Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 625/2020-T
Data da decisão: 2022-03-28  IRC  
Valor do pedido: € 146.431,25
Tema: Fundos de investimento não residentes. IRC. Retenção na fonte. Direito da União Europeia. Juros indemnizatórios
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DECISÃO ARBITRAL

 

         Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof.ª Doutora Eva Dias Costa e Dra. Marisa Isabel Almeida Araújo (árbitras vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 03-05-2021, acordam no seguinte:

 

        

         1. Relatório

 

A..., Organismo de Investimento Coletivo constituído de acordo com o direito alemão com o número de identificação fiscal português ..., com sede em .... ..., ... Frankfurt am Main, Alemanha (doravante designado de “Requerente”), representado por B..., na qualidade de sociedade gestora, com sede na mesma morada, apresentou pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), tendo em vista a anulação  actos de retenção na fonte respeitantes a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) dos anos de 2017, 2018 e 2019, a que se referem as guias de pagamento n.ºs  ..., ..., ..., ... e ....

O Requerente pede a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que apresentou contra aqueles actos e formula ainda pedido de juros indemnizatórios.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 16-11-2020.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 11-01-2021, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 03-05-2021.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em que defendeu a  improcedência do pedido de pronúncia arbitral e requereu a suspensão da instância até decisão pelo TJUE do pedido de reenvio prejudicial das questões prejudiciais formuladas no âmbito do processo n.º 93/2019-T.

Por despacho de 29-06-2021, foi suspensa a instância até decisão do reenvio prejudicial para o TJUE efectuado no processo arbitral n.º 93/2019-T.

Por despacho de 23-07-2021, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações, mas podendo o Sujeito Passivo pronunciar-se sobre as excepções suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira e sobre o pedido de suspensão da instância.

Em 17-03-2022, o TJUE proferiu decisão naquele processo C-545/19, tendo concluído que

 

«O artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção».

 

Na sequência da decisão do TJUE foi decidida a cessação da suspensão da instância e dispensada reunião e alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

  1. O Requerente é uma entidade jurídica de direito alemão, designadamente um Organismo de Investimento Coletivo (“OIC”), com residência fiscal na Alemanha, constituída sob a forma contratual e não societária, comumente designada de fundo de investimento, sendo um sujeito passivo de IRC, não residente para efeitos fiscais em Portugal, sem qualquer estabelecimento estável no país (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  2. O Requerente era, nos anos de 2017 a 2019, gerido por uma entidade gestora de fundos de investimento, a B..., entidade igualmente com sede na Alemanha (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  3. O Requerente e a respetiva entidade gestora são entidades sujeitas a supervisão do C... (“C...”), entidade federal responsável pela supervisão do setor financeiro na Alemanha (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  4. O Requerente é um fundo aberto autónomo que se baseia num contrato entre a entidade gestora, a “B...”, os seus investidores e o banco responsável pela custódia dos valores mobiliários (cópia do acordo-quadro e dos acordos de investimento assinados em 2014 e 2017, respetivamente, juntos ao pedido de pronúncia arbitral como documento n. 4, cujo teor se dá como reproduzido);
  5. O Requerente não reveste juridicamente a forma de sociedade comercial, não estando, nos termos da legislação alemã aplicável, sujeito a qualquer obrigação de registo no Registo Comercial alemão e, como tal, não pode ser titular de direitos ou obrigações (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  6. O Requerente está sujeito a imposto sobre as pessoas coletivas no seu país de residência, tendo-lhe sido, todavia, concedida uma isenção (nos termos da Secção 11 parágrafo 1 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Sociedades Alemão – “German Corporate Income Tax Act” – e da secção 11 parágrafo 2 do Código Fiscal de Investimento Alemão – “German Investment Tax Act”) o que o impossibilita de recuperar a título de crédito por dupla tributação internacional, ou através de qualquer pedido de reembolso, os impostos suportados ou pagos no estrangeiro (documento n.º 5);
  7. Nos anos de 2017, 2018 e 2019, o Requerente era detentor de lotes de participações sociais nas seguintes sociedades residentes em Portugal:

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  1. A entidade responsável pela custódia dos títulos detidos em Portugal era a E... que celebrou um acordo de custódia dos títulos com a F... (documentos n.ºs 6 e 7 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
  2. O Requerente, nos anos de 2017, 2018 e 2019, na qualidade de acionista de sociedade residente em Portugal, recebeu dividendos que foram sujeitos a tributação em Portugal através de retenção na fonte liberatória, à taxa de 35% prevista no artigo 87.º do Código do IRC (“CIRC”), nos termos que se sintetizam no quadro que segue:

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(documentos n.ºs 8 e 9 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

  1. No dia 21-10-2019, o Requerente apresentou reclamação graciosa para apreciação da legalidade dos atos de retenção na fonte de IRC relativos aos anos de 2017, 2018 e 2019, na qual solicitou a anulação dos mesmos por vício de ilegalidade por violação direta do Direito da UE, bem como o reconhecimento do seu direito à restituição do imposto indevidamente suportado em Portugal – processo que correu termos na Direção de Finanças de ... sob o n.º ...2019... (documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  2. No dia 14-08-2020, através de carta registada de 13-08-2020, o Requerente foi notificado da decisão final de indeferimento da Reclamação Graciosa (documento n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  3. Em 13-11-2020, o Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e os que constam do processo administrativo.

