Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 625/2021-T
Data da decisão: 2022-05-11  IMT  
Valor do pedido: € 33.833,38
Tema: IMT - Aquisição de quota em sociedade, ficando o sócio a dispor de, pelo menos, 75% do capital social (artigo 2º, n.º 2, alínea d) do CIMT).
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SUMÁRIO:

As aquisições de quotas numa sociedade que não possui bens imóveis e em que o sócio fique a dispor de, pelo menos 75% do capital social, são irrelevantes para a determinação do IMT, nos termos da alínea d), n.º 2 do artigo 2.º e alínea b), regra 19.ª do artigo 12.º, ambos do CIMT, em aquisições sucessivas realizadas em data posterior em que a sociedade já dispõe de bens imóveis.

 

 

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

1 – Relatório

  1. – A..., S.A., contribuinte n.º ..., com sede na Rua ..., n.º..., ..., ..., ..., doravante designada por «Requerente», vem, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária), doravante apenas designado por «RJAT» e artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, requerer a constituição de tribunal arbitral singular, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “Requerida” ou “AT”).

 

  1. - O pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 28 de setembro de 2021, tem por objeto o despacho de indeferimento da reclamação graciosa (Processo n.º ...2020...) proferido pelo Chefe da Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Santarém, em 23 de junho de 2021, ao abrigo de delegação de competências, bem como a declaração de ilegalidade da liquidação do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) n.º..., no montante de 28 412,44 €, e respetivos juros compensatórios no valor de 5 420,94 €, efetuada pela “AT” em 27-07-2020, no montante global de 33 833,38 €, com a referência para pagamento ... e data limite de pagamento em 27-07-2020. 

 

  1. – Com o pedido de pronúncia arbitral, a Requerente juntou cinco documentos; comprovativo de pagamento da taxa de arbitragem inicial; e respetiva procuração forense.

 

1.4 - A Requerente optou por não designar árbitro.

 

1.5 - O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à AT em 30 de setembro de 2021.

 

1.6 - O signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD como árbitro do tribunal arbitral singular, nos termos do disposto no artigo 6.º do RJAT, e comunicada a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

1.7 - Em 16 de novembro de 2021, as Partes foram notificadas dessa designação, não se tendo oposto à mesma, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

1.8 - Assim, em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o tribunal arbitral singular ficou constituído em 7 de dezembro de 2021.

 

1.9 - A AT foi notificada, por despacho arbitral de 7 do mesmo mês de dezembro, nos termos do artigo 17.º, n.º 1 do RJAT, para, no prazo de 30 dias, apresentar Resposta, querendo, e solicitar a produção de prova adicional.

 

1.10 - Mais foi notificada para, no mesmo prazo, apresentar o processo administrativo (PA) referido no artigo 111.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

 

1.11 – Em 25 de janeiro de 2022, a Requerida apresentou a sua Resposta, defendendo-se por impugnação, pugnando pela improcedência, por não provada, do pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica o ato tributário de liquidação com a consequente absolvição do pedido.

 

1.12 – Na mesma data juntou o respetivo PA.

 

1.13 - Considerando que as Partes não requereram a produção de qualquer prova, para além da documental junta ao processo, o Tribunal Arbitral, face aos princípios da autonomia na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidades processuais, ínsitos nos artigos 16.º e 29.º, n.º 2, do RJAT, por despacho de 25 de janeiro de 2022, dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do mesmo diploma, determinando que o processo prosseguisse com alegações escritas e simultâneas, a apresentar pelas Partes, querendo, no prazo de 20 dias, o que as mesmas optaram por não fazer. 

