Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 589/2021-T
Data da decisão: 2022-05-16  IRS  
Valor do pedido: € 189.504,43
Tema: IRS - Mais-valias mobiliárias. Exclusão da incidência de imposto. Aumento de capital. Entradas em dinheiro.
Versão em PDF

 

Sumário:

I - Nos termos do artigo 43.º, n.º 6, alínea a), do Código do IRS, para efeito do apuramento de mais-valias, a data de aquisição dos valores mobiliários por alteração do valor nominal corresponde à data de aquisição dos valores mobiliários que lhes deram origem;

II – Tendo sido constituída uma sociedade antes do começo de vigência do Código do IRS, a mais-valia gerada pela alienação de partes do capital ocorrida já na sua vigência encontra-se excluída da incidência do imposto por efeito do disposto na norma transitória do artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 448-A/88, de 30 de Novembro, ainda que tenha ocorrido reforço do capital social inicial através de novas entradas em dinheiro após a entrada em vigor do Código.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Guilherme W. d'Oliveira Martins (Presidente), Francisco Melo (Relator) e Nina Aguiar, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 26-11-2021, acordam no seguinte:

 

  1. Relatório

 

A..., portador do cartão de cidadão n.º ..., identificação fiscal n.º..., e B..., portadora do cartão de cidadão n.º ..., identificação fiscal n.º ..., ambos casados entre si e com residência na Rua ..., n.º ... - ...-... Leiria, doravante designados por “Requerentes”, vieram requerer a constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, tendo em vista a anulação da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2021..., bem como da liquidação de juros compensatórios n.º 2021..., referentes ao ano de 2017, com as necessárias consequências legais, designadamente o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, doravante também identificada por “AT”.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 16-09-2020.

Nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 5.º, na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 08-11-2021, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação vigente, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 26-11-2021 (considerando a suspensão de prazos prevista no artigo 7.º da lei n.º 1-A/2020, de 9 de Março).

Em 10-02-22, a Requerida apresentou Resposta, na qual se defendeu por impugnação, concluindo pela improcedência da ação, com as devidas consequências legais, tendo junto o processo administrativo.

O Tribunal Arbitral agendou a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, tendo-se realizado em 10-03-2022. Foram inquiridas três testemunhas, duas indicadas pelos Requerentes e uma indicada pela Requerida. Foram também tomadas declarações de parte ao Requerente A... . Na referida reunião, o representante da Requerida declarou pretender juntar aos autos dois documentos supervenientes, tendo o Tribunal solicitado para que apresentasse posteriormente requerimento atinente à junção dos documentos em causa. O Tribunal notificou os Requerentes e a Requerida para, por esta ordem e de modo sucessivo, apresentarem alegações escritas no prazo de 10 dias. Por acordo das partes, ficou definido que o representante dos Requerentes iria exercer o seu prazo de vista relativamente aos documentos a juntar pela Requerida em sede de alegações escritas. Foram advertidos os Requerentes da necessidade de pagamento da taxa arbitral subsequente até essa data (v. ata que se dá por reproduzida e gravação áudio disponível no SGP do CAAD).

Em 17-03-2022, a Requerida apresentou requerimento juntados os documentos supervenientes mencionados na reunião havida.

Em 22-03-2022, os Requerentes apresentaram as suas alegações e reiteraram o anteriormente alegado. A Requerida não apresentou alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT, e é competente.

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112- A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades e não são suscitados obstáculos à apreciação do mérito da causa.

 

  1. Matéria de facto

 

  1.  Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. Foi realizada uma ação inspetiva aos Requerentes, relativa ao ano de 2017, em sede de IRS;
  2. Nessa inspeção foi elaborado o Relatório da Inspeção Tributária (RIT), que consta do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

 

III.DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS

III.1.IRS DE 2017

III.1.1.1 ANÁLISE DECLARATIVA

Analisa a declaração modelo 3 de IRS referente a 2017, entregue pelo sujeito passivo, verifica-se que foi entregue anexo G – relativo aos rendimentos da categoria G sujeitos – e um anexo G1 – relativo aos rendimentos da categoria G não sujeitos – em que foi declarada a alienação de valores mobiliários, discriminado da seguinte forma, já com atualização do valor de aquisição:

 

(…)

 

E, no anexo G1:

Uma imagem com mesa

Descrição gerada automaticamente

Quanto aos valores declarados no anexo G, verifica-se que se encontram corretos.