Não há controvérsia sobre a matéria de facto.

 

 

 

3. Matéria de direito

 

A Requerente é uma é uma pessoa coletiva de direito alemão, que está constituída como organismo de investimento coletivo (OIC), sendo sujeito passivo de IRC não residente e sem estabelecimento estável em Portugal, sendo residente na Alemanha, desde 2017 a 2019.

Nos anos referidos, o Requerente recebeu dividendos de participações de uma sociedade portuguesa, relativamente aos quais foi efectuada retenção na fonte a título liberatório, à taxa de 35% prevista no artigo 87.º do CIRC.

O Requerente defende a ilegalidade desta tributação porque, em suma, os  organismos de investimento colectivo constituídos de acordo com a legislação nacional estarem, à data dos factos tributários, isentos de IRC sobre dividendos obtidos e a não aplicação da isenção a organismos não constituídos de acordo com a legislação nacional constituir uma discriminação contrária incompatível com o artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), por ser uma restrição injustificada à liberdade de estabelecimento.

O artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 31 de Janeiro estabelece o seguinte:

 

Artigo 22.º

Organismos de Investimento Coletivo

1 – São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.

2 – O lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC referidos no número anterior corresponde ao resultado líquido do exercício, apurado de acordo com as normas contabilísticas legalmente aplicáveis às entidades referidas no número anterior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

3 – Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1.

4 – Os prejuízos fiscais apurados em determinado período de tributação nos termos do disposto nos números anteriores são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo -os, de um ou mais dos 12 períodos de tributação posteriores, aplicando -se o disposto no n.º 2 do artigo 52.º do Código do IRC.

5 – Sobre a matéria coletável correspondente ao lucro tributável deduzido dos prejuízos fiscais, tal como apurado nos termos dos números anteriores, aplica -se a taxa geral prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC.

6 – As entidades referidas no n.º 1 estão isentas de derrama municipal e derrama estadual.

7 – Às fusões, cisões ou subscrições em espécie entre as entidades referidas no n.º 1, incluindo as que não sejam dotadas de personalidade jurídica, é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 73.º, 74.º, 76.º e 78.º do Código do IRC, sendo aplicável às subscrições em espécie o regime das entradas de ativos previsto no n.º 3 do artigo 73.º do referido Código.

8 – As taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC têm aplicação, com as necessárias adaptações, no presente regime.

9 – O IRC incidente sobre os rendimentos das entidades a que se aplique o presente regime é devido por cada período de tributação, o qual coincide com o ano civil, podendo no entanto ser inferior a um ano civil:

a) No ano do início da atividade, em que é constituído pelo período decorrido entre a data em que se inicia a atividade e o fim do ano civil;

b) No ano da cessação da atividade, em que é constituído pelo período decorrido entre o início do ano civil e a data da cessação da atividade.

10 – Não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos obtidos pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1.

11 – A liquidação de IRC é efetuada através da declaração de rendimentos a que se refere o artigo 120.º do Código do IRC, aplicando -se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 89.º, no n.º 1 do artigo 90.º, no artigo 99.º e nos artigos 101.º a 103.º do referido Código.

12 – O pagamento do imposto deve ser efetuado até ao último dia do prazo fixado para o envio da declaração de rendimentos, aplicando -se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 109.º a 113.º e 116.º do Código do IRC.

13 – As entidades referidas no n.º 1 estão ainda sujeitas, com as necessárias adaptações, às obrigações previstas nos artigos 117.º a 123.º, 125.º e 128.º a 130.º do Código do IRC.

14 – O disposto no n.º 7 aplica -se às operações aí mencionadas que envolvam entidades com sede, direção efetiva ou domicílio em território português, noutro Estado membro da União Europeia ou, ainda, no Espaço Económico Europeu, neste último caso desde que exista obrigação de cooperação administrativa no domínio do intercâmbio de informações e da assistência à cobrança equivalente à estabelecida na União Europeia.

15 – As entidades gestoras de sociedades ou fundos referidos no n.º 1 são solidariamente responsáveis pelas dívidas de imposto das sociedades ou fundos cuja gestão lhes caiba.

