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Sumário:
I - O artigo 51.º-C do CIRC não impõe que os encargos suportados com a alienação de partes de capital, que sejam aceites como gastos nos termos do artigo 23.º, n.º 1 e não estejam excluídos no disposto no n.º 5 do artigo 23.º-A, não concorram para a formação do lucro tributável se as respetivas mais-valias, apuradas nos termos do n.º 3 do artigo 46.º, estiverem excluídas da tributação no regime da participation exemption.
II - Uma revisão ou ajustamento do preço da alienação de uma parte de capital fixado expressamente numa cláusula contratual, sujeitos a uma condição suspensiva incertus an, incertus quando e incertus quantum, não se tendo provado que a alienante recebeu valor superior, não podem ser qualificados como um diferimento do pagamento do preço e o correspondente rédito só pode ser reconhecido quando e se a condição se verificar.
III - A condição torna-se impossível se a sociedade titular do um crédito tributário em discussão nos tribunais tributários e que convocaria a revisão ou ajustamento do preço de alienação da parte de capital caso fosse resolvido em favor daquela, for declarada insolvente, o que provoca a modificação subjetiva da titularidade do crédito tributário, pois esta passa a ser ocupada pela massa insolvente em detrimento da sociedade e a massa insolvente não se encontra vinculada à cláusula de revisão ou ajustamento que a sociedade acordara com o adquirente da parte de capital.
IV - Os atos de correção de prejuízos fiscais, embora sendo atos de primeiro grau, não determinam o apuramento de qualquer imposto, sempre que deles não resulte o apuramento de matéria coletável, pelo que não integram o conceito de "liquidação" em sentido estrito.
V - Um pedido de declaração de ilegalidade do despacho de indeferimento de uma reclamação graciosa apresentada contra a liquidação e correções subjacentes, quando aquele e estas sejam consideradas procedentes, prejudicam o conhecimento de outros pedidos, ainda que não claramente expressos de modo subsidiário.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Juiz José Poças Falcão (Presidente), Dr. Manuel Lopes da Silva Faustino e Dr.ª Paula Cristina Gomes Florindo, (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 6-08-2020, acordam no seguinte:
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RELATÓRIO
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A..., SA, de ora em diante designada por Requerente ou A... , Pessoa Coletiva nº..., com sede na Rua ..., nº..., ..., ..., Porto, apresentou pedido de constituição arbitral, sem nomear árbitro, impugnando o despacho de indeferimento, de 24.05.2021, da Direção de Finanças do Porto domiciliada na Rua ..., ..., Porto, que indeferiu a Reclamação Graciosa apresentada contra a liquidação (e correções subjacentes) de IRC nº 2019..., de 18.03.2019, relativa ao exercício de 2014, da qual resultou a correção do prejuízo fiscal para € 1.019.005,55.
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É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante, “AT” ou “Requerida”).
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O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 10-09-2021.
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Nos termos do disposto na al. a), do n.º 2, do artigo 6.º e da al. b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
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Em 29 de outubro de 2021, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
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Em conformidade com o preceituado na al. c), do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 17-11-2021.
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Em 22 de novembro de 2021, a Exm.ª Diretora Geral da AT foi notificada do Despacho proferido em 20-11-2020, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, do RJAT, para, no prazo de 30 (trinta) dias, apresentar resposta, juntar cópia do processo administrativo e, querendo, requerer a produção de prova adicional.
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Em 11 de janeiro de 2022, a Requerida apresentou resposta, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral e, no dia 11 do mesmo mês, juntou o Processo Administrativo (PA).
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Em 19 de janeiro de 2022, a Requerente foi notificada do despacho proferido no dia 18-01-2022, para, no prazo de 10 dias, informar se mantinha interesse na prova testemunhal e, em caso afirmativo, quais os factos, de entre os alegados nos articulados, que considera essenciais e controvertidos, para além de passíveis de prova testemunhal.
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Em 4 de fevereiro de 2022, a Requerente veio aos autos indicar os artigos em relação aos quais pretendia obter os depoimentos das testemunhas.
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Por despacho de 11 de fevereiro de 2022, de que as partes foram notificadas no dia 14 do mesmo mês, foi agendada para 16 de março de 2022 a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, finda a qual se seguiria a inquirição das testemunhas.
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Em 18 de fevereiro de 2022, a AT veio requerer a participação na Reunião via WEBEX, por razões profiláticas.
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Em 21 de fevereiro de 2022, a Requerente veio informar que apresentaria as testemunhas nas instalações do CAAD, Delegação do Porto, para serem inquiridas via online.
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Por despacho de 14 de março de 2022, foi a Requerente convidada a clarificar o pedido, tendo em vista, nomeadamente, a fixação do valor do processo.
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No dia 16 de março de 2022, à hora marcada, procedeu-se, por via telemática, à Reunião nos termos e para os efeitos do artigo 18.º do RJAT.
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As testemunhas apresentadas foram inquiridas nos termos legais, tendo os respetivos depoimentos ficado gravados no processo, conforma ata elaborada e junta aos autos.
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Em conformidade com o acordo a que na reunião se chegara, a Requerente veio, por requerimento de 28 de Fevereiro de 2022, alterar o valor do processo para € 1.312.835,00.
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As Partes apresentaram alegações dentro do prazo que, para o efeito, lhes fora concedido.
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SANEAMENTO
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O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo.
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O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído de acordo com a alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT, e é competente.
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As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
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Não foram suscitadas exceções.
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A requerente "vem impugnar o despacho indeferimento de 24.05.2021, da Direção de Finanças do Porto que lhe indeferiu a Reclamação Graciosa apresentada contra a liquidação (e correções subjacentes) de IRC n.º 2019..., de 18.03.2019, relativa ao exercício de 2014, do qual resultou a correção do prejuízo fiscal para € 1.019.005,55" (Introito do PDA).
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E, mais adiante, pode ler-se no pedido de pronúncia arbitral: "Não se conformando com a liquidação e aquelas correções, a Requerente apresentou a Reclamação Graciosa cuja cópia aqui se anexa como doc. 5 e cujo teor, por brevidade de exposição, se dá como integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais" (cfr. artigo 9.º da p.i.)
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Não pode o Tribunal deixar de entender que a requerida "reprodução integral para todos os efeitos legais" do teor da reclamação graciosa se lhe impõe e integra, assim, os autos, não como documento meramente probatório, mas como documento argumentativo, que contém alegações que se inserem nos poderes de cognição do Tribunal.
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Por outro lado, a sucessiva referência a "indeferimento da reclamação graciosa" e "correções subjacentes", indicia com segurança que o pedido de decisão arbitral visa não apenas a apreciação da legalidade do despacho de indeferimento, enquanto ato de segundo grau, mas também a legalidade das correções que lhe foram efetuadas ao lucro tributável (prejuízo fiscal), enquanto atos de primeiro grau, tudo se considerando incluído no pedido formulado em primeiro lugar e que, a proceder, tornará inútil o conhecimento dos restantes.
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Não se está, assim, perante um "pedido de anulação parcial daquela liquidação", como afirma a Requerida na sua Resposta (cf. artigo 3.º).
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Aliás, no rigor dos termos, nem se pode aqui falar de "liquidação" enquanto ato tributário por excelência (cfr., por todos, ALBERTO XAVIER, Conceito e Natureza do Acto Tributário, Almedina, Coimbra, 1972), o ato que torna certo, líquido e exigível o imposto, uma vez que as questões subjacentes à dita "liquidação" são meros atos em matéria tributária, em concreto, atos de correção de mais-valias e de menos valias e, no seu conjunto, uma correção de prejuízos fiscais que, por subsistirem, não dão origem à liquidação de imposto.
