Sumário:
I – Os encargos com financiamentos suportados por uma sociedade dominante a favor das empresas relacionadas, e em que detém participações sociais, são dedutíveis para efeitos fiscais quando tenham o objetivo de manutenção da fonte produtora;
II - Estando em causa a apreciação da legalidade de um ato de liquidação oficiosa, praticado pela Autoridade Tributária, corrigindo liquidação anterior baseada na declaração do contribuinte, é à Administração que incumbe o ónus da prova dos pressupostos legais da correção que operou.
DECISÃO ARBITRAL
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Conselheiro Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Dra. Adelaide Moura e Prof. Doutor Paulo Jorge Nogueira da Costa, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar Tribunal Arbitral, acordam o seguinte:
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Relatório
No dia 07-09-2021, A..., S.A., Requerente, pessoa coletiva n.º ..., com sede na ..., n.º..., ..., ...-... ..., apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária).
Tendo sido notificada do despacho do Senhor Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Braga, no sentido do indeferimento do pedido da reclamação graciosa autuada sob o n.º ...2020..., incidente sobre a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas n.º 2020..., e liquidação de juros compensatórios, conforme respetiva demonstração de acerto de contas, a Requerente, discordando, apresentou Pedido de Pronúncia Arbitral contra tal ato tributário e decisão da Requerida.
O pedido de constituição do Tribunal foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 08-09-2021 e notificado à Requerida em 14-09-2021.
A Requerente não procedeu expressamente à nomeação de árbitro.
Nos termos e para efeitos do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) do RJAT, foram designados, em 01-10-2021, pelo Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, os árbitros Conselheiro Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Dra. Adelaide Moura e Prof. Doutor Paulo Jorge Nogueira da Costa, que comunicaram ao Conselho Deontológico de Arbitragem Administrativa a aceitação do respetivo encargo no prazo legalmente estipulado.
As partes foram notificadas dessa designação, não tendo, qualquer delas, manifestado vontade de a recusar, vindo o Tribunal a ser constituído em 17-11-2021, de harmonia com as disposições contidas no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro.
Em 18-11-2021 foi proferido despacho a ordenar a notificação da Requerida para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional.
Em 04-01-2022 foi apresentada a respetiva resposta pela Requerida, vindo o Tribunal, em 13-01-2022, a proferir despacho para a Requerente se pronunciar, querendo, sobre a matéria de exceção suscitada, no prazo de 10 dias. A Requerente pronunciou-se em 27-01-2022.
Foi proferido novo despacho pelo Tribunal, em 01-02-2022, afigurando-se estarem em causa apenas questões de direito, e havendo oposição da Requerida à produção da prova testemunhal arrolada, que ordenou a Requerente a esclarecer se mantinha interesse na realização da diligência de prova, dada a sua aparente desnecessidade, e, em caso afirmativo, indicar os pontos de facto sobre que incidiria. A Requerente pronunciou-se em 07-02-2022.
Em 11-02-2022, o Tribunal proferiu despacho relativamente à reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, também destinada à produção de prova testemunhal arrolada, designando o dia 08-03-2022, às 10h, para o efeito.
Na referida reunião o Tribunal designou o dia 17-05-2022 para prolação da decisão arbitral.
A Requerente apresentou alegações em 18-03-2022 e a Requerida em 01-04-2022.
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Das posições das Partes
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Da posição da Requerente
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A liquidação em crise tem na sua origem – na parte em que é impugnada pela Requerente – a desconsideração, pela Requerida, de uma parcela dos encargos financeiros suportados pela Requerente durante o exercício de 2016.
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A Requerida erroneamente ficciona que uma parte dos empréstimos bancários contraídos pela Requerente foram alocados ao financiamento das suas participadas. A Requerida baseia a sua posição em factos que não prova e em cálculos incorretos.
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A Requerente entende que existe falta de fundamentação pela Requerida de um nexo de conexão entre os gastos financeiros desconsiderados e os montantes aportados pela Requerente às suas subsidiárias.
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Também considera que se configura uma violação da limitação decorrente da caducidade do direito à liquidação.
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E, por conseguinte, invoca ainda alegada falta de fundamentação da própria liquidação impugnada.
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A posição da Requerida deve ser apreciada à luz do artigo 23.º do Código do IRC, e não ao abrigo do regime dos preços de transferência, pese embora a argumentação da Requerida se afigurar relacionada com essa temática.
