ao “Venire contra factum proprium”, salienta o SP que a sociedade C..., deduziu no campo 771 do quadro 07 da declaração de autoliquidação de IRC (Modelo 22) referente ao exercício de 2016, a quantia de €20.446.545,00, por estarem satisfeitos os requisitos legais, previstos no artigo 51º nº1 do Código do IRC, para beneficiar do mecanismo de eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos (cfr. doc. 18, pág. 12)
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Contudo, “A AT no relatório de inspeção à sociedade C... aceitou a dedução dos lucros distribuídos (ao abrigo do artigo 51º nº1 do Código do IRC) e não aplicou a norma específica anti-abuso (consagrada nos nº13 e nº14 do referido artigo 51º do Código do IRC) à mesmíssima situação de facto”.
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Quanto à inoponibilidade ao substituto tributário da desconsideração de efeitos fiscais, alega o SP que (…) nenhuma norma anti-abuso (seja ela a clausula geral prevista no artigo 38.º n.º2 da LGT seja a norma específica prevista no artigo 51.º n.º13 e n.º14 do CIRC) permite que a AT obrigue o substituto tributário (neste caso a B...) que não obteve qualquer vantagem fiscal, a suportar um imposto que é devido por um outro sujeito passivo (o substituído, ou seja, a C...).
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Dito de outro modo, a aplicação das normas anti-abuso permite impor que seja tributado em impostos sobre o rendimento a entidade que obteve os rendimentos e não quem os não obteve, ou seja, numa situação em que existam vantagens fiscais indevidas, a norma anti-abuso não permite exigir a quantia correspondente à vantagem indevida a quem não beneficiou dessas vantagens, deixando intocados os que indevidamente delas beneficiaram.
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«De resto é esta a única interpretação que se compatibiliza com o princípio da tributação segundo a capacidade contributiva (artigo 104.º, n.º 2, da CRP) e o princípio da tributação com respeito pela justiça material (artigo 5.º, n.º 2, da LGT)» (cfr. Acórdão 395/2014-T, do CAAD).
3. Por sua Vez, a Requerida na resposta veio concluir, em suma:
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Apesar da sociedade B... estar sujeita e não isenta de IRC, o rendimento que ora distribui foi subtraído à tributação em sede deste imposto.
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Estamos, assim, perante um caso em que não ocorre a dupla tributação económica de lucros distribuídos, uma vez que os supostos lucros, nunca resultaram da sua contabilização como um lucro efetivo, pois não influenciaram qualquer resultado líquido. Antes foram contabilizados diretamente em contas de resultados, o que configura uma variação patrimonial positiva, que não tendo influenciado o resultado líquido, deveria ter sido acrescida, para efeitos de apuramento do resultado tributável, mas que não o foi.
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O que, com o decurso dos anos permitiu distorcer a natureza do saldo das contas de capital, permitindo decorridos três anos dar-lhe uma veste de distribuição de lucros já anteriormente tributados, o que atendendo à substância económica da operação não aconteceu.
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O sentido da citada norma fiscal, artigo 97.º n.º 1 alínea c) do CIRC, que dispensa a retenção na fonte dos lucros distribuídos, a que seja aplicável o n.º 1 do artigo 51.º do CIRC, não poderia ser outro que não fosse o de evitar a tributação em IRC duas vezes sobre o mesmo rendimento, isto é, pagar imposto aquando da distribuição dos lucros, que já haviam sido objeto de tributação em sede do mesmo imposto na esfera da entidade que os distribui. 29- Contudo, esta norma não poderá significar um prejuízo para o Estado, porquanto aquele rendimento ora distribuído não foi objeto de qualquer tributação em sede de IRC, apesar de sujeito e não isento deste imposto, conforme comprovado.
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Face ao exposto, somos levados a concluir que estamos na presença de uma situação de clara evasão fiscal, em que as partes intervenientes agiram de forma a subtrair o rendimento obtido à tributação em sede de IRC.
