SUMÁRIO:
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Tendo em conta a celeridade na aplicação da justiça como um dos fins da arbitragem tributária e a incerteza quanto ao momento em que transitará em julgado a decisão a proferir em causa invocada como prejudicial face ao presente processo, assim como a circunstância de a Administração Tributária se encontrar obrigada a reformular actos tributários cujo conteúdo possa ter sido afectada por alguma ilegalidade de liquidação anterior, decide-se não suspender a instância.
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Num grupo de sociedades tributado em RETGS, os gastos com financiamentos obtidos por uma das sociedades participadas que, no mesmo período, concede financiamento à sociedade-mãe estipulando uma compensação calculada a uma taxa de juro inferior àquela que serve de base ao cálculo de juros que suporta, correspondem a um benefício concedido à sociedade-mãe, implicando um agravamento dos gastos suportados pela participada.
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Ainda que os recursos cedidos tenham sido utilizados numa actividade lucrativa, não foram utilizados pela própria subsidiária, antes se traduziram em prejuízo para os resultados da respectiva actividade, verificando-se que esta suportou encargos com financiamentos obtidos, que disponibilizou à sociedade-mãe num montante bastante superior, cobrando um juro de taxa média inferior ao que suporta nos empréstimos bancários que obtém.
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O método aplicado pela IT visou desconsiderar como gasto fiscal da participada um montante correspondente à diferença entre o custo médio das importâncias por si obtidas, por empréstimo e a taxa das importâncias por esta mutuadas à sociedade-mãe, por representarem um gasto favorável a entidade terceira e não a si própria.
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Na ausência de proposta de método mais adequado, o método utilizado não se configura como indirecto ou presuntivo, mas sim lógico e fiável, baseado na contabilidade.
DECISÃO ARBITRAL
I – Relatório
1. No dia 6 de Setembro de 2021, a A... SGPS, com o número de pessoa colectiva..., com sede no..., ...-... ..., veio nos termos nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 2.º e na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral com vista à apreciação da legalidade da decisão, proferida pela Directora da Direção de Serviços de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, de indeferimento do recurso hierárquico, com o número de processo n.º ...2020..., apresentado na sequência da decisão de indeferimento que recaiu sobre a reclamação graciosa n.º ...2019... deduzida contra a liquidação de IRC n.º 2019 ... referente ao exercício fiscal de 2015, assim como contra as liquidações de juros compensatórios n.ºs 2019 ... e 2019 ... e consequente demonstração de acerto de contas n.º 2019... .
Com o Requerimento inicial foram juntos, para além da procuração e comprovativo de pagamento da taxa, oito documentos.
2. No Pedido de pronúncia arbitral, o Requerente optou por não designar árbitro tendo sido por decisão do Presidente do Conselho Deontológico, nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, designada como árbitro a signatária, que aceitou o cargo no prazo legalmente estipulado.
3. O tribunal arbitral ficou constituído em 17 de Novembro de 2021.
4. A Administração Tributária e Aduaneira (AT ou Requerida) enviou, em 6 de Janeiro de 2022, a Resposta e o processo administrativo (PA).
5. O Pedido de Pronúncia Arbitral (PPA)
No Pedido inicial, a Requerente diz, em síntese (da nossa responsabilidade):
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Prossegue, a título principal, a atividade de gestão de participações sociais noutras sociedades, e é, para efeitos de IRC, tributada ao abrigo do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (“RETGS”), do qual é sociedade dominante.
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O acto de liquidação de IRC e respetivos juros compensatórios, assim como o indeferimento do recurso hierárquico interposto do indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra as liquidações em causa, referem-se ao apuramento de IRC relativo ao período de tributação de 2015, no montante de € 41.824,49 (quarenta e um mil oitocentos e vinte e quatro euros e quarenta e nove cêntimos);
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Na sequência de uma inspeção externa, de âmbito parcial, em sede de IRC, com o intuito de verificar a determinação do lucro tributável do grupo, por si calculado enquanto sociedade dominante, ao abrigo do disposto no artigo 70.º do Código do IRC, os Serviços de Inspeção Tributária (SIT) determinaram a correção de € 485.101,47 ao resultado fiscal de IRC do grupo, no período de tributação de 2015, passando o mesmo de €18.660.159,38 para € 19.145.260,85;
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Essa alteração decorreu de correções efetuadas ao nível individual de sociedades incluídas no grupo fiscal, igualmente objeto de ações inspetivas ao período de tributação em referência a saber:
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a) Correção de € 31.555,83 ao lucro tributável individual da B..., S.A. (“B...”), correspondente a alegados gastos de financiamento não dedutíveis, ao abrigo do disposto no artigo 23.º do Código do IRC;
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b) Correção, aceite em sede inspetiva, de € 453.545,64 ao lucro tributável individual da C..., S.A. (“C...”), correspondente à não dedutibilidade fiscal de gastos decorrentes do projeto de Alta Velocidade celebrado com o Estado, ao abrigo dos artigos 23.º e 39.º do Código do IRC;
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c) Correção de € 7.719.726,36 ao montante dos prejuízos fiscais dedutíveis no período de tributação – passando os mesmos de € 21.633.604,42 para € 13.913.878,06 –, por alegadamente tais prejuízos fiscais terem sido corrigidos/utilizados no período de tributação de 2014, em resultado da ação inspetiva realizada ao grupo neste período de tributação. Esta correcção inclui ainda um ajustamento efetuado pelos SIT, favorável à Requerente, no valor de € 753,80, correspondente aos prejuízos fiscais de 2014 das sociedades que entraram em 2015 para o Grupo;