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Sendo que qualquer tentativa de justificar a correção realizada pela Requerida ao abrigo do referido artigo 23.º do Código do IRC não colhe face à evidência de não ser possível estabelecer uma ligação entre os gastos desconsiderados (os empréstimos, em concreto) e as prestações realizadas pela Requerente em favor das suas subsidiárias.
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Não foi identificado, nem existe qualquer nexo de conexão. Nem por aproximação temporal é possível estabelecer qualquer relação entre os financiamentos bancários da Requerente e os movimentos de capitalização das suas participadas. Essa necessária relação também não é relevada pelos elementos contabilísticos da Requerente.
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E também não é válido assumir que, na ausência das prestações acessórias realizadas pela Requerente, as suas necessidades de financiamento bancários teriam diminuído e, por conseguinte, também os seus encargos daí decorrentes. Na ausência das prestações referidas, a Requerente teria visto ameaçada a totalidade do seu passivo financeiro.
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Ou seja, a Requerente não recorreu a financiamento bancário para efeitos de capitalizar as suas subsidiárias. Ao invés, a Requerente capitalizou as suas subsidiárias, para conseguir manter o seu financiamento e evitar possível futura insolvência.
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Não é admissível que se desconsidere encargos financeiros comprovadamente suportados pela Requerente, com empréstimos bancários contraídos no âmbito da sua atividade, e de que dependia em 2016 para se manter em exercício.
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Caso contrário, consubstancia-se uma violação grave e inaceitável do princípio da capacidade contributiva e do princípio constitucional de tributação pelo lucro real.
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Dada a ausência de nexo de conexão, a Requerida fixou o quantum da sua correção através de um nexo virtual, violador dos mesmos princípios constitucionais acima referidos.
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E, para tal, aplicou critérios e cálculos inaceitáveis, arbitrários, com vícios graves, penalizando o exercício de 2016 da Requerente com base em factos ocorridos em exercícios que a Requerida já não podia licitamente corrigir.
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A Requerida não apenas teve em consideração os investimentos realizados nas subsidiárias da Requerente em 2016, ou os empréstimos contraídos nesse ano, mas também antecedentes. É certo que a Requerida não desconsiderou encargos financeiros registados em anos anteriores, mas recorreu a critérios e cálculos por referência a períodos imemoriais.
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Por outro lado, este método da Requerida afigura-se ilegal por representar uma multiplicação da coleta, dado que conduz à repetida desconsideração (pelo menos, parcialmente) dos mesmos gastos.
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Ademais, o método (ilegal) em causa nem foi aplicado corretamente pela Requerida, dado que apenas atendeu aos valores de financiamentos bancários registados na conta SNC 25 «Financiamentos Obtidos». Não atentou ao valor do empréstimo contraído pela Requerente sob a forma de obrigações convertíveis em ações. Se o tivesse feito, a Requerida teria obtido um rácio menor e, por conseguinte, desconsideraria encargos financeiros também em quantitativo menor.
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A liquidação da Requerida é assim ilegal por erro quanto aos pressupostos de facto, redundando ainda na violação dos princípios que subjazem à caducidade do direito à liquidação, ao abrigo do artigo 45.º da Lei Geral Tributária (LGT), nomeadamente os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança.
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Acresce o vício da falta de fundamentação, dado que a Requerida justifica a sua correção em meros juízos virtuais, e não em factos.
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Configura-se interesse próprio da Requerente na capitalização das suas participadas através da realização de prestações acessórias sujeitas ao regime das prestações suplementares. Quando se reforça a situação económica e patrimonial das suas participadas, a Requerente não age em benefício destas últimas, nem assume gastos alheios à sua atividade, mas reforça os ativos detidos pela própria Requerente.
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Existe um interesse específico empresarial e indispensável da Requerente, que exerce efetiva e comprovadamente uma atividade de gestão das suas participadas. Pelo que, materialmente, a liquidação da Requerida também se reputa como ilegal.
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Todas estas temáticas foram já abordadas e decididas em anteriores decisões arbitrais, sob a égide do CAAD, com similitude de factos e respetivas correções da Requerida, sendo que tais liquidações adicionais da Requerida foram anuladas.
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A Requerente conclui assim que o ato tributário em causa nos presentes autos é ilegal e deve também ser anulado.
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Da posição da Requerida
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A Requerida invoca, desde logo, a exceção de inimpugnabilidade do ato, por falta originária de interesse em agir, uma vez que a Requerente não possui legítimo interesse em impugnar um ato que não produz efeitos jurídicos (sequer potencialmente lesivos) na sua esfera jurídica.