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Em qualquer caso, são atos suscetíveis de impugnação contenciosa, quer nos termos do n.º 5 do artigo 137.º do Código do IRC (CIRC), quer nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT.
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Este tribunal considera-se, pois, competente para apreciar, no âmbito da causa de pedir, face ao pedido, as alegações efetuadas pela requerente na Reclamação Graciosa.
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E este Tribunal, considerando-se naturalmente limitado pelo pedido, não abdica do seu poder de o flexibilizar ou de, procedendo um dos pedidos, entender que o conhecimento dos restantes está prejudicado.
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O processo não enferma de nulidades.
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POSIÇÃO DAS PARTES
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A posição da Requerente
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A Requerente, considerando a reclamação graciosa e a p.i., alegou, em síntese, que:
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Foi notificada dos atos impugnados através dos documentos cujas cópias juntou;
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É uma sociedade anónima que tem por objeto, designadamente, a gestão de participações noutras sociedades, a prestação de serviços de gestão, de consultoria de negócios, serviços administrativos, de aprovisionamento, informáticos, contabilísticos e financeiros, a aquisição de terrenos e edifícios para revenda, construção imobiliária com destino a venda e aluguer, gestão, administração e arrendamento de imóveis próprios e alheios e comercialização de equipamentos;
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Em cumprimento dos artigos 117º nº 1 al. b) e 120º nºs 1 e 6 do CIRC, em 28.05.2015, apresentou a declaração de rendimentos modelo 22 relativa ao exercício de 2014, na qual Auto liquidou um prejuízo fiscal de € 2.331.840,55;
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Na sequência dessa declaração, a Requerente foi notificada da correspondente liquidação de IRC, com o nº 2015..., de 09.07.2015, que considerou aquele prejuízo fiscal declarado/autoliquidado pelo contribuinte, € 2.331.840,55, como dela resulta;
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Foi, já em 2018, notificada da ordem de serviço nº OI2017..., com base na qual foi desencadeado um procedimento externo de inspeção tributária ao período de tributação de 2014;
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Esta Ordem de serviço tinha um âmbito parcial, limitando-se ao IRC de 2014;
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Esse procedimento de inspeção externa deu origem ao Relatório da Inspeção Tributária (RIT) de que juntou cópia e que esteve na génese e é fundamentação da liquidação (e correções subjacentes) de que discorda;
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Afirmando-se naquele Relatório que o âmbito da inspeção externa desencadeada pela OI2017... tinha sido alterado para "Geral", afirma nunca ter sido notificada dessa alteração e da sua fundamentação;
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A AT fez correções positivas/acréscimos ao resultado fiscal do exercício de 2014, em prejuízo Requerente, no total de € 1.312.835,00, daí resultando a correção/redução do prejuízo fiscal declarado, € 2.331.840,55, para o prejuízo fiscal corrigido/liquidado pela AT na liquidação aqui impugnada de € 1.019.005,55;
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Aquele acréscimo/correção total de € 1.312.835,00 subdivide-se nas seguintes correções/acréscimos ao resultado fiscal: (i) acréscimo de € 922.500,00, relativo a mais-valias contabilísticas; e (ii) acréscimo de € 390.335,00, respeitante a menos-valias contabilísticas;
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Não se conformando com a liquidação e aquelas correções, em 12.07.2019, apresentou a Reclamação Graciosa cuja cópia anexou e cujo teor, por brevidade de exposição, deu como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. Assim:
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Contestou, por falta de fundamento legal, a correção das mais-valia apurada pela alienação de 4.500 ações da "B..., SA";
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Contestou a correção efetuada ao preço contratualizado da cessação da quota da C...- SGPS, Lda., invocando que o montante de 390.335,00 corresponde apenas a um ajustamento, sob condição, ao preço convencionado.
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Essa Reclamação tramitou na DF do Porto sob o processo de reclamação graciosa nº ...2019... .
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E foi indeferida por meio do sobredito despacho, aqui igualmente impugnado, cuja cópia anexou.
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A Requerente pede, em primeiro lugar, a declaração de ilegalidade daquele despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa e da sobredita liquidação de IRC nº 2019..., de 18.03.2019, relativa ao exercício de 2014, e das correções que lhe estão subjacentes, das quais resultou a correção do prejuízo fiscal para € 1.019.005,55.
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A posição da Requerida
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Por sua vez, a Requerida, alega em síntese o seguinte:
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O presente pedido de pronúncia arbitral vem deduzido contra o indeferimento da reclamação graciosa nº ...2019..., a qual manteve na ordem jurídica a liquidação de IRC referente a 2014, liquidação nº 2019..., com origem nas correções promovidas pela inspeção tributária da Direção de Finanças do Porto ao abrigo da ordem de serviço nº OI 2017...;
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No âmbito daquela ação inspetiva foram efetuadas correções em sede de IRC no montante total de € 1.312.835,00, sendo € 922.500,00 referente a mais-valias e € 390.335,00 respeitante a menos-valias;
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A Requerente pede a anulação parcial daquela liquidação invocando preterição de formalidade no decurso do procedimento inspetivo e vício de violação de lei com fundamento em erro da AT quanto aos factos e quanto ao direito;
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De assinalar que a Requerente pede a declaração de ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa e das correções subjacentes à liquidação adicional impugnada, da qual resultou a correção do prejuízo fiscal para € 1.019.005,55;
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Ou seja, impugna a correção de € 922.500,00 referente a mais valias e a correção de € 390.335,00 referente a menos-valias, o que perfaz um total corrigido de € 1.312.835,00, diminuindo o prejuízo fiscal declarado pela Requerente na sua modelo 22 da importância de € 2.331.840,55 para um prejuízo corrigido de € 1.019.005,55;
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No entanto, apenas as irregularidades procedimentais que a Requerente invoca em sede de ação inspetiva são suscetíveis de, em abstrato, afetar a validade das correções efetuadas a título de mais-valia e de menos-valia, no montante total de € 1.312.835,00;
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No entanto, as irregularidades procedimentais invocadas pela Requerente não têm fundamento, pois comprova que a nova OS foi emitida, está fundamentada e foi remetida à Requerente com o ofício registado;
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Sendo que o vício de violação de lei, por erro da AT quanto aos factos e quanto ao direito, apenas é invocado pela Requerente relativamente à correção efetuada no montante de € 390.335,00 a título de menos-valia fiscal.
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A Requerida entende ainda que os atos impugnados consubstanciam uma correta aplicação do direito aos factos devendo, por conseguinte, manter-se na ordem jurídica.
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MATÉRIA DE FACTO
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Factos dados como provados
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Dão-se como provados os seguintes factos:
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A Requerente é uma sociedade anónima que tem por objeto, designadamente, a gestão de participações noutras sociedades, a prestação de serviços de gestão, de consultoria de negócios, serviços administrativos, de aprovisionamento, informáticos, contabilísticos e financeiros, a aquisição de terrenos e edifícios para revenda, construção imobiliária com destino a venda e aluguer, gestão, administração e arrendamento de imóveis próprios e alheios e comercialização de equipamentos;
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A declaração de rendimentos modelo 22 relativa ao exercício de 2014, na qual foi determinado um prejuízo fiscal de € 2.331.840,55, foi apresentada, no prazo legal, em 28 de maio de 2015.