 

1.14 - Pelo mesmo despacho foi determinado que a decisão arbitral seria proferida até ao termo do prazo a que alude o artigo 21.º/1 do RJAT, ou seja, até 7 de junho de 2022, devendo até essa data a Requerente efetuar o pagamento da taxa de arbitragem subsequente, cfr. n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

 

Posição das Partes

Da Requerente -

Sustenta o seu pedido de pronúncia arbitral, sinteticamente, da seguinte forma:

Que no ano de 2002, juntamente com a sociedade “B..., S.A.”, constituíram a sociedade que gira sob a firma “”C..., Ld.ª”, contribuinte n.º ..., com sede na Rua ..., n.º ..., ..., ..., concelho de ..., com o capital social de 100 000,00 €, sendo de 50.000,00 € a quota de cada uma das sócias.

Que com a aquisição da quota da “B..., S.A.”, no ano de 2005, ficou a deter a totalidade do capital social da “C...”, assumindo deste modo uma posição de domínio face ao disposto no artigo 486.º do Código das Sociedades Comerciais.

Esta posição de sociedade dominante manteve-se quando, em 2008, transmitiu 24% do capital social, entretanto aumentado de 100.000,00 € para 250.000,00 €, a três dos seus trabalhadores (D...; E...; e F...), passando a deter 76% do capital social.

Em 1 de outubro de 2015 adquiriu a quota do E..., passando a dispor de 84% do capital social, no montante de 210.000,00 €.

No mapa de amortizações e depreciações do ano de 2015 da sociedade “C...” encontrava-se descrito um prédio rústico, com o valor patrimonial de 249,80 €, inscrito na matriz predial da freguesia de ..., concelho de..., distrito de Santarém, sob o artigo ..., e um prédio urbano (terreno para construção), com o valor patrimonial tributário de 211.432,13 €, inscrito na matriz urbana da mesma freguesia, sob o artigo ... .

A Requerente discorda da liquidação do IMT, ao qual ficou sujeita com a aquisição da quota representativa de 8% do capital da “C...”, passando o capital social de 76% para 84%, uma vez que, desde 2005, já era detentora de mais de 75% do capital, assumindo uma posição de domínio na sociedade. Assim, a norma prevista na alínea d), n.º 2 do artigo 2.º do CIMT, que constitui uma ficção jurídica, não é aplicável, por não se verificarem os respetivos pressupostos.

Termina pugnando pela procedência do pedido de pronúncia arbitral, por provado, e por via disso pela anulação do ato de liquidação do IMT e respetivos juros compensatórios.

 

 

Da Requerida -

Defendendo-se por impugnação, invoca os seguintes argumentos:

No decurso de ação inspetiva ao sujeito passivo “C..., Lda, contribuinte n.º ..., com sede na Rua..., n.º..., ..., ..., concelho de ..., legitimada pela Ordem de Serviço n.º OI2018..., com incidência no ano de 2015 e âmbito em IRC, detetou-se que, em 03 de setembro de 2015, o capital social era detido pela Requerente e pelos sócios D..., F... e E..., a primeira na proporção de 76%, correspondente ao capital social de 190.000,00 €, e cada um dos restantes na proporção de 8%, a que corresponde o montante de 20.000,00 €.

Por escritura de cessão onerosa de 1 de outubro de 2015, a Requerente adquiriu a quota que o sócio E... detinha na “C..., Lda”, na proporção de 8%, ficando a dispor de 84% do capital social, no montante de 210.000,00 €.

Na data da referida aquisição a “C...” possuía um prédio rústico inscrito na matriz da freguesia de ..., concelho de..., distrito de Santarém, sob o artigo ..., com o valor patrimonial tributário de 249,80 € e o valor do balanço de 2.887,50 € e um prédio urbano (terreno para construção) inscrito na matriz da mesma freguesia sob o artigo P..., com o valor patrimonial tributário de 211.432,13 € e o valor do balanço de 517.486,74 €, correspondendo 203.790,00 € ao terreno e 313.696,74 € a edificações/obras utilizadas na gestão de resíduos.