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Pelo que, por manifesta incompetência do Tribunal arbitral e/ou inimpugnabilidade do ato, que sempre seria de manter na ordem jurídica, a Requerida deve ser absolvida da instância.
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Sem prejuízo, materialmente, realça que a contabilidade da Requerente registava em 31-12-2016 um saldo de financiamentos obtidos no montante de € 69.972.527,90, o que implica que aquela tenha suportado encargos associados a estes empréstimos (juros, serviços bancários e imposto de selo) no total de € 4.854.737,06.
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Dado que o saldo dos fundos concedidos pela Requerente às suas associadas representa 13% dos financiamentos obtidos, e 15% com referência ao saldo médio de 2016, a Requerida conclui que os fundos apresentam especial relevância. Pois se a Requerente não tivesse financiado as suas participadas, não teria suportado os encargos financeiros controvertidos.
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A Requerida considera assim que parte dos juros suportados estão associados a capitais alheios aplicados noutras empresas e não na exploração da própria Requerente.
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Por outro lado, em cada período de tributação, os encargos financeiros suportados pela Requerente relativos aos financiamentos externos são calculados, pelas instituições de crédito, com referência ao saldo global em dívida de cada empréstimo obtido. Ou seja, em 2016 e nos períodos anteriores, os encargos financeiros registados em contabilidade referiam-se a dívida bancária e obrigacionista acumulada da Requerente.
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Portanto, o rácio que serviu de base à desconsideração fiscal de parte dos encargos financeiros suportados com empréstimos obtidos teve em consideração o saldo médio dos empréstimos concedidos às subsidiárias da Requerente e ainda não reembolsados.
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Não há qualquer multiplicação da correção e incorreção dos respetivos cálculos. Todos os empréstimos obtidos estão contemplados na fórmula adotada pela Requerida.
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Sendo que a correção fiscal aqui controvertida refere-se a parte dos encargos financeiros suportados e registados na contabilidade da requerente no período de tributação de 2016, e não a períodos anteriores.
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O método de cálculo dos gastos financeiros fiscalmente desconsiderados nada tem de arbitrário, sendo também esse o entendimento de várias outras decisões arbitrais.
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A correção fiscal controvertida não conduziu a qualquer acréscimo ao resultado fiscal da Requerente no período de 2016, dada a limitação prevista no n.º 1 do art.º 67.º do CIRC. No entanto, a Requerente não poderia deduzir certo montante ao lucro tributável de períodos de tributação posteriores, uma vez que estamos na presença de gastos de financiamento não dedutíveis e, por consequência, afastados da disposição legal prevista no n.º 2 do art.º 67.º do CIRC.
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A dedutibilidade fiscal dos custos depende de uma relação causal e justificada com a atividade exercida pela empresa, sendo que fora do conceito de indispensabilidade ficam os atos desconformes com o escopo social.
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A indispensabilidade deve ser interpretada em função do concreto objeto societário e da atividade efetivamente exercida.
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Com efeito, os gastos em causa não eram indispensáveis para a realização da atividade produtiva da Requerida. Não se pode considerar que a concessão de prestações acessórias e suplementares às participadas da Requerente, com vista ao financiamento da atividade destas, integre um ato da sua atividade normal e corrente. Tais quantias não estão direta e totalmente relacionadas com qualquer atividade da Requerente inscrita no seu objeto social.
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Verifica-se que a Requerente se financiou junto de instituições financeiras, aplicando uma parcela daquele financiamento na concessão de prestações acessórias e suplementares, não remuneradas, às suas participadas, pelo que, a parte dos encargos financeiros e outros correspondente a essa parcela, não configura um gasto com relevância fiscal na esfera da Requerente.
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As sociedades subsidiárias da Requerente, sendo entidades independentes, não podem ser tratadas em termos fiscais numa lógica de entidade única. Por isso, os custos não se inscrevem no âmbito da atividade da Requerente, tendo sido incorridos para a prossecução de outros interesses alheios.
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Não há, portanto, qualquer fundamento credível para a invocada caducidade do direito à liquidação prevista no artigo 45.º da LGT.
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Os fundamentos expostos no RIT, nomeadamente, são claros e respeitam o dever de fundamentação, consagrado no n.º 1 do art.º 77.º da LGT, tendo sido sucinta e esclarecendo devidamente qualquer destinatário normal sobre as razões de facto e de direito que motivaram o ato.
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A Requerida conclui assim que deve ser absolvida da instância, procedendo a exceção invocada. Caso contrário, o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente, com todas as devidas e legais consequências.