 

Já quanto aos valores do anexo G1, foram declarados como encontrando-se excluídos de tributação nos termos do art.º 5.º do DL 442/88, de 30 de novembro (regime transitório da categoria G9, pelo facto de a empresa ter sido constituída antes da entrada em vigor do CIRS, erradamente, conforme se poderá concluir pela análise dos pontos seguintes.

 

(…)

 

III.1.1.2.2 DATA E VALOR DA ALIENAÇÃO

 

O sujeito passivo efetuou a alienação de partes sociais, nomeadamente quotas, da sociedade C..., LDA, adiante também designada por sociedade, com o NIPC:..., através de contrato celebrado em 21-12-2017, conforme consta da Certidão Permanente da sociedade, de que se anexa cópia (anexo 1).

 

Tais alienações constituem rendimento da categoria G de IRS, conforme prescrito pelo art.º 9.º, n.º 1 alínea a) do CIRS5 e art.º 10.º n.º 1 alínea b) também do CIRS6.

 

O sujeito passivo era detentor das seguintes quotas na sociedade (valor nominal e percentagens do capital social):

Uma imagem com mesa

Descrição gerada automaticamente

Junta-se cópia do Balanço da C..., LDA em 31 de dezembro de 2016, onde se confirma o valor do capital social acima referido (anexo 2).

 

O sujeito passivo alienou as referidas quotas pelo seguinte preço:

 

Uma imagem com mesa

Descrição gerada automaticamente

 

III.1.1.2.3 DATA E VALOR DE AQUISIÇÃO

 

O valor de aquisição, dado estarmos perante quotas, será o custo documentalmente provado ou o respetivo valor nominal, conforme indica o art.º 48.º alínea b) do CIRS7.

 

Face à análise dos elementos conhecidos, o SP possuía os seguintes valores nominais, com os seguintes valores de aquisição e nas seguintes datas:

 

Uma imagem com mesa

Descrição gerada automaticamente

 

A transmissão de quota por doação, ocorrida em 21-12-2015, está sujeita ao cumprimento da regra da alínea d) do n.º 6 do art.º 43.º do CIRS, que define que os valores alienados a considerar serão os adquiridos há mais tempo.

 

Assim, o valor nominal da quota vendida em 2017 deverá ser conforme se descreve no quadro seguinte:

Uma imagem com mesa

Descrição gerada automaticamente

Portanto, as datas, valores nominais e valores de aquisição a considerar serão os seguintes:

 

Uma imagem com mesa

Descrição gerada automaticamente

(…)

III.1.1.2.6 VERIFICAÇÃO DE PME

 

Conforme se pode verificar pela certidão permanente da sociedade (anexo 1), a sociedade D..., SA, com o NIF..., detinha, desde final de 2013, uma quota de 8480,00 €, que representava cerca de 33,87% do Capital Social.

 

O art.º 43.º, n.º 4 do CIRS, remete o enquadramento como micro e pequena empresa para o que se encontra definido nos termos do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro.

 

Segundo o art.º 6.º n.º 2 do referido anexo11, os dados a considerar, caso existam empresas associadas, serão os correspondentes a 100% dos dados das eventuais empresas direta ou indiretamente associadas à empresa considerada.

Pelo art.º 3.º n.º 3 alínea a) do mesmo anexo12, entende-se por empresas associadas, as empresas que mantêm entre si uma das seguintes relações:

- Uma empresa detém a maioria dos direitos de voto dos acionistas ou sócios de outra empresa;

Ainda neste n.º 3 é estabelecido o seguinte:

“As empresas que mantenham uma das relações referidas no primeiro parágrafo por intermédio de uma ou várias outras empresas, ou com os investidores visados no n.º 2, são igualmente consideradas associadas.

As empresas que mantenham uma das relações acima descritas por intermédio de uma pessoa singular ou de um grupo de pessoas singulares que atuem concertadamente são igualmente consideradas empresas associadas desde que essas empresas exerçam as suas atividades, ou parte delas, no mesmo mercado ou em mercados contíguos.

Entende-se por mercado contíguo o mercado de um produto ou serviço situado diretamente a montante ou a jusante do mercado relevante.”

Ora é precisamente nesta situação que se encontra a sociedade alienada e a sua sócia D..., SA.