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Em 9 de abril de 2019, foi notificada da liquidação de IRC n.º 2019..., de 4 de Abril de 2019, no contexto do RETGS, no montante de 41.824,49 € 30, correspondendo € 37.611,14 a imposto adicional em falta e € 4.213,35 aos respetivos juros compensatórios;
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Não concordando com os fundamentos da liquidação, designadamente, com a correção do resultado tributável do grupo de € 31.555,83, resultante da correção efetuada ao nível individual da B... e com a correção de € 7.719.726,36 ao montante dos prejuízos fiscais dedutíveis no período de tributação de 2015, apresentou, no dia 13 de Setembro de 2019, a competente reclamação graciosa;
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Quer a desconsideração de parte dos encargos financeiros quer o método de apuramento desta parcela dos gastos não dedutível contrariam a doutrina e jurisprudência que dispensam um obrigatório nexo de causalidade entre rendimentos obtidos e gastos, bastando que os mesmos sejam incorridos no interesse da empresa, na prossecução das respetivas atividades;
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No caso concreto, se os financiamentos foram contraídos e concedidos inseridos numa lógica de obtenção de lucro, a AT não podia concluir sem devida comprovação que os encargos financeiros não foram suportados no interesse da própria B...;
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A B... faz parte do grupo da Requerente, canalizou meios financeiros para a sua sociedade-mãe, numa ótica de execução da política comum de gestão financeira do Grupo, sendo que quanto melhor for a “saúde” financeira da sociedade-mãe, melhor será a sua capacidade de aportar valor às sociedades em cujo capital participa, nomeadamente, quando necessário, no sentido de prosseguir novas oportunidades de investimento e no desenvolvimento das suas operações;
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Os encargos financeiros suportados pela B... são fiscalmente dedutíveis, na sua totalidade, uma vez que os mesmos foram contraídos no contexto do exercício de uma atividade lucrativa, vista como um todo;
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A desconsideração fiscal destes encargos sempre exigiria que a AT provasse que os mesmos foram contraídos contra o interesse lucrativo da sociedade, à luz do disposto no número 1 do artigo 74.º da LGT, o que a AT não fez baseando-se exclusivamente na desnecessidade de obter financiamento bancário por parte da B..., em face dos seus alegados meios financeiros, em lugar de demonstrar (se fosse o caso) a respetiva inaptidão, à partida, para estes gerarem rendimentos sujeitos a IRC;
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E, ainda que se admitisse a interpretação do artigo 23.º defendida pela AT, não existe norma ou orientação administrativa que permita o método de cálculo utilizado para determinar o montante de encargos financeiros não dedutíveis para efeitos fiscais que consistiu na aplicação, numa base mensal da taxa média de remuneração dos financiamentos obtidos e concedidos, propondo que sejam aceites como gastos dedutíveis apenas aqueles que correspondem ao limite da taxa média de remuneração dos financiamentos concedidos, assim violando o princípio constitucional da tributação sobre o rendimento real;
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A situação tem paralelo com a aplicação da Circular n.º 7/2004, de 30 de março, no âmbito do anterior artigo 32.º do EBF em que a AT recorreu a métodos de cálculo/afetação dos encargos financeiros que não estavam expressamente preconizados na legislação fiscal, o que foi condenado pela doutrina e jurisprudência;
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A AT deveria ter procurado aferir o fim/destino efetivo dos financiamentos bancários contraídos, pedindo a colaboração da B... para apresentação de elementos necessários ao esclarecimento da verdade;
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O pedido de pronúncia arbitral deve ser considerado provado, anulando-se a decisão de indeferimento do recurso hierárquico com o número de processo ...2020..., determinando a anulação da liquidação de IRC n.º 2019 ... e respetivas liquidações de juros compensatórios n.ºs 2019 ... e 2019 ... e demonstração de acerto de contas n.º 2019 ..., datadas de 8 de abril de 2019;
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Deve ainda ser decidido a favor da Requerente o pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, em virtude dos encargos incorridos na sequência da prestação de garantia bancária para suspensão do processo de execução fiscal instaurado, até ao respetivo cancelamento.
6. A Resposta
A Requerida suscita questões prévias e sustenta a legalidade do indeferimento da reclamação assim como da liquidação, dizendo em síntese (da nossa responsabilidade):
6.1. Questões prévias:
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Realça que a Requerente apenas contesta parte das correções promovidas pela Requerida, devendo o tribunal arbitral, sob pena de excesso de pronúncia, apreciar apenas a legalidade das correcções contestadas, ou seja, a correção efetuada na esfera individual da sociedade dominada B..., S.A., quanto a gastos com financiamento;
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Quanto à correcção, de € 7.719.726,36, referente a prejuízos dedutíveis, tem que se ter em conta que “está em causa saber, atento o alegado pela Recorrente, se o montante de prejuízos dedutíveis no ano em análise (2015) deve ser apurado tendo por referência o montante reportável que resultou da liquidação adicional de IRC emitida pelos serviços da AT com referência ao período precedente (2014), na decorrência de correções operadas ao lucro tributável declarado para esse período”.