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Saneamento
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O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º, 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, 10.º e 11.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
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As partes dispõem de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas, nos termos legais aplicáveis.
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O processo não enferma de qualquer nulidade.
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Quanto às invocadas exceções dilatórias de incompetência do Tribunal Arbitral, de inimpugnabilidade do ato e de falta de interesse em agir da Requerente: genericamente, a Requerida veio considerar que, tendo a Requerente, a final e como pedido, requerido a anulação de certa liquidação em que não estarão refletidas quaisquer correções relativas à desconsideração de encargos financeiros no montante controvertido, o Tribunal Arbitral não tem competência para conhecer e decidir sobre a anulação dessa liquidação, sendo que nem se afigura que o objeto e/ou o ato impugnado tenha caráter lesivo e seja sequer impugnável, por falta originária de legítimo interesse em agir.
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Ora, consultados os autos, tendo a Requerente impugnado o ato adicional de liquidação, que desconsiderou os financiamentos em causa como gastos fiscais, bem como a reclamação graciosa contra o qual foi deduzida, afigura-se evidente que o ato tributário é impugnável, nos termos legalmente aplicáveis, sendo o Tribunal Arbitral competente, conforme acima melhor consignado.
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E a Requerente tem interesse em agir – enquanto pressuposto processual inominado autónomo que afere a utilidade da eventual concessão da tutela jurisdicional requerida através de meio competente para o efeito, conforme doutrina e jurisprudência – relativamente à impugnação do referido ato, sendo que a correção teve e continua a ter efeitos lesivos sobre a Requerente, enquanto contribuinte fiscal, dado que, por exemplo, a Requerida, por efeito da correção efetuada, e invocando o disposto no artigo 67.º, n.º 2 do CIRC, não permitirá a aceitação dos gastos de financiamento quantificados em 2016 para os períodos de tributação posteriores.
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Assim sendo, não deverão julgar-se verificadas as exceções de incompetência do Tribunal Arbitral e de inimpugnabilidade do ato, como acima explanado, nem de falta de interesse em agir, porquanto concebe-se uma situação de carência objetiva, justificada e razoável em recorrer a juízo pela Requerente, na sua condição de contribuinte fiscal e destinatária imediata do ato de liquidação, e atentos os efeitos lesivos decorrentes desse mesmo ato.
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As matérias atinentes a outras exceções invocadas serão apreciadas de seguida.
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Não há assim qualquer obstáculo à apreciação da causa. Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
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Matéria de facto
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Factos provados
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A Requerente centra a sua atividade na indústria têxtil, dedicando-se especialmente à produção de fio e tecidos, de aplicação predominante em vestuário.
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O objeto social da Requerente consistia no exercício de indústria têxtil, podendo explorar qualquer outro ramo de atividade industrial ou comercial que a respetiva Assembleia Geral decidir e seja permitido por lei, montar ou fazer aquisições de outras fábricas, estabelecer delegações ou sucursais, e adquirir e gerir participações sociais em outras empresas.
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Em 2016, a Requerente encontrava-se registada para o exercício da atividade principal a que corresponde o Código de Atividade Económica (CAE) 13303 – Acabamento de Fios, Tecidos e Artigos Têxteis, n.e., e para o exercício das atividades secundárias com CAE 13105 – Preparação e Fiação de Linho e Outras Fibras Têxteis, CAE 13203 – Tecelagem de Fio do Tipo Seda e de Outros Têxteis e CAE 13301 – Branqueamento e Tingimento.
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No âmbito do IRC, a Requerente está enquadrada no regime geral de tributação e adota um período de tributação coincidente com o ano civil.
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A Requerente não desenvolve sozinha a sua atividade, mas em contexto de grupo societário por si controlado.
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Em 2016, o Grupo B... incluía a Requerente, a C..., S.A., a D..., S.A., a E..., Lda., a F..., S.A., por si detidas a 100%, e a G..., S.A.
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A Requerente assumia o domínio do Grupo B... e, consequentemente, funções de gestão e de direção de todas as subsidiárias, nomeando os órgãos sociais, tomando decisões estratégicas sobre a sua atividade, e acompanhando a sua situação económico-financeira, provendo pela aportação dos recursos indispensáveis à prossecução do seu objeto social.
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A atividade da Requerente, considerando o seu volume de negócios e vendas, dirigia-se essencialmente a mercados externos, sendo que os principais clientes estavam sedeados na União Europeia (EU) e nos Estados Unidos da América (EUA).