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É também, de referir que o gerente das duas entidades (entidade que distribui os lucros, a B..., e a entidade beneficiária, a. C...) é o mesmo, o que facilita a arquitetura de operações financeiras, algumas das quais, alheias aos interesses económicos de parte das entidades intervenientes, tal como se pode constatar com a deliberação constante da Ata n.º 4 de 31 de março de 2016, junta ao pedido arbitral como Documento 4, onde o Requerente A... é o único representante das quatro sociedades com presença na assembleia geral, na qual a totalidade dos lucros é distribuída apenas à sociedade C... .
4. Por despacho do Tribunal, de 10/1/2022, foi dispensada a realização da reunião prevista no art. 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste. Vd. arts. 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2 do RJAT. No mesmo despacho foram as partes notificadas para produzirem alegações escritas, sucessivas, no prazo de quinze dias a partir da notificação do presente despacho, designando-se o dia 03 de Maio de 2022 como prazo limite para a prolação da decisão arbitral. Prazo este prorrogado por despacho, de 29 de Abril de 2022, para o dia 3 de julho de 2022.
O Requerente apresentou alegações.
II. Saneador
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.
O requerente, enquanto revertido, tem legitimidade para impugnar dívida exequenda, por força do número 5 do artigo 22.º da LGT.
O processo não enferma de nulidades.
Cumpre apreciar e decidir
III- Quanto ao mérito
III-1. Matéria de facto
§1. Consideram-se provados os seguintes factos:
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O requerente é gerente da sociedade denominada de B..., Lda.;
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Contra o requerente, na qualidade de responsável subsidiário, por despacho do senhor diretor de finanças de Lisboa, proferido no âmbito do processo executivo nº ...2019..., em que é executada a sociedade comercial com a firma B... Lda., conforme certidão de dívida nº 2019/..., extraída a 3 de Dezembro de 2019, por falta de pagamento voluntário da liquidação adicional nº 2019..., no valor de 5 812 980,77 €, emitida a 16 de Outubro de 2019, referente a IRC do ano de 2016, a qual é proveniente de uma ação inspetiva externa à sociedade B..., cujas conclusões foram apresentadas no relatório elaborado pelos serviços da inspeção da Direção de Finanças de Lisboa, e que originou a dívida exequenda, reverteu a execução fiscal;
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Aquando da notificação do despacho de reversão, o valor em dívida era de 5 877 706,78 €.
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A sociedade gerida pelo requerente, recebeu uma indemnização de 28 618 869,58 € e ainda cinco imóveis em dação em pagamento, no valor de 3 360 900 €;
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No âmbito do exercício da sua atividade, a B..., passou a ter como única sócia, a sociedade denominada de C..., Lda.;
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No seguimento da análise aos registos contabilísticos, efetuada no âmbito da ação de inspeção levada a cabo ao sujeito passivo “B...” pelo correspondente serviço de inspeção da Direção de Finanças de Lisboa, verificaram os serviços que, em 2016, ocorreu o processamento e pagamento de dividendos no valor de 20 446 545,06 € à sócia do sujeito passivo “C...”, não tendo operado qualquer retenção na fonte sobre os dividendos distribuídos;
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No relatório de inspeção levado a cabo, lê-se o seguinte: “questionado o sujeito passivo acerca dos documentos de suporte a estes registos contabilísticos, o mesmo apresentou a ata n.º 4/2016, cuja cópia integra o anexo VI. Questionado ainda acerca de eventual retenção na fonte de IRC, o CC informou tratar-se de uma sociedade, pelo que não estaria sujeita à mesma. Informou, ainda, que se tratou do pagamento de dividendos por compensação de empréstimo efetuado anteriormente à detentora do capital do sujeito passivo.”;
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A 31 de Março de 2016, em assembleia-geral de sócios, da sociedade denominada B... Lda., conforme ata número 4/2016, anexa ao relatório da ação inspectiva, junta sob o anexo VI, no seu único ponto da ordem de trabalhos, lê-se o seguinte: “Deliberar sobre a distribuição da totalidade dos dividendos da sociedade à sócia C..., LDA., (…), no montante de 20 446 545 € (...)”;