A Requerente, com a aquisição da quota na proporção de 8%, passou a deter 84% do capital social, pelo que, nos termos da alínea d), n.º 2 do artigo 2.º do CIMT, tal aquisição encontra-se sujeita a IMT, por integrar o conceito de transmissão de bens imóveis, uma vez que a Requerente passou a dispor de mais de 75% do capital social.

Assim a AT procedeu à liquidação n.º ... do IMT no montante de 28.254,78 € e respetivos juros compensatórios de 5.420,94 €, no montante global de 33.833,38 €, de acordo com o direito aplicável à data dos factos (01-10-2015), nomeadamente a alínea d), n.º 2 do artigo 2.º do CIMT, a seguir transcrito: 

 

“Artigo 2.º - Incidência objetiva e territorial

1. O IMT incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis situados no território nacional.

2. Para efeitos do n.º 1, integram, ainda, o conceito de transmissão de bens imóveis:

(…)

d) A aquisição de partes sociais ou de quotas nas sociedades em nome colectivo, em comandita simples ou por quotas, quando tais sociedades possuam bens imóveis, e quando por aquela aquisição, por amortização ou quaisquer outros factos, algum dos sócios fique a dispor de, pelo menos, 75% do capital social, ou o número de sócios se reduza a dois, sendo marido e mulher, casados no regime de comunhão geral de bens ou de adquiridos.

(…).”

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Termina pugnando pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral, por não provado, e absolvição da Requerida, mantendo-se na ordem jurídica o ato tributário impugnado, uma vez que a liquidação controvertida consubstancia uma correta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito.

 

 

2. Saneamento

2.1 - As Partes têm personalidade e capacidades judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

                

2.2 - O processo não enferma de nulidades.

 

2.3 - Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

2.4 - O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, cfr. artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

 

 

3. Matéria de Facto

3.1 Factos provados

Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

  1. A Requerente é uma sociedade comercial anónima, coletada desde 01-08-1989 pelo exercício da atividade de construção de estradas e pistas de aeroportos (CAE 42110), cfr. Relatório de Inspeção Tributária (RIT);
  2. Por contrato de sociedade do ano de 2002, a Requerente e a sociedade “B..., S.A.”, constituíram a sociedade comercial por quotas “C..., Lda”, contribuinte n.º ..., com sede na Rua..., n.º ..., ..., ..., concelho de ..., com o capital social de 100.000,00 €, sendo de 50.000,00 € a quota de cada uma das sócias, cfr. ap. 02/2002... constante da Certidão Permanente de Registos (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral (ppa)).
  3. Por cessão onerosa de 29 de dezembro de 2005, a Requerente adquiriu a quota de 50% que a sociedade “B... o, S.A.” tinha na sociedade “C..., Lda”, ficando a dispor da totalidade do capital social (100%), cfr. ap. 02/2005... constante da Certidão Permanente de Registos (documento n.º 4 junto com o ppa). Nessa data a “C...” não possuía qualquer bem imóvel.
  4. Em 2 de junho de 2008 o capital social da “C..., Lda” foi aumentado de 100.000,00 € para 250.000,00 €, por incorporação de prestações suplementares da Requerente, cfr. ap. 09/2008... constante da Certidão Permanente de Registos (documento n.º 4 junto com o ppa).
  5. Na mesma data, a Requerente transmitiu 8% da sua quota a cada um dos seus seguintes três trabalhadores, no total de 24%, a que corresponde o valor de 60.000,00 € no capital social de 250.000,00 €, ficando a Requerente a deter 76% no valor de 190.000,00 €, cfr. ap. 09/2008... constante da Certidão Permanente de Registos (documento n.º 4 junto com o ppa).

D..., contribuinte n.º ..., residente na ..., Porto de Mós;

E..., contribuinte n.º ..., residente na Rua..., n.º ..., ..., Pombal; e

F..., contribuinte n.º ..., residente em ..., ..., Ferreira do Zêzere.

Sócios

Capital social (€)

Percentagem

D...

20.000,00

8,00

E...

20.000,00

8,00

F...