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Defende que, não tendo a Requerente assacado qualquer vício à correção aqui em causa que não seja a sua prejudicialidade com as correções promovidas pelos SIT no exercício de 2014, o acto praticado nesse exercício e que se reflete no aqui em discussão, permanece válido e define até à sua eventual revogação e/ou anulação, com carácter de definitividade a situação tributária da Requerente, mormente quanto ao montante dos prejuízos fiscais a reportar para os períodos seguintes.
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E no caso de eventual revisão ou anulação do mencionado acto de liquidação adicional de IRC referente a 2014 ocorrer, a AT está legalmente obrigada à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade que venha porventura a ser reconhecida seja nesse exercício seja nos ulteriores no caso de prejuízos a reportar.
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Apesar de tudo, à cautela, requer a suspensão da instância até prolação de decisão transitada em julgado no processo arbitral que corre termos por referência ao período de 2014, sob o n.º 551/2021-T, onde se discute a legalidade da liquidação referente ao exercício de 2014.
6.2. Quanto à liquidação
Quanto à invocação da ilegalidade da liquidação, por se fundamentar em correções à matéria coletável quanto aos gastos de financiamento bancário obtido pela B... que, por sua vez, financiou a empresa mãe, a Requerida defende:
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A noção de gasto fiscal ínsita no artigo 23.º do CIRC exige a conformação dos gastos à obtenção ou garantia dos rendimentos sujeitos a IRC;
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A canalização de financiamentos para a atividade económica de outras sociedades, não obstante pertencentes ao mesmo grupo, que não foram repercutidos em juros recebidos destas por tais empréstimos concedidos, seja in totum, seja em parte, não poderá ser aceite como gasto nos termos do artigo 23.º do CIRC por não constituírem gasto da atividade da sociedade que empresta;
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Porque apesar da relação de grupo que possa existir entre as empresas de um grupo económico, sinergias geradas e ganhos que dai possam advir em termos económicos, cada uma das entidades é em termos fiscais uma entidade jurídico-tributária autónoma, de onde os gastos a aceitar, nos termos do disposto no artigo 23.º do CIRC, serão os incorridos no âmbito e para benefício da sua atividade própria e não na atividade de terceiros (ainda que em relação de grupo económico);
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Para que determinado custo suportado por uma sociedade possa ser aceite fiscalmente é necessário que o mesmo se subsuma ao escopo societário da mesma e que tenha subjacente a obtenção de ganhos na sua esfera individual; é necessário, portanto, que exista uma relação causal e justificada (como aliás reconhece a Requerente) entre a realização do gasto e a atividade desenvolvida pela empresa que o suporta em ordem à obtenção de ganhos individuais;
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Assim, considera que os encargos financeiros suportados pela B... mas dirigidos à sociedade-mãe não devem no diferencial entre juros pagos e juros recebidos ser aceites fiscalmente como custo por se afastarem do âmbito normativo do art. 23.º do CIRC;
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Atendendo ao CAE da empresa (49392- Outros transportes terrestres de passageiros diversos), a realização de empréstimos (e respetivos gastos dai decorrentes) às sociedades do Grupo façam parte da sua atividade de exploração, não podem considerar-se gastos ao abrigo do artigo 23.º do CIRC, n.º 2, alínea c), na redacção vigente à data dos factos;
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Quanto ao método utilizado pelos SIT para calcular o montante dos juros suportados e não aceites fiscalmente o método utilizado pelos SIT foi considerado adequado por se tratar de empréstimos de bens fungíveis (dinheiro), em que se verificava a existência de juros suportado e juros auferidos sobre montantes de empréstimos obtidos e concedidos (acumulados ao longo do tempo), que o cálculo, através dos respetivos saldos médios mensais, da parcela de juros pagos que excede a parcela de juros recebidos, não punha em causa o princípio da tributação pelo lucro real, porque permitia apurar a parcela de gastos financeiros suportados em beneficio alheio, sendo certo que a Requerente não apontou outro método julgado melhor ou elementos concretos que permitissem concluir da inadequação dos cálculos efetuados, pelo que o pedido improcede.
7. Na sequência da posição da requerida quanto a suspensão da instância até prolação de decisão transitada em julgado em outro processo arbitral, tudo nos termos dos artigos 269.º, n.º 1, alínea c) e 272.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º do RJAT, a Requerente foi notificada para se pronunciar sobre a questão, e veio a dar a sua concordância.
8. As duas Partes concordaram ainda com a dispensa da reunião do art. 18.º do RJAT.
9. Apreciando o pedido de suspensão de instância, o tribunal proferiu despacho em que considerou que, na eventualidade de a decisão do proc. 551/2021, cujo termo é incerto, vir a reconhecer alguma ilegalidade com influência na tributação referente aos exercícios subsequentes ao ano de 2014, sempre caberá à AT reformular os actos tributários cujo conteúdo derive da liquidação anterior, total ou parcialmente declarada ilegal. E não sendo a suspensão da instância neste processo um imperativo, deu-se seguimento ao processo, com prazo de 20 dias, sucessivo, para apresentação de alegações, que foram apresentadas pelas Partes com manutenção das respectivas posições iniciais.
10. Não suspensão da instância
Aproximando-se o prazo para decidir o presente processo, o tribunal confirmou não ser necessário esperar pela decisão do processo invocado como causa prejudicial, pelo que emite a presente sentença, referente a liquidação de IRC 2015, tendo em conta que se do processo referente ao exercício de 2014 vier a resultar decisão, transitada em julgado, que reconheça qualquer ilegalidade susceptível de produzir efeitos em exercícios posteriores, sempre decorrerá para a AT a obrigação de reformular em conformidade os actos tributários afectados pela mesma ilegalidade.
11. Delimitação do objecto do pedido
O pedido de pronúncia arbitral identifica três questões que considera terem influenciado o acto tributário cuja ilegalidade invoca: correcção de € 31.555,83 ao lucro tributável de uma das sociedades do grupo, a B...; correcção de € 453.545,64 ao lucro tributável da C..., outra das sociedades do grupo, e correcção de € 7.719.726,36 de prejuízos do grupo dedutíveis no período de tributação em causa.
Mas apenas a primeira questão é realmente objecto do Pedido.
Com efeito, quanto à correcção relativa à C..., a Requerente explicitou, nas alegações, que a aceitou ainda em sede inspetiva.
Quanto ao montante de prejuízos, e respectivo reporte, o seu tratamento fiscal depende, como ambas as Partes reconhecem, da decisão do processo arbitral nº 551/2021, interposto pela mesma Requerente, e referente à liquidação de IRC do grupo, no exercício de 2014.
O decidido naquele processo poderá ter efeito no exercício de 2015 mas essa é questão a verificar posteriormente, e a AT ficará obrigada a reformular os actos tributários referentes aos exercícios subsequentes ao ano de 2014, cujo conteúdo derive de liquidação anterior, total ou parcialmente declarada ilegal.
E o presente Tribunal não se encontra impedido de decidir a primeira questão, essa sim derivada de correcções ao resultado do Grupo no ano de 2015, vendo-se vantagem em não atrasar desnecessariamente processos arbitrais.
No caso de serem procedentes as razões invocadas quanto ao exercício de 2015, terá que se decidir também o pedido de condenação a pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, em virtude dos encargos incorridos na sequência da prestação de garantia bancária para suspensão do processo de execução fiscal instaurado, até ao respetivo cancelamento.
12. Saneamento
O tribunal arbitral colectivo é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não padece de qualquer nulidade.
II. Fundamentação
13. Matéria de facto
13.1. Factos provados
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A Requerente, A..., SGPS, prossegue a título principal, a atividade de gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas, nos termos do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro (Pedido de Pronúncia arbitral – PPA - art. 20º, Processo Administrativo, PA, RIT, p.8);
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A Requerente é tributada em IRC ao abrigo do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), sendo a sociedade dominante de um grupo de sociedades (no total 21 empresas) cujo perímetro incluía, no exercício de 2015, a C..., S.A. (“C...”) e a B..., S.A. (“B...”), assim como - entradas no grupo nesse exercício - a D... Unipessoal, Lda (“D...”) e a E...Unipessoal, Lda (“E...”) (cf. art PPA, 21º, e PA, RIT, pp 6, 7, 14, 22 e 23);
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Em 1 de Outubro de 2018, em cumprimento da Ordem de serviço OI 2018..., teve início uma acção inspectiva externa de âmbito parcial, em sede de IRC ao período de tributação de 2015, com o intuito de verificar, ao abrigo do disposto no artigo 70.º do Código do IRC, a determinação do lucro tributável do grupo de que a Requerente é empresa dominante (PPA, 22º, e RIT);
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Com base nas correcções realizadas no lucro tributável individual de duas das empresas do Grupo - a C... e a B...– objecto de anteriores inspecções - e de ajustamento dos prejuízos fiscais do grupo, a AT determinou como resultado fiscal em IRC 2015, o montante de € 485.101,47, (PPA, art. 23º e PA, RIT, p. 23);
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As correcções efectuadas resultaram, em concreto, de: não aceitação como perda na C... do montante de € 453.545,64, relativo ao projeto de Alta Velocidade celebrado com o Estado; não aceitação como gastos na B..., do montante de € 31.555,83, correspondente a custo com financiamento bancário; e correcção de € 7.719.726,38, no montante de prejuízo declarado pelo grupo em 2015, alterado de € 21.633.604,42 para € 13.913.878,06, como reflexo de correcções ao exercício de 2014 (PPA, art. 23º e PA, RIT pp. 22 e 23);
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Nesse exercício de 2014, os prejuízos declarados pelo grupo foram alterados de €18.660.159,38, para € 19.565.777,92, com dedução como prejuízos de € 5.552.553,66 e reporte para 2015 de € 13.913,124,263 (ppa, arts. 23º, 93º e ss, pp.22 e 23 do RIT);
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A esse montante reportado de 2014, foi acrescido o valor de € 753,80 de prejuízos das duas sociedades entradas em 2015 no perímetro do grupo – D...” e “E...” - o que soma o prejuízo de € 13.913.878,06, e levou a que o montante de € 21.633.604,42 anteriormente declarado pela Requerente fosse expurgado no exercício de 2015, de € 7.719.726,36, como visto na alínea e) (art. 97º PPA, e RIT, pp. 22 e 23);
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Quanto à correcção de € 31.555,83, relativa a gastos com financiamento declarados pela B... resultou de, na inspecção tributária realizada pela Direção de Finanças de Faro a essa sociedade (ordem de serviços OI2017.../...) se ter concluído que no período de tributação de 2015 essa sociedade suportou e contabilizou gastos de juros de financiamentos no montante de (…) € 64.864,58 (…) referentes a financiamentos obtidos junto de instituições bancárias cujos valores ascendiam a cerca de (…) € 1.372.539,03, e que “concedeu empréstimos à empresa-mãe (sua acionista)” que no final do período de tributação de 2015 ascendiam a cerca de € 3.411.399,10 (PPA, arts. 33º e 34º, e pp. 12 a 14 do RIT final da sociedade B..., in PA,, PRG, parte 1);
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No mesmo período de 2015, a B... reconheceu proveitos de juros com a concessão de financiamento aos sócios, com “inscrição na conta 791- juros obtidos do montante de € 78.368,26” (RIT citado, e Doc. 3, anexo a PPA);
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Considerando os montantes de financiamento recebido e concedido em 2015, foram calculadas as taxas de juros suportadas e feitas suportar, o que para o montante de empréstimos obtidos deu uma taxa média de 4,49% (gasto de € 64.864,58 para obtenção de € 1.445.715,27) e uma taxa de 2,30% para os empréstimos concedidos (rendimento de € 78.358,26 na disponibilização de € 3.401.020,20) (RIT e Doc 1 junto com PPA, informação DSIRC, pp. 10 e 11)[1];
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Isso levou à determinação como gastos não dedutíveis da importância de € 31.555,83, diferenças entre montante de € 64.864,58, correspondente aos gastos resultantes da taxa média nos financiamentos obtidos e € 33.308,75, correspondente à taxa média de remuneração dos financiamentos concedidos (Informação DSIRC, PA…); [2]
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No RIT final referente à B..., fundamentava-se: «Partindo do reconhecimento pela B... quer dos gastos quer dos proveitos obtidos com os financiamentos e concedidos, a IT elaborou um mapa com os saldos médios mensais dos financiamentos obtidos e os saldos médios mensais dos financiamentos concedidos com o objectivo de determinar a taxa média de remuneração dos financiamentos obtidos e a taxa média dos financiamentos concedidos o que permitiu constatar que a taxa média dos financiamentos obtidos é superior à taxa média dos financiamentos concedidos em ambos os exercícios» E concluiu-se que «nessas circunstâncias os gastos com juros suportados não poderiam ser aceites na totalidade como gastos dedutíveis, apenas sendo aceites como tal os correspondentes ao limite da taxa média de remuneração dos financiamentos concedidos» (RIT citado, p. 13);
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Pronunciando-se sobre o projecto de RIT na inspecção referente ao Grupo, a Requerente, no exercício do direito de audição – com entrada de 13/03/2019 na DF de Lisboa – disse «Sem prejuízo de não concordar, em concreto, com a correcção determinada ao nível individual da B..., SA, e que agora se encontra a impactar o resultado do grupo, a Exponente reserva-se no direito de contestar os argumentos dos SIT, subjacentes à mesma, noutra sede» (cf. RIT final de 25/3/2019, pp. 25 a 27, e anexo 4, cf PA, PRG, parte 2);
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O RIT final referente ao Grupo manteve as correcções propostas, sendo aprovado pelo Director de Finanças de Lisboa em 28/03/2019, e notificado através de comunicação datada de 01/04/2019 (cf. PA cit.);
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A liquidação de IRC n.º 2019 ..., de 4 de abril de 2019, e da correspondente demonstração de acerto de contas n.º 2019 ..., de 8 de abril de 2019, tudo no montante de € 41.824,49 (€ 37.611,14 de imposto em falta e € 4.213,35 de juros compensatórios foi notificada à Requerente para pagamento até 16 de Maio de 2019 (cf. docs. n.ºs 3 a 5, juntos com PPA);
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Dessa liquidação, a Requerente apresentou reclamação graciosa em 13 de Setembro de 2019, cujo indeferimento lhe foi comunicado por notificação datada de 6 de Dezembro de 2019 (cf. doc, nº 2, junto com PPA);
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Desse indeferimento foi interposto recurso hierárquico em 10 de Janeiro de 2020, indeferido por decisão datada de 24 de Maio de 2021 (cf. Doc. n.º 2);
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Em 6 de Setembro de 2021, a Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral.
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Em 3 de Julho de 2019 foi aceite uma garantia bancária no valor de € 53.176,13, apresentada pela Requerente com a finalidade de suspender o processo de execução fiscal nº ...019... instaurado no serviço de finanças de Odivelas para cobrança da dívida fiscal referente ao IRC 2015 (cf. doc. 8 e doc. 9, anexo 1 PA, PRG, parte 1).
12. Factos não provados
Não ficou provado que a Requerente tenha apresentado um método - e/ou respectivos elementos - de cálculo, alternativo ao método aplicado pela IT, quanto à diferença de gastos suportados com empréstimos e o rendimento obtido com os montantes emprestados a sócios, designadamente à sociedade-mãe.
13. Fundamentação dos factos provados e não provados
Na fixação da factualidade relevante foram tidos em conta todos os documentos constantes dos autos entregues pelas Partes, atendendo à relevância jurídica dos factos para julgamento da causa, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC),
14. Aplicação do direito
14.1. Questão prévia: da prejudicialidade
Em despacho de 1 de Fevereiro de 2022 analisou-se a questão da invocada prejudicialidade existente com um outro processo arbitral relativo ao IRC de 2014, cujo desfecho pode implicar alteração ao montante de prejuízos reportáveis para 2015.
Aí se manifestou concordância com o entendimento de Jorge Lopes de Sousa in CPPT, Anotado e Comentado, Áreas Editora, 2011, 6ª Edição, Vol. III, a págs. 216 e 217: «Em certas situações, a legalidade de um acto administrativo depende da legalidade de outro acto anteriormente praticado. Por exemplo, se a Administração Tributária corrigiu a matéria tributável de um determinado ano em que tinham sido declarados prejuízos para efeitos fiscais e esses prejuízos tinham sido deduzidos aos lucros tributáveis de quatro anos posteriores, ao abrigo do disposto no artº. 52, do C.I.R.C, a alteração da matéria tributável no sentido da eliminação de tais prejuízos tem como consequências a modificação da matéria tributável em todos os anos em que esses prejuízos foram deduzidos, impondo a elaboração das correspondentes liquidações adicionais de imposto em cada um destes anos. Em situações deste tipo, o contribuinte pode não ter outro fundamento para impugnar estas liquidações dos anos posteriores àqueles em que declarou terem-se verificado os prejuízos, que não seja a legalidade do acto de correcção da matéria tributável desse ano em que os prejuízos foram declarados. O contribuinte pode optar por impugnar cada uma das liquidações efectuadas como consequência da correcção dos prejuízos daquele primeiro ano, imputando-lhes como vício a ilegalidade de não serem considerados os prejuízos referidos, mas poderá também não o fazer, pois a eventual anulação do acto de correcção dos prejuízos no primeiro ano acarretará a nulidade de todos os actos de liquidação adicional que tenham sido baseados nessa correcção, pois são actos consequentes daquele acto que corrigiu a matéria tributável no primeiro ano. Será mesmo esta a solução que está em sintonia com o princípio da economia processual, pois, a eventual impugnação de cada um dos actos de liquidação sem qualquer outro fundamento que não seja a ilegalidade da correcção da matéria tributável efectuada naquele primeiro ano, implicará a suspensão da instância até que seja decidida a questão da legalidade da correcção da matéria tributável efectuada naquele primeiro ano e, decidida esta única questão, haverá apenas que aplicar o aí decidido em cada um dos hipotéticos processos de impugnação».
Por isso não se suspendeu logo a instância, posição que se reafirma agora em decisão final.
Como tido em conta no Acórdão do TCAS, de 28/11/2013 (proc. 07047/13), «A prejudicialidade exige, para além da conexão que possa verificar-se entre as duas causas, uma dependência jurídica de uma em relação à outra, de modo a que a solução dada à primeira comporte um alcance de julgamento susceptível de influenciar a solução da segunda (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 24/11/2010, rec.759/10; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 29/6/2011, rec.237/11; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P. Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.305 e seg.)» [3]
O que consideramos não ser o caso nos autos, em que a Requerente não imputou vícios à determinação do montante de prejuízos, invocando apenas efeitos resultantes da relação de prejudicialidade com a decisão a tomar em outro processo.
Mas, como já dito, ainda que a Requerente obtivesse vencimento, com trânsito em julgado, no caso referente a IRC 2014, a decisão a proferir no presente processo, para além de mera verificação da existência daquela outra decisão não poderia ter em conta o exacto efeito da mesma na liquidação referente a 2015.
A AT é que poderá ficar obrigada a reformular a liquidação tendo em conta uma eventual alteração de reporte de prejuízos.
Ou seja, a causa pendente de decisão, envolvendo a legalidade da correcção de prejuízos imputados ao exercício de 2014 da mesma Requerente, e que pode, em caso de procedência, ter reflexos na liquidação de IRC 2015, não constitui propriamente causa prejudicial face ao presente processo, não se vendo qualquer vantagem no adiamento da solução do litígio no que concerne a gastos com financiamento, respeitantes esses ao exercício de 2015, e que pode ser objecto de decisão imediata (cf. ponto 11).
E por isso, em despacho arbitral de 2 de Maio de 2022, decidiu-se proferir a sentença dentro do prazo previsto no art.º 21.º, n.º 1 do RJAT.
14.2. Sobre a legalidade das correcções - relevância fiscal dos gastos com financiamento
14.2.1. Os pontos de vista
Como decorre do acima sintetizado, o que cabe apreciar neste processo é a legalidade da correção realizada pelos serviços da Requerida, ao lucro tributável individual da B..., S.A. (“B...”), sociedade dominada pela Requerente, quanto a gastos com o financiamento bancário obtido na parte em que excedem o montante dos juros calculado com base na taxa de juro estipulados para os financiamentos concedidos à sociedade-mãe, visto que os primeiros são remunerados a uma taxa média quase dupla da imputável aos concedidos.
A Requerente defende que para aceitação como gastos da actividade não é exigível um nexo directo causal entre rendimentos obtidos e gastos suportados bastando que estes tenham sido realizados no interesse da sociedade, na prossecução das respetivas atividade.
No caso dos resultados da B..., objecto de correção, considera que os encargos com os financiamentos bancários obtidos terão sido suportados no interesse da própria sociedade na medida em que canalizou meios financeiros para a sua sociedade-mãe mas numa ótica de execução da política comum de gestão financeira do Grupo, sendo que da “saúde” financeira da sociedade-mãe resulta mais valor para as sociedades participadas, do grupo (cf. artigo 76º ppa).
A prova de que os encargos foram contra o interesse lucrativo da sociedade, caberia à AT (art. 74.º, nº 1, da LGT), e, em qualquer caso, esta não poderia ter determinado arbitrariamente o montante de encargos financeiros não dedutíveis para efeitos fiscais aplicando o método de cálculo baseado na taxa média de remuneração dos financiamentos obtidos e concedidos, e aceitando como gastos dedutíveis apenas os correspondentes ao limite da taxa média de remuneração dos financiamentos concedidos.
O método aplicado pela AT viola o princípio da tributação do rendimento real, assemelhando-se à aplicação da Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, no âmbito do anterior artigo 32.º do EBF, que conduziu à utilização de métodos de cálculo/afetação de encargos financeiros não expressamente preconizados na legislação fiscal que foram condenados pela doutrina e jurisprudência. A AT deveria ter procurado antes aferir o fim/destino efetivo dos financiamentos bancários contraídos, pedindo, se necessário, a colaboração da B... para apresentação de elementos necessários ao esclarecimento da verdade.
Com visão antagónica, a Requerida considera que ainda que pertencendo a um grupo de sociedades, tributado em RETGS, cada uma das sociedades constitui uma entidade jurídica autónoma, apenas podendo ser considerados gastos de cada uma das entidades, para efeitos do art. 23.º do CIRC, os suportados em benefício da respectiva actividade própria.
Por isso, considera que os encargos suportados com empréstimos obtidos por uma sociedade participada pela Requerente, quando, em simultâneo, efectua financiamentos à sua sociedade-mãe, remunerados com uma taxa de juro inferior à que a mesma sociedade participada suporta, não podem ser aceites na sua totalidade como gastos dessa participada, para efeitos fiscais.
Quanto ao método aplicado na determinação do montante fiscalmente dedutível pela sociedade participada, a Requerida alega mostrar-se o adequado para apurar a parcela de gastos financeiros suportados em benefício alheio, não tendo a Requerente apontado outro método melhor ou elementos concretos que permitissem concluir da inadequação dos cálculos efetuados.
14.2.2. O artigo 23.º do CIRC e os gastos com financiamento
Está em causa a aplicação ao caso concreto do disposto no artigo 23.º do Código do IRC (gastos e perdas), cujo nº 1 dispõe: «Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC».
Em tais gastos e perdas, o nº 2 do artigo 23.º do CIRC inclui, na alínea c), os «de natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração…».
Como é sabido, a anterior redacção do referido artigo 23.º - «Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente (…)» - foi alvo de interpretações divergentes, acabando por se firmar na doutrina e jurisprudência dominantes o afastamento de uma «visão finalística da indispensabilidade (enquanto requisito para que os custos sejam aceites como custos fiscais), segundo a qual se exigiria uma relação de causa efeito, do tipo conditio sine qua non, entre custos e proveitos, de modo que apenas possam ser considerados dedutíveis os custos em relação aos quais seja possível estabelecer uma conexão objectiva com os proveitos» (cf. Acórdão do STA de 28/06/2017, proc. 0627/16, e doutrina aí referida).
A actual redacção, após a Reforma do IRC em 2014, ao eliminar o termo “indispensabilidade” terá pretendido clarificar que «a AT não pode sindicar a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa, sob pena de se intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade» (cf. STA, proc. 0627/16, nº 1 do sumário).
Mas o actual artigo 23.º do CIRC condiciona a relevância fiscal de gastos e perdas à verificação de que os mesmos sejam incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.
Sobre a interpretação da norma nesta redacção, remetemos para a descrição contida na decisão arbitral CAAD, de 27/11/2020, no proc. 729/2019-T, que se afigura certeira:
«Da análise ao normativo fiscal anteriormente mencionado, resulta que são necessários três requisitos essenciais para que os encargos financeiros suportados sejam valorados e aceites fiscalmente como gasto: a comprovação documental, o caráter de indispensabilidade e o da ligação aos rendimentos sujeitos a imposto. O primeiro requisito reporta à efetividade da realização dos gastos o qual consiste em várias formas de apoio escritural aos lançamentos contabilísticos, ou seja, a sua prova documental. O segundo faz depender a dedutibilidade fiscal do gasto e uma relação justificada com a actividade produtiva do sujeito passivo e esta indispensabilidade ocorre quando esses gastos se relacionem com a obtenção de lucro. Quanto ao terceiro requisito, que compõe a cláusula geral de dedutibilidade em matéria de gastos, na formulação legal introduzida pelo Código do IRC, é o da exigência de ligação aos rendimentos sujeitos a imposto, de forma a obter ou garantir os mesmos. Os gastos têm de estar relacionados com a actividade da empresa e têm de contribuir para a obtenção de ganhos.
Ou seja, nos termos do n.º 1 daquele normativo, são dedutíveis os gastos e perdas que foram contraídos no âmbito da actividade da empresa, isto e, todos aqueles que potenciem o bom desenvolvimento da empresa e claro, o seu objetivo último, o lucro Efetivamente, o gasto tem que garantir rendimentos sujeitos a IRC, o que revela um reforço da congruência económica entre o gasto suportado no âmbito da actividade da empresa e o rendimento conexo, com vista a potenciar o seu desenvolvimento e a assegurar os rendimentos sujeitos a IRC. Com efeito e conforme se viu, o gasto tem de estar devidamente comprovado e tem de se encontrar adstrito à obtenção de rendimentos sujeitos a IRC, ou garantir, de forma clara, a obtenção desses mesmos rendimentos, em conjugação com as obrigações contabilísticas formais do artigo 123.º do CIRC, por forma a assegurar a legitimidade e consistência dos gastos da actividade empresarial e a sua congruência com a actividade da empresa, com o seu escopo social e, com o seu fim último que é o lucro.
Acerca desta matéria, os Acórdãos de 2007/02/07 - processo 1046/05 e de 2009/05/20, processo n.º 1077/08) do Supremo Tribunal Administrativo (STA) apontam no sentido da não dedutibilidade dos encargos financeiros, por se considerar que, nos termos do artigo 23.º do CIRC apenas são dedutíveis os gastos que respeitem a actividade desenvolvida pelo sujeito passivo, sustentando o tribunal que, mesmo quando exista uma relação de dependência ou domínio entre empresas, cada uma delas possui personalidade e capacidade tributárias distintas, sendo que os respetivos gastos “têm de respeitar desde logo a própria sociedade contribuinte, isto é, para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a actividade respetiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades.»
14.2.3. O caso sub judice
Como visto, no presente pedido de pronúncia arbitral, está em causa a dedutibilidade parcial de gastos com financiamento bancário obtido pela B... na parte correspondente ao diferencial entre as taxas de juro fixadas pelas instituições financeiras à sociedade e as taxas de juro estabelecidas para os financiamentos à sociedade mãe do grupo.
Os argumentos da Requerente (art. 75.º do PPA) de que, sendo a B... parte do grupo por si dominado, a canalização de meios financeiros para a sua sociedade-mãe traduz uma política comum de gestão financeira do Grupo, porque «quanto melhor for a saúde financeira da sociedade-mãe, melhor será a sua capacidade de aportar valor às sociedades em cujo capital participa, nomeadamente, quando necessário, no sentido de prosseguir novas oportunidades de investimento e no desenvolvimento das suas operações», pelo que os encargos financeiros devem ser deduzidos como gasto do “todo” não tem em conta a individualidade nem o objecto próprio de cada uma das empresas subsidiárias face à sociedade- mãe (ou entre si).
A A... SGPS é a sociedade-mãe de vinte outras sociedades, dedicando-se à gestão de participações, exercendo o controlo de gestão das suas subsidiárias. Usufrui pois dos resultados destas, mas o inverso não é verdadeiro.
Carece de demonstração concreta e casuística em que medida uma subsidiária retira proveito do financiamento dirigido para a sociedade mãe, o que não foi conseguido, nem sequer tentado.
Qual o interesse invocável para uma sociedade participada se endividar, e ao mesmo tempo conceder financiamento à sociedade-mãe, estipulando uma compensação calculada a uma taxa de juro inferior àquela que serve de base ao cálculo de juros que suporta?
Neste caso, embora a disponibilização de meios financeiros não tenha sido gratuita – situação que tem levado, noutros casos, à desconsideração total de gastos – verifica-se igualmente um benefício concedido à sociedade-mãe, implicando um agravamento dos gastos suportados pela participada.
Ou seja, estamos perante uma situação em que uma das sociedades participadas, a B..., é onerada com gastos excessivos com financiamentos obtidos, recursos que não afectou à sua própria actividade mas à da sociedade-mãe, não se tratando de qualquer juízo de valor sobre se eles foram adequadamente afectos a uma actividade lucrativa, nem de a AT se imiscuir sobre a aptidão dos mesmos para gerar rendimentos em IRC.
A questão é que, ao contrário do que defende a requerente, não é indiferente para a aplicação do artigo 23.º do CIRC, que os financiamentos em causa tenham sido afectos à actividade da sociedade-mãe ou da sua subsidiária.
O diferencial entre as taxas de juro suportadas pela B... nos empréstimos contraídos e as taxas de juro cobradas pelos financiamentos concedidos, redunda num apoio financeiro prestado à sociedade-mãe que se traduz em excessos de gastos – quantificados no quadro da página 14 do RIT – cuja dedutibilidade não encontra respaldo no artigo 23.º, n.º 1, porquanto, dada a ausência de qualquer relação com a actividade daquela sociedade, permite concluir que não são incorridos para “obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”.
Por outro lado, conforme se argumenta no RIT “...se a empresa obtivesse o reembolso dos empréstimos concedidos não teria necessidade de obter financiamentos e consequentemente não teria de suportar gastos com juros“, pelo que à luz do disposto no artigo 23.º, n.º 2, alínea c), pode significar que tais gastos não cumprem a exigência expressa neste normativo que é a de respeitarem a “capitais alheios aplicados na exploração” e como tal não estão – na sua totalidade – conexos com a actividade empresarial geradora dos rendimentos sujeitos a IRC.
Como a jurisprudência tem realçado “essa ligação tem de ser feita com a atividade específica do sujeito passivo e não com outra atividade qualquer, designadamente dos seus sócios ou de terceiros”. [4]
Ora, o interesse social que está implícito no concreto apoio financeiro prestado pela B... à sociedade-mãe é de forma manifesta e ostensiva o interesse próprio e autónomo desta sociedade, sendo descabido invocar, neste contexto, o interesse do Grupo a que ambas pertencem, na medida em que se insere nos limites da actividade empresarial prosseguida por uma sociedade dominada, considerada como sujeito passivo autónomo de IRC dotado de personalidade jurídico tributária própria.
Adaptando considerações desenvolvidas em outros processos arbitrais (cf. decisão arbitral proferida no proc. 181/2018-T): «O interesse social que está implícito na disponibilização (…) dos meios financeiros em questão é de forma manifesta o da sociedade-mãe. Ainda que eventualmente se invocasse o interesse, difuso, do Grupo económico em que se insere a Requerente, não se afigura que tal fosse passível de ser encarado como atividade da própria Requerente, porquanto essa é uma responsabilidade da sociedade dominante, no âmbito da gestão dos seus ativos financeiros, e não da Requerente, a qual configura um sujeito passivo autónomo de