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O único ponto da ordem de trabalho da assembleia-geral de 31 de Março de 2016, da sociedade B..., foi aprovado por unanimidade;
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Os serviços de inspeção tributária, referem também que “não se verifica a dispensa de retenção na fonte sobre lucros distribuídos, prevista no artigo 97.º n.º 1 alínea c) do CIRC, uma vez que se considera que o n.º 1 do artigo 51.º do CIRC não tem aplicação no caso concreto, por força do n.º 13 e do n.º 14 do mesmo articulado”;
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Os serviços de inspeção tributária, na análise efetuada, observaram ainda que aquando da distribuição de dividendos, na contabilidade da sociedade B..., foram efetuados os seguintes lançamentos:
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A reversão ocorrida, resulta do valor, em cobrança em processo de execução fiscal, correspondente à retenção na fonte que deveria ter sido efetuada, sobre o valor dos lucros distribuídos;
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Face ao rendimento distribuído, no montante de 20 446 545,06 €, no relatório de inspecção tributária foi apurado o imposto em falta de 5 111 636,27 €, que corresponde ao produto da taxa de 25%, sobre o montante distribuído;
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A B... foi executada na qualidade de devedora originária, tendo-lhe para o efeito, sido instaurado processo de execução, o qual foi mandado reverter contra um responsável subsidiário pela dívida da B...;
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O pedido foi apresentado a 27 de Agosto de 2021.
§2.º Factos não provados
Não existem factos não provados relevantes para o mérito da causa.
§3.º Fundamentação da decisão da matéria de facto
Considerando o disposto nos artigos 596.º, n.º 1 e 607.º, n.os 2 a 4, ambos do Código de Processo Civil (por remissão do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT), incumbe ao Tribunal o dever de selecionar a matéria de facto pertinente para a decisão judicativa, tomando em consideração a causa de pedir que sustenta a pretensão dos Requerentes.
No caso sub judice, a decisão sobre os factos provados e não provados radicou, segundo o princípio da livre apreciação da prova, no acervo documental presente nos autos e, bem assim, na alegação de factos cuja verificação não foi controvertida, questionada ou posta em causa, não existindo qualquer controvérsia relativamente à matéria de facto.
III-2. Matéria de direito
Na apreciação dos factos subjacentes à matéria em apreciação, nos termos do número 1 do artigo 124.º do CPPT, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado e, depois, se ainda for necessário, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação.
Dos factos considerados relevantes para a decisão da causa, importa considerar, entre o mais, que :
Em 2013, a B... recebeu do Estado, após longa ação judicial (1991-2013!), uma indemnização (que, pela "história contada" inclui juros indemnizatórios), no montante de € 28.618.869,58).
Dessa importância foi entregue à então massa insolvente a importância de € 6.147.291,50, tendo em vista pagar nela os créditos reclamados.
O saldo (€ 22.618.869,58) foi lançado contabilisticamente em contas de capitais próprios, não tendo influenciado a determinação da matéria coletável sujeita a IRC, na esfera jurídica da B..., no exercício de 2013.
Acontece que, não tendo este exercício de 2013 sido objeto de correção no prazo de caducidade, quanto à matéria coletável da B..., sobre o valor lançado diretamente em contas de capitais próprios, a Requerida desloca o epicentro da situação tributária do sujeito passivo para o ato tributário, não praticado pela B..., qual seja o da não retenção dos lucros distribuídos no exercício de 2016 à C..., no montante de € 20.446.545,06.
Importa, assim, recentrar a questão decidenda, tendo em vista a sua correta qualificação no plano jurídico tributário, porquanto enferma de errónea qualificação jurídica feita pela Requerida.
Vejamos.
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Quanto à caducidade da liquidação
Impõe-se começar pela análise da alegada caducidade.