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Os serviços da AT confirmaram a autoliquidação de IRC efetuada pela Requerente, notificando-a da correspondente liquidação de IRC, com o nº 2015..., de 09.07.2015, que considerou aquele prejuízo fiscal declarado/autoliquidado pelo contribuinte, € 2.331.840,55, como dela resulta;
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Em 25 de setembro de 2018, a Requerente foi notificada da ordem de serviço nº OI2017..., com base na qual foi desencadeado um procedimento externo parcial, de inspeção tributária relativo a IRC, ao período de tributação de 2014;
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Em 26 de novembro de 2018, através do ofício n.º 2018... da Divisão de Inspeção Tributária da Direção de Finanças do Porto, sob o registo RF...PT, de 27 de novembro de 2011, a Requerente foi notificada da alteração do âmbito da ação inspetiva de "parcial" para "geral", com a seguinte fundamentação: "Alteração de âmbito para geral, com a finalidade de verificação da situação tributária global do S.P. de acordo com a al. a) do n.º 1 do artigo 14.º do RCPITA" e mantendo-se a mesma Equipa inspetora;
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O projeto de RIT foi notificado pessoalmente para efeitos de audição prévia em 13-02-2019, não tendo a Requerente exercido a faculdade de audição prévia, pelo que aquele se tornou definitivo;
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A Requerida fez correções positivas/acréscimos ao resultado fiscal do exercício de 2014, em prejuízo da Requerente, no total de € 1.312.835,00, daí resultando a correção/redução do prejuízo fiscal declarado, € 2.331.840,55, para o prejuízo fiscal corrigido/liquidado pela AT na liquidação aqui em crise, € 1.019.005,55;
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O montante corrigido subdivide-se em acréscimo de € 922.500,00, relativo a mais-valias contabilísticas e acréscimo de € 390.335,00, respeitante a menos-valias contabilísticas;
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A Requerente, por discordar das correções, deduziu em 12.07.2019, a Reclamação Graciosa cuja cópia anexou e cujo teor, por brevidade de exposição, deu como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
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Nessa reclamação foram contestadas as duas correções supra indicadas na alínea h);
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A reclamação tramitou na Direção de Finanças do Porto sob o processo de reclamação graciosa nº ...2019...;
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O projeto de decisão da reclamação graciosa foi notificado em 8 de março de 20121 à Requerente para, querendo, exercer o direito de audição prévia, o que não fez;
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A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 24 de maio de 2021 notificado à Requerente;
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A C..., sociedade cuja quota fora alienada, foi declarada insolvente, facto adquirido na inquirição das testemunhas, e já se dissolveu e liquidou;
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Nos termos certidão junta ao processo, por determinação deste Tribunal, a massa insolvente da C... tornou-se insuficiente para pagar aos credores, tendo ficado por satisfazer créditos, designadamente, da Fazenda Pública, por liquidação de IRC em valor superior a 1 milhão de euros.
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Factos não provados
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Não existem outros factos relevantes para a decisão que não tenham sido provados.
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Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
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Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. n.º 2, do artigo 123.º, do CPPT e n.º 3 do artigo 607.º do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi als. a) e e) do n.º 1, do artigo 29.º, do RJAT).
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Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. art. 596.º do CPC, aplicável ex vi al. e) do n.º 1, do artigo 29.º do RJAT).
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Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º, do CPPT, a prova documental e o Processo Administrativo juntos aos autos, consideraram-se provados com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
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DO DIREITO
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Da invocada irregularidade procedimental
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A requerente, que alega não ter sido notificada da alteração do âmbito da inspeção tributária e invoca diversos vícios suscetíveis de prejudicarem o conhecimento de fundo, carece de razão.
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A Requerida fez prova de que a alteração do âmbito da inspeção foi feita com a fundamentação necessária e que permite ao homem médio entender o seu sentido e âmbito.
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A Requerida fez prova de que a alteração foi notificada à Requerente.
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Nestes termos, o Tribunal considera que o RIT produzido na sequência da inspeção que lhe foi realizada é legal, não procedendo qualquer dos vícios apontados pela Requerente suscetíveis de invalidarem o referido RIT.
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Da anulação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa
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Vem pedido o indeferimento da reclamação graciosa, com suporte legal no disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT que dispõe que o processo judicial tributário compreende ... c) a Impugnação do indeferimento total ou parcial das reclamações graciosas dos atos tributários.
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A impugnação judicial de indeferimento de reclamação graciosa tem por objeto imediato a decisão da reclamação e por objeto mediato os vícios imputados ao ato de liquidação[1].
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O despacho de indeferimento proferido na reclamação graciosa assimila, por remissão, a fundamentação constante dos n.ºs 7 a 17 da Informação prestada no processo e, esta, foi a seguinte:
7. Quanto aos argumentos apresentados pelo reclamante, cumpre-nos informar o seguinte:
A A..., no período de tributação de 2014 encontrava-se registada para o exercício da atividade principal de “Outras atividades consultoria para os negócios e a gestão”, CAE 70220 e de acordo com o objeto social centrada na “gestão de participações noutras sociedades; Prestação de serviços de gestão, de consultoria de negócios, serviços administrativos, de aprovisionamento, informáticos, contabilísticos e financeiros. Aquisição de terrenos e edifícios para revenda, construção imobiliária com destino a venda e aluguer, gestão, administração e arrendamento de imóveis próprios e alheios. Comercialização de equipamentos”.
Em sede de IRC, estava enquadrada no regime geral de determinação do lucro tributável.
8. A liquidação reclamada tem origem em ação de inspeção credenciada pela ordem de serviço n.º OI2017..., com referência ao período de tributação 2014, da qual resultou, correção em sede de IRC no montante de € 1.312.835,00, devido às seguintes inexatidões:
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Erro no cálculo das mais valias contabilísticas, sendo o valor apresentado pela Reclamante, no montante de € 27.337.500,00, corrigido no montante de € 922.500,00 por aplicação do n.º 2 do artigo 46.º do CIRC, que passou a ser considerado no montante de € 26.415.000,00, e pela exclusão nos termos do artigo 51.º-C não contribui para o apuramento de resultado fiscal;
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Erro no cálculo das menos valias contabilísticas, sendo que o valor apresentado pela Reclamante de € 399.200,00, foi corrigido no montante de € 390.335,00, por aplicação do disposto no n.º 3 do artigo 46.º do CIRC, que passou a ser considerado no montante de € 8.865,00.
9. Relativamente ao cálculo das mais valias contabilísticas, foram apurados os seguintes factos:
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De acordo com contrato de compra e venda efetuado em 2014.07.14, a A... alienou à “D...”, NIF..., 4.500 ações representativas de 9% do capital social da sociedade “B... SA.”, NIF ..., pelo montante de € 32.850.000,00.
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Estas ações haviam sido adquiridas em 2011.01.25, conforme contrato de compra e venda, no qual a A... adquiriu 20.000 ações ao portador, com o valor nominal de €1 e representativas de 40% do capital social da B... SPS, pelo montante de € 24.500.000,00. A aquisição foi efetuada à até então acionista sociedade “C... SGPS SA.”, NIF... .
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Relativamente ao conceito de mais valias e menos valias, de acordo com o referido no n.º 2 do artigo 46.º do CIRC, “as mais-valias e as menos-valias são dadas pela diferença entre o valor de realização, líquido dos encargos que lhe sejam inerentes e o valor de aquisição, deduzido das depreciações e amortizações aceites fiscalmente, das perdas por imparidade e outras correções de valor previstas nos artigos 28.º-A, 31.º-B e ainda dos valores reconhecidos como gasto fiscal nos termos do artigo 45.º-A, sem prejuízo do disposto na parte final do n.º 3 do artigo 31.º-A.”