20.000,00

8,00

A..., S.A

190.000,00

76,00

TOTAL

250.000,00

100,00

 

  1. Em 30 de outubro de 2009 a sociedade “C..., Lda” adquiriu o prédio urbano (terreno para construção) inscrito na matriz predial da freguesia de ..., concelho de ..., distrito de Santarém, sob o artigo..., posteriormente renumerado em P..., com o valor patrimonial tributário de 211.432,13 €, cfr. PA (documento n.º 1 junto com o ppa) ;
  2.  Em 7 de setembro de 2010 a sociedade “C..., Lda” adquiriu o prédio rústico inscrito na matriz predial da freguesia de ..., concelho de ..., distrito de Santarém, sob o artigo ..., com o valor patrimonial tributário de 249,80 €, cfr. PA (documento n.º 1 junto com o ppa);
  3. Por escritura de cessão onerosa de 1 de outubro de 2015, celebrada no Cartório Notarial de G..., em..., Ourém, a Requerente adquiriu a quota de 8% que o sócio E... detinha na “C..., Lda”, ficando a dispor de 84% do capital social, no montante de 210.000,00 €, cfr. ap. 06/2005... constante da Certidão Permanente de Registos (documento n.º 4 junto com o ppa).

Sócios

Capital social (€)

Percentagem

D...

20.000,00

8,00

F...

20.000,00

8,00

A..., S.A

210.000,00

76,00

TOTAL

250.000,00

100,00

 

  1. Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2019..., emitida em 3 de junho de 2019, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1 e n.º 2, alínea a), 12.º, n.º 1 e 14.º, n.º 1, alínea b), ambos do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), foi ordenado procedimento inspetivo interno à Requerente “A..., S.A.”, relativo ao exercício de 2015, em sede de IMT, tendo como fundamento subjacente o resultado da ação inspetiva à sociedade “C..., Lda”, legitimada pela Ordem de Serviço n.º OI2018..., com incidência no ano de 2015 e âmbito em IRC, cfr. Relatório da Inspeção Tributária (RIT) que constitui o documento n.º 1 junto com o ppa;
  2. Segundo o mapa de Reintegrações e Amortizações da “C...”, reportado a 31 de dezembro de 2015, anexo I ao RIT, os valores do balanço dos prédios adquiridos eram os constantes do gráfico que segue:

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  1. Pelo ofício n.º ... da Direção de Finanças de Leiria, de 10 de janeiro de 2020 (registo n.º RF...PT) foi a Requerente notificada para, no prazo de 15 dias, exercer, querendo, o direito de audição sobre o projeto de correções do RIT, nos termos dos artigos 60.º da LGT e 60.º do RCPITA, cfr. documento n.º 1 junto com o ppa;
  2. Pelo ofício SPGAI-... da mesma direção de finanças, de 5 de fevereiro de 2020 (registo com aviso de receção n.º RF...PT) foi a Requerente notificada das correções resultantes do RIT, nos termos do artigo 62.º do RCPITA, cfr. documento n.º 1 junto com o ppa;
  3. Pelo ofício n.º ... do Serviço de Finanças de..., de 7 de julho de 2020 (registo com aviso de receção n.º RH...PT), foi a Requerente notificada da liquidação do IMT, no montante de 28.412,44 €, e respetivos fundamentos, relativa à aquisição da quota, correspondente a 8% do capital social, que o sócio E... detinha na sociedade “C..., Lda”, cfr. documento n.º 2 junto com o ppa, a seguir transcrito:

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     n) O IMT e os respetivos juros compensatórios de 5.420,94 €, no montante global de 33.833,38 €, foram pagos em 7 de julho de 2020, através do documento com a referência n.º..., cfr. documento n.º 5 junto com o ppa;

o) Em 23 de dezembro de 2020, a Requerente apresentou reclamação graciosa (Processo n.º ...2020...) na qual peticionava a anulação da liquidação de IMT e juros compensatórios, no montante global de 33.833,38 €, acrescido de juros indemnizatórios, cfr. documento junto com a resposta da Requerida;

p) Pelo ofício n.º ... da Direção de Finanças de Santarém, de 17 de maio de 2021 (registo n.º RF...PT), a Requerente foi notificada para, nos termos do artigo 60.º da LGT, exercer, querendo, no prazo de 15 dias, o direito de audição prévia, cfr documento junto com a resposta da Requerida;

q) Por despacho de 23 de junho de 2021 do chefe de Divisão da Justiça Tributária da Direção de Finanças de Santarém, no uso de competência delegada, a reclamação graciosa foi indeferida, sendo a Requerente notificada pelo ofício n.º ..., de 24 de junho de 2021 (registo n.º RF...PT), cfr. documento junto com a resposta da Requerida;

r) Em 28 de setembro de 2021, a Requerente apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo da alínea a), número 1 do artigo 2.º e do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que deu origem ao presente processo, peticionando a anulação da liquidação e a restituição do imposto e juros compensatórios, no montante de 33.833,38 €, acrescido de juros indemnizatórios contabilizados desde a data do pagamento (27 de julho de 2020) até à emissão da respetiva nota de crédito.

 

3.2 Factos não provados

Não há factos relevantes para a decisão da causa que devam considerar-se não provados.

 

3.3 Motivação

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor [(cfr. artigos 596º, nº 1 e 607º, nºs 2 a 4 do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT)] e consignar se a considera provada ou não provada (cfr. artigo 123º, nº 2 do CPPT).

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas (cfr. artigo 607.º, n.º 5 do CPC). Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação. 

Assim, a convicção do Tribunal fundou-se no acervo documental junto aos autos bem como nas posições assumidas pelas partes.

 

 

4 - Matéria de Direito (fundamentação)

Objeto do litígio

 

A questão que constitui o thema decidenduum consiste em saber se a aquisição de quota numa sociedade que não possui bens imóveis e em que o sócio fique a dispor de, pelo menos 75% do capital social, é relevante para a determinação do IMT, nos termos da alínea d), n.º 2 do artigo 2.º e alínea b), regra 19.ª do artigo 12.º, ambos do CIMT, em aquisições sucessivas realizadas em data posterior em que a sociedade já dispõe de bens imóveis.

 

Questões a decidir:

- Da (i)legalidade da liquidação impugnada; e

- Do pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios.

**

4.1 - Da (i)legalidade da liquidação impugnada

A aquisição de partes sociais ou de quotas nas sociedades em nome coletivo, em comandita simples ou por quotas, quando tais sociedades possuam bens imóveis, e quando por aquela aquisição, por amortização ou quaisquer outros factos, algum dos sócios fique a dispor de, pelo menos, 75% do capital social, ou o número de sócios se reduza a dois, sendo marido e mulher, casados no regime de comunhão geral de bens ou de adquiridos, integra o conceito de transmissão de bens imóveis para efeitos de incidência do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT), como refere a alínea d), n.º 2 do artigo 2.º do CIMT, na redação em vigor no ano de 2015.

Esta norma corresponde, sem modificações, ao artigo 2, § 1.º, nº 6, do Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, revogado pelo n.º 3 do artigo 31.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, no relatório do qual, e relativamente à aquisição de quotas, vem referido: “As cessões de quotas ou partes sociais, nas sociedades que não sejam por acções e possuam bens imobiliários, são hoje sempre passíveis de sisa em proporção do que lhes corresponda no valor desses bens. Teve-se em vista, ao tributá-las, impedir que os imobiliários das sociedades pudessem ser praticamente adquiridos por qualquer dos sócios sem o pagamento da sisa. (…) Só nos casos em que o adquirente da quota ou parte social se torna como que dono da sociedade é que a tributação pode justificar-se à luz dos princípios e é que ela se mostra verdadeiramente necessária para impedir a grande maioria das fraudes. Resolveu-se, por isso, sujeitar a sisa apenas as cessões pelas quais algum dos sócios obtenha 75 por cento do capital, o que lhe dará nítida posição de predomínio, ou pelas quais o marido e a mulher, casados com comunhão geral de bens ou de adquiridos, fiquem sendo os únicos sócios da sociedade”.