Alega o Requerente, entre o mais, que o ato tributário de liquidação que ora se impugna é ilegal, porque assenta numa errónea quantificação dos factos tributários que são invocados pela AT, porquanto está «fundamentado» na existência de uma suposta uma variação patrimonial positiva, inscrita nos registos contabilísticos do ano de 2013, no valor de €28.618.869,58, que não teria sido oferecida à tributação de IRC nesse mesmo exercício (em virtude de uma conduta artificiosa – maliciosa - dos gerentes da sociedade), motivo pelo qual a AT recorre à cláusula especifica anti abuso (consagrada no artigo 51º do CIRC) para fundamentar o ato de liquidação impugnado.
Mais adiante, alega o Requerente que, mesmo admitindo hipoteticamente a existência de uma variação patrimonial positiva supostamente registada na contabilidade da B... no ano de 2013 e não refletida para efeitos de apuramento do lucro tributável desse ano, o facto é que a AT não emitiu tempestivamente (isto é, dentro do prazo de caducidade de quatro anos) uma liquidação adicional (correctiva) de IRC, referente ao exercício de 2013, de modo a incluir no apuramento do lucro tributável de 2013 a indemnização recebida do Estado e respetivos juros.
Sobre esta questão a Requerida nada disse.
Ora, tendo presente o teor do artigo 45.º da LGT, constitui "facto incontroverso" que, em 2019, a AT já não podia "corrigir" à B... o exercício de 2013 quanto ao IRC por si devido (na sua perspetiva), por força do disposto no n.º 1 daquele preceito (verificação da caducidade do direito de liquidar o imposto).
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Quanto à ilegalidade da liquidação por violação do artigo 28.º, n.º 2, da LGT
O artigo 28.º da LGT, sob a epígrafe “Responsabilidade em caso de substituição tributária, tem o seguinte conteúdo:
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Em caso de substituição tributária, a entidade obrigada à retenção é responsável pelas importâncias retidas e não entregues nos cofres do Estado, ficando o substituído desonerado de qualquer responsabilidade no seu pagamento, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
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Quando a retenção tiver a natureza de pagamento por conta do imposto devido a final, cabe ao substituído a responsabilidade originária pelo imposto não retido e ao substituto a responsabilidade subsidiária, ficando este ainda sujeito aos juros compensatórios devidos desde o termo do prazo de entrega até ao termo do prazo para apresentação da declaração pelo responsável originário ou até à data da entrega do imposto retido, se anterior.
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(…)
No caso em apreço o Requerente é demandado na qualidade de revertido, enquanto responsável subsidiário, em que é executada a sociedade comercial com a firma B... .
A questão central está em averiguar se o caso em apreço cai no n.º 1 do artigo 28.º ou pelo contrário, no n.º 2 do mesmo preceito
Nesta sede, tenha-se presente que o pedido gira em torno de uma liquidação efetuada à B... com fundamento em falta de retenção na fonte sobre lucros distribuídos, porque não se aplicaria ao caso, na tese da Requerida, o artigo 51.º do CIRC.
Estado em causa a reversão num processo de execução fiscal, instaurado em 2019 à B... pela dívida de uma retenção que, embora com argumentação improcedente, a AT entende que devia ter sido feita e não o foi, o que importa averiguar é saber se essa liquidação foi legal e deve ser mantida ou foi ilegal e deve ser anulada.
Neste contexto, não se discute que o regime da dupla tributação económica dos lucros distribuídos tem por objetivo evitar que o mesmo rendimento seja tributado duas vezes no mesmo imposto, embora em entidades juridicamente distintas. Neste caso, o rendimento tributado na B... não devia ser tributado aquando, por via da distribuição de lucros, aquele integrasse os réditos da C..., desde que verificados os respetivos pressupostos legais previstos no artigo 51.º do CIRC.