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Devido a constrangimentos económicos e financeiros, a Requerente procurou maximizar a integração das atividades prosseguidas pelas diversas sociedades que compreendiam o Grupo B..., com aproveitamento de sinergias e rentabilização dos seus ativos.
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Nesse contexto, em 2016, à semelhança de anos anteriores, a Requerente decidiu capitalizar as suas subsidiárias C..., S.A., D..., S.A. e F..., S.A.
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Os fundos aportados a cada uma dessas sociedades foram os seguintes:
– € 17.000,00 à sociedade C..., S.A.;
– € 550.000,00 à sociedade D..., S.A.; e
– € 2.942,45 à sociedade F..., S.A.
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A C..., S.A. dedicava-se inicialmente à indústria têxtil, fiação, tecelagem, tinturaria e acabamentos de algodão e fibras artificiais e sintéticas, tendo passado exclusivamente à comercialização de fios.
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Em 2016, a C..., S.A. encontrava-se numa situação de inatividade, circunscrevendo-se à manutenção e conservação do seu património imobiliário.
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Para fazer face a despesas correntes derivadas do património imobiliário significativo, a Requerente aportou fundos à C..., S.A.
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A D..., S.A. tinha por objeto o comércio por grosso de artigos e acessórios de vestuário.
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Em 2016, devido à estagnação da economia nos seus principais mercados, a atividade da D..., S.A. encontrava-se significativamente deteriorada.
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A Requerente decidiu capitalizar a D..., S.A. e reformular o seu modelo de gestão.
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A F..., S.A., praticamente inativa desde 2004, dedicava-se a atividades agrícolas.
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Para a manutenção da sua subsidiária F..., S.A., a Requerente também procedeu a injeção de capital adicional.
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A Requerente pretendia, com essas prestações de capital adicional, evitar a insolvência das suas participadas e, subsequentemente, a sua própria insolvência que, a verificar-se, teria consequências diretas no futuro do grupo empresarial.
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A Requerente pretendia assegurar a viabilidade e manutenção das suas subsidiárias no médio e longo prazo, perspetivando a obtenção de ganhos futuros e reduzindo riscos endémicos de contaminação da sua situação económica e financeira.
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A Requerida realizou uma ação de inspeção tributária à Requerente, abrangendo o período de tributação de 2016, de âmbito parcial (IRC), ao abrigo da ordem de serviço n.º OI2019..., emitida em 25-03-2019, atinente à não aceitação fiscal de parte dos encargos financeiros suportados com financiamentos.
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Os atos inspetivos tiveram início em 02-05-2019 e foram concluídos pela Requerida em 28-02-2020, com o envio da nota de diligência por ofício.
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Em resultado da ação inspetiva, a Requerente foi notificada do projeto de Relatório de Inspeção Tributária, por ofício datado de 07-02-2020, para exercer o direito de audição sobre as correções preconizadas à matéria coletável do IRC.
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A Requerida procedeu à notificação do definitivo Relatório de Inspeção Tributária (RIT), por ofício datado de 03-03-2020, após despacho favorável do Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Braga.
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A Requerente foi notificada pela Requerida do ato de liquidação de IRC e respetivos juros compensatórios, nos seguintes moldes:
– Liquidação de IRC e juros emitida sob o n.º 2020...;
– Demonstração de acerto de contas sob n.º 2020... .
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Em 27-08-2020, a Requerente apresentou Reclamação Graciosa relativamente aos atos tributários em causa.
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Após períodos de audição prévia, a Requerida indeferiu o pedido da Reclamação Graciosa, mediante decisão final notificada à Requerente por ofício datado de 02-06-2021.
Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.
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Factos não provados
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Os financiamentos bancários contraídos pela Requerente foram parcialmente alocados às prestações de capitalização efetuadas às suas subsidiárias.
Não se verificaram outros factos com relevância para a decisão da causa que não tenham sido provados.
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Fundamentação da fixação da matéria de facto provada e não provada
Os factos pertinentes para julgamento da causa foram apurados em função da sua relevância jurídica, sendo que a convicção do Tribunal Arbitral se fundou na análise crítica dos documentos juntos aos autos pelas partes, incluindo os constantes no processo administrativo e na prova testemunhal produzida.
O depoimento prestado pela testemunha foi objetivo e consistente, coincidindo com a posição vertida nos articulados.
Relativamente ao facto dado como não provado, destaca-se que a própria Requerida assume que “através da análise à contabilidade não foi possível identificar quais os empréstimos em concreto que foram afetos à realização das prestações acessórias e suplementares”, donde também resulta que não foi possível associar os financiamentos contraídos pela Requerente à realização de tais prestações de capital nas suas subsidiárias.