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No “Mapa de Mais-Valias e Menos-Valias” (Mod. 31) apresentado pela A... com referência ao período de tributação de 2014, foi apurada uma mais-valia contabilística e fiscal, no montante de € 27.337.500,00, obtido pela diferença entre o valor da contraprestação recebida pela alienação das ações em causa de € 32.500.000,00, e o valor de aquisição de € 5.512.500,00.
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Para efeitos do enquadramento fiscal da transmissão em análise, há́ a considerar o disposto no n.º 1 do artigo 51.º-C do CIRC, onde se refere que “não concorrem para a determinação do lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC com sede ou direção efetiva em território português as mais e menos-valias realizadas mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere e independentemente da percentagem da participação transmitida, de partes sociais detidas ininterruptamente por um período não inferior a 24 meses, desde que, na data da respetiva transmissão, se mostrem cumpridos os requisitos previstos nas alíneas a), c) e e), do n.º 1 do artigo 51.º, bem como o requisito previsto na alínea d) do n.º 1 ou no n.º 2 do mesmo artigo.”
10. Contudo, no âmbito da ação de inspeção referida, verificou-se que foram contabilizados os gastos identificados com o n.º 5600000030 e n.º 5600000036, relacionados com encargos suportados com a alienação das ações anteriormente referidas, respetivamente a fatura n.º 2014/21, de 2014.07.18, emitida pelo sujeito passivo F..., S.A., NIF..., no valor de € 307.500,00, com a descrição de “Prestação de serviços financeiros de aconselhamento na venda de 9% do capital social da G..., S.G.P.S., S.A. a um investidor institucional” e a fatura n.º 14DCT/2, de 2014.07.17, emitida pelo sujeito passivo “H... S.A.”, NIF..., no valor de € 615.000,00, com a descrição de “Serviços de Assessoria Financeira”.
Ora, relativamente aos documentos supra identificados e contabilizados como gastos no período de tributação em análise, foi possível estabelecer claramente a sua relação com a venda das ações representativas de 9% do capital social da B... SA, devido à descrição do serviço faturado e a da data de facturação/prestação do serviço (3 dias após a celebração do contrato) bem como o interveniente prestador do serviço (D...). Assim, tendo sido suportados pela A... e identificada a sua ligação causal com a operação em causa, não podem deixar de ser considerados para efeitos do cálculo das mais-valias e menos valias.
Considerando a legislação a aplicar nesta situação, de acordo disposto no n.º 2 do artigo 46.º do CIRC, acerca do conceito de mais-valias e de menos-valias, “as mais-valias e as menos-valias são dadas pela diferença entre o valor de realização, líquido dos encargos que lhe sejam inerentes e o valor de aquisição, deduzido das depreciações e amortizações aceites fiscalmente, das perdas por imparidade e outras correções de valor previstas nos artigos 28.o-A, 31.o-B e ainda dos valores reconhecidos como gasto fiscal nos termos do artigo 45.º-A, sem prejuízo do disposto na parte final do n.º 3 do artigo 31.º-A.”
Neste âmbito foi considerado que o valor deduzido no campo 767 do quadro 07 da declaração MOD 22 IRC, de € 27.337.500,00 deveria ser corrigido no montante dos gastos anteriormente identificados, no montante de € 922.500,00, porquanto estes incorporam a mais-valia apurada, no entanto, excluída de tributação conforme previsto no artigo 51.o-C do CIRC, e consequentemente não tendo contribuído para o apuramento do resultado fiscal. Neste contexto, também os referidos gastos não concorrem para a determinação do lucro tributável, nos termos do artigo referido.
11. Após análise aos argumentos expendidos pela Reclamante, relativamente às razões que estarão na base da desqualificação dos gastos em destaque, em relação com a operação, haveria lugar a colocar a questão de qual o propósito de terem sido incorridos, de qual o interesse destes gastos na prossecução da atividade da A... .
Relativamente a este assunto, seria de aferir a indispensabilidade destes custos à luz do artigo 23.º do CIRC, no entanto, não tendo a AT interferido na dedutibilidade do custo relativamente aos encargos com a alienação das ações, não podem, no entanto, dela ser separados, tendo em consideração as normas a aplicar nesta operação. Contudo, a Reclamante, vem alegar que não estão relacionados com a operação de venda e São até desnecessários à operação.
Relativamente ao referido no n.º 2 do artigo 46.º, quanto aos “encargos inerentes” ao cálculo das mais e menos valias, não podem deixar de ser tidos em conta os documentos onde é mencionado precisamente o propósito desses encargos a data em que ocorreu a emissão das faturas e até os intervenientes, conforme explanado anteriormente, indissociáveis da alienação das ações da B... SA.
Nestes termos, estes gastos incorporam a mais-valia apurada, de acordo com a fórmula contida no n.º 2 do artigo 46.º do CIRC, que preceitua a forma de cálculo das mais e menos valias.
12. No que respeita às menos valias contabilísticas, foram apurados os seguintes factos:
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Em termos de enquadramento da operação de cálculo da menos valia, temos que em 2014.09.12, a A... participou, na qualidade de 1.o outorgante, num ato de cessão de quotas (onerosa), no montante de € 400.000,00, que teve como 2.º outorgante, I..., NIF..., de acordo com consulta à base de dados da AT.
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Por consulta ao Relatório de Contas com referência ao período de tributação de 2014, no ponto 7 – Participações Financeiras, é mencionado que “em 20/02/2014 a empresa participou no aumento de capital da sociedade C... SGPS, adquirindo uma quota, que veio a alienar em 02/09/2014.”
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Da análise à operação em causa, destacou-se a diferença entre o preço de venda, no valor de € 800,00, em setembro de 2014 e o preço de aquisição, no valor de € 400.000,00, ocorrida entre fevereiro do mesmo ano.
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Tendo em consideração a análise cronológica efetuada foram apurados vários acontecimentos relatados no Relatório de Inspeção Tributária (RIT), que no essencial se traduzem, em 2014.09.02, pela celebração de um contrato de cessão de quota pelo qual a A..., alienou a I... a quota subscrita 6 meses antes.
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No contrato consta no considerando primeiro que, “Pelo presente contrato, a Primeira Contraente cede ao Segundo Contraente aquela sua identificada quota, totalmente liberada, de valor nominal de 400.000,00 (quatrocentos mil) euros, representativa de 16,66(6) % do capital social da sociedade comercial por quotas, que gira sob a firma '' C... SGPS, LDA.", com todos os direitos e obrigações, pelo preço de 800,00 (oitocentos) euros, valor que já recebeu e do qual dá quitação.” Já́ no considerando sexto é estabelecido que: “As partes, reconhecem que corre termos nos tribunais tributários uma impugnação judicial relativa ao processo executivo no..., cujo valor do imposto no montante de € 390.335,00 foi pago no âmbito do RERD - Regime Excecional de Regularização de Dívidas Fiscais e à Segurança Social, cuja devolução está pendente da decisão judicial a proferir. As partes estipulam que o preço de venda acordado no Primeiro Articulado será́ aumentado na exata medida dos valores que eventualmente venham a ser recebidos pela C..., no prazo máximo de trinta dias após receção de qualquer valor”.
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No mapa de Mais-Valias e Menos-Valias (Mod. 31), apresentado pelo contribuinte, é apurada uma menos valia contabilística e fiscal no montante € 399.200,00, calculada por diferença entre o montante pelo qual a A... subscreveu a quota e o valor depositado em numerário na sua conta bancária junto da instituição financeira D... em 2014.09.18.