Questão, que, todavia, nenhuma das partes suscitou, sendo ainda certo que o processo executivo que legitimou a intervenção do Requerente neste PDA, foi instaurado à B... por não ter efetuado a retenção na fonte sobre os dividendos distribuídos. A retenção na fonte nada tem a ver com a dupla tributação económica dos lucros distribuídos, antes se reporta exclusivamente à suscetibilidade da dupla tributação jurídica capaz de se apresentar em diversas modalidades, v.g.: a devedora não reteve e a credora englobou o rendimento e invocou, como crédito de imposto, uma retenção que não lhe foi efetuada e não suportou; a devedora reteve e a credora englobou o rendimento, mas não invocou o montante retido como crédito de imposto.
No caso sub judice, o que se dá como provado é que a B..., enquanto entidade devedora, não efetuou a retenção na fonte, como era sua obrigação, verificando-se uma omissão integral sobre o que sucedeu ao nível da entidade credora dos dividendos distribuídos, matéria que, de resto, não é objeto de alegações nem de pedido nos presentes autos.
Ora, a retenção na fonte no momento da distribuição dos lucros situa-se a jusante da tributação dos rendimentos em IRC, exceto nos casos em que há "adiantamentos por conta de lucros". E não tem que ver rigorosamente nada com a tributação dos rendimentos em IRC: esta, situa-se ao nível da tributação da B..., em função da matéria coletável determinada; a retenção na fonte sobre lucros distribuídos é uma modalidade de substituição tributária que visa antecipar a cobrança na fonte do imposto devido, ou suscetível de o ser, pelo beneficiário da distribuição.
Ao contrário da conclusão a que se chegaria na tese da Requerida, nunca a B... pode ser "penalizada", porque ilegal, com uma tributação a título de retenção na fonte não efetuada sobre os dividendos que distribuiu à C...[1], com o argumento de que "o rendimento ora distribuído não foi objeto de qualquer tributação em sede de IRC", até porque "o Estado não foi prejudicado". Com efeito, trata-se de factos tributários distintos (a tributação em IRC da matéria coletável, de um lado, a retenção na fonte sobre lucros distribuídos, de outro) que não admitem compensação.
O IRC é um imposto próprio, devido e suportado pelas empresas (pessoas coletivas e outras entidades) e que incide sobre os seus lucros (matéria coletável, melhor dizendo). O imposto retido na fonte (a título de IRS ou de IRC) tem legitimação na substituição tributária, mecanismo através do qual a entidade devedora do rendimento se substitui ao Estado e, em nome e por conta dele, retém tal imposto e depois o entrega ao Estado, sendo que a retenção é feita por dedução ao rendimento e não é, portanto, suportada pela entidade que a efetua, e, neste caso concreto, teria sempre a natureza de pagamento por conta do imposto (IRC) devido pela C... a qual, se integrar os lucros na sua própria matéria coletável, por eles pagará (deveria ter pago?) IRC, mas também teria direito a deduzir a retenção que lhe fosse efetuada.
Isto é, o sujeito passivo que a AT deveria ter acionado era a C..., pois é ela quem, quer quanto à retenção na fonte, quer quanto à tributação em IRC dos lucros que lhe foram distribuídos em 2016, por alegada inaplicabilidade do artigo 51.º do CIRC, reúne os pressupostos do elemento objetivo da incidência: seria ela a beneficiar da retenção na fonte, se tivesse sido feita pela B... , invocando-a como crédito de imposto na sua declaração modelo 22 relativa a 2016, e seria (ou não) tributada em IRC pelos lucros distribuídos, sendo nessa liquidação a sede própria para se discutir se havia ou não lugar à aplicação do artigo 51.º. É que, a verificar-se, seria na esfera jurídica da C... que ocorreria a dupla tributação económica.