Também José Maria Fernandes Pires[1] refere a tributação da aquisição de quotas nos seguintes termos: “O Código do IMT alarga o conceito de transmissão de bens imóveis sujeita a imposto a alguns tipos de aquisições de partes sociais em sociedades. Não se trata de aquisição de imóveis, mas de partes do capital de sociedades.

Nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 2.º do CIMT, são consideradas transmissões sujeitas a imposto, as aquisições de partes sociais sempre que se cumpram os seguintes requisitos, de forma cumulativa: i) Se trate de aquisição de partes sociais em sociedades, ou de outros factos que alterem a respetiva composição; ii) As sociedades em referência sejam de qualquer tipo, mas não sociedades anónimas; iii) As sociedades possuam no seu ativo bens imóveis rústicos ou urbanos, quer seja no imobilizado, quer no ativo permutável; e iv) Da aquisição resulte a detenção, pelo adquirente, de uma percentagem do capital social da sociedade com imóveis, de 75% ou mais do capital social. Ficam também sujeitas a imposto as aquisições quando o número de sócios fique reduzido a dois, sendo casados num dos regimes de comunhão de bens.

(…) A ratio deste tipo de sujeição, consiste numa espécie de transparência fiscal, dado que através da aquisição das quotas ou partes sociais em sociedades que possuam imóveis, pode adquirir-se, de forma indireta, o domínio dos respetivos prédios. Assim, para prevenir e evitar que se utilizem mecanismos desse tipo para não pagar o imposto, o Código do IMT tipifica essas aquisições como sujeitas, desde que se cumpram todos os requisitos antes referenciados.     

(…) O que a lei pretende tributar é a aquisição, por qualquer via, por um sócio, de uma posição de domínio sobre um prédio, pela via do domínio que ele detém, sobre a sociedade. Essa posição de domínio considera-se relevante a partir dos 75% do capital social da sociedade, pelo que todas as aquisições que conduzam à detenção de uma participação social superior a essa são sujeitos a imposto. Naturalmente que as aquisições posteriores de participações sociais ficam sujeitas a imposto pela correspondente parte adicional.

Assim, as aquisições de partes sociais das quais resulta a detenção de uma percentagem do capital social inferior a 75% por um só sócio, não são sujeitas a imposto. Quando se efetua a aquisição de uma parte social e dela passa a resultar a detenção por uma só pessoa, de uma percentagem igual a 75%, ou mais, do capital social, o adquirente fica sujeito a IMT por essa aquisição. Se posteriormente esse mesmo adquirente vier a reforçar a percentagem do capital social que detém, adquirindo novas partes sociais ou quotas, ficará de novo sujeito a imposto, mas agora apenas pela parte adicional que adquiriu.

A determinação do valor tributável sujeito a imposto é sempre efetuada em função da percentagem do capital social que o sujeito passivo passa a deter após a aquisição ou o facto que determina a sujeição, aplicando-se essa percentagem sobre o valor relevante do imóvel ou dos imóveis existentes no ativo da sociedade.

O valor relevante para a determinação do valor tributável sujeito a imposto, é sempre o maior de dois: a) O valor patrimonial tributário dos imóveis; b) O valor por que esses imóveis estão contabilizados no ativo da respetiva sociedade.

Assim, quando da aquisição, da amortização ou de qualquer outro facto, resultar a detenção de uma percentagem do capital social igual a 75%, ou superior, mas que ultrapasse pela primeira vez esse limiar, o valor sujeito a imposto corresponde à aplicação dessa percentagem ao maior dos dois valores antes referidos.