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Matéria de direito
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Objeto e âmbito do processo
A questão essencial que se coloca neste processo é a de saber se, ao abrigo do disposto no artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC, é admissível a dedutibilidade fiscal de gastos de financiamento, ainda que alegadamente associados à concessão de prestações acessórias e/ou suplementares não remuneradas por parte da Requerente às suas subsidiárias.
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Do Direito
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Vício de falta de fundamentação
A Requerente alega que a Autoridade Tributária, Requerida, está vinculada a um especial “dever de fundamentação”, que deve ser concretizado “com base em critérios objectivos”.
Não obstante, a Requerente entende que a Requerida “não justificou a sua correcção com dados objectivos, mas com meras impressões e suposições”, suportando-se em elementos que “revelam uma consistência insuficiente para justificar a desconsideração fiscal dos encargos em causa”.
A Requerida, por seu turno, veicula que “os fundamentos expostos no RIT são claros e respeitam o dever de fundamentação, consagrado no n.º 1 do art.º 77.º da Lei Geral Tributária (LGT), e a mesma tendo sido sucinta esclarece devidamente qualquer destinatário normal sobre as razões de facto e de direito que motivaram o ato”.
O artigo 268.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP) dispõe que “Os atos administrativos carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos”. Também os artigos 150.º, n.º 1, 152.º, n.º 1 e 153.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo (CPA) exigem que os atos administrativos sejam escritos e fundamentados, sendo que “A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão”.
O artigo 77.º da LGT impõe que a decisão da administração fiscal seja “sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram”, sendo que essa fundamentação “pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.
É assim indiscutível que os atos tributários, enquanto atos administrativos, devem ser fundamentados e obedecer ao bloco de legalidade que se lhes aplica.
No que respeita à fundamentação formal, é exigível que a decisão seja composta pela indicação dos factos e motivos que levaram a administração fiscal a decidir em determinado sentido, em termos suficientes, claros e congruentes, possibilitando a compreensão dos pressupostos pelo sujeito passivo afetado.
Relativamente à fundamentação substancial, a decisão deve basear-se em pressupostos reais e motivos suscetíveis de suportarem uma decisão legítima quanto à matéria em causa – o que remete para o mérito da decisão e legalidade stricto sensu do próprio ato.
Segundo jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA), o ato deve considerar-se fundamentado quando “o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o art. 487.º, n.º 2 do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese” (cf. Acórdão do STA de 12-03-2014, Processo n.º 01674/13, acessível em www.dgsi.pt), de acordo com quadro jurídico-normativo perfeitamente cognoscível.
Ora, o ato emitido pela Requerida explicita, em termos suficientes, as correspondentes razões de facto, cujo substrato apresenta um mínimo de correspondência à factualidade considerada, e as razões de direito que pugna como aplicáveis à liquidação adicional controvertida. O mesmo se aplica ao próprio teor do RIT.
E a fundamentação de facto e de direito em causa é inteligível, desde logo, porque a Requerente impugna o ato da Requerida sem aparentes dificuldades quanto à definição do objeto da decisão e respetiva argumentação.
Com efeito, independentemente da aplicação (in)correta do respetivo regime jurídico-fiscal controvertido – o que se apreciará –, é forçoso concluir que o Tribunal Arbitral não pode considerar que o ato em causa incumpre os preceitos legais aplicáveis à necessária fundamentação. Termos em que improcede o alegado vício de falta de fundamentação.
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Vício de ilegalidade substantiva
A questão principal no presente processo arbitral assume uma natureza material, isto é, reconduz-se à correta ou incorreta aplicação da lei substantiva fiscal, considerando a conhecida desconsideração fiscal de gastos perpetrada pela Requerida.
Em crise encontra-se o artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC, cujo teor expressamente prevê: “Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”.
Com interesse para a decisão da causa, enquadraremos o regime jurídico-fiscal objeto do presente litígio, à luz da factualidade relevante.
O Código do IRC, conforme já vertido acima, apresenta o conceito de “gastos” segundo uma formulação dilatada. Sendo que decorre do artigo 23.º, n.º 2 do mesmo Código: “Consideram-se abrangidos (…) nomeadamente, os seguintes gastos e perdas: (…) c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efectivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado”.