A estrutura societária da C..., LDA, antes das alienações ocorridas em 2017, era a seguinte:

Uma imagem com texto

Descrição gerada automaticamente

A estrutura acionista da D..., SA era a seguinte:

 

Uma imagem com texto

Descrição gerada automaticamente

Resumindo as duas estruturas temos:

 

Uma imagem com texto

Descrição gerada automaticamente

Estas informações constam, nomeadamente do projeto de fusão das duas sociedades, cuja cópia se anexa (anexo 3), que viria a acontecer em 2018.

As estruturas eram constituídas por dois sócios (F... e A...), respetivos cônjuges (H... e B...) e um descendente de cada um dos sócios (E... e G...).

Com base nesta estrutura societária e na própria atividade das sociedades, consideramos que são sociedades associadas dado que o grupo de pessoas singulares detém a maioria do capital social da C..., LDA e da D..., SA.

Tal facto é reforçado pelo processo de fusão que acabou por acontecer entre as duas sociedades, em 2018, onde é referido, nomeadamente:

 

 

E mais à frente:

 

Uma imagem com texto

Descrição gerada automaticamente

 

As sociedades atuam, pelo menos em parte, no mesmo mercado ou em mercados contíguos, pelo que nestes termos podemos considerá-las associadas.

Nos termos do art.º 6.º n.º 2 do referido anexo, aos valores da C..., LDA teremos de juntar 100% dos valores da D..., S.A.

Teremos assim os seguintes valores de efetivos, volume de negócios e ativo com referência a 31-12-2016:

 

Uma imagem com texto, dispositivo, escala, paquímetro

Descrição gerada automaticamente

Concluímos, portanto, que a sociedade alienada não é, de facto, uma micro ou pequena empresa, porque ultrapassa os 3 limites previstos no art.º 2.º do anexo13 acima referido, pelo que não poderá ser considerada a dedução de 50% da mais-valia, conforme previsto no n.º 3 do art.º 43.º do CIRS.

 

III.1.1.3 CÁLCULO DA MAIS-VALIA FINAL

 

Tendo em conta as conclusões obtidas nos pontos anteriores, apresentamos em seguida os valores totais que deverão constar no quadro 9 do anexo G (onde constam nas últimas 3 colunas os valores atualizados) da declaração modelo 3 de IRS de 2017 do sujeito passivo:

 

III.1.1.3 CÁLCULO DA MAIS-VALIA FINAL

 

Uma imagem com mesa

Descrição gerada automaticamente

 

III.1.1.4 CÁLCULO DAS CORREÇÕES

 

Assim, teremos as seguintes correções ao rendimento líquido da categoria G:

 

Uma imagem com mesa

Descrição gerada automaticamente

 

(…)

 

  1. O contrato de doação de quotas pelos Requerentes tem o teor que consta do documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido.
  2. O contrato de cessão de quotas pelos Requerentes tem o teor que consta do documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido.
  3. Depois da inspeção, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação de IRS n.º 2021..., bem como a liquidação de juros compensatórios n.º 2021..., que constam do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido.

 

  1. Factos não provados

 

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão arbitral.

 

  1. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pelos Requerentes e os que constam do processo administrativo.

Não há controvérsia sobre a matéria de facto relevante para a decisão da causa.

 

  1. Matéria de direito

3.1 Questão da data de aquisição da quota

Os Requerentes defendem, em suma, que o aumento de capital em 26.11.1990, por entrada em dinheiro, aumentou o valor nominal das quotas já existentes, não constituindo novas quotas. Sendo assim, não há nenhum motivo para diferenciar, para efeito do apuramento das mais-valias, os diversos momentos em que ocorreu um reforço do capital social relativamente à entrada inicial, quando a lei estipula, para esse efeito, que o aumento de capital através do aumento do valor nominal das quotas pré-existentes é tido como sendo realizado no momento em que foram adquiridos os valores mobiliários originários. Uma vez que a sociedade em causa foi constituída em 1988, ainda antes do começo de vigência do Código do IRS, a mais-valia gerada pela alienação de partes do capital ocorrida em 2017, encontra-se excluída da incidência do imposto por efeito do disposto na norma transitória do artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 448-A/88, ainda que tenha ocorrido já na vigência do Código de IRS o reforço do capital social inicial através de entradas em dinheiro.