Nas aquisições seguintes, naturalmente que não se aplicará, de novo, a percentagem do capital social que se passou a deter, sobre o valor relevante do imóvel ou dos imóveis, porque daí resulta dupla tributação. O valor tributável corresponderá apenas à parte ainda não tributada, ou seja, calcula-se o valor sujeito a imposto aplicando-se a taxa correspondente à percentagem do capital social que se passou a deter, sobre o valor relevante do imóvel ou dos imóveis e subtrai-se a parte já anteriormente tributada”.

 

Face à certidão permanente constante do probatório (documento n.º 4 junto ao ppa), mostram-se relevantes para a questão decidenda os seguintes factos:

  1. Por contrato de sociedade do ano de 2002, a Requerente e a sociedade “B..., S.A.”, constituíram a sociedade comercial por quotas “C..., Lda”, contribuinte n.º..., com sede na Rua..., n.º..., ..., ..., concelho de ..., com o capital social de 100.000,00 €, sendo de 50.000,00 € a quota de cada uma das sócias.
  2. Por cessão onerosa de 29 de dezembro de 2005, a Requerente adquiriu a quota de 50% que a sociedade “B..., S.A.” tinha na sociedade “C..., Lda”, ficando a dispor da totalidade do capital social (100%). Nessa data a “C...” não possuía qualquer bem imóvel.
  3. Em 2 de junho de 2008 o capital social da “C..., Lda” foi aumentado de 100.000,00 € para 250.000,00 €, por incorporação de prestações suplementares da Requerente.
  4. Na mesma data, a Requerente transmitiu 8% da sua quota a cada um dos seus seguintes três trabalhadores, no total de 24%, a que corresponde o valor de 60.000,00 € no capital social de 250.000,00 €, ficando a Requerente a deter 76% no valor de 190.000,00 €:

D..., contribuinte n.º ..., residente na ..., Porto de Mós;

E..., contribuinte n.º ..., residente na Rua ..., n.º ..., ..., Pombal; e

F..., contribuinte n.º ..., residente em..., ..., Ferreira do Zêzere.

Sócios

Capital social (€)

Percentagem

D...

20.000,00

8,00

E...

20.000,00

8,00

F...

20.000,00

8,00

A..., S.A

190.000,00

76,00

TOTAL

250.000,00

100,00

 

  1. Em 30 de outubro de 2009 a sociedade “C..., Lda” adquiriu o prédio urbano (terreno para construção) inscrito na matriz predial da freguesia de ..., concelho de..., distrito de Santarém, sob o artigo ..., posteriormente renumerado em P..., com o valor patrimonial tributário de 211.432,13 €.
  2. Em 7 de setembro de 2010 a sociedade “C..., Lda” adquiriu o prédio rústico inscrito na matriz predial da mesma freguesia, sob o artigo..., com o valor patrimonial tributário de 249,80 €.
  3. Por escritura de cessão onerosa de 1 de outubro de 2015, celebrada no Cartório Notarial de G..., em ..., Ourém, a Requerente adquiriu a quota de 8% que o sócio E... detinha na “C..., Lda”, ficando a dispor de 84% do capital social, no montante de 210.000,00 €.

Sócios

Capital social (€)

Percentagem

D...

20.000,00

8,00

F...

20.000,00

8,00

A..., S.A

210.000,00

76,00

TOTAL

250.000,00

100,00

 

 

Verifica-se deste modo que a Requerente adquiriu quotas na sociedade “C..., Lda”, nos seguintes momentos:

1.º - Em 29 de dezembro de 2005, quando adquiriu a quota da sócia “B..., S.A.”, correspondente a 50% do capital social, ficando a dispor da totalidade do mesmo (100%); e

2.º - Em 1 de outubro de 2015, quando adquiriu a quota do sócio E..., correspondente a 8% do capital social, passando de 76%, que detinha desde 2 de junho de 2008 (data da transmissão das quotas ao D..., F... e E...), para 84%. 

 

Porém a primeira aquisição da quota por parte da Requerente, ocorrida em 29 de dezembro de 2005, não satisfaz os requisitos necessários à tributação em IMT, previstos na alínea d), n.º 2 do artigo 2.º do CIMT, uma vez que, nessa data, a sociedade “ C..., Lda” não possuía qualquer bem imóvel.

Já a aquisição da quota ocorrida em 1 de outubro de 2015 (segundo momento), correspondente a 8% do capital social da “C...” encontra-se sujeita a IMT, nos termos da norma supra referenciada, uma vez que nessa data a “C...” era possuidora dos prédios antes referenciados.

Nos termos da alínea a), regra 19.ª, n.º 4, artigo 12.º do CIMT, o IMT é liquidado pelo valor patrimonial tributário dos imóveis correspondentes à quota ou parte social maioritária, ou seja a 84% do capital social, ou pelo valor total desses bens, consoante os casos, preferindo em ambas as situações o valor do balanço, se superior.

Assim, considerando que, face ao mapa de Reintegrações e Amortizações constantes da alínea j) do probatório, os valores do balanço dos imóveis, reportados a 31 de dezembro de 2015, são no montante global de 520.374,24 €, correspondendo 2 887,50 € ao prédio rústico e 517.486,74 € ao prédio urbano (terreno para construção), do qual 203.790,00 € respeita ao valor do terreno e 313.696,74 € ao das edificações, são esses os valores a considerar na liquidação por serem superiores aos patrimoniais tributários, no montante global de 211.681,93 €.

Deste modo o IMT incidirá, como incidiu, sobre o valor do balanço, no montante de global de 437.114,36 €, correspondente à quota ou parte maioritária de 84% do capital social, sendo liquidado à taxa de 6,5% prevista na alínea d), n.º 1, artigo 17.º do CIMT, no montante de 28.412,44 €.  

  

 

Por facto imputável ao Requerente, são ainda devidos juros compensatórios, no montante de 5.420,94 €, por atraso na liquidação do imposto, calculados nos termos do artigo 35.º da Lei Geral Tributária, donde resulta o montante global devido de 33.833,38 €.

 

Assim inexiste qualquer ilegalidade na liquidação impugnada, devendo a mesma manter-se na ordem jurídica.

 

4.2 - Do pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios -

Sendo de julgar improcedente o pedido de declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação do IMT e respetivos juros compensatórios e da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, ficam necessariamente prejudicados os pedidos de reembolso do imposto pago e de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, cfr. artigo 608.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.

 

.***

 

5 - Decisão

Em face do exposto, decide-se:

  1. Julgar improcedente o pedido de anulação da liquidação de IMT n.º..., supra referenciada, efetuada pela AT, no montante 28.412,44 € e respetivos juros compensatórios de 5.420,94 €, no montante global de 33.833,38 €, mantendo-se tais atos na ordem jurídica com a consequente absolvição da Autoridade Tributária e Aduaneira do pedido;
  2. Julgar improcedente o pedido de condenação da AT no reembolso do montante pago bem como no pagamento de juros indemnizatórios; e 
  3. Condenar a Requerente no pagamento das custas arbitrais do processo.

 

 

Valor do Processo

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), fixa-se ao processo o valor de 33.833,38 € (trinta e três mil, oitocentos e trinta e três euros e trinta e oito cêntimos).

 

 

Custas

Nos termos do artigo 4.º, n.º 4 do citado RCPAT e artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, fixa-se o montante das custas em 1.836,00 € (mil, oitocentos e trinta e seis euros), nos termos da Tabela I, anexa àquele regulamento, a cargo da Requerente.

 

Notifique.

 

Lisboa, CAAD, 11 de maio de 2022.

 

 

 

O Árbitro,

 

(Rui Ferreira Rodrigues)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



[1] In “Lições de Impostos sobre o Património e do Selo” 3.º edição, Almedina, 2016, pp. 276/278