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SUMÁRIO:
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A desoneração do IVA suportado em despesas de alimentação e bebidas (catering) subsumíveis na alínea d) do n.º 1 do art.º 21º do CIVA, é a excepção, ou seja, em princípio, ela está incontornavelmente excluída ou afastada por aplicação daquele normativo e só é admitida na hipótese do redébito com vista à obtenção do seu reembolso, admitindo-se a sua desoneração a 100% e desde que cumpridos os apertados formalismos.
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Sabendo-se que a Requerente se desonerou do IVA suportado nas despesas respeitantes a alimentação e bebidas (catering), não pode o tribunal alhear-se de tal circunstancialismo: o enquadramento da localização das prestações de serviços que a Requerente realiza não pode, liminarmente, apartar-se da questão da dedutibilidade ou não do IVA suportado na aquisição de bens e serviços que estão a montante das operações activas realizadas pela Requerente.
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É que se a Requerente se colocou em situação de poder desonerar-se do IVA suportado na aquisição de despesas respeitantes a alimentação e bebidas, por via do cumprimento rigoroso dos requisitos formais impostos para o efeito, deixou de poder, a jusante, tratar essa mesma componente das suas operações activas como serviços de produção audiovisual e passou a, necessariamente, ter de tratar tal componente como um redébito de despesas.
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O que a Requerente não pode é quer tratar os seus inputs ligados ao catering como débitos de despesas para efeitos de subsunção na alínea c) do n.º 1 do art.º 21.º do CIVA desonerando-se de imposto e, depois, tratar essa mesma componente das suas operações activas, para efeitos de determinação da regra de localização das operações prevista no art.º 6º do CIVA, como parte do serviço de produção audiovisual.
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Transmutando-se a prestação (em parte) em mero redébito de despesas (o que ocorreu porquanto a Requerente quis colocar-se na alçada da alínea c) do n.º 2 do art.º 21.º do CIVA, tendo em vista a desoneração do IVA suportado na aquisição de despesas de alimentação e bebidas), já a regra geral de localização das operações prevista na alínea a) do n.º 6 do art.º 6.º do CIVA não pode aplicar-se às operações aqui em causa, porquanto, há norma específica prevista nos números para diante daquela regra geral de localização das operações, concretamente a alínea c) do n.º 8 do art.º 6º do CIVA, que manda tributar tais operações no local da realização material dessas prestações o que, incontornavelmente, ocorreu em Portugal.
DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO:
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A..., Unipessoal, Lda., pessoa colectiva n.º..., com sede na Rua ..., nº ..., ... LISBOA (doravante, Requerente), apresentou, em 01.10.2021, pedido de pronúncia arbitral, invocando o disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 10.º, 13.º, todos do Decreto-Lei n. 10/2011, de 20 de Janeiro, que estabelece o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (de ora em diante apenas designado por RJAT) e ainda o disposto nos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.
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No pedido de pronúncia arbitral (doravante PPA), a Requerente optou por não designar árbitro.
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Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou árbitro singular que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
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Em 24.11.2021, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, por aplicação conjugada da alínea a) e b) do n.º 1 do art.º 11º do RJAT e dos art.º 6º e 7º do Código Deontológico.
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Em conformidade com o estatuído na alínea c) do n.º 1 do art.º 11º do RJAT, na redacção que lhe foi introduzida pelo art.º 228.º da lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 16.12.2021 para apreciar e decidir o objecto do processo.
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A pretensão objecto do pedido de pronúncia arbitral consiste na declaração de ilegalidade e anulação do acto tributário de liquidação de IVA emitido sob o n.º 2021..., em 5 de Julho de 2021, referente ao período de tributação de Janeiro de 2021, que corrigiu, no montante global de 48.530,00 €, o IVA deduzido pela Requerente cujo reembolso havia sido requerido na declaração periódica referente ao mês de Janeiro de 2021, por aquela prestar, no que tange às operações activas que realiza, uma única operação, consubstanciada nos serviços de produção audiovisual, donde e por força da regra de localização das operações constante da alínea a) do art.º 6.º do CIVA, correspondente ao art.º 44 da Directiva IVA, serviço único aquele não tributado (em sede de IVA) em Portugal, não obstante a desoneração na totalidade do IVA suportado a montante para a realização da parte correspondente da prestação de serviços realizada de catering, sustentando a Requerente a errada desconsideração pela AT do exercício do direito à dedução do IVA incorrido nos serviços de alimentação e bebidas e consequentemente a amputação do reembolso acima referido.
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Fundamentando o seu pedido, a Requerente alegou, em síntese, o seguinte:
I.A) Breve síntese das alegações da Requerente:
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Exposta aquela que para a Requerente é a factualidade relevante, começa aquela por explicitar o entendimento sustentado pela AT no que diz respeito à questão submetida a julgamento ao referir que a Autoridade Tributária e Aduaneira considera que “(...) pelo facto de as faturas emitidas pela Requerente conterem um descritivo que identifica as diversas rúbricas de gastos e a margem de lucro do projeto de produção do filme, esta estaria a realizar separadamente serviços específicos – transporte, aluguer de equipamentos, alojamento, catering, entre muitos outros – em vez de, como é correto, enquadrar o serviço prestado pela Requerente como um serviço de produção audiovisual – Produção de um filme publicitário.”
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E afrontando claramente a posição da AT aduz a Requerente no sentido de que “[A]liás, o simples facto de ser discriminada a margem de lucro global do projeto na fatura (a título de “production fee”) constitui um indicador inequívoco de que a atividade realizada pela Requerente não é a de alugar equipamento, ou hotelaria (alojamento), ou transporte, ou catering.”
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E não consubstanciando (no entendimento da Requerente) tal parte da actividade por si levada à prática, prestações de serviços de aluguer de equipamento, de alojamento, de transporte ou de catering, a questão que se colocava era a de saber qual era a tipologia das prestações efectivamente realizadas pela Requerente?
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E respondendo a tal interrogação diz a Requerente que: “[T]rata-se apenas e só da prestação de um serviço global de produção audiovisual, faturado com discriminação dos valores por rúbrica de custo e margem de lucro.”
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Donde, nessa decorrência, sustenta a Requerente que “(...) não presta serviços de catering, de hotelaria ou de quaisquer dos outros gastos discriminados nas faturas, apenas realiza os filmes em que se consubstancia a produção audiovisual.” E mais, advoga mesmo que “[O] procedimento segregado de facturação constitui apenas uma forma transparente de partilhar com os clientes os gastos incorridos e de evidenciar inclusivamente a margem de lucro.”
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E desenvolvendo a temática da actividade realizada pela Requerente se consubstanciar, tão-só, numa única prestação, de um único serviço que é o de produção audiovisual, prossegue aquela dizendo: “[Q]uando os clientes celebram um contrato com a Requerente o que pretendem obter não são os vários gastos discriminados nos orçamentos e faturas, mas antes o serviço de produção audiovisual: um filme (em regra de natureza publicitária) que a Requerente vai produzir.”
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E entrando no cerne da questão sub judicio, defende a Requerente que “[O] catering é apenas uma componente (gasto) do preço do serviço audiovisual prestado, tal como o são os gastos com o aluguer de equipamentos, transporte, alojamento dos participantes estrangeiros, entre muitos outros.”
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E não se detendo, aduz: “[A] Requerente limita-se a discriminar nas faturas e orçamentos as diversas categorias de gastos incorridos com a prestação dos referidos serviços de produção audiovisual, assim como o “fee” de produção (margem de lucro), partilhando de forma transparente com os seus clientes os gastos efetivamente incorridos com a prestação de serviços de produção audiovisual, conforme previstos nos orçamentos de cada projeto.”
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E partindo do procedimento de discriminação das diversas categorias de gastos que no seu entendimento constituem a prestação única de serviços de produção audiovisual, traz de seguida a Requerente à colação jurisprudência comunitária que identifica e que se reporta à sobejamente debatida questão da existência, para efeitos de IVA, de uma prestação única versus de várias prestações acessórias.
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Nessa linha argumentativa, aduz a Requerente: “A referida discriminação/segregação dos vários elementos do custo da prestação de serviços de produção audiovisual não é em si um elemento decisivo como afirmado pelo Tribunal de Justiça no acórdão C-224/11 de 17 de janeiro de 2013 (entendimento que já tinha sido proposto no despacho do Tribunal de Justiça no processo C‐117/11 de 19 de janeiro de 2012). Determinante para aferir a existência de uma operação única para efeitos do IVA é o objetivo económico da prestação e o interesse dos destinatários das operações (neste sentido vejam-se os acórdãos do Tribunal de Justiça C‐461/08 de 9 de novembro de 2009, C-42/14 de 16 de abril de 2015 e C-208/15 de 8 de dezembro de 2016).”
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Uma vez que para o TJUE o que releva no sentido da existência (ou não) de uma prestação única é o objectivo económico da prestação e o interesse dos destinatários das operações, esclarece a Requerente que relativamente à questão submetida a julgamento: “[O] objetivo prosseguido com o fornecimento das refeições é o de beneficiar a produção das filmagens, aumentando a eficiência e celeridade da produção e diminuindo constrangimentos e custos derivados com as deslocações e pausas que seriam necessárias se as refeições não fossem asseguradas nos locais onde decorrem as filmagens (muitas vezes vários locais num dia).” Além de que “O que os clientes procuram é o serviço de produção audiovisual, e não as refeições/catering.”, intuindo daqui que “(...) o catering é apenas uma componente (do custo) de um serviço único de produção audiovisual.”
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Ancorando tal conclusão na circunstância do procedimento preconizado como bom ser “(...) consentâneo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, nomeadamente no acórdão C-276/09 de 2 de dezembro de 2010, que afirma que estando “a operação constituída por uma só prestação no plano económico não deve ser artificialmente decomposta, para não se alterar a funcionalidade do sistema do IVA” (no mesmo sentido temos os acórdãos do Tribunal de Justiça C-224/11 de 17 de janeiro de 2013 e C-208/15 de 8 de dezembro de 2016), em situação análoga à analisada, visto que o catering é um gasto incorrido na prestação, e não uma prestação em si que seja pedida ou contratada pelo adquirente.”
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Sendo que a invocação de decisões prolatadas pelo TJUE prossegue ao trazer à colação a Requerente a jurisprudência firmada no acórdão C-208/15 de 8 de dezembro de 2016, segundo o qual: “Não obstante, em determinadas circunstâncias, várias prestações formalmente distintas, suscetíveis de ser fornecidas separadamente e, assim, de dar lugar, separadamente, à tributação ou à isenção, devem ser consideradas uma operação única quando não sejam independentes. Está em causa uma operação única, nomeadamente, quando dois ou vários elementos ou atos fornecidos pelo sujeito passivo ao cliente estão tão estreitamente ligados que formam, objetivamente, uma única prestação económica indissociável, cuja decomposição revestiria um caráter artificial. Tal acontece igualmente quando uma ou várias prestações constituem uma prestação principal e a ou as outras prestações constituem uma ou várias prestações acessórias que partilham da sorte fiscal da prestação principal.”