16 – No caso de entidades referidas no n.º 1 divididas em compartimentos patrimoniais autónomos, as regras previstas no presente artigo são aplicáveis, com as necessárias adaptações, a cada um dos referidos compartimentos, sendo-lhes ainda aplicável o disposto no Decreto-Lei n.º 14/2013, de 28 de janeiro.

 

No referido n.º 1 do artigo 22.º estabelece-se que o regime nele previsto é aplicável aos «fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional».

A Requerente é constituída ao abrigo da lei alemã e não da lei nacional, sendo por esse motivo que não lhe foi aplicado esse regime.

 

3.1. Apreciação da questão

 

A Requerente defende, em suma, que do regime que se prevê no artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) resulta um tratamento discriminatório para os OIC não residentes em relação aos residentes, que é incompatível com o artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), que estabelece o seguinte:

 

Artigo 63.º

(ex-artigo 56.º TCE)

 

 

1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

2. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.

 

No entanto, o artigo 65.º do TFUE limita a aplicação deste princípio, estabelecendo o seguinte:

 

 

Artigo 65.º

(ex-artigo 58.º TCE)

 

 

1. O disposto no artigo 63.º não prejudica o direito de os Estados-Membros:

 

a)  Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção  entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de  residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;

 b)  Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infrações às suas leis e regulamentos,  nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras,  preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação  administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou  de segurança pública.

 2. O disposto no presente capítulo não prejudica a possibilidade de aplicação de restrições ao  direito de estabelecimento que sejam compatíveis com os Tratados.

 3. As medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de  discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos,  tal como definida no artigo 63.º.

 

 

A questão da compatibilidade ou não do regime previsto no artigo 22.º, n.º 1, do EBF com o Direito da União Europeia, designadamente o artigo 63.º do TFUE, foi apreciada no citado acórdão do TJUE de 17-03-2022, proferido no processo n.º C-545/19, em que se concluiu que

 

O artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.

 

No texto do acórdão, para cuja fundamentação se remete, abordam-se as questões relevantes para atingir esta conclusão.

Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões de Direito da União Europeia (neste sentido, podem ver-se os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, p. 3757; de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2602; de 7-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2593).

A supremacia do Direito da União sobre o Direito Nacional tem suporte no n.º 4 do artigo 8.º da CRP, em que se estabelece que «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».

Assim, declara-se ilegal, por incompatibilidade com o artigo 63.º do TFUE, o artigo 22.º, n.º 1, do EBF,  na parte em que limita o regime nele previsto a sociedades constituídas segundo a legislação nacional, excluindo das sociedades constituídas segundo legislações de Estados Membros da União Europeia.

Pelo exposto, tem de se concluir que as retenções na fonte e o indeferimento da reclamação graciosa, enfermam de vício de violação de lei, que justifica a sua anulação, de harmonia, com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

 

4. Pedido de reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios   

 

A Requerente pede reembolso do imposto pago indevidamente, acrescido de juros indemnizatórios.

Na sequência da anulação das retenções na fonte a Requerente tem direito a ser reembolsada das quantias retidas, no valor total de € 146.431,25, o que é consequência da anulação.

         No que concerne a direito a juros indemnizatórios, o TJUE tem decidido que a cobrança de impostos em violação do direito da União tem como consequência não só direito ao reembolso como o direito a juros, como pode ver-se pelo acórdão de 18-04-2013, processo n.º C-565/11 (e outros nele citados), em que se refere:

 

21 Há que lembrar ainda que, quando um Estado-Membro tenha cobrado impostos em violação do direito da União, os contribuintes têm direito ao reembolso não apenas do imposto indevidamente cobrado mas igualmente das quantias pagas a esse Estado ou por este retidas em relação direta com esse imposto. Isso inclui igualmente o prejuízo decorrente da indisponibilidade de quantias de dinheiro, devido à exigibilidade prematura do imposto (v. acórdãos de 8 de março de 2001, Metallgesellschaft e o., C-397/98 e C-410/98, Colet., p. I-1727, n.ºs 87 a 89; de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C-446/04, Colet., p. I-11753, n.º 205; Littlewoods Retail e o., já referido, n.º 25; e de 27 de setembro de 2012, Zuckerfabrik Jülich e o., C-113/10, C-147/10 e C-234/10, n.º 65).

 

22 Resulta daí que o princípio da obrigação de os Estados-Membros restituírem com juros os montantes dos impostos cobrados em violação do direito da União decorre desse mesmo direito da União (acórdãos, já referidos, Littlewoods Retail e o., n.º 26, e Zuckerfabrik Jülich e o., n.º 66).