Não obstante, são sistematicamente suscitadas diversas questões interpretativas e de aplicação prática do regime jurídico-fiscal em causa. Vejamos, face ao disposto no artigo 23.º do Código do IRC, para ser considerado “gasto” para fins de dedutibilidade fiscal deveriam ser cumpridos determinados requisitos: (i) a indispensabilidade do gasto; (ii) a comprovação do gasto; e, (iii) a conexão do gasto a rendimentos sujeitos a imposto.
Certa corrente interpretativa, onde se inclui a própria administração fiscal, opta por adotar uma visão redutora do teor do artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC, com entendimento muito limitativo de atividade empresarial. Já a tese perfilhada por ampla doutrina (e até jurisprudência, incluindo do CAAD) procura efetivar uma interpretação mais ampla.
Ora, afigura-se que devem ser tidos como indispensáveis todos os gastos que sejam necessários à realização do interesse do sujeito passivo, contribuindo, direta ou indiretamente, para a obtenção de lucro empresarial. A “indispensabilidade” subsume-se assim ao seu sentido económico, por referência à estrutura de produção do sujeito passivo e com enquadramento no respetivo interesse societário. A necessária conexão deve ser concretizada entre os gastos e a atividade (produtiva) desenvolvida pelo contribuinte. Sendo certo que não cabe à administração fiscal configurar qualquer juízo de discricionariedade técnica sobre a atividade das empresas.
Sem prejuízo, para além da evolução doutrinária e jurisprudencial relativa à indispensabilidade dos gastos, é importante sinalizar a alteração introduzida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, com efeitos desde 1 de janeiro de 2014, que, visando implementar um maior grau de certeza na aplicação concreta dos critérios de dedutibilidade, passou a consagrar como princípio geral que são dedutíveis os gastos relacionados com atividade do sujeito passivo por este incorridos ou suportados, reforçando a ideia de que basta a conexão com a atividade empresarial, independentemente da efetiva contribuição para os rendimentos sujeitos a imposto (cfr. Relatório Final da Comissão para a Reforma do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, 30 de junho de 2013).
Considere-se o disposto na decisão arbitral de 8 de abril de 2017 (proc. 480/2016-T) (acessível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/): “A actividade produtiva não deverá ser entendida num sentido restritivo, mas sim amplo, significando actividade relacionada com uma fonte produtora de rendimento da entidade que suporta os gastos. Ao buscar-se o sentido do conceito de actividade das empresas, ele não pode circunscrever-se a meras ou simples operações de produção de bens ou serviços. Dizer que um custo tem de traduzir uma relação com a actividade, só pode querer dizer que tem de se verificar uma relação com as operações económicas globais de exploração ou com as operações ou actos de gestão que se insiram na busca do interesse próprio da entidade que assume tais custos. Nesse sentido, a actividade de uma empresa consistirá nas operações resultantes do uso do seu património, em particular, dos seus activos e da gestão dos seus passivos. Ou seja, na forma como a sua gestão utilizará o património empresarial no âmbito das diversas operações (produtivas, comerciais, de investimento e desinvestimento, de financiamento geral, de aquisição de participações financeiras e outras) que, no seu conjunto, permitem que a entidade em questão cumpra o seu objecto económico: a busca (imediata ou a prazo) de um excedente económico (lucro).”
Daqui resulta a relevância da atividade produtiva do contribuinte, a qual (à semelhança da dita indispensabilidade) também não deve ser interpretada de forma restritiva. Segundo decisão arbitral de 4 de janeiro de 2021 (proc. 673/2019-T) (acessível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/): “À luz do art.º 23.º (…) do CIRC, na redacção introduzida em 2014, a dedutibilidade dos encargos com financiamentos suportados, decorrentes de (…) prestações suplementares efectuadas a favor das empresas relacionadas, dependerá do facto de tais financiamentos contribuírem para, segundo regras normais de gestão, incrementar a expectativa de benefícios futuros ou para manter a fonte produtora.”
E, como oposição a alguma jurisprudência de Tribunais superiores, destaca-se o seguinte excerto da decisão arbitral de 8 de julho de 2013 (proc. 12/2013-T) (acessível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/): “uma sociedade pode obter fundos (e pagar juros) e depois entregar esses fundos a uma filial sem qualquer remuneração causal e direta – e ainda assim exercer adequadamente a sua atividade, dentro da sua capacidade e escopo lucrativo: pode efetuar um aumento de capital (art. 25.º do CSC), prestações suplementares ou acessórias sem juros (art. 210 e 287.º do CSC) ou suprimentos sem juros (art. 243.º do CSC) – e em qualquer desses casos atua totalmente dentro da sua capacidade de exercício e com um ânimo lucrativo e no exercício da sua atividade”.