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E partindo de tudo quanto vem sendo explicitado, retira a Requerente as seguintes asserções: i) “[A] tributação separada de atos ou serviços que estão interligados, formando uma única prestação económica, representaria uma subversão ao sistema do IVA; ii) “(...) as refeições não constituem para os clientes um fim em si mesmo, antes um meio para beneficiar a prestação principal, logo, para efeitos de IVA, estamos perante uma única operação – serviços de produção audiovisual – sobre a qual incide um único tratamento para efeitos deste imposto.”
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Uma vez esclarecido, para a Requerente, estarmos perante prestação única de serviços de produção audiovisual, não podendo perspectivar-se o “catering”, em face da invocada jurisprudência emanada do TJUE, como prestação de serviços autónoma daquela mas antes uma componente daquele serviço unitário, passa aquela a discorrer sobre as regras de localização aplicáveis ao serviço de produção audiovisual, sabendo-se que os destinatários da referida prestação eram sujeitos passivos estabelecidos ou domiciliados em Estados-Membros da União Europeia ou até em países terceiros.
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Para o efeito começa por dizer que a AT aplica a alínea c) do n.º 8 do art.º 6.º do CIVA “(...) para determinar a localização de parte (do valor) das prestações de serviços da Requerente, com base no facto de considerar que essa parte respeita à prestação de serviços de alimentação e bebidas.”, no entanto e ancorada no que acima se deixou, no sentido de se refutar a aplicabilidade de tal normativo em termos de territorialidade das operações, aduz-se no sentido de que “(...) a Requerente não presta prestações de serviços de alimentação e bebidas, antes presta um único serviço de produção audiovisual.”
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A Requerente refere ainda que “[A] AT acolhe de forma expressa, na página 13 do RIT, tratar-se do “fornecimento de refeições para o local das filmagens [...] para o exercício da sua atividade – produção de um trabalho – filme ou afim”, cujo custo é incorporado no preço final do serviço.”, ou seja, do ponto de vista da caracterização das operações aqui em causa como de “catering” e até da sua ligação à actividade produtiva da Requerente as partes parecem nem sequer divergir.
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O pomo da divergência está, partindo do facto de estarmos perante prestação única e ainda da discriminação das operações de catering nos documentos que titulam a facturação da Requerente e até da desoneração do IVA suportado a montante da sua realização, na circunstância de para a Requerente não ser “(...) concebível a aplicação do artigo 6.º, n.º 8, alínea c) do Código do IVA, visto que não se trata de prestações de serviços de alimentação e de bebidas, mas antes da prestação de um serviço de produção audiovisual.”
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Sendo que, para a Requerente, e “(...) por força das regras de localização do imposto aplicáveis às prestações de serviços, constantes do artigo 6.º, n.º 6 do Código do IVA, neste caso particular, na sua alínea a), correspondente ao artigo 44.º da Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do IVA – “Diretiva IVA”, esses serviços não são tributados em IVA em Portugal, em virtude de, como se disse, os respetivos adquirentes serem entidades, sujeitos passivos deste imposto, cuja sede ou estabelecimento estável para o qual são prestados se situam fora do território nacional.”
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Quanto à acima aventada questão da desoneração do IVA suportado a montante nas operações de “catering”, suscitada pela AT em sede inspectiva, concretamente no ponto 4.2. do RIT, sustenta a Requerente, no ponto C) do seu PPA, a sua irrelevância para o caso, defendendo que “Para o enquadramento da localização da prestação de serviços em análise não releva a dedutibilidade do IVA incorrido nas aquisições de bens e serviços, que constitui questão distinta e não confundível.”
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Prossegue a Requerente suscitando a questão da dedutibilidade do IVA suportado nas operações de “catering” e da inaplicabilidade a tal IVA suportado da alínea d), do n.º 1 do art.º 21.º do CIVA, por tais inputs revestirem carácter estritamente profissional não se destinando a consumos privados ou a fins alheios à actividade societária prosseguida pela Requerente.
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Aduzindo a Requerente como segue: “Mesmo não tendo nenhuma incidência para o litígio em questão, por dever de patrocínio, refuta-se a tese da AT de que o IVA incorrido nos gastos de catering não seria dedutível. Importa notar que o catering no local das filmagens, no âmbito da execução dos projetos que constituem a atividade da Requerente, visa unicamente a satisfação das necessidades do elenco e do pessoal técnico envolvido e reveste carácter estritamente profissional, não se destinando a uso privado ou a fins alheios. Assim, configura um instrumento indispensável ao exercício da atividade da Requerente (realidade que, em rigor, foi reconhecida pela AT na página 13 do RIT) não sendo subsumível aos “serviços de alimentação e bebidas” cujo IVA não é dedutível, nos termos do artigo 21.º/1/d) do Código do IVA.”
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Em 6.4.2022, a Requerente apresentou alegações finais escritas, repristinando ali, no essencial, a hermenêutica sustentada no PPA e acima sobejamente explicitada.
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Em 7.2.2022, a Requerida apresentou resposta, na qual, em escorço, alega:
I.B) Breve síntese das alegações da Requerida:
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Para além da Requerida remeter para o teor do RIT, começa por aludir à circunstância da Requerente, no exercício da sua actividade, proceder à prestação e respetiva facturação de serviços relativos à produção de filmes de natureza publicitária, cujos clientes são empresas domiciliadas ou estabelecidas em países da União europeia ou até mesmo em países terceiros.
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Logo de seguida aduz a Requerida no sentido de que “No período analisado, nas faturas emitidas, a sociedade procedeu à discriminação das várias rubricas faturadas, nomeadamente, “... - Casting Expenses”, “...– Production”, “… - Main Unit”, “… - Locations / Hotel / Catering / … Costs”, “… - … & Make-up”, “…- Equipment Rental”, “…- Production Fee”, entre outros.”
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Dizendo ainda a Requerida que: “Os valores faturados por rubrica estão de acordo com o respetivo Orçamento elaborado para o cliente, onde se encontram discriminados todos os custos previstos com a produção publicitária, bem como um “fee” de produção.”
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E partindo da regra de localização das operações prevista na alínea a) do n.º 6 do art.º 6.º do CIVA (numa interpretação a contrario), refere a Requerida que a Requerente, nas faturas que emitiu e que estão a titular as suas operações activas, não liquidou IVA na totalidade do valor das faturas, ou seja, não fez incidir imposto sobre o valor dos serviços de “catering”.
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Por outro lado, aceita a Requerida que “No âmbito dos contratos de produção celebrados com os seus clientes, a Requerente assume a obrigação de assegurar as refeições da equipa técnica de suporte e artística no local das filmagens.” E ainda que aquela “(...) não presta serviços de catering, de hotelaria ou de quaisquer dos outros gastos discriminados nas faturas, apenas realizando os filmes em que se consubstancia a produção audiovisual.”
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Dizendo mesmo a Requerida que “(...) os serviços de catering adquiridos assumem-se como um custo inerente à atividade empresarial da Requerente, mas não constituem, de per si, o objeto da sua atividade.”
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E partindo da factualidade acima deixada (que não controverte) passa a Requerida a defender que “Existe um acervo de despesas tipificado no artigo 21º do CIVA, para as quais, o direito à dedução do imposto nelas contido, não obstante concorrerem para a formação das operações sujeitas e não isentas do imposto (artigo 20º do CIVA), se encontra, por lei, excluído.”
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Passando a identificar concretamente tais despesas, refere a Requerida, expressamente, o caso das despesas relativas a alimentação e bebidas cuja desoneração em sede de IVA está inviabilizada por aplicação da alínea d) do n.º 1 do aludido art.º 21º do CIVA.
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Não obstante aquela afirmação de princípio no sentido da impossibilidade de desoneração do IVA suportado em despesas de alimentação e bebidas, prossegue a Requerida dizendo que a mesma não ocorre “Quando o adquirente debita essas despesas ao seu cliente, com vista a obter o seu reembolso. Isto é, se uma dada empresa suporta este tipo de despesas e deduz o IVA nelas contido, para que a dedução possa ser aceite, terá obrigatoriamente que as debitar ao cliente, discriminando-as, e aplicar o IVA à taxa correspondente a cada um dos bens e/ou serviços, devendo apensar à respetiva fatura cópias das referidas despesas, dado que os originais são os documentos de suporte dos lançamentos efetuados na sua contabilidade, de acordo com o disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 123.º do Código do IRC.”
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Defendendo a Requerida que “A última parte da redação da norma [que não identifica mas que só pode ser a alínea c) do n.º 2 do art.º 21.º do CIVA] impõe que aquelas despesas incorridas por conta de terceiro sejam debitadas no sentido de obter o respetivo reembolso, o que pode acontecer por via de uma fatura autónoma ou por via da identificação do dito serviço em linha autónoma da fatura, pois só assim fica garantido o cumprimento das regras do imposto.”
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E revertendo para o caso dos autos, aduz a Requerida no sentido de que “(...) nas faturas emitidas aos clientes, e de acordo com o Orçamento elaborado para cada cliente, a Requerente discriminou os gastos inerentes à elaboração do filme publicitário, inclusive, as despesas relacionadas com serviços de catering, tendo-o efetuado através de uma linha autónoma na fatura.”
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Detalhando a actuação da Requerente e partindo da informação contabilística analisada em sede de procedimento inspectivo, repisa-se que a Requerente: i) “Adquire despesas com serviços de catering para o local das filmagens, cujo IVA é objeto de dedução”; ii) “Nas faturas emitidas aos clientes, (...) debita essas despesas, através de discriminação numa linha autónoma, sem liquidar IVA.”
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E partindo dali, diz a Requerida que “(...) a AT considerou que as despesas em causa foram objeto de débito ao cliente, tendo por isso, aceite a dedução do IVA nas aquisições dos serviços de catering.” Mais: “Tendo as mesmas sido debitadas sem IVA, foi efetuada a correção, no montante de € 48.530,00, por falta de liquidação de imposto.”
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Detalhando o entendimento sustentado pela AT, aduz ainda a Requerida como segue: “Quando o sujeito passivo, prestador do serviço, fatura a um operador localizado em território nacional, optando por faturar o produto final (filme) ao seu cliente, só será admitida a dedução integral da parcela do imposto mencionada na fatura, desde que seja autonomizado o serviço de alimentação adquirido, nos termos da alínea c) do nº 2 do art.º 21.º do CIVA.”, ou seja, esclarece a Requerida que independentemente de se colocarem ou não questões de territorialidade (trazendo à colação, por isso, em tese, o relacionamento entre sujeitos passivos estabelecidos em território nacional), caso o prestador do serviço queira desonerar-se de imposto suportado nos inputs consubstanciados em serviços de alimentação e bebidas, tem de respeitar o determinado na alínea c) do n.º 2 do art.º 21º do CIVA, autonomizando na facturação que virá a empreender os correspondentes serviços e dando cumprimento aos demais requisitos formais tendentes àquele desígnio.