Volta a sublinhar-se que o PIT propõe, e acabar por ser efetuada, uma liquidação à B... com fundamento em falta de retenção na fonte sobre lucros distribuídos, porque não se aplicaria ao caso o artigo 51.º do CIRC. Ou seja, a B... não foi acionada por responsabilidade subsidiária nos termos do n.º 2 do artigo 28.º da LGT, não estando este Tribunal habilitado a modificar a qualificação do título invocado pela AT para efetuar a liquidação por não terem sido invocados quaisquer factos que pudessem firmar a convicção de que a C... não pagou, e devia ter pago, IRC sobre os lucros que lhe foram distribuídos. A B..., como se deu como provado, incluindo pelos factos alegados pela Requerida e pelos constantes do RIT, foi acionada a título de devedora originária, ou seja, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 28.º da LGT. O título de devedora originária, em matéria de retenção na fonte, conjugado o disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo 28.º da LGT, apenas se aplica quando a retenção deva ser efetuada a título definitivo ou liberatório, o que não é o caso.
Em suma, considerando que a retenção a efetuar pela B... teria, em qualquer caso, a natureza de pagamento por conta, e devendo ter ocorrido no exercício fiscal de 2016, julga-se plenamente aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 28.º da LGT, sendo, portanto, a liquidação ilegal.
De facto, o número 2 do artigo 28.º da LGT estabelece que “quando a retenção tiver a natureza de pagamento por conta do imposto devido a final, cabe ao substituído a responsabilidade originária pelo imposto não retido e ao substituto a responsabilidade subsidiária, ficando este ainda sujeito aos juros compensatórios devidos desde o termo do prazo de entrega até ao termo do prazo para apresentação da declaração pelo responsável originário ou até à data da entrega do imposto retido, se anterior.”
Como se indicou, não tendo a AT, diligenciado em primeiro lugar pela cobrança do IRC, na esfera da beneficiária originária do rendimento, isto é a sociedade denominada C..., não pode exigir o montante que tivesse que ter sido retido na fonte e não foi, pela entidade pagadora do rendimento, ou seja pela sociedade B..., até porque a responsabilidade subsidiária apenas atua até ao limite do imposto que devesse ter sido retido e não o tenha sido, tendo-se como referência o valor de imposto que fosse devido a final pela beneficiária final dos
lucros distribuídos.
Termos em que, por tudo o que vai exposto, se julga procedente o pedido, com a consequente anulação do ato de liquidação adicional de retenção na fonte n.º 2019 ... de 16.10.2019 e respetivos juros compensatórios, no valor de €5.812.980,77, referente ao período de tributação de 2016.
C) Questões prejudicadas
Procedendo o pedido de pronúncia arbitral com fundamento nos vícios atrás referidos, o que assegura uma efetiva e estável tutela dos direitos do Requerente, fica prejudicado o conhecimento dos outros vícios que lhe são imputados.
Na verdade, como está ínsito no estabelecimento de uma ordem de conhecimento de vícios, no artigo 124.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), julgado procedente um vício que obste à renovação do ato impugnado, não há necessidade de se apreciar os outros que lhe sejam imputados.
Por isso, julgado procedente o pedido com fundamento num vício que impede a renovação do ato impugnado com o mesmo sentido, fica prejudicado o conhecimento dos outros vícios que lhe são imputados, sejam formais e procedimentais, seja também de violação da lei.
IV. Decisão
De harmonia com o exposto acordam neste Tribunal Arbitral:
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Julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral,
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Anular do ato de liquidação adicional de retenção na fonte n.º 2019 ... de 16.10.2019 e respetivos juros compensatórios, no valor de €5.812.980,77, referente ao período de tributação de 2016.
V. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 5. 812 980,77, correspondente ao valor da liquidação objeto de impugnação.
VI. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 72 828,00 €, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 25 de Maio de 2022
Os Árbitros,
(Fernanda Maçãs, presidente)
(João Pedro Dâmaso-árbitro vogal)
(Paulo Lourenço-árbitro vogal)
[1] Sem prejuízo de lhe serem exigíveis juros compensatórios, nos termos do n.º 2 do artigo 28.º da LGT e de lhe ser aplicável a coima prevista no n.º 4 do artigo 114.º do Regime Geral das Infrações Tributárias.