A atividade da Requerente, em bom rigor, não se resume à sua atividade operacional corrente. Inclui, igualmente, qualquer investimento financeiro que se poderá traduzir em eventuais rendimentos sujeitos a imposto. Qualquer operação de capitalização de sociedades participadas é um efetivo ato de gestão da sociedade participante, por interesse próprio desta e propósito lucrativo, visando o reforço dos respetivos ativos. Com efeito, tais atos de reforço do capital de sociedades por si dominadas devem ser tidos como atos legítimos de gestão empresarial, com o objetivo último de manutenção da fonte produtora. A Requerente, enquanto sociedade dominante, evitava assim, também, qualquer eventual declaração de insolvência.
E recorde-se que a lei comercial consagra, expressamente, que as prestações suplementares ou prestações acessórias integram a capacidade societária e a prossecução de escopo lucrativo, mesmo que a título gratuito. Por conseguinte, não relevam as alegadas implicações do regime específico das sociedades gestoras de participações sociais (SGPS). O objeto social da Requerente até admite a aquisição de participações sociais.
Reflita-se também sobre o seguinte excerto da decisão arbitral de 13 de fevereiro de 2015 (proc. 585/2014-T) (acessível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/) que dispõe: “Nos casos de investimento de uma sociedade numa sua participada, o financiamento provindo da participante será feito no interesse desta caso sirva para que daí decorra uma expetativa de rendimentos futuros dele diretamente decorrentes.”
Ora, as participadas em causa são detidas, direta ou indiretamente, pela Requerente, sob as quais tem total controlo. Por isso, todos efeitos dos investimentos efetuados repercutem-se na esfera patrimonial da Requerente, incluindo, desde logo, através da eventual valorização das respetivas participações. É óbvio o interesse societário, empresarial e lucrativo da Requerente.
O facto de injeções de capital adicional decididas na esfera da Requerente, enquanto sociedade participante, influenciarem o património das sociedades participadas não significa sequer que sejam concretizadas no exclusivo interesse desses terceiros. O interesse último dessas injeções de capital é da própria Requerente, conforme explanado acima.
E, conforme tratado na decisão arbitral de 28 de novembro de 2017 (proc. 298/2017-T) (acessível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/): “os investimentos às participadas afiguram-se como necessários ou, pelo menos, convenientes não só para a prossecução direta dos interesses de cada uma das sociedades participadas mas também, mesmo diretamente, para a prossecução do fim da Requerente”.
Conclusão essa que bem se aplica nos presentes autos arbitrais, face à factualidade dada como provada. Ou seja, ainda que se pressupusesse que os financiamentos foram contraídos especificamente para a Requerente efetuar determinadas prestações de capital às suas subsidiárias, daí não derivaria qualquer inconveniente em termos fiscais para efeitos de dedutibilidade dos correspondentes gastos – que são efetivamente dedutíveis.
Sem prejuízo, cumpre ainda ao Tribunal Arbitral apreciar criticamente a satisfação do necessário ónus de prova que recai sobre a Requerida.
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Ónus da prova
Tendo em conta o critério que resulta do disposto no artigo 74.º, n.º 1, da LGT, pelo qual o “ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária e dos contribuinte recai sobre quem os invoque”, e estando em causa a apreciação da legalidade de um ato de liquidação oficiosa, praticado pela Autoridade Tributária, corrigindo liquidação anterior baseada na declaração do contribuinte, é à Administração que incumbe o ónus da prova dos pressupostos legais da correção que operou.
Não tendo sido feita a prova da correspondência entre os empréstimos contraídos pela Requerente junto de instituições bancárias e os empréstimos concedidos por essa entidade a outras sociedades do grupo, subsiste fundada dúvida sobre a existência e a quantificação do ato tributário, o que é suficiente, em atenção ao disposto no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, para anular a liquidação quando esta tem por base a inobservância dos requisitos de dedutibilidade dos gastos.
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Decisão
Nestes termos, decide este Tribunal Arbitral em:
Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular os atos de liquidação de IRC n.º 2020... e de liquidação de juros compensatórios, referentes ao exercício de 2016, bem como o ato de indeferimento da reclamação graciosa contra eles deduzida.
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Valor
Fixa-se o valor do processo em € 167.702,82, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
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Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3 672.00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 17 de maio de 2022
O Árbitro Presidente
(Carlos Alberto Fernandes Cadilha)
A Árbitra Vogal (Relatora)
(Adelaide Moura)
O Árbitro Vogal
(Paulo Jorge Nogueira da Costa)