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Do mesmo modo, “(...) quando o sujeito passivo, prestador do serviço, emite fatura a um operador sujeito passivo localizado fora do território nacional, nos termos do disposto na alínea c) do nº 8 do artigo 6.º do CIVA, o serviço de alimentação é considerado localizado em território nacional sempre que nele for executado, como foi o caso (...), trazendo ainda à discussão em termos de suporte legal o disposto na alínea c) do n.º 8 do art.º 6.º do CIVA que diz: “Não obstante o disposto no n.º 6, são tributáveis as seguintes operações: (...) c) Prestações de serviços de alimentação e bebidas, que não as referidas na alínea d), que sejam executadas no território nacional;”
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Inferindo daquele normativo que “Independentemente da natureza do adquirente ou da localização da sua sede, estabelecimento estável ou, na sua falta, do domicílio, o redébito do serviço de alimentação executado em território nacional é sempre aqui tributado, conforme artigo 8.º, n.º 6, al. c) do CIVA.”
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Mais dizendo: “Se assim não fosse, o Estado Português ver-se-ia efetivamente sonegado do direito a receber a parcela de imposto relativa a uma operação especialmente localizada no seu território, pois não receberia o imposto do adquirente localizado fora do território nacional nem o receberia do prestador do serviço, que o deduziu.”
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A respeito da produção de prova testemunhal solicitada pela A. aduz a Requerida no sentido de que: “(...) desde já se alerta para o facto de a discussão aqui em dissídio se resumir a uma pura questão de direito, de interpretações de normas referentes ao IVA e do seu alcance no contexto da actividade da empresa. E prossegue sustentando: “Não existem propriamente factos controvertidos e toda a prova necessária deve ser efectuada por via documental, de modo que a realização da inquirição de testemunhas revela-se inútil para o julgamento da situação em apreço.”
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Defendendo finalmente que o acto tributário sindicado deverá ser mantido na ordem jurídica e, nessa conformidade, devendo julgar-se improcedente, in totum, o pedido, com todas as legais consequências.
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A Requerida não apresentou alegações finais escritas.
I.C) Alegações da Requerente no articulado superveniente apresentado em cumprimento do despacho arbitral de 23.2.2022 e despacho arbitral de 28.3.2022:
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O despacho Arbitral de 23.2.2022 determinou: “Considerando que: - Face aos articulados apresentados pelas partes se afigura que as questões a apreciar e decidir se reconduzirão, fundamentalmente, a questões de direito; - Só foi apresentada prova testemunhal pela Requerente, não tendo sido requerida a produção de qualquer prova adicional por parte de Requerida. Mais: na Resposta, a Requerida, a respeito da produção de prova testemunhal solicitada pela A. aduz no sentido de que: “(...) desde já se alerta para o facto de a discussão aqui em dissídio se resumir a uma pura questão de direito, de interpretações de normas referentes ao IVA e do seu alcance no contexto da actividade da empresa. E prossegue defendendo: “Não existem propriamente factos controvertidos e toda a prova necessária deve ser efectuada por via documental, de modo que a realização da inquirição de testemunhas revela-se inútil para o julgamento da situação em apreço.” - Não foram suscitadas quaisquer excepções de que deva conhecer-se. DECIDE-SE, ao abrigo dos princípios da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (artigos 16º, alíneas c) e e), 19º,nº 1 e 29º, nº 2 do RJAT), e do princípio da proibição de actos inúteis (art.º 130º do Código de Processo Civil, ex vi da alínea e) do nº 1 do artigo 29º do RJAT): i) convidar a Requerida a juntar aos autos, no prazo de cinco dias, o Processo Administrativo Tributário a que se reporta o n.º 2 do art.º 17º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro e que protestou juntar; ii) notificar a Requerente para, no mesmo prazo de cinco dias, se pronunciar sobre a invocada inutilidade da inquirição de testemunhas e ainda reiterar (ou não) interesse na produção da prova testemunhal requerida e em caso afirmativo indicar quais os factos que pretende ver provados pelas testemunhas indicadas que não sejam susceptíveis de prova documental já produzida com a junção dos articulados. NOTIFIQUE-SE. Lisboa, 23 de Fevereiro de 2022. O árbitro, Ass.”
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Na Resposta àquele despacho arbitral de 23.2.2022, em articulado superveniente, junto aos autos em 17.3.2022, a Requerente reiterou interesse na produção da prova testemunhal requerida, indicando ainda os factos alegados no PPA que pretendia fossem provados.
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Subsequentemente à apresentação do requerimento junto ao SGP do CAAD em 17.3.2022, proferiu o tribunal o seguinte despacho: “Considerando que: - As questões a apreciar e decidir se reconduzirão, fundamentalmente, a questões de direito; - Não descortina o tribunal, na presente lide, a existência de factualidade relevante controvertida; - A factualidade relevante nos presentes autos está provada documentalmente. DECIDE-SE, ao abrigo dos princípios da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (artigos 16º, alíneas c) e e), 19º,nº 1 e 29º, nº 2 do RJAT), e do princípio da proibição de actos inúteis (art.º 130º do Código de Processo Civil, ex vi da alínea e) do nº 1 do artigo 29º do RJAT): i) convidar a Requerida a juntar aos autos, no prazo de dez dias, o PA que protestou juntar na sua contestação (in fine); ii) Não obstante a Requerente, na Resposta ao Despacho Arbitral de 23.2.2022, reiterar o seu interesse na produção da prova testemunhal requerida, dispensar a produção de prova testemunhal; iii) dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.° do RJAT; iv) facultar às partes a possibilidade de, querendo, apresentarem alegações escritas simultâneas, podendo a Requerente e Requerida fazê-lo no prazo de dez dias, contados da notificação do presente despacho, em conformidade com o disposto no n.º 1 do art.º 120.º do CPPT, aplicável ex vi do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT. A decisão final será proferida e notificada às partes até ao termo do prazo fixado no artigo 21º, nº 1 do RJAT, devendo a Requerente, até à data da prolação da decisão arbitral, proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.° do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD. NOTIFIQUE-SE. Lisboa, 28 de Março de 2022. O Árbitro, Ass.”
II. THEMA DECIDENDUM:
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A questão decidenda consiste em saber se, no que tange às operações activas, a Requerente realiza uma única operação, consubstanciada nos serviços de produção audiovisual, donde e por força da regra de localização das operações constante da alínea a) do art.º 6.º do CIVA, serviço único aquele não tributado (em sede de IVA) em Portugal; ou se, ao invés, a circunstância da desoneração (na totalidade) do IVA suportado a montante da prestação de serviços de “catering” e o cumprimento dos respectivos requisitos de ordem formal tendentes a tal desoneração, levam a que a regra de localização aplicável a esta componente da prestação realizada seja diferente da regra geral prevista na alínea a) do n.º 6 do art.º 6.º do CIVA, derrogando-se a sua aplicabilidade por subsunção desta parte da prestação na alínea c) do n.º 8 do art.º 6º do CIVA.
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Cumpre, então, agora, proferir decisão.
III. SANEAMENTO:
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O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer do acto tributário de liquidação de IVA n.º 2021..., reportado ao período de tributação de 2021.01, que corrigiu o montante de IVA deduzido pela Requerente de 48.530,00 €, cujo reembolso havia sido requerido na declaração periódica referente ao mês de Janeiro de 2021, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.
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As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (Cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
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A ação é tempestiva, porque apresentada no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, de acordo com a remissão operada para o artigo 102.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).
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O processo não enferma de nulidades.
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Não foram suscitadas existem excepções que se mostre necessário apreciar.
IV. DECISÃO:
III.A) Factos que se consideram provados:
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Antes de entrarmos na apreciação das questões acima elencadas, cumpre fixar a matéria factual que é relevante para a respectiva decisão:
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A Direcção de Finanças de Lisboa, através da Ordem de Serviço n.º OI2021..., abriu à Requerente procedimento de inspecção interno, de âmbito parcial, reportado ao período de tributação de 2021.01, tendo em vista a aferição da legitimidade do pedido de reembolso de IVA n.º ..., efectuado nos termos do Despacho Normativo n.º 18-A/2010, de 1 de Julho (alterado e republicado pelo Despacho Normativo n.º 17/2014, de 26 de Dezembro) na declaração periódica de IVA do período de tributação 2021.01, no montante de 71.227,45 € (Cfr. fls. 3 do Relatório da Inspecção Tributária, adiante RIT, junto aos autos pela Requerente como Doc. n.º 5, concretamente os seus pontos II.1 e II.2([1]));
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A Requerente é uma sociedade por quotas unipessoal que tem por objeto social a “Prestação de serviços de produção audiovisual e publicitária em geral, como filmes, vídeos, programas de televisão e anúncios publicitários, a clientes comerciais, e as atividades para as quais são exigidos níveis mais elevados de qualificação profissional e técnica; atividades técnicas de pós-produção para filmes, vídeos e programas de televisão; recrutamento, gestão e exploração de patrocínios e serviços de publicidade; serviços empresariais relacionados com a preparação de imagem e estética, modelos, publicidade, congressos e desfiles de moda; representação artística, organização, promoção, difusão e coordenação de todo o tipo de eventos desportivos, culturais, empresariais, recreativos e artísticos, bem como de exposições de todo o tipo; produção, participação, realização e direção de espetáculos ou atividades desportivas, culturais, musicais, teatrais e televisivas para apresentações públicas, tanto em teatros, pavilhões ou plateaus de televisão e/ou estúdios de gravação, assim como a pós-produção dos mesmos.” (Cfr. Doc. n.º 3, certidão permanente junta ao PPA pela Requerente e ainda art.º 1º do PPA);
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De acordo com a base de dados da Autoridade Tributária e Aduaneira a Requerente iniciou a sua actividade em 30.10.2018 e encontrava-se registada pela seguinte actividade: “Produção de filmes, de vídeos e de programas de televisão”, com o CAE principal 59110 e com os CAE´s secundários 073110 – “Agências de Publicidade” e 082300 – “Organização de feiras, Congressos e outros eventos similares”. (Cfr. Acordo das partes. Artigo 4º do PPA e fls. 4 do Relatório de Inspecção Tributária, adiante RIT, junto aos autos pela Requerente como Doc. n.º 5, concretamente o seu ponto II.3.1);
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A Requerente dedica-se à produção audiovisual, no âmbito da qual realiza a rodagem de filmes publicitários e promocionais para marcas internacionais de referência. (Acordo das partes. Cfr. art.ºs 2.º e 3.º do PPA e art.º 2º da Resposta e ainda fls. 5 do RIT (Ponto II.3.3.1));
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Os destinatários e adquirentes dos serviços de produção audiovisual prestados pela Requerente são entidades representativas de importantes marcas conhecidas mundialmente, como a ..., a ..., a ..., a ..., entre muitas outras e, em geral, estão estabelecidos fora de Portugal, noutras jurisdições, quer na União Europeia, quer em países terceiros, como é o caso dos Estados Unidos e do Canadá (Acordo das partes. Cfr. art.ºs 3.º do PPA e art.º 2º da Resposta e ainda fls. 5 do RIT (Ponto II.3.3.1));
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A produção de filmes publicitários e promocionais é de natureza criativa e envolve um processo complexo e múltiplos recursos: materiais, técnicos e humanos. (Acordo das partes. Cfr. art.º 4.º do PPA e art.º 3º da Resposta);
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O processo de produção de filmes encerra a criação de um argumento/roteiro, a escolha e preparação do(s) cenário(s) das filmagens (a preparação dos “sets”), onde serão captadas imagens (internas e externas), uma equipa técnica de suporte, o elenco, entre muitos outros elementos e requer também a preparação prévia de tudo o que é necessário no “set” das filmagens, desde a alimentação até aos equipamentos de iluminação, som e maquinaria diversa.