 

23 A esse respeito, o Tribunal de Justiça já decidiu que, na falta de legislação da União, compete ao ordenamento jurídico interno de cada Estado-Membro prever as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo. Essas condições devem respeitar os princípios da equivalência e da efetividade, isto é, não devem ser menos favoráveis do que as condições relativas a reclamações semelhantes baseadas em disposições de direito interno, nem organizadas de modo a, na prática, impossibilitar ou dificultar excessivamente o exercício dos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico da União (v., neste sentido, acórdão Littlewoods Retail e o., já referido, n.ºs 27 e 28 e jurisprudência referida).          

 

No entanto, como se refere neste n.º 23, cabe a cada Estado-Membro prever as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo.

         O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

 Pagamento indevido da prestação tributária

 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3. São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;

b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;

c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.

 

4. A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.

5. No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.

 

         A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que não há erro dos serviços.

         No entanto, como há muito vem entendendo o Supremo Tribunal Administrativo, a imputabilidade para efeitos de juros indemnizatórios apenas depende da prática de um acto ilegal, por iniciativa da Administração Tributária, mesmo em situações em que a ilegalidade deriva apenas do direito da União Europeia:

– «em geral, pode afirmar-se que o erro imputável aos serviços, que  operaram a liquidação, entendidos estes num sentido global, fica  demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou impugnação dessa  mesma liquidação» ( [1] );

   

    – «Para efeitos da obrigação de pagamento de juros indemnizatórios,  imposta à administração tributária pelo art, 43.º da L.G.T., havendo um  erro de direito na liquidação e sendo ela efectuada pelos serviços, é à  administração que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da  lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte.

         Esta imputabilidade do erro aos serviços é independente da  demonstração da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar  liquidação afectada por erro, podendo servir de base à responsabilidade  por juros indemnizatórios a falta do próprio serviço, globalmente  considerado» (  [2] );

 

– «há erro nos pressupostos de direito, imputável aos serviços, de  modo a preencher o pressuposto da obrigação da Administração de indemnizar aquele a quem exigiu imposto indevido, quando na liquidação é aplicada uma  norma nacional incompatível com uma Directiva comunitária» ( [3] );

 

– «os juros indemnizatórios previstos no art. 43ºda LGT são devidos  sempre que possa afirmar-se, como no caso sub judicibus, que ocorreu erro imputável aos serviços demonstrado, desde logo e sem necessidade de mais,  pela procedência de reclamação graciosa ou impugnação judicial da  correspondente liquidação» ( [4] ).

        

         Assim, no caso em apreço, não sendo os erros que afectam as retenções na fonte imputáveis ao Requerente, eles são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira.

         Por isso, o Requerente tem direito a juros indemnizatórios calculados sobre a quantia que a cada um deva ser reembolsada.

         Os juros indemnizatórios devem ser contados, relativamente a cada pagamento, desde a data em que foi efectuado, até ao integral reembolso ao respectivo Requerente, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

 

            5. Decisão     

 

            De harmonia com o exposto acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Declarar ilegal o artigo 22.º, n.º 1, do EBF, na parte em que limita o regime nele previsto a sociedades constituídas segundo a legislação nacional, excluindo das sociedades constituídas segundo legislações de Estados Membros da União Europeia;
  2. Julgar procedente o pedido de anulação das retenções na fonte efectuadas através dos documentos que constam do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral e se indicam no quadro que segue:

 

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  1.  Julgar procedente o pedido de reembolso das quantia pagas, no montante global de € 146.431,25 e condenar a Administração Tributária a pagar este montante à Requerente;
  2. Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios, nos termos referidos no ponto  4 deste acórdão, e condenar a Administração Tributária a pagá-los à Requerente.

 

 

 

5. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 146.431,25, indicado pela Requerente e sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

6. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

7. Comunicação ao Ministério Público 

 

Comunique-se ao Ministério Público, nos termos do artigo 17.º, n.º 3, do RJAT.

 

 

Lisboa, 28-03-2022

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

(Eva Dias Costa)

 

(Marisa Isabel Almeida Araújo)

 



[1] Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 31-10-2001, processo n.º 26167, publicado em Apêndice ao Diário da República  de 13-10-2003, página 2466, e de 24-04-2002, processo n.º 117/02, publicado em Apêndice ao Diário da República   08-03-2004, página 1197.

[2] e 07-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República  13-10-2003, página 2593.

[3] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21-11-2001, processo n.º 26415, publicado em Apêndice ao Diário da República  13-10-2003, página 2765.

[4] Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 28-11-2001, processo n.º 26223, publicado em Apêndice ao Diário da República  de 13-10-2003, página 2824, e de 16-01-2002, processo n.º 26508, publicado em Apêndice ao Diário da República   16-2-2004, página 77.