13. De acordo com o n.º 1 do art.º 51.º-C do CIRC, anteriormente transcrito, “Não concorrem para a determinação do lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC ... menos-valias realizadas mediante transmissão onerosa, ... de partes sociais detidas ininterruptamente por um período não inferior a 24 meses ...”.
Na operação em análise, a participação social em causa foi detida pela A... por um período inferior a 1 ano, pelo que a menos valia apurada, concorre para a formação do lucro tributável do sujeito passivo. Consequentemente, o sujeito passivo procedeu à dedução no campo 736 – Menos-valias contabilísticas, do quadro 07 da MOD 22 de IRC e ao acréscimo no campo 769 – Diferença negativa entre as mais-valias e as menos valias fiscais (art.º 46.º) do mesmo quadro, do valor de € 399.200,00.
No entanto, relativamente ao montante a considerar a título de valor de realização da quota alienada, não se pode abdicar do disposto na alínea g) do n.º 3 do artigo 46.º do CIRC. Assim, considera-se valor de realização, ... “g) Nos demais casos, o valor da respetiva contraprestação.”, pelo que se impos na análise efetuada, esclarecer qual o montante da contraprestação.
14. Para esse efeito foi consultada a Norma Contabilística de Relato Financeiro 20 – Rédito que impõe, nos parágrafos 9 a 11, que “o rédito deve ser mensurado pelo justo valor da retribuição recebida ou a receber” e que “A quantia de rédito proveniente de uma transação é geralmente determinada por acordo entre a entidade e o comprador ou utente do ativo. É mensurado pelo justo valor da retribuição recebida ou a receber tomando em consideração a quantia de quaisquer descontos comerciais e de quantidades concedidos pela entidade. Na maior parte dos casos, a retribuição é sob a forma de dinheiro ou seus equivalentes e a quantia do rédito é a quantia em dinheiro ou seus equivalentes recebidos ou a receber.”
15. Ainda no que respeita ao apuramento de mais e menos valias, é entendimento da AT que, no caso do deferimento (sic) do recebimento do valor de realização, o valor a considerar deve ser o valor da respetiva contrapartida e encontra-se publicado em informação vinculativa relativa ao assunto, “Valor de realização diferido na transmissão de parte de capital”, impõe-se que “Também para efeitos de cálculo da mais ou menos-valia fiscal realizada mediante a transmissão onerosa de instrumentos financeiros, com exceção dos reconhecidos pelo justo valor nos termos da alínea a) e b) do n.o 9 do artigo 18.o do CIRC, o valor de realização a considerar deve ser o valor da respetiva contraprestação, conforme indica a alínea f) do n.º 3 do artigo 46.º do CIRC, ou seja, o respetivo valor nominal sem se entrar em conta com o diferimento do recebimento do preço”.
Donde se extrai que o valor da contraprestação, para efeitos de cálculo do valor de realização, é o valor recebido ou a receber, sem entrar em linha de conta com qualquer diferimento do recebimento de preço, ou seja, é o valor total fixado. O que, no caso em análise, inclui, não só́ o valor depositado na conta da A..., de € 800,00, bem como o montante € 390.335,00, a que se refere o considerando sexto do contrato de cessão de quota, pois é este o valor que as partes esperam que venha a ser acrescido ao preço de venda final. E se o preço final é alterado neste montante, foi entendido como um diferimento a considerar no valor de realização.
Conforme exposto, o cálculo da menos valia resultante deverá ser calculada como “Valor de Realização – Valor de Aquisição”, ou seja, (€ 800,00 + € 390.335,00) - € 400.000,00 = € 8.865,00. 16. Em conformidade com o método de cálculo a aplicar e nos termos do n.º 3 do artigo 46.º do CIRC, o valor deduzido no campo 769 e acrescido no campo 736, ambos do quadro 07 da declaração MOD 22 de IRC, de € 399.200,00, foi corrigido no montante de € 390.335,00, passando a considerar o montante de € 8.865,00.
Como consequência da correção anterior, houve lugar ao ajustamento na conta 6862 – Grif Alienações Outros Investimentos Financeiros, que apresentava a débito o valor de € 399.200,00, sendo corrigida para € 8.865,00, devido ao erro no registo do valor de realização, a considerar nos termos do n.º 3 do artigo 46.º do CIRC, portanto, traduzindo-se na correção ao resultado líquido contabilístico, e por isso, ao resultado fiscal, no montante de € 390.335,00.
17. Nestes termos, estando perante a transmissão onerosa de partes de capital, para efeitos de apuramento das mais-valias e menos-valias contabilísticas e fiscais, calculadas a partir da fórmula que consta do referido mapa Mod 31, impõe-se a análise das regras do ordenamento jurídico fiscal para efeitos da determinação da matéria coletável, no caso em análise remetendo-nos para o n.º 2 e n.º 3 do artigo 46.o e para o artigo 51.º-C, ambos do CIRC. E foi com base nos documentos declarados, extraídos da contabilidade e posteriormente ajustados em termos fiscais que se procedeu à correções que se mostraram devidas face às informações e todos os elementos do conhecimento da AT.
Conclusão
Face ao exposto, conclui-se pela manutenção da liquidação supra identificada, sendo de indeferir o pedido de anulação da correção em sede de IRC, com referência ao exercício de 2014.
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A primeira nota sobre a transcrita fundamentação é a de que ele subscreve, integralmente, a posição da Inspeção Tributária transposta para o RIT. Não se vislumbra qualquer desalinhamento com essa posição. Isso não significa, no entanto, que o RIT seja o depositário intangível da verdade, nomeadamente no que se refere à qualificação jurídica tributária que nele se efetua. O RIT apura e descreve factos com relevância tributária. O Tribunal, porém, não se encontra vinculado às qualificações jurídicas tributárias que as partes, relativamente a esses factos, fizeram.
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Aliás, em rigor, como já antes se referiu, não se está aqui perante uma "liquidação" em sentido próprio, cujo conceito, no Acórdão do STA de 24-9-2008, Processo 0342/08, se apresenta nos seguintes termos: "É sabido que a liquidação, em sentido estrito, é a última fase do processo administrativo de liquidação tributária. O procedimento administrativo de liquidação tributária, porém, é constituído por uma série de actos (complexo de actos), combinados entre si, destinados a obter um resultado jurídico final, ou seja, o montante do imposto que o contribuinte tem de entregar nos cofres do Estado. Portanto, a liquidação, hoc sensu, é a fase que se traduz na aplicação da taxa do imposto à matéria colectável já determinada – cf. a este respeito, por todos, v. g., o acórdão desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 13-4-1988, na Ciência Técnica e Fiscal n.º 351, p. 511" (sublinhado nosso).
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Isto é, a liquidação hoc sensu, na medida em que é a fase do procedimento que se traduz na aplicação da taxa de imposto à matéria coletável já determinada, tem inevitavelmente de traduzir-se num resultado jurídico final, que fixa a obrigação pecuniária do contribuinte, ou seja, o imposto por ele devido.
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No caso que aqui se decide, não há qualquer imposto exigível. Sendo a matéria coletável do sujeito passivo constituída por prejuízo fiscal, qual taxa que lhe fosse aplicada teria inevitavelmente zero como resultado aritmético.
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Neste sentido, está-se perante um ato em matéria tributária, na modalidade de correção de prejuízos fiscais, sem que se mostre necessária uma proposta de liquidação adicional para determinação de imposto devido, uma vez que os prejuízos apurados pela Requerente subsistiram em parte, mesmo após as correções efetuadas pela Inspeção Tributária.