Por seu turno, a Requerida considera que, contrariamente ao que sucede na incorporação de reservas, em que não se verifica um aumento do património da sociedade, no aumento de capital por novas entradas em dinheiro ou em espécie, existe um incremento efetivo do património da sociedade a que corresponde um efetivo dispêndio de dinheiro ou bens por parte dos sócios, e é por força desse incremento efetivo, desse acréscimo patrimonial ocorrido nesse momento do aumento do capital (momento aquisitivo) que, mais tarde, no momento da sua alienação, tal transmissão se encontra sujeita a tributação em sede de IRS. Assim, os valores mobiliários alienados em 2017, consideram-se adquiridos em momentos diferentes, pelo que o valor da respetiva transmissão deve ser dividido em várias parcelas, como o fez a IT.

 

Sobre a questão em discussão, o Tribunal Arbitral já se pronunciou em vários acórdãos (casos do processo n.º 526/2020-T ou do processo n.º 335/2021-T).

 

No âmbito do processo n.º 526/2020-T, o Tribunal Arbitral utilizou a seguinte fundamentação que, pela sua clareza, se transcreve:

 

«As normas com relevo para a apreciação da causa são, além da referida disposição do artigo 5.º do diploma preambular, as dos artigos 9.º, n.º 1, alínea a), 10.º, n.º 1, alínea b), e 43.º, n.º 6, alínea a), do Código do IRS.

 

O artigo 3.º do diploma preambular aboliu o imposto de mais-valias que era regulado pelo Decreto-Lei n.º 46 673, de 9 de Junho de 1965, e que na sua vigência não sujeitava a tributação a transmissão onerosa de partes sociais.

 

Nos termos do artigo 9.º, n.º 1, alínea a), Código do IRS, as mais-valias passaram a constituir rendimentos da categoria G, aí se incluindo, tal como prevê o artigo 10.º, n.º 1, alínea b), os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de “alienação onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários”.

 

O artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, introduziu uma norma transitória, que, na parte que mais interessa considerar, é do seguinte teor:

 

Regime transitório da categoria G

 

1 - Os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46 373, de 9 de Junho de 1965, bem como os derivados da alienação a título oneroso de prédios rústicos afetos ao exercício de uma atividade agrícola ou da afetação destes a uma atividade comercial ou industrial, exercida pelo respetivo proprietário, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efetuada depois da entrada em vigor deste Código.

[…]

 

Por fim, o artigo 43.º do Código do IRS, na parte relevante dispõe nos seguintes termos:

 

1 - O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes.

[…]

5 - Para apuramento do saldo positivo ou negativo referido no n.º 1, respeitante às operações efetuadas por residentes previstas nas alíneas b), e), f) e g) do n.º 1 do artigo 10.º, não relevam as perdas apuradas quando a contraparte da operação estiver sujeita a um regime fiscal a que se referem o n.º 1 ou 5 do artigo 63.º-D da Lei Geral Tributária.

6- Para efeitos do número anterior, considera-se que:

  1. A data de aquisição dos valores mobiliários cuja propriedade tenha sido adquirida pelo sujeito passivo por incorporação de reservas ou por substituição daqueles, designadamente por alteração do valor nominal ou modificação do objeto social da sociedade emitente, é a data de aquisição dos valores mobiliários que lhes deram origem;

[…].

 

O Código do IRS entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1989 (artigo 2.º do diploma preambular).

6. Como se depreende do de todas as mencionadas disposições, a mais-valia corresponde a uma diferença positiva entre o valor da realização e o valor da aquisição do mesmo bem ou direito, contrapondo-se ao conceito de menos-valia, ou seja, às situações em que o valor da realização do bem ou direito é inferior ao valor da aquisição. Trata-se, por outro lado, de uma tributação de carácter residual, na medida em que só são considerados a esse título os incrementos patrimoniais que se não enquadrem em rendimentos de outras categorias. O fundamento para a sujeição a imposto radica na circunstância de ter ocorrido uma valorização ocasional dos bens na esfera jurídica do alienante e que revela uma capacidade contributiva não diretamente decorrente da sua atividade profissional ou empresarial.

 

A norma transitória instituída pelo artigo 5.º do diploma que aprovou o Código do IRS, ao consignar, no seu n.º 1, que só ficam sujeitos a IRS a aquisição dos bens ou direitos que tiver sido efetuada depois da entrada em vigor do Código, destina-se a evitar a aplicação retractiva do novo regime de tributação de mais-valias incidente sobre a “alienação onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários”, que não era contemplado no antigo Código do Imposto de Mais-Valias.

 

E importa ter presente que esse regime transitório não constitui uma isenção de imposto, mas uma exclusão do seu âmbito de incidência (neste sentido, PAULA ROSADO PEREIRA, Manual de IRS, Coimbra, 2.ª edição, pág. 224).

 

Por outro lado, a norma do artigo 43.º do Código do IRS, há pouco parcialmente transcrita, não é uma norma de incidência tributária, mas de determinação da matéria coletável.

 

O facto tributário gerador das mais-valias ocorre no momento da alienação, isto é, no momento em que se verifica o ganho resultante da diferença entre o valor de realização e o da aquisição do próprio bem, e que apenas pode ser avaliado em cada concreto ato de alienação, e que, assim, se traduz num facto tributário instantâneo que se esgota na transação e na consequente realização da mais-valia.

 

O que o artigo 43.º explicita é que, tal como os demais rendimentos sujeitos a IRS, o rendimento coletável anual do sujeito passivo qualificado como mais-valias corresponde ao saldo positivo apurado entre as mais-valias e as menos-valias que se tenham concretizado no mesmo ano (nº 1). Mas essa operação de agregação entre as mais-valias e as menos-valias não

tem a virtualidade de alterar ou transmudar a natureza dos factos tributários subjacentes.

 

Esclarecendo este aspeto, o STA, no acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 5/2017 (acórdão 7 de Junho de 2017, Processo n.º 01471/14), refere o seguinte:

 

Por outras palavras, a norma que prevê a agregação necessária ao apuro do saldo positivo entre as mais-valias e as menos-valias em face de todos os atos de alienação ocorridos no ano, constitui uma norma sobre a determinação da base tributável para efeitos de IRS, isto é, uma norma sobre a determinação do rendimento coletável, e não uma norma sobre a incidência, como, de resto, ressalta da organização sistemática do Código do IRS, onde a referência a esse saldo se encontra inserida no capítulo que trata da determinação do rendimento coletável e não no capítulo que trata da incidência do imposto. E, como é óbvio, o facto tributário tem de ser localizado no tempo em face da respetiva norma de incidência, e não em face da norma de determinação do rendimento coletável.

 

Em suma, o saldo positivo que será tributado não se confunde com o facto tributário em si. Tal saldo tem relevo apenas para o acerto do rendimento coletável e determinação da obrigação de pagamento de imposto que emerge (ou não) para o sujeito passivo em sede de IRS, carecendo de relevo para a formação do facto tributário em si, já que este, como se viu, surge isolado no tempo, ocorrendo por mero efeito da obtenção do ganho no momento de cada acto de alienação dos bens mobiliários em questão.

 

Como é possível concluir, o que a alínea a) do n.º 6 do artigo 43.º pretende precisar, ainda que para efeito da determinação da matéria coletável, é que a data de aquisição dos valores mobiliários, nas situações aí referidas, e, designadamente, por alteração do valor nominal, é a data de aquisição dos valores mobiliários que lhes deram origem. Sendo certo que o inciso “para efeitos do número anterior”, que consta do segmento inicial do proémio desse n.º

6, não se refere à situação específica descrita no antecedente n.º 5, mas ao apuramento do saldo

positivo ou negativo dos rendimentos qualificados como mais-valias para efeito do apuramento

do valor tributável.

 

Com efeito, a norma refere-se aos aumentos do valor da quota realizados através da incorporação de reservas, mas também aos aumentos resultantes da alteração do valor nominal, isto é, ao aumento do valor das quotas já existentes, o que não pode entender-se como correspondendo à criação de novas quotas mas ao reforço da quota inicial (cfr. acórdão proferido no Processo n.º 689/2019-T).

 

E, sendo assim, não há nenhum motivo para efetuar uma diferenciação, para efeito do

apuramento das mais-valias, entre os diversos momentos em que ocorreu um reforço do capital social relativamente à entrada inicial, quando a lei estipula, para esse efeito, que o aumento de capital através do aumento do valor nominal das quotas pré-existentes é tido como sendo realizado no momento em que foram adquiridos os valores mobiliários originários (neste sentido, o acórdão do STA de 7 de Março de 2018, Processo n.º 0149/17).»

 

Desta forma, considerando o supra exposto, e seguindo o entendimento da decisão proferida no processo n.º 526/2020-T do CAAD, é possível concluir que a al. a) do n.º 6 do art. 43.º do Código do IRS pretende referir-se ao aumento do valor da quota realizados através da incorporação de reservas mas também aos aumentos de capital que resultem de entrada em dinheiro dos sócios (conclusão que faz também o Tribunal Arbitral no processo n.º 394/2020-T do CAAD).

Conforme resulta do acórdão do STA de 07/03/2018, proferido no âmbito do processo n.º 0149/17:

“O aumento de capital de uma empresa assume duas diversas formas: ou se realiza por incorporação de reservas ou por novas entradas. Quando o aumento de capital assume a forma de novas entradas, ou os sócios/acionistas das empresas adquirem novas quotas/ações emitidas pela empresa, ou não há criação de novas quotas/ações mas é aumentado o valor nominal das existentes.”

No caso em apreço neste processo decidido no STA também “[...] os sócios daquela sociedade por quotas, entre outras coisas “deliberam aumentar o capital da mesma (…), em reforço das suas quotas” expressão com o sentido inequívoco de que não houve aumento do número de quotas pelo que a situação concreta tem enquadramento no disposto no art.º 43.º n.º 4, al. a) do CIRS "A data de aquisição dos valores mobiliários cuja propriedade tenha sido adquirida pelo sujeito passivo por incorporação de reservas, ou por substituição daqueles, designadamente por alteração do valor nominal ou modificação do objeto social da sociedade emitente, é a data de aquisição dos valores mobiliários que lhes deram origem.

Os tribunais arbitrais, julga-se, estão vinculados ao dever de ter “em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.” (art.º 8.º/3 do Código Civil).

Daí que uma decisão, na matéria sub iudice, que vá contra a jurisprudência firmada pelo

STA na matéria, verificando-se, como se verifica, identidade fundamental dos factos e do direito a aplicar a este, entre o presente caso, e o já julgado pelo STA, seria, não só susceptível de recurso nos termos do referido art.º 25.º, n.º 2 do RJAT, como, com um elevado grau de probabilidade, passível de ser revogada por aquele Alto Tribunal.

Assim, e em suma, não se crê que tivesse qualquer utilidade, pelo contrário, este Tribunal concluir de outra forma, na matéria ora em apreço contrariando assim o princípio da segurança jurídica, princípio elementar de um Estado de Direito Democrático

Desta forma, tendo a sociedade sido constituída em 1986, antes da entrada em vigor do Código do IRS – que entrou em vigor a 1 de janeiro de 1989, nos termos do art. 2.º do diploma preambular – e a mais-valia gerada em 2017, ainda que com aumento de capital em 1990 na pendência da vigência do Código do IRS, encontra-se excluída do imposto por efeito da aplicação da norma transitória do art. 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 448-A/88.

 

Por todo o exposto, o ato de liquidação adicional de IRS viola o estabelecido na referida disposição legal e o pedido arbitral, com tal fundamento, mostra-se ser procedente.

    

 

 

 

  1. Vícios de conhecimento prejudicado

 

Face à solução a que se chega, considera-se prejudicado o conhecimento dos demais vícios invocados.

 

 

 

  1. Juros indemnizatórios

 

Os Requerentes pedem ainda o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios.

 

Nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade do ato de liquidação de IRS, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).

 

 

 

  1. Decisão

Termos em que se acorda, neste Tribunal Arbitral, a seguinte Decisão:

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pelos Requerentes;
  2. Anular a liquidação adicional de IRS n.º 2021..., bem como a liquidação de juros compensatórios n.º 2021..., objeto da presente acção arbitral, relativas ao ano de 2017;
  3. Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito;
  4. Condenar a Requerida nas custas do processo, abaixo fixadas.

 

 

 

  1. Valor do Processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 315.º n.º 2, do Código do Processo Civil e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 189.504,43.

 

 

 

 

  1. Custas

 

Tendo em conta o valor da causa acima fixado, e nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 12.º e n.º 4 do artigo 22.º do RJAT e Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código do Processo Civil, por força da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, o montante das custas é fixado em 3.672,00 €, a cargo da Requerida, pelo decaimento.

 

Notifique.

 

Lisboa, 16 de maio de 2022,

  

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

 

 

Guilherme W. d'Oliveira Martins

 

O Árbitro vogal

 

 

Francisco Melo

 

A Árbitro vogal

 

 

Nina Aguiar