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As equipas de trabalho da Requerente têm carácter internacional, participando atores/modelos de diversas nacionalidades, bem como profissionais técnicos.
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As filmagens são deslocalizadas e ocorrem em múltiplos locais, em função dos projetos.
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Em cada produção são envolvidas pessoas distintas, quer da equipa técnica, quer do elenco de actores e modelos, ou seja, de filme para filme são diferentes os profissionais envolvidos.
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Todos os encargos associados à logística da produção são da responsabilidade da Requerente, que tem de assegurar o transporte, o alojamento e a alimentação dos profissionais que estão a trabalhar para o projeto nos locais das filmagens, além dos demais aspetos técnicos relevantes (v.g. iluminação, cenários, entre outros). (Acordo das partes. Cfr. art.ºs 8.º do PPA e art.º 3º da Resposta);
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Os orçamentos de cada projeto são uma peça fundamental da documentação contratual (negociação e adjudicação por parte dos clientes) e, dada a natureza internacional e deslocalizada dos clientes, são normalmente enviados e aprovados por via electrónica. Tais orçamentos incluem um detalhe exaustivo de todos os gastos estimados incorrer por rúbrica (gastos por natureza), compreendendo, naturalmente, o custo do fornecimento de refeições à equipa nos sets de filmagens, que podem ser interiores (dentro de edifícios) ou exteriores (Acordo das partes. Cfr. art.ºs 9.º do PPA e art.º 4.º e 5.º da Resposta e ainda Doc. n.º 6 e Doc. n.º 7 juntos ao PPA);
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Cada orçamento de produção contém uma rúbrica dos gastos a incorrer com o “catering” nas filmagens. (Cfr. Doc. n.º 6 junto ao PPA).
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Independentemente dos gastos envolvidos na produção a incorrer pela Requerente com as diversas componentes do custo de produção das filmagens (quer no caso do catering, quer no dos demais casos), o resultado final adquirido e contratado pelos clientes, é simplesmente um filme (Acordo das partes. Cfr. art.º 11.º do PPA e art.º 6.º da Resposta e ainda Doc. n.º 6 e Doc. n.º 7 junto ao PPA);
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Nas faturas emitidas aos seus clientes, pelos serviços de produção audiovisual prestados, a Requerente discrimina as diversas categorias de gastos incorridos com a prestação dos referidos serviços, assim como um “fee” de produção (ou seja, a sua margem bruta), partilhando de forma transparente com os seus clientes os gastos efetivamente incorridos com a prestação de serviços de produção audiovisual, conforme o previsto nos orçamentos de cada projeto. (Acordo das partes. Cfr. art.º 12.º do PPA e art.º 7.º da Resposta);
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A Requerente encontra-se registada, em sede de IRC, no regime geral de determinação do rendimento e, em sede de IVA, está enquadrada no regime normal com periodicidade mensal desde 1.1.2021. (Cfr. fls. 4 do RIT junto ao PPA como Doc. n.º 5);
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Resulta do ponto II.3.3.3 do RIT, que tem por epígrafe “Caracterização e enquadramento das operações passivas e das que deram lugar à dedução de imposto a favor do sujeito passivo no período em análise”, que no Campo 24 das respectivas declarações periódicas (outros bens e serviços), a Requerente deduziu imposto suportado em gastos relacionados com: i) Aquisição de serviços de produção à empresa B...- UNIPESSOAL,LDA.; ii) Pagamento de um valor de aquisição de direitos de imagem para determinados projetos publicitários à empresa C..., UNIPESSOAL, LDA.; iii) Aquisição de serviços de iluminação e maquilharia à empresa D...LDA.; iv) Aquisição de serviços de catering ao fornecedor E... UNIPESSOAL LDA.; v) Prestação de serviços de cedência de pessoal (bailarinos, personagem principal, músicos) pela empresa F..., LDA.; vi) Aquisição de serviços de produção publicitária para vários anúncios à empresa G..., S,L., com sede em Espanha; vii) Aluguer de equipamentos para filmagens à empresa H... LDA.; viii) Aquisição de serviços de produção a empresa I..., com sede em Franca. (Cfr. fls. 7 do RIT, Ponto II.3.3.3);
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As correcções efectuadas no decurso do procedimento inspectivo referido na alínea A) do probatório, encontram-se justificadas no RIT como segue: “III.1 – “Faturação de despesas referentes a operações localizadas em Portugal”. A sociedade A... procedeu à faturação de prestações de serviços relativas a filmes de natureza publicitária, a empresas sediadas no mercado comunitário, que ocorreram no território nacional. Nas faturas emitidas, a sociedade procedeu à discriminação das várias rubricas faturadas, nomeadamente, “...- Casting Expenses”, “… - Production”, “…- Main Unit”, “...– Locations/Hotel/Catering/ ... Costs”, I0 - … & Make-up”, “…- Equipment RentaI”, “…- Production Fee”, entre outros. Os valores faturados por rubrica, estão de acordo com o respetivo Orçamento elaborado para o cliente (anexo a cada fatura), onde se encontram discriminados todos os custos previstos com a produção publicitária. Nas faturas emitidas, a empresa não liquidou IVA na totalidade do valor do fatura, ao abrigo das regras de Localização previstas na alínea a) do n° 6 do art.º 6°, a contrario, do Código do IVA, que localiza aqueles serviços prestados no lugar da sede, estabelecimento estável ou, na sua falta, do domicílio do adquirente. III.1.1. – “Serviços de Catering”. O n.º 8 do art.º 6° do CIVA prevê a liquidação de IVA em Portugal nas operações entre B2B, que consistam em: “c) Prestações de serviços de alimentação e bebidas, que não as referidas na alínea d), que sejam executadas no território nacional;” Significa isto que, independentemente da qualidade do adquirente, estas prestações de serviços são localizadas/tributáveis no lugar onde ocorre a fornecimento dos serviços. No caso em apreço, a sociedade A..., nas faturas que emitiu aos clientes e cuja cópia foi recebida, detalhou os serviços de alimentação que foram debitados, porém não procedeu à liquidação do respetivo imposto. Ora, atendendo à norma anteriormente referida, e tendo os mesmos sido executados em território nacional, consideram-se os mesmos aqui localizados/tribulados. Face ao exposto, procedeu-se ao apuramento, por fatura, dos valores serviços do catering debitados.” (Cfr. fls. 8 do RIT, Pontos III.1 e III.1.1);
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Daquele procedimento inspectivo interno referido no ponto A) do probatório, resultaram correcções meramente aritméticas em sede de imposto em falta (IVA) que se cifraram, para o ano de 2021 (período de tributação 2021.01), em 48.530,00 €, que estão na origem da liquidação de IVA submetida a julgamento (Cfr. fls. 3 do RIT, Ponto I – Conclusões da Acção de Inspecção);
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Tais correcções foram materializadas na liquidação de IVA emitida pela área de cobrança da Autoridade Tributária e Aduaneira sob o n.º 2021..., datada a 6 de Julho de 2021, conforme consta da correspondente Demonstração de Liquidação que corrigiu o IVA declarado pela Requerente em 48.530,00 €. (Cfr. Doc. n.º 1 junto ao PPA);
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Por despacho de 6.7.2021, da Exmª Senhora Directora de Serviços de Reembolsos, o pedido de reembolso de IVA n.º..., de 71.227,45 €, foi deferido parcialmente, cifrando-se tal reembolso em 22.697,45 €, corrigindo-se o montante de 48.530,00 €. (Cfr. Doc. n.º 9 junto ao PPA);
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A Requerente exerceu o seu direito de audição que não foi atendido, mantendo a AT as conclusões e correções preconizadas no RIT. (Cfr. Doc. n.º 9 junto ao PPA);
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Em 01.10.2021, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo (Cfr. Sistema de Gestão Processual do CAAD).
IV.B) Factos não provados:
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Não se provaram outros factos com relevância para a decisão das questões submetidas a julgamento.
IV.C) Fundamentação da decisão sobre a matéria de facto:
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Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
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Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. art.º 596.º do CPC).
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A convicção sobre os factos assim dados como provados (acima explicitados) fundou-se nas posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados; na prova documental junta aos autos; e ainda nas alegações aduzidas pelas partes, Requerente e Requerida, que não foram impugnadas pela parte contrária.
IV.D) Do Direito:
Apreciação do mérito da causa
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Estamos perante uma entidade que se dedica à produção audiovisual, no âmbito da qual realiza a rodagem de filmes publicitários e promocionais para marcas internacionais de referência.
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Relativamente aos serviços prestados de produção audiovisual realizados pela Requerente e dirigidos aos seus clientes estabelecidos ou domiciliados na União Europeia ou até em países terceiros, aquela aplica, in totum, a regra geral de localização das operações prevista na alínea a) do n.º 6 do art.º 6º do CIVA.
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Sendo que uma das componentes do serviço facturado respeitava a prestações de serviços de “catering” que foram realizados à Requerente no âmbito de produções audiovisuais e que esta faz repercutir nos seus clientes como uma das componentes da contraprestação a receber daqueles, desonerando-se a montante do IVA que suportou na incorrência dessas mesmas prestações de alimentação e bebidas.
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É bem certo que, no seu PPA, a Requerente sustenta que a questão da desoneração do IVA suportado a montante da realização das operações de “catering”, é irrelevente para o caso, defendendo que “Para o enquadramento da localização da prestação de serviços em análise não releva a dedutibilidade do IVA incorrido nas aquisições de bens e serviços, que constitui questão distinta e não confundível.” Mais: a Requerente defende mesmo a inaplicabilidade ao IVA suportado nas operações de “catering” da alínea d), do n.º 1 do art.º 21.º do CIVA por tais inputs revestirem carácter estritamente profissional não se destinando a consumos privados ou a fins alheios à actividade societária prosseguida pela Requerente. Aduzindo a Requerente como segue: “Mesmo não tendo nenhuma incidência para o litígio em questão, por dever de patrocínio, refuta-se a tese da AT de que o IVA incorrido nos gastos de catering não seria dedutível. Importa notar que o catering no local das filmagens, no âmbito da execução dos projetos que constituem a atividade da Requerente, visa unicamente a satisfação das necessidades do elenco e do pessoal técnico envolvido e reveste carácter estritamente profissional, não se destinando a uso privado ou a fins alheios. Assim, configura um instrumento indispensável ao exercício da atividade da Requerente (realidade que, em rigor, foi reconhecida pela AT na página 13 do RIT) não sendo subsumível aos “serviços de alimentação e bebidas” cujo IVA não é dedutível, nos termos do artigo 21.º/1/d) do Código do IVA.” No entanto e a tal propósito, não pode o tribunal concordar com a Requerente, ou seja, a questão decidenda está claramente ligada à questão de saber se a Requerente podia, ou não, desonerar-se do IVA suportado nas prestações de serviços de alimentação e bebidas e uma vez que se concretizou essa desoneração, mister é saber que consequências podem daí advir em termos de localização das operações.
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O que nos leva à necessidade de enquadramento para efeitos do direito à dedução das despesas em que a Requerente incorre, concretamente no que respeita ao disposto na alínea d) n.º 2 art.º 21.º Código do IVA.
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A dedução do imposto suportado pelos sujeitos passivos nas operações intermédias do circuito económico é um elemento central do funcionamento do sistema do IVA, que tem como objetivo tributar apenas o consumo final.
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O direito à dedução pressupõe, pois, que os sujeitos passivos recuperem, em regra, o IVA suportado em bens e serviços com vista à realização de operações tributadas, dentro dos limites estabelecidos no Código do IVA.
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Nesse sentido, o art.º 19.º, n.º 1 do CIVA estatui no sentido de que, para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efetuaram: i) o imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos; ii) o imposto devido pela importação de bens; iii) o imposto pago pelas aquisições de bens ou serviços abrangidas pelas alíneas e), h) e j) e l) do n.º 1, do art.º 2.º; iv) o imposto pago como destinatário de operações tributáveis efetuadas por sujeitos passivos estabelecidos no estrangeiro, quando estes não tenham no território nacional um representante legalmente acreditado e não tenham faturado imposto; v) e, finalmente, o imposto pago pelo sujeito passivo à saída dos bens de um regime de entreposto não aduaneiro, de acordo com art.º 15.º, n.º 6 do CIVA.
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O n.º 2 do mesmo normativo estabelece, no entanto, um condicionalismo formal, segundo o qual só confere o direito à dedução o imposto mencionado em faturas passadas em forma legal, em nome e na posse do sujeito passivo, considerando-se passadas na forma legal, as faturas que contenham os requisitos enunciados no n.º 5 do art.º 36.º ou no n.º 2 do art.º 40.º, ambos do CIVA.
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Por seu lado, o artigo 20.º, n.º 1 do CIVA, determina que só pode deduzir- se o imposto suportado pelo sujeito passivo para a realização de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitos a imposto e dele não isentas, nos termos da sua alínea a), ou nas operações elencadas na sua alínea b).
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Intuindo-se das aludidas normas que o imposto susceptível de desoneração por via do exercício do direito à dedução, corresponde, em princípio, a todo o imposto suportado pelo sujeito passivo para o exercício da sua atividade económica, ou seja, a imposto que tenha sido suportado em aquisições de bens e serviços que sejam utilizados para a realização de operações activas tributadas.
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Contudo, a regra geral do direito à dedução comporta algumas excepções, as quais têm previsão legal no art.º 21.º do CIVA e estão, sobretudo, relacionadas com imposto relativo a aquisições de determinados bens ou serviços cujas características os torna não essenciais à atividade produtiva ou facilmente desviáveis para consumos privados e, por isso, não empresariais.
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Em sede de IVA e nos termos e em conformidade com o disposto na alínea d) do n.º 1 do art.º 21.º do Código do IVA, encontra-se excluído do exercício do direito à dedução o imposto suportado nas “Despesas respeitantes a alojamento, alimentação, bebidas e tabaco e despesas de receção, incluindo as relativas ao acolhimento de pessoas estranhas à empresa e as despesas relativas a imoveis ou parte de imóveis e seu equipamento, destinados principalmente a tais receções.”
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Volvendo agora a nossa abordagem para o ordenamento jurídico-comunitário, diga-se que o exercício do direito à dedução em sede de IVA consubstancia uma das principais características deste imposto, em conformidade, aliás, com o regime consagrado na Sexta Diretiva (Diretiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17.5.1977), concretamente no seu art.º 17.º [que corresponde ao art.º 167.º e seguintes da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro, relativa ao sistema comum do IVA (vulgarmente denominada de "Diretiva IVA")], preceito que consagra as regras do exercício do direito à dedução do imposto, contemplando diversos requisitos objetivos e subjetivos do exercício do referido direito.
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O direito comunitário é matriz e fundamento do Sistema Comum do IVA.
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Sendo que, o direito interno dos Estados-membros (o nacional e a tal propósito, basicamente explicitado acima) não pode conceber e adotar soluções legislativas que se mostrem em contravenção com a matriz a que todos devem obediência.
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O direito à dedução é elemento estruturante e basilar de funcionamento do IVA e, por princípio, não pode ser limitado ou simplesmente excluído, excepto nas situações previstas expressamente no normativo comunitário em vigor. Vejamos,
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O aludido Sistema Comum do IVA, já o dizia o art.º 2.º da Diretiva n.º 67/227/CEE (o que se mantém perfeitamente inalterado na actual Diretiva n.º 2006/112/CE) “(...) consiste em aplicar aos bens e serviços um imposto geral sobre o consumo exatamente proporcional ao preço dos bens e serviços, seja qual for o número de operações ocorridas no processo de produção e de distribuição anterior ao estádio de tributação.”
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O cálculo do IVA pelos operadores económicos efetua-se através do designado método subtrativo indirecto, em conformidade com o estabelecido no 2.º parágrafo do n.º 2 do art.º 1.º da actual Diretiva n.º 2006/112/CE - “Diretiva IVA” - nos seguintes termos: “Em cada operação, o IVA, calculado sobre o preço do bem ou serviço à taxa aplicável ao referido bem ou serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido diretamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço.”
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O regime das deduções que enforma o Sistema Comum do IVA, visa, assim, desonerar inteiramente o empresário do imposto que suporte no âmbito de todas as suas atividades económicas, desde que, elas próprias, estejam efetivamente sujeitas a imposto. Como reiteradamente vem afirmando o TJUE: “O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, uma neutralidade perfeita quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, independentemente dos respetivos fins ou resultados, desde que essas atividades estejam, em princípio, elas próprias sujeitas a IVA”. Neste sentido vejam-se Acórdãos do TJUE: - de 5.7.2018, Proc.C-320/17, Marie Participations; - de 2.5.2019, Proc. C-225/18, Grupa Lotos; - de 3.7.2019, Proc. C-316/18, The Chancellor, Masters and Scholars if the University of Cambridge; e - de 26.2.2020, Proc. C-630/19, PAGE International.
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O direito à dedução “constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA instituído pela legislação da União, pelo que o referido direito faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado.” (Cfr. Acórdão do TJUE de 14.6.2917, Proc. C-38/16, Compass Contract Services e ainda Acórdão do TJUE de 18.10.2018, Proc. C- 153/17, Volkswagen Financial Services).
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O regime comunitário das deduções tem consagração expressa na Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28/11/2006 (doravante, DIVA), entre outros, nos seus artigos 167.º, 168.º e 178.º, correspondentes aos artigos 17.º e 18.º da anterior Diretiva 77/388/CEE (Sexta Diretiva IVA).
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Dispondo a alínea a) do art.º 168.º, da DIVA, no sentido de que, na medida em que os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito a deduzir o imposto devido ou pago relativo a esses bens ou serviços.
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No plano formal, a dedução do imposto relativo à aquisição de bens e serviços implica, em conformidade com o disposto na alínea a) do art.º 178.º da DIVA, a posse de uma factura emitida nos termos legais, isto é, contendo todos os elementos previstos na norma da diretiva relativa à facturação.
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A DIVA, no seu art.º 176.º, exclui o exercício do direito à dedução em relação às “[D]espesas que não tenham carácter estritamente profissional, tais como despesas sumptuárias, recreativas ou de representação.”
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A DIVA autoriza que os Estados-Membros possam consagrar nas suas legislações nacionais exclusões do direito à dedução, na condição de as mesmas constarem de legislação anterior à adopção do IVA, tal como delineado no âmbito do sistema comum. Vejamos: para além de limitações ou exclusões por razões conjunturais que podem emergir após consulta ao Comité do IVA (Cfr. art.º 177º da DIVA); ou até de limitações ou exclusões excepcionalmente autorizadas pelo Conselho, deliberando por unanimidade e sob proposta da Comissão, para evitar situações de fraude ou evasão fiscal (Cfr. art.º 395.º da DIVA), releva ainda como fundamento para o afastamento do direito à dedução, a vigência de normas de direito interno que vigorassem em momento anterior a 1.1.1979 ou vigorassem em momento anterior à data de adesão de um determinado Estado-Membro à União Europeia (Cfr. art.º 176.º da DIVA que dispõe:“[O] Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, determina quais as despesas que não conferem direito à dedução do IVA. Em qualquer caso, são excluídas do direito à dedução as despesas que não tenham carácter estritamente profissional, tais como despesas sumptuárias, recreativas ou de representação. Até à entrada em vigor das disposições referidas no primeiro parágrafo, os Estados-Membros podem manter todas as exclusões previstas na respectiva legislação nacional em 1 de Janeiro de 1979 ou, no que respeita aos Estados-Membros que tenham aderido à Comunidade após essa data, na data da respectiva adesão.” – a parte por nós destacada a carregado e sublinhado é vulgarmente conhecida como cláusula “standstill”).
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Tal autorização encontrava-se igualmente expressa no n.º 6 do art.º 17.º, da Diretiva 77/388/CEE (sexta Directiva), em vigor à data de adesão da República Portuguesa à então Comunidade Económica Europeia, com a seguinte redacção: “O mais tardar antes de decorrido o prazo de quatro anos a contar da data da entrada em vigor da presente directiva, o Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, determinará quais as despesas que não conferem direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado. Serão excluídas do direito à dedução, em qualquer caso, as despesas que não tenham carácter estritamente profissional, tais como despesas sumptuárias, recreativas ou de representação. Até à entrada em vigor das disposições acima referidas, os Estados-membros podem manter todas as exclusões previstas na legislação nacional respectiva no momento da entrada em vigor da presente directiva[2].”
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A Sexta Directiva do Conselho entrou em vigor em 17/05/1977.
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No que respeita a Portugal, o CIVA entrou em vigor em 01.01.1986 (cfr. artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 394-B/84, de 26 de Dezembro, na redacção dada pela Lei n.º 42/85, de 22/08), na mesma data em que entrou em vigor o Acto Relativo às Condições de Adesão do Reino da Espanha e da República Portuguesa e as Adaptações dos Tratados, em anexo ao Tratado de Adesão, assinado a 12.06.1985, tendo Portugal ficado obrigado a dar cumprimento ao sistema comum do IVA, a partir de 01.01.1989.
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O artigo 395.º do Acto de Adesão dispõe como segue: “Os novos Estados membros porão em vigor as medidas necessárias para darem cumprimento, a partir da adesão, ao disposto nas directivas e decisões, na acepção do artigo 189.º do Tratado CEE e do artigo 161.º do Tratado CEEA, bem como nas recomendações e decisões, na acepção do artigo 14.º do Tratado CECA, a menos que seja fixado um prazo na lista constante do anexo XXXVI ou noutras disposições do presente Acto.
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Nos termos do artigo 395.º do Acto de Adesão e Anexo XXXVI, estava a República Portuguesa obrigada a adoptar, a partir de 01.01.1989, as medidas necessárias ao cumprimento da Sexta Directiva.
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Tendo presente que a adesão à CEE teve efeitos a partir de 01.01.1986, que o Código de IVA não se encontrava em vigor em 31/12/1985 e que não existia na ordem jurídica nacional qualquer disposição que excluísse o direito à dedução do IVA nessa data, uma vez que o Código do Imposto de Transacções (CIT) revogado pelo CIVA, não previa as exclusões à dedução do IVA previstas no artigo 21.º do CIVA, colocava-se a questão de saber se poderia ou não o legislador nacional introduzir as exclusões e limitação ao direito à dedução com base na cláusula “standstill”.
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Sobre a compatibilidade das limitações e exclusões do direito à dedução com o normativo comunitário, constantes do art.º 21.º do CIVA, foi, em decisão arbitral proferida no processo 207/2019-T que tramitou no CAAD, suscitado o reenvio prejudicial e colocadas ao TJUE as seguintes questões: 1) O artigo 17.º, n.º 6, 2.ª parte, da Sexta Directiva do Conselho, de 17 de Maio de 1977 (ao referir que os Estados-Membros «podem manter todas as exclusões previstas na legislação nacional respectiva no momento da entrada em vigor da presente directiva») permitia que um novo Estado Membro, na data da respectiva adesão, introduzisse na sua legislação interna exclusões do direito à dedução de IVA? 2) O artigo 17.º, n.º 6, 2.ª parte, da Sexta Directiva tem alcance idêntico ao artigo 176.º, 2.ª parte, da Directiva n.º 2006/112/CE, do Conselho, de 28.11.2006 (ao estabelecer que os Estados-Membros que tenham aderido à Comunidade após 1 de Janeiro de 1979 podem manter todas as exclusões previstas na respectiva legislação nacional na data da respectiva adesão), quanto à data relevante para apurar quais «as exclusões previstas na respectiva legislação nacional» que podem ser mantidas? 3) No pressuposto de que, à face da Sexta Directiva, Portugal podia manter todas as exclusões previstas na legislação nacional respectiva em 1 de Janeiro de 1989, data da entrada em vigor a Sexta Directiva em Portugal, essa possibilidade foi alterada pela Directiva n.º 2006/112/CE, ao indicar como data relevante a da adesão (1 de Janeiro de 1986)? 4) O artigo 176.º, 2.ª parte, da Directiva n.º 2006/112/CE, do Conselho, de 28-11-2006, não se opõe a que, na data da adesão de Portugal às Comunidades Europeias, comecem a vigorar regras (como as constantes no artigo 21.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado) que estabelecem a exclusão do direito à dedução de imposto respeitante a determinadas despesas (inclusivamente de alojamento, alimentação, bebidas, aluguer de viaturas, combustível e portagens), em situação em que tais regras tinham sido publicadas e inicialmente previstas para entrarem em vigor antes da adesão, mas foi diferida a sua entrada em vigor para a data em que ocorreu a adesão? 5) O artigo 168.°, alínea a) da Diretiva 2006/112 e o princípio da neutralidade devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que na legislação interna de um Estado Membro sejam consagradas regras de exclusão do direito à dedução (como as constantes do artigo 21.º, n.º 1, do CIVA, relativas a despesas de alojamento, alimentação, bebidas, aluguer de viaturas, combustível e portagens) aplicáveis mesmo quando se faz prova de que os bens e serviços adquiridos foram utilizados para os fins das operações tributadas do sujeito passivo? 6) O artigo 176.° da Diretiva 2006/112 e o princípio da proporcionalidade opõem-se a que as exclusões do direito a dedução nela não previstas, mas que podem ser mantidas pelos Estados- Membros ao abrigo da sua 2.a parte, sejam aplicáveis quando se faz prova de que as despesas respectivas têm natureza estritamente profissional e os bens e os serviços foram utilizados para os fins das operações tributadas do sujeito passivo?”
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Em resposta às (acima transcritas) questões prejudiciais, o TJUE, em despacho fundamentado datado de 17.09.2020, proferido no processo C-837/19, Super Bock Bebidas, determinou: “O artigo 17.°, n.°6, da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme, bem como o artigo 168.°, alínea a), e o artigo 176.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem à legislação de um Estado-Membro entrada em vigor na data da adesão deste à União Europeia segundo a qual as exclusões do direito a dedução do imposto sobre o valor acrescentado que incide sobre as despesas respeitantes, designadamente, a alojamento, alimentação, bebidas, aluguer de viaturas, combustível e portagens se aplicam igualmente no caso de ser demonstrado que essas despesas foram efetuadas para a aquisição de bens e de serviços utilizados para os fins das operações tributadas.”
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Na data de entrada em vigor em Portugal da 6.ª Directiva, ou seja, como visto, em 1.1.1989, o ordenamento jurídico interno tinha a vigorar as exclusões e limitações ao exercício do direito à dedução previstas no art.º 21º do CIVA e manteve-as exactamente ao abrigo do aludido regime de exclusão prévia, consubstanciado na aplicação da referida “clausula standstill”.
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Por conseguinte, uma vez que as exclusões e limitações ao direito à dedução do imposto devido ou pago pelo sujeito passivo nos inputs em que incorre, constituem limitação ao princípio da neutralidade do imposto e a sua introdução no direito interno, por transposição do normativo comunitário, só é possível em conformidade com norma expressamente prevista na Directiva matriz que regula e harmoniza o Sistema Comum do IVA e esclarecido que está que as exclusões e limitações ao direito à dedução previstas no art.º 21.º do CIVA não estão em contravenção como o normativo comunitário, estando, aliás, suportadas na acima referida cláusula de "congelamento" ou “standstill”; resolvida a questão da compatibilidade do art.º 21º do CIVA com o normativo comunitário em vigor, adequado se mostra discorrer sobre o tipo de despesas cujo IVA suportado não é susceptível de dedução: as despesas cujo IVA suportado está excluído (ou limitado) de desoneração por via do exercício do direito à dedução nos termos do art.º 21.º do CIVA (mesmo na sua redacção à data de entrada em vigor da 6.ª Directiva em Portugal) são despesas que, pela sua natureza, podem ser facilmente desviáveis para fins privados ou não empresariais, consubstanciando-se, assim, em consumos finais e, por isso, não susceptíveis de desoneração em IVA.
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A razão de ser das exclusões ao exercício do direito à dedução radica no facto de se tratar de consumos que, não obstante, possam ser absolutamente necessários para a prossecução de determinadas atividades, são facilmente desviáveis para consumos privados. Colocando-se até a questão de saber se as limitações ou exclusões previstas no art.º 21º do CIVA subsistem mesmo que os bens ou serviços que originaram o imposto suportado sejam insusceptíveis de utilização privada ou até mesmo que se demonstre que tais bens ou serviços têm carácter estritamente profissional[3].
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A jurisprudência comunitária emanada do TJUE[4], vem firmando entendimento consolidado que vai no seguinte sentido: i) As exclusões e limitações podem aplicar-se a todo o tipo de despesas, incluindo aquelas que têm carácter estritamente profissional, as que constituem um instrumento indispensável ao exercício da atividade e as que não são susceptíveis de, no caso concreto, serem utilizadas para fins privados; ii) Não pode ser excluídos ou limitado o exercício do direito à dedução relativamente a bens e serviços de modo que o conteúdo do direito à dedução resulte esvaziado; iii) Não pode ser alargado o âmbito das exclusões e limitações após a data de 1.1.1979 ou após a data da adesão do respectivo Estado-Membro, conquanto essa adesão haja ocorrido após o dia 1.1.1979 (cláusula standstill), ou seja, alterações ulteriores no sentido do alargamento das exclusões ou limitações já a vigorar violam claramente o normativo comunitário.
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Inferindo-se daqui, bem ao invés do que defende a Requerente, que o IVA suportado nas despesas de alimentação e bebidas, não obstante ligado, inequivocamente, in casu, à realização de actividades empresariais, não era, em princípio, suscetível de desoneração por aplicabilidade da alínea d) do n.º 1 do art.º 21º do CIVA, ou seja, não era o facto de haver uma inequívoca ligação dos inputs consubstanciados nas despesas de alimentação e bebidas à realização de actividades tributadas que conferia à Requerente a possibilidade de desoneração do IVA suportado naquelas despesas. Vejamos mais em pormenor...
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Entre as exclusões do direito à dedução e que têm relevância para o caso sub judicio, nos termos e em conformidade com o referido na alínea d) do n.º 1 do art.º 21.º do CIVA, encontra-se o imposto suportado em “[D]espesas respeitantes a alojamento, alimentação, bebidas e tabacos e despesas de recepção, incluindo as relativas ao acolhimento de pessoas estranhas à empresa e as despesas relativas a imóveis ou parte de imóveis e seu equipamento, destinados principalmente a tais recepções".
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Não obstante as exclusões e limitações previstas no n.º 1 do art.º 21.º do CIVA e de entre elas a exclusão prevista na alínea d) daquele normativo, o n.º 2 do mesmo artigo, permite, em certos casos, a dedução, ainda que nalgumas situações a título meramente parcial, do IVA incluído nas respectivas despesas. É o que se verifica com as despesas referidas nas alíneas c) e d) do n.º 2 do art.º 21.º do CIVA.
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Quanto à referida alínea d) do n.º 2 do art.º 21.º do CIVA, não há exclusão do direito à dedução, antes se admitindo uma dedução parcial do IVA suportado na aquisição de despesas respeitantes a alojamento, alimentação, bebidas e despesas de recepção, incluindo as relativas ao acolhimento de pessoas estranhas à empresa e as despesas relativas a imóveis ou parte de imóveis e seu equipamento, destinados principalmente a tais recepções, ou seja, podendo o IVA suportado em tais despesas ser deduzido, na proporção de 50%, na condição de serem relativas à organização de congressos, feiras, exposições, seminários, conferências e similares, e só se forem efetuadas para as necessidades dos participantes nestes eventos.
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No sentido de clarificar o teor e alcance das alíneas c) e d) do n.º 1 e alíneas d) e e) do n.º 2, ambos do artigo 21.º do CIVA, os Serviços do IVA sancionaram, através do Ofício-Circulado n.º 30090/2006, de 31 de Março, que vem esclarecer o regime aplicável à dedução do IVA suportado nas despesas aí referidas.
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Resulta do ponto 6 do referido Ofício-Circulado, que apenas podem usufruir da possibilidade consignada na alínea d) do n.º 2 do artigo 21.º, os organizadores de congressos, feiras, exposição, seminários, conferências e similares.
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Sob a Epígrafe “Condições Formais”, diz ainda o n.º 9 do referido Ofício-Circulado n.º 30090/2006, de 31 de Março: “[P]ara que o IVA suportado nas despesas a que alude a alínea d) do n.º 2 do art.º 21.º do CIVA possa ser efetivamente objeto de dedução por parte dos organizadores dos eventos aí referidos, exige a lei que aquelas, em alternativa, resultem de contratos celebrados: - Diretamente com o prestador dos serviços cuja dedução do IVA que os onera se pretende efetuar; - Com entidades habilitadas, nos termos da lei, a intermediarem a aquisição ou o fornecimento de tais serviços.”
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Ademais, se o organizador do evento subcontrata os serviços para posteriormente serem debitados a um terceiro e discrimina esses serviços na faturação emitida, aplica-se a alínea c) do n.º 2 do artigo 21.º do CIVA, deduzindo-se o IVA na sua totalidade. Diz aquela norma: “[N]ão se verifica, contudo, a exclusão do direito à dedução nos seguintes casos: (...) c) Despesas mencionadas nas alíneas a) a d) do número anterior, quando efectuadas por um sujeito passivo do imposto agindo em nome próprio mas por conta de um terceiro, desde que a este sejam debitadas com vista a obter o respectivo reembolso; (...).”
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Se por outro lado, o organizador subcontrata serviços, por exemplo, de refeições, mas estas não são evidenciadas na facturação efetuada, não sendo objecto de débito discriminado a terceiros, então, e não se verificando a condição do débito "com vista a obter o respetivo reembolso", não pode aplicar-se a alínea c) do n.º 2 do art.º 21.º do CIVA, pelo que a única possibilidade de desoneração, meramente parcial, é fazer-se uso do disposto na alínea d) desse preceito, permitindo-se, como visto, a dedução em 50%.
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Tal como é dito na Resposta, o exercício do direito à dedução das despesas aqui em causa em conformidade com o disposto na alínea c) do n.º 2 do art.º 21º do CIVA está ainda sujeita ao cumprimento de requisitos de ordem formal e que são: i) débito formal ao cliente, com discriminação das respectivas despesas e aplicação do IVA à taxa correspondente a cada um dos bens e/ou serviços debitados, devendo apensar-se à respetiva factura cópias das referidas despesas, dado que os originais são os documentos de suporte dos lançamentos efetuados na sua contabilidade, de acordo com o disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 123.º do Código do IRC (Cfr. artigo 32. da Resposta); ii) o débito deve ocorrer por via de uma fatura autónoma ou por via da identificação do dito serviço em linha autónoma da fatura, pois só assim fica garantido o cumprimento das regras do imposto (Cfr. artigo 33. da Resposta). Da matéria de facto dada como provada (pontos Q) e R) do probatório) resulta que a Requerente não só deu cumprimento a tais formalismos como em resultado disso, exerceu o direito à dedução do IVA suportado nas despesas de alimentação e bebidas (catering) aqui em causa.
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Do que vem de ser dito pode inferir-se que a desoneração do IVA suportado em despesas subsumíveis na alínea d) do n.º 1 do art.º 21º do CIVA, ou seja, para o que aqui releva, em despesas respeitantes a alimentação e bebidas, é a excepção, ou seja, em principio, ela está incontornavelmente excluída ou afastada por aplicação daquele normativo[5] e só é admitida na hipótese do redébito com vista à obtenção do seu reembolso, admitindo-se a sua desoneração a 100% e desde que cumpridos os formalismos acima explicitados; sendo ainda admitida a desoneração do IVA suportado para as hipóteses previstas nas alíneas d) e e) do n.º 2 do art.º 21.º do CIVA que não estão aqui em equação.
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Sabendo-se que a Requerente se desonerou do IVA suportado nas despesas de respeitantes a alimentação e bebidas (catering), não pode o tribunal alhear-se de tal circunstancialismo, bem ao invés do que aquela pretende e defende no subponto C do ponto II do PPA e nas alegações finais escritas entretanto apresentadas. Para o Tribunal o enquadramento da localização das prestações de serviços que a Requerente realiza não pode, liminarmente, apartar-se da questão da dedutibilidade ou não do IVA suportado na aquisição de bens e serviços que estão a montante das operações activas realizadas pela Requerente.
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É que se a Requerente se colocou em situação de poder desonerar-se do IVA suportado na aquisição de despesas respeitantes a alimentação e bebidas, por via do cumprimento rigoroso dos requisitos formais impostos para o efeito (acima referidos), deixou de poder, a jusante, tratar essa mesma componente das suas operações activas como serviços de produção audiovisual e passou a, necessariamente, ter de tratar tal componente como um redébito de despesas.
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O que a Requerente não pode é quer tratar os seus inputs ligados ao “catering” como débitos de despesas para efeitos de subsunção na alínea c) do n.º 1 do art.º 21.º do CIVA e, depois, tratar essa mesma componente das suas operações activas, para efeitos de determinação da regra de localização das operações prevista no art.º 6º do CIVA, como parte do serviço de produção audiovisual.
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Não é verdade, na perspectiva do tribunal, que o procedimento segregado de facturação levado à prática pela Requerente constitua “(...) apenas uma forma transparente de partilhar com os clientes os gastos incorridos e de evidenciar inclusivamente a margem de lucro.” Tal procedimento consubstancia bem mais do que isso: permite também a desoneração do IVA suportado na aquisição de inputs a montante, o que, de outro modo e como visto, não lograria obter por aplicação das regras previstas no art.º 21º do CIVA, mesmo relativamente a IVA suportado em despesas que não obstante ali referidas tivessem carácter rigorosamente empresarial.
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E nem a invocação pela Requerente da jurisprudência comunitária (sobejamente referida no ponto reportado às alegações da Requerente e que aqui se deve considerar reproduzida) que trata a questão das prestações únicas versus prestações complexas, demove o Tribunal daquele entendimento.
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Tal procedimento levado à prática pela Requerente não é minimamente consistente. Vejamos,
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Nos termos do n.º 1 do artigo 1.º do Código do IVA, estão sujeitas a este imposto "as prestações de serviços efetuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal", definindo o n.º 1 do artigo 4.º o conceito de "prestação de serviços" como "as operações efetuadas a título oneroso que não constituem transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens".
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Sendo os serviços contratualizados de produção audiovisual prestados a destinatários não sedeados ou estabelecidos em território nacional, há que atender às regras de localização para determinar o local de tributação das operações, as quais se encontram estabelecidas no artigo 6.º do Código do IVA.
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A este respeito, importa recordar que no n.º 6 do artigo 6.º estão previstas duas regras gerais e que nos n.ºs 7 e seguintes do mesmo artigo se encontram previstas excepções às referidas regras gerais que consubstanciam elementos de conexão específicos.
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Tal como tem sido referido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia na interpretação que tem efetuado das normas da Diretiva do IVA (Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro, relativa ao sistema comum do IVA) que correspondem às referidas disposições do artigo 6.º, não existe primado das regras gerais sobre as conexões especificas.
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A questão que se coloca em cada situação concreta é a de saber se a mesma se enquadra nas regras específicas; se tal não se verificar, é aplicável uma das regras gerais (neste sentido vejam-se os acórdãos de 26 de setembro de 1996, Duda, C 327/94, Colect., p. I 4595, n.º 21; de 6 de Março de 1997, Linthorst, Pouwels en Scheres, C 167/95, Colect., p. I 1195, n.º 11; de 12 de Maio de 2005, RAL (Channel Islands) e o., C-452/03, Colect., p. I-3947, n.º 24; de 9 de Março de 2006, Gillan Beach, C-114/05, p. I-2429, n.º 15).
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No sentido de determinar o âmbito de aplicação das regras de localização, deve-se atender à respetiva finalidade.
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Assim sendo e conforme resulta do terceiro considerando da Diretiva n.º 2008/8/CE, que alterou significativamente a Diretiva do IVA em matéria de localização das operações, com efeitos a 1 de janeiro de 2010, "Relativamente a todas as prestações de serviços, o lugar de tributação deverá, em princípio, ser o lugar onde ocorre o seu consumo efetivo." Contudo, ressalva-se o facto de poderem ser previstas excepções a este princípio geral, "(...) tanto por motivos administrativos como por motivos políticos." Nos casos em que os destinatários dos serviços são empresas, que desenvolvem uma atividade económica, os serviços adquiridos encontram-se relacionados com a atividade da empresa, sendo, por isso, incorporados na produção de bens ou na prestação de serviços, e incluídos no custo de produção/realização dos mesmos. Nesta medida, afigura-se legítimo considerar que os serviços prestados às empresas são objeto de utilização ou consumo no lugar onde o destinatário dos serviços exerce a sua atividade. Contudo, em conformidade com o disposto no sexto considerando da Diretiva n.º 2008/8/CE, e tal como previsto no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 186/2009, de 12 de Agosto, que transpôs para o ordenamento jurídico nacional as alterações ao regime de localização, "as regras gerais atrás assinaladas comportam várias exceções, aplicáveis a certos serviços especificamente identificados, os quais, pela sua natureza, atenta a preocupação de assegurar tanto quanto possível, a respetiva tributação no país do consumo, justificam a consagração de critérios de conexão diversos dos que constituem as regras gerais de localização das prestações de serviços."
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Neste sentido, estabeleceu-se que no caso das prestações de serviços a entidades que exerçam uma atividade económica, consubstanciados em serviços de alimentação e bebidas, o critério de conexão que melhor alcançaria esse desiderato seria o do local onde esses eventos tenham lugar (o local da sua realização material – Cfr. alínea c) do n.º 7 e alínea c) do n.º 8 do art.º 6.º do CIVA) e não o local onde o destinatário dos serviços exerce a sua atividade.
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Já quanto ao débito de despesas[6], a Autoridade Tributária e Aduaneira vem sancionando entendimento de que tais débitos devem seguir a natureza da operação que está a ser debitada i.e., a natureza da despesa incorrida pelo sujeito passivo, bem assim como o enquadramento deste em sede de IVA têm reflexos no tratamento fiscal a dar à operação subsequente de débito de despesas ao cliente.
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A tal propósito importa trazer aqui à colação a Informação de 15.4.1998, da Direcção de Serviços do IVA (DSIVA), apud “Os redébitos em sede de IVA: débitos sem valor acrescentado”, in “Cadernos IVA 2013”, Helena Costa Cabral, Almedina, pp. 208 e seguintes que diz: “A empresa A, S.A. efectuou deslocações ao estrangeiro, relaciona das com a sua actividade, juntamente com representantes de outras empresas. As despesas de deslocação e estada foram pagas na totalidade pela empresa A, S.A. Pretendendo agora debitar a comparticipação naquelas despesas as outras sociedades, solicita esclarecimento no sentido de saber se tais débitos são ou não sujeitos a IVA. De acordo com a alínea c) do n.º 6 do artigo 16.º do CIVA, são excluídas do valor tributável “as quantias pagas em nome e por conta do adquirente dos bens ou destinatário dos serviços, registadas em contas de terceiros apropriadas. Fora destas circunstâncias o débito de quaisquer encargos suportados, e não obstante esse débito corresponder a um mero reembolso, dará́ lugar a liquidação do IVA, por se considerar uma prestação de serviços face ao disposto no artigo 4.º do CIVA, podendo por sua vez o prestador, com base em documentos passados em seu próprio nome, exercer o direito a dedução do IVA neles contido, nos termos gerais do Código (artigo 19.º e seguintes). Assim, se as facturas forem processadas em nome da empresa A, S.A., não se aplicará o disposto na alínea c) do n.º 6 do artigo 16.º, pelo que há lugar a tributação nos termos gerais do Código. Havendo lugar a liquidação do imposto, o débito será́ efectuado da seguinte forma: - Se for feito sem qualquer descriminação, a respectiva tributação far-se-á à taxa normal; - Caso contrário, se o débito for efectuado de forma descriminada, segundo a natureza de cada um dos componentes da despesa, a respectiva tributação far-se-á à taxa respectiva prevista no Código do IVA para cada um deles. No caso de se tratar do débito relativo a despesas isentas ao abrigo do artigo 9.º do CIVA ou não abrangidas pelo âmbito de incidência do IVA, tal débito beneficiará igualmente da referida isenção[7].” Neste mesmo sentido vejam-se, entre outras, as seguintes instruções administrativas, igualmente referidas no artigo acima citado: Informação n.º 2005 de 03.07.1992 (Reembolso de despesas — Encargos notariais e de registo predial); Informação n.º 1788 de 26.05.1992 (Reembolso de despesas — Imposto de Circulação — Encargos notariais); Informação n.º 1121 de 20.01.1993 (Reembolso de despesas — Excluídas do âmbito de incidência — Despesas notariais e de registo); Informação n.º 1168 de 22.05.1986 (Reembolso de despesas — Portes de correio) e Informação n.º 1969 de 15.10.1997 (Reembolso de despesas — Instituição de crédito — Débito de despesas.
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Acompanhando-se a conclusão de Helena Costa Cabral, in ob. Cit. pág. 209, quando diz: “Em conclusão, se o sujeito passivo que redebita a despesa o faz pelo exacto valor de aquisição, autonomizando-a faces aos demais débitos, deverá seguir o respectivo tratamento em sede de IVA - não incidência, isenção ou sujeição. Neste último caso deverá ainda ser observada a taxa aplicável à despesa redebitada. Ressalte-se que esta solução não e aplicável aos redébitos de custos em que é acordada e aplicada uma margem (“mark-up”) sobre os mesmos. Nessa situação, estaremos perante uma prestação de serviços tributada em sede de IVA à taxa normal.”
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O redébito não altera a natureza da despesa em causa, donde, para efeitos de aplicabilidade das regras de localização das operações, entende o Tribunal que à operação de redébito se deve aplicar o mesmo tratamento em sede de IVA que à operação que está a ser debitada de forma perfeitamente discriminada.
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Nessa conformidade, e estando em causa o redébito de prestações de serviços de alimentação e bebidas (catering), deve aplicar-se a regra de localização das operações aplicável à operação antecedente, ou seja, a alínea c) do n.º 8 do art.º 6.º do CIVA.
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Não obstante não tratar a doutrina administrativa citada, expressamente, a questão da territorialidade das operações de redébito de despesas a sujeitos passivos não estabelecidos ou domiciliados em Portugal, não vê o Tribunal razões para divergir do entendimento que vem sendo sancionado pela Autoridade Tributária e Aduaneira a tal propósito e retirar dele a sua aplicabilidade às regras de localização, pelo que, considera que a regra de localização aplicável ao redébito de despesas é a que resultaria da que seria aplicada às operações que estão a ser debitadas por via da sua autonomização na facturação dirigidas aos respectivos destinatários das prestações de serviços de produção audiovisual, ou seja, às prestações de serviços de alimentação e bebidas e que é a prevista nas alíneas c) dos nºs 7 e 8 do art.º 6º do CIVA tal como acima se explicitou.
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O tribunal concorda com a Requerente no sentido de que estando nós em presença de prestações de serviços de produção audiovisual, a regra de localização aplicável é a regra geral prevista na alínea a) do n.º 6 do art.º 6.º do CIVA (por interpretação a contrario), que tem por matriz o art.º 44 da Directiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, e que manda localizar tais serviços no Estado-Membro onde se encontra situada a sede, o estabelecimento estável ou o domicílio do adquirente sujeito passivo de imposto.
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No entanto, transmutando-se a prestação (em parte) em mero redébito de despesas, o que ocorreu porquanto a Requerente quis colocar-se na alçada da alínea c) do n.º 2 do art.º 21.º do CIVA, tendo em vista a desoneração do IVA suportado na aquisição de despesas de alimentação e bebidas (catering), já aquela regra de localização não pode aplicar-se às operações aqui em causa, porquanto, por aplicação do entendimento sancionado pela AT supra referido e que o tribunal acolhe, há norma específica prevista nos números para diante do n.º 6 do art.º 6º do CIVA, concretamente a alínea c) do n.º 8 do art.º 6º do CIVA, que manda tributar tais operações no local da realização material dessas prestações o que, incontornavelmente, ocorreu em Portugal.
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O tribunal não pode deixar de concordar com a Requerida quando a dado passo da sua resposta diz: “[S]e assim não fosse, o Estado Português ver-se-ia efetivamente sonegado do direito a receber a parcela de imposto relativa a uma operação especialmente localizada no seu território, pois não receberia o imposto do adquirente localizado fora do território nacional nem o receberia do prestador do serviço, que o deduziu.”
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Além de que decorre do acórdão do TJUE de 13 de Julho de 2000 (C-136/ 99, Monte Dei Paschi Di Siena, Colect., p. I-6109) que, aos pedidos de reembolso do IVA por sujeitos passivos não estabelecidos no território do país, são aplicáveis as exclusões ou limitações à dedução do IVA vigentes no Estado membro ao qual é solicitado o reembolso, ou seja, no que diz respeito a Portugal, as que vêm previstas no art.º 21.º do CIVA e no que ao caso sub judicio diz respeito e mais concretamente, a norma prevista na alínea d) do n.º 1 daquele normativo.
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Assim sendo e ainda que os clientes da Requerente estabelecidos em países da U.E. ou até estabelecidos em países terceiros pudessem peticionar, respectivamente, ao abrigo da Diretiva 2008/9/CE do Conselho, de 12 de Fevereiro de 2008, transposta para o direito interno pelo Decreto-Lei n.º 186/2009, de 12 de Agosto, e ao abrigo da Diretiva nº 86/560/CEE do Conselho de 17 de Novembro por vezes identificada por “Décima Terceira Diretiva” que foi transposta para o direito interno pelos artigos 18.º a 20.º do “Regime de Reembolso do IVA a sujeitos passivos não estabelecidos no Estado-membro de reembolso”, anexo ao Decreto Lei nº 186/2009 de 12 de agosto, da jurisprudência supra citada, não se veriam desonerados do imposto aqui suportado, donde, não é indiferente aplicar-se uma ou outra regra de localização das operações, já que, no pressuposto de que era aplicada a regra geral prevista na alínea a) do n.º 6 do art.º 6º do CIVA, jamais aqueles sujeitos ficariam onerados com o IVA correspondente, o que violava, frontalmente, o princípio da igualdade de tratamento que se traduz no princípio da neutralidade (que é principio basilar deste imposto e que não pode deixar de ser levado em conta), na medida em que se suportassem directamente esse imposto em Portugal dele não poderiam desonerar-se por aplicação dos normativos acima referidos e jurisprudência acima melhor identificada; suportando-o por intermédio da aqui Requerente, e a colher a tese daquela, não estariam, sequer, ab initio, onerados com tal encargo.
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Intuindo-se daqui que situações perfeitamente idênticas levavam a soluções totalmente dispares e, por isso, não admissíveis por violação manifesta do princípio da igualdade de tratamento e da neutralidade fiscal.
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Restando concluir, sem mais, que a liquidação sindicada não enferma de erro sobre os pressupostos de direito, por erro de interpretação a contrario da alínea a) do n.º 6 do art.º 6.º do CIVA e também da alínea c) do n.º 8 do mesmo normativo, sendo que, nessa decorrência, o acto tributário contestado não enferma de qualquer ilegalidade por violação de lei, donde, deve ser mantido na ordem jurídica.
V. DECISÃO:
Face ao exposto, o Tribunal Arbitral Singular decide julgar a acção improcedente, in totum, mantendo-se a liquidação de IVA sindicada, referente ao período de tributação de 2021.01, no valor de 48.530,00 €.
VI. VALOR DO PROCESSO:
Fixo o valor do processo em 48.530,00 € em conformidade com o disposto no art.º 97.º-A do CPPT, aplicável por remissão do art.º 3º do regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
VII. CUSTAS:
Fixo o valor das Custas em 2.142,00 €, calculadas em conformidade com a Tabela I do regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária em função do valor do pedido (sendo que, tal valor foi o indicado pela Requerente no PPA e não contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação sindicada), a cargo da Requerente, nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e ainda art.º 4.º, n.º 5 do RCPAT e art.º 527, nºs 1 e 2 do CPC, ex vi do art.º 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Notifique-se.
Lisboa, 3 de Maio de 2022.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.
O árbitro,
(Fernando Marques Simões)
[1] Por manifesto erro de escrita no RIT é referido o ponto II.1.2.
[2] Carregado e sublinhado nosso.
[3] Questão essa que a Requerente traz à colação, sustentando até que, por isso, a alínea d) do n.º 1 do art.º 21.º do CIVA não tem aplicabilidade ao caso sub judicio.
[4] Acórdão de 05.10.1999, Proc. -305/97, Royscot e o.; Acórdão de 14.06.2001, Proc. C-40/00, Comissão contra Franca; Acórdão de 08.01.2002, Proc. C-409/99, Metropol.
[5] Ainda que, como visto, as despesas em causa revistam a natureza de despesas de carácter empresarial, tal como afirma a Requerente tratar-se e o tribunal acolhe.
[6] E como visto acima é assim que a componente consubstanciada nos serviços de alimentação e bebidas tem de ser tratada nas operações da facturação a empreender.
[7] Ou não sujeição, diríamos nós.
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