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A tal não obsta o facto, meramente formal e que, de resto, é suscetível de induzir em erro os contribuintes, de a administração tributária apresentar esta correção de prejuízos fiscais sob a aparência de uma "liquidação": o ainda "ato de primeiro grau" que aqui está em causa é a correção de prejuízos fiscais que não dá origem a qualquer imposto e que só é suscetível impugnação judicial porque a lei expressamente o prevê. Em rigor jurídico tributário não é um ato de liquidação de imposto.
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Tais atos de correção praticados em matéria tributária - e são dois - foram tentativamente examinados na parte transcrita da fundamentação.
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E, enquanto factos com relevância tributária (não factos tributários) nada há a opor ao que foi apurado, isto é: (i) que ao valor de realização, num caso, o contribuinte deduziu a importância de € 922.500,00 de encargos que, afirma categoricamente a Requerida, e foi dado como provado, foram suportados no quadro da alienação da participação social; e (ii) para apuramento das menos-valias apenas foi considerado o valor de alienação de € 800,00; no entanto, face à cláusula 6.ª do Contrato de Cessão de Quota celebrado entre as partes, entendem os serviços da administração resto que não consagrada um eventual futuro ajustamento ou uma revisão do preço, mas uma componente pura e simples do preço, ou seja, parte integrante, ab initio, da "da contraprestação".
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Não pode, porém, este Tribunal acompanhar a fundamentação adotada, por lhe faltar qualquer base jurídica de sustentação. São vários os erros de interpretação e de aplicação do direito aos factos que se vislumbram e que invalidam o indeferimento da reclamação graciosa. Vejamos.
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Segundo a lei em vigor ao tempo dos factos, estes devem ser analisados no quadro da reforma do CIRC que entrou em vigor precisamente em 1 de janeiro de 2014 e que, entre outras modificações profundas inseridas no imposto, consagrou, como método de eliminação da dupla tributação económica, o conhecido por regime da participation exemption - artigos 51.º a 51.º-D.
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Estando no domínio das mais-valias e menos valias realizadas com a transmissão de instrumentos de capital próprio, o primeiro normativo a ter em conta é, como aliás é várias vezes referido, o artigo 51.º-C, com a seguinte redação à data dos factos:
Artigo 51.º-C
Mais-valias e menos-valias realizadas com a transmissão onerosa de partes sociais
1 - Não concorrem para a determinação do lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC com sede ou direção efetiva em território português as mais e menos-valias realizadas mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere e independentemente da percentagem da participação transmitida, de partes sociais detidas ininterruptamente por um período não inferior a 24 meses, desde que, na data da respetiva transmissão, se mostrem cumpridos os requisitos previstos nas alíneas a), c) e e) do n.º 1 do artigo 51.º, bem como o requisito previsto na alínea d) do n.º 1 ou no n.º 2 do mesmo artigo.
2 - O disposto no número anterior é igualmente aplicável às mais e menos-valias realizadas com a transmissão de outros instrumentos de capital próprio associados às partes sociais aí referidas, designadamente prestações suplementares.
3 - O disposto nos números anteriores é igualmente aplicável às mais-valias e às menos-valias resultantes da transmissão onerosa de partes sociais e de outros instrumentos de capital próprio no âmbito de operações de fusão, cisão, entrada de ativos ou permuta de partes sociais não abrangidas pelo regime especial previsto nos artigos 73.º e seguintes, quando realizadas pelas sociedades fundidas, cindidas ou contribuidoras, ou pelos sócios das sociedades fundidas, cindidas ou adquiridas, desde que estes últimos sejam sujeitos passivos de IRC com sede ou direção efetiva em território português.
4 - O disposto no n.º 1 não é aplicável às mais e menos-valias realizadas mediante transmissão onerosa de partes sociais quando o valor dos bens imóveis ou dos direitos reais sobre bens imóveis situados em território português, com exceção dos bens imóveis afetos a uma atividade de natureza agrícola, industrial ou comercial que não consista na compra e venda de bens imóveis, represente, direta ou indiretamente, mais de 50 % do ativo.
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O primeiro aspeto a considerar é que, para efeitos do disposto nesta norma, o legislador não consagrou qualquer método especial de apuramento de mais-valias ou menos-valias, para efeitos de se determinar o que é que não concorre para a determinação do lucro tributável. Apenas impôs um período de detenção superior a 24 meses das partes de capital como pressuposto da aplicação do regime, no segmento intermédio do n.º 1 referido artigo 51.º-C.
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As regras de apuramento das mais-valias e das menos valias fiscalmente relevantes, incluindo para efeitos do disposto no artigo 51.º-C do CIRC, que não o exceciona, estão consagradas no artigo 46.º, no seu n.º 2, mas que também se transcreve integralmente, na redação em vigor a 31 de dezembro de 2014:
Artigo 46.º
Conceito de mais-valias e de menos-valias
1 — Consideram-se mais-valias ou menos-valias realizadas os ganhos obtidos ou as perdas sofridas mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere e, bem assim, os decorrentes de sinistros ou os resultantes da afectação permanente a fins alheios à actividade exercida, respeitantes a:
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Ativos fixos tangíveis, ativos intangíveis, ativos biológicos não consumíveis e propriedades de investimento, ainda que qualquer destes ativos tenha sido reclassificado como ativo não corrente detido para venda; (Rectificada pela Dec.Rectificação n.º 67-A/2009 - 11/09)
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Instrumentos financeiros, com excepção dos reconhecidos pelo justo valor nos termos das alíneas a) e b) do n.º 9 do artigo 18.º
2 — As mais-valias e as menos-valias são dadas pela diferença entre o valor de realização, líquido dos encargos que lhe sejam inerentes e o valor de aquisição, deduzido das depreciações e amortizações aceites fiscalmente, das perdas por imparidade e outras correções de valor previstas nos artigos 28.º-A, 31.º-B e ainda dos valores reconhecidos como gasto fiscal nos termos do artigo 45.º-A, sem prejuízo do disposto na parte final do n.º 3 do artigo 31.º-A.
3 — Considera-se valor de realização:
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No caso de troca, o valor de mercado dos bens ou direitos recebidos, acrescido ou diminuído, consoante o caso, da importância em dinheiro conjuntamente recebida ou paga;
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No caso de expropriações ou de bens sinistrados, o valor da correspondente indemnização;
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No caso de bens afectos permanentemente a fins alheios à actividade exercida, o seu valor de mercado;
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Nos casos de fusão, cisão, entrada de ativos ou permuta de partes sociais, o valor de mercado dos elementos transmitidos em consequência daquelas operações;
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No caso de alienação de títulos de dívida, o valor da transacção, líquido dos juros contáveis desde a data do último vencimento ou da emissão, primeira colocação ou endosso, se ainda não houver ocorrido qualquer vencimento, até à data da transmissão, bem como da diferença pela parte correspondente àqueles períodos, entre o valor de reembolso e o preço da emissão, nos casos de títulos cuja remuneração seja constituída, total ou parcialmente, por aquela diferença;
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Nos demais casos, o valor da respectiva contraprestação.
4 — No caso de troca por bens futuros, o valor de mercado destes é o que lhes corresponderia à data da troca.
5— Consideram-se transmissões onerosas, designadamente:
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A promessa de compra e venda ou de troca, logo que verificada a tradição dos bens;
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As mudanças no modelo de valorização relevantes para efeitos fiscais, nos termos do n.º 9 do artigo 18.º, que decorram, designadamente, de reclassificação contabilística ou de alterações nos pressupostos referidos na alínea a) do n.º 9 deste mesmo artigo.
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A transferência de elementos patrimoniais no âmbito de operações de fusão, cisão ou entrada de ativos, realizadas pelas sociedades fundidas, cindidas ou contribuidoras;
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A extinção ou entrega pelos sócios das partes representativas do capital social das sociedades fundidas, cindidas ou adquiridas no âmbito de operações de fusão, cisão ou permuta de partes sociais;
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A anulação das partes de capital detidas pela sociedade beneficiária nas sociedades fundidas ou cindidas em consequência de operações de fusão ou cisão;
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A remição e amortização de participações sociais com redução de capital;
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A anulação das partes de capital por redução de capital social destinada à cobertura de prejuízos de uma sociedade quando o respetivo sócio, em consequência da anulação, deixe de nela deter qualquer participação.
6 — Não se consideram mais-valias ou menos-valias:
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Os resultados obtidos em consequência da entrega pelo locatário ao locador dos bens objecto de locação financeira;
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Os resultados obtidos na transmissão onerosa, ou na afectação permanente nos termos referidos no n.º 1, de títulos de dívida cuja remuneração seja constituída, total ou parcialmente, pela diferença entre o valor de reembolso ou de amortização e o preço de emissão, primeira colocação ou endosso.
7 — No caso de transmissões onerosas no âmbito de operações de cisão consideram-se mais-valias ou menos-valias de partes sociais a diferença positiva ou negativa, respetivamente, entre o valor de mercado das partes de capital da sociedade beneficiária atribuídas aos sócios da sociedade cindida, ou dos elementos patrimoniais destacados, e a parte do valor de aquisição das partes de capital detidas pelos sócios da sociedade cindida correspondente aos elementos patrimoniais destacados, determinada nos termos dos n.os 3, 5 ou 6 do artigo 76.º consoante os casos.
8 — Para efeitos do presente Código, no valor de aquisição das partes de capital devem considerar-se, consoante os casos, positiva ou negativamente:
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As entregas dos sócios para cobertura de prejuízos, os quais são imputados proporcionalmente a cada uma das partes de capital detidas; e
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O montante entregue aos sócios por redução do capital social até ao montante do valor de aquisição, o qual é imputado proporcionalmente a cada uma das partes de capital detidas.
9 — Em caso de mudança do regime de determinação da matéria coletável durante o período em que os ativos sejam depreciáveis ou amortizáveis, devem considerar-se no cálculo das mais-valias ou menos-valias, relativamente ao período em que seja aplicado o regime simplificado de determinação da matéria coletável, as quotas mínimas de depreciação ou amortização.
10 — Na equivalência dos valores de realização ou de aquisição de operações efetuadas em moeda sem curso legal em Portugal, aplica-se a taxa de câmbio da data da realização ou aquisição ou, não existindo, a da última cotação anterior.
11 — Na transmissão onerosa de partes de capital da mesma natureza e que confiram idênticos direitos, considera-se que as partes de capital transmitidas são as adquiridas há mais tempo.
12 — O sujeito passivo pode optar pela aplicação do custo médio ponderado na determinação do custo de aquisição de partes de capital da mesma natureza e que confiram idênticos direitos, caso em que:
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Não é aplicável a correção monetária prevista no artigo seguinte;
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A opção deve ser aplicada a todas as partes de capital que pertençam à mesma carteira e ser mantida por um período mínimo de três anos
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Ora, segundo a fundamentação constante da reclamação graciosa, é o artigo 46.º, n.º 2, que ao dispor: "As mais-valias e as menos-valias são dadas pela diferença entre o valor de realização, líquidos dos encargos que lhe sejam inerentes ..." (de notar que a parte restante da norma refere-se exclusivamente ao valor de aquisição, o que aqui não está em causa, contrariamente ao que parece pretender a Requerida) justifica que os encargos inerentes à alienação das partes de capital não devem concorrer para a determinação do lucro tributável, nos termos do artigo 51.º-C.
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Vislumbra-se aqui uma clara contradição: o artigo 51.º-C nada dispõe sobre a forma como devem ser apuradas as mais-valias que não concorrem para a determinação do lucro tributável e o intérprete, invocando a seu favor fórmulas e formulários que a lei não contempla, vem dizer que, ao abrigo do artigo 46.º, n.º 2, os encargos inerentes à alienação e que devem ser deduzidos ao valor de realização "não concorrem para a determinação do lucro tributável" no âmbito do regime da participacion exemption.
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Não se pode sufragar tal entendimento, como é evidente, por falta de lei que o suporte.
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A reforma do IRC de 2014, designadamente ao revogar ao artigo 32.º do EBF que estabelecia um regime de benefício fiscal para as sociedades gestoras de participações sociais e no qual se previa a não consideração dos encargos financeiros com a sua aquisição, veio acabar com as especificidades de regime geral em matéria de encargos: o regime agora aplicável é o regime geral, constante do artigo 23.º, do CIRC relativamente aos custos aí previstos e, quanto aos custos financeiros, o específico regime do seu artigo 67.º.
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E afirmando-se perentoriamente no RIT, e depois na instrução da reclamação graciosa, que os encargos no montante de € 922.500,00 são inerentes à alienação, não pode deixar de considerar-se, por um lado, a sua dedutibilidade ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 23.º e, por outro, a sua dedução ao valor de realização para efeitos de determinação da mais-valia ou da menos-valia nos termos do n.º 2 do artigo 46.º, ambos do CIRC.
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Aliás, já antes da reforma do CIRC, entrada em vigor em 1 de janeiro de 2014, o n.º 5 do artigo 23.º, que a sobredita reforma revogou, se densificavam as situações em que os encargos com a transmissão onerosa de partes de capital não eram considerados como custo, cingindo-as às transmissões para partes com as quais existissem relações especiais e para entidades residentes em território português sujeitas a um regime especial de tributação, não estando, por conseguinte, incluída a situação de que aqui se trata.
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Em todo o caso, a referida norma foi revogada pela Lei 2/2014, de 16 de janeiro, com aplicação aos períodos de tributação que se tivesse iniciado, ou a factos tributários que ocorressem em ou após 1 de janeiro, pelo que até essas limitações se extinguiram em 31-12-2013.
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Acresce, por último, o facto de nos termos do n.º 3 do artigo 23.º-A do CIRC se não aceitarem "como gastos do período de tributação os suportados com a transmissão onerosa de instrumentos de capital próprio, qualquer que seja o título por que se opere, de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime claramente mais favorável constante de lista aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças", limitação objetivamente inaplicável ao caso que aqui se julga.
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Termos em que, quanto a esta correção, o despacho de indeferimento da reclamação graciosa é ilegal por fundamentação inválida porque não tem base jurídica que a sustente e não pode, por isso, manter-se na ordem jurídica, com todos os efeitos legais.
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A segunda correção é tributária de uma evidente confusão entre os conceitos de preço, revisão do preço sob condição, e diferimento de pagamento do preço.
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É indubitável que o preço estabelecido no contrato de cessão da quota foi de € 800,00, de harmonia com o disposto na cláusula Primeira do Contrato. Esse preço não foi posto em causa. E foi de igual montante o fluxo financeiro que afluiu à Vendedora, ora Requerente. E, concomitantemente, reconheceu-o como rédito.
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E não se diga, como se disse na fundamentação em que se sustentou o despacho de indeferimento da reclamação graciosa, que na alínea f) do n.º 3 do artigo 46.º do CIRC, que apenas refere "nos demais casos, o valor da respetiva contraprestação", que este é equivalente a valor nominal: "ou seja, o valor nominal". Não existe no CIRC qualquer presunção legal - e estar-se-ia sempre perante uma presunção ilidível - de que o valor de realização de partes de capital é o seu valor nominal, quando for estabelecida uma contraprestação que lhe seja inferior.
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A Requerente não reconheceu, nem tinha de reconhecer qualquer rédito relativamente à eventual futura revisão do preço, como resulta claro da NCRF 20, citada na reclamação graciosa, mas não neste segmento:
18 — O rédito só é reconhecido quando for provável que os benefícios económicos associados com a transação fluam para a entidade. Nestes casos, tal só́ é verificável depois de a retribuição ser recebida ou de uma incerteza ser removida.
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E é igualmente indubitável que na cláusula sexta do contrato, se estabelece uma possível revisão do preço, mas sob complexa condição:
As partes, reconhecem que corre termos nos tribunais tributários uma impugnação judicial relativa ao processo executivo no..., cujo valor do imposto no montante de € 390.335,00 foi pago no âmbito do RERD - Regime Excecional de Regularização de Dívidas Fiscais e à Segurança Social, cuja devolução está pendente da decisão judicial a proferir.
As partes estipulam que o preço de venda acordado no Primeiro Articulado será́ aumentado na exata medida dos valores que eventualmente venham a ser recebidos pela C..., no prazo máximo de trinta dias após receção de qualquer valor.
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Dispõe o artigo 270.º (Noção de condição) do Código Civil que "As partes podem subordinar a um acontecimento futuro e incerto a produção dos efeitos do negócio jurídico ou a sua resolução: no primeiro caso, diz-se suspensiva a condição; no segundo, resolutiva"
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Ora, ao estipular-se que "o preço de venda acordado no Primeiro Articulado será́ aumentado na exata medida dos valores que eventualmente venham a ser recebidos pela C..., no prazo máximo de trinta dias após receção de qualquer valor", mais não está - e é essa manifestamente a vontade das partes - do que a acordar uma condição suspensiva (da produção dos efeitos jurídicos da cláusula), subordinada não a um, mas a vários acontecimentos futuros e incertos: ser proferida uma decisão (incertus an)[2]; quando for proferida a decisão (incertus quando); e quando for determinado o valor a devolver (incertus quantum).
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Acresce que, entretanto, a condição se tornou impossível, em virtude de, com a declaração de insolvência da C..., se ter modificado a posição subjetiva do credor, que passou a ser a massa insolvente da C..., a qual não se encontra vinculada ao contrato anteriormente celebrado, uma vez que "A massa insolvente constitui um património autónomo, que se destina «à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas (artigo 46.º, 1, do CIRE) possuindo personalidade judiciária"[3]
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Não pode, pois, o Tribunal aceitar a qualificação dada no RIT e confirmada na Reclamação, quando foi incluída a situação descrita numa modalidade de "diferimento do pagamento do preço". Só há diferimento (adiamento ou protelação) do pagamento do preço quando este já se mostra definitivamente fixado e não é pago integralmente no momento da celebração do contrato, mas a posteri, com ou sem necessidade de interpelação, mediante ou sem a prestação garantias e com ou sem títulos obrigacionistas (letras e mesmo, ainda que na margem da lei, cheques pré-datados, por exemplo).
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Também quanto a esta correção tem de decidir-se pela sua invalidade da fundamentação, por erro nos pressupostos, o que inquina de ilegalidade o despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa.
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Concluindo-se, pois pela procedência do pedido de revogação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa interposta contra a liquidação e correções subjacentes.
3. Do pedido
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Tem de reconhecer-se, como já no Saneamento se evidenciou, que o pedido da Requerente se encontra deficientemente estruturado, por não ser expresso quanto à subsidiariedade dos pedidos que o integram.
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É, no entanto, patente que a Requerente pretendeu incluir no pedido expresso em primeiro lugar não apenas a apreciação do ato de indeferimento, enquanto ato de segundo grau, mas também a liquidação e as correções subjacentes que não deram origem a qualquer imposto.
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O que também se sustenta no facto de a Requerente ter modificado o valor do processo, aliás, sem qualquer oposição da Requerida.
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O que permite concluir, com certeza e segurança jurídicas, que o pedido feito em segundo lugar está numa relação de subsidiariedade com o primeiro, sendo ainda certo que o pedido feito em terceiro lugar não tem conteúdo autónomo: nos termos da lei, a taxa de justiça é suportada por quem ficar vencido, ou na proporção em que ficar vencido, no processo com árbitro não designado pela Requerente, independentemente de ser ou não formulado pedido.
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Concluiu já este tribunal pela procedência do pedido de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra a liquidação e correções subjacentes, enquanto ato de segundo grau, com fundamento em ilegalidades na fundamentação que foi usada para manter os atos de correção de prejuízos fiscais conforme proposta sancionada no RIT.
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Se bem que uma parte da jurisprudência considere que "anulado o ato impugnado por insuficiente fundamentação da decisão da reclamação graciosa e das correções que suportaram o ato de liquidação, não tem o tribunal que apreciar os demais vícios imputados ao ato" (Ac. do STA de 30-10-2019, Proc. 02453/05.1BEPRT 0402/18), outra parte considera que "a verificação de vício de forma consubstanciado na falta de fundamentação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa não projecta efeitos anulatórios sobre o acto tributário que a antecede" - cfr. Ac. do STA de 02-02-2022, Proc. 01260/08.4BESNT
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Porém, ao considerar-se que se não está, neste caso, perante uma liquidação strictu sensu, nos termos anteriormente expostos, não há "vícios imputados à liquidação" (ato por excelência de primeiro grau) que, mesmo no entendimento jurisprudencial mais restritivo, devam ser conhecidos por este Tribunal.
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Mas, por outro lado, o Tribunal pronunciou-se expressamente sobre os vícios que invalidam as correções efetuadas e julgou-as ilegais.
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Fica assim prejudicado, sob pena de contradição insanável da decisão, o conhecimento do pedido formulado em segundo lugar pela Requerente.
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DECISÃO
Nestes termos acordam neste Tribunal Arbitral em:
Julgar procedente o pedido formulado pela Requerente de declaração de ilegalidade do despacho de indeferimento proferido na Reclamação Graciosa, da "liquidação" e das correções que lhe estavam subjacentes, e anulá-las com todos os efeitos jurídico tributários que lhes estejam associados.
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VALOR DO PROCESSO
De harmonia com o disposto nos artigos 305.º, n.º 2, e 306.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”) fixa-se ao processo o valor de € 1.312.835,00.
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CUSTAS
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 17.748,00, de harmonia com a Tabela I anexa ao RCPAT, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 6 de maio de 2022
Os Árbitros,
(José Poças Falcão)
(Manuel Faustino)
(Paula Florindo)
[1] V.g.: STA, Processo 01021/14, Acórdão de 20-05-2015; STA, Processo 02453/05.1BEPRT 0402/18, Acórdão de 30-10-2019; STA, STA, Processo 01260/08.4BESNT, Acórdão de 02-02-2022.
[2] Embora se possa admitir que num processo judicial tributário uma decisão deve ser sempre proferida - em virtude da imperatividade do "dever de pronúncia" que impende sobre o tribunal.
[3] ALEXANDRE SOVERAL MARTINS, Um Curso de Direito da Insolvência, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2021, pp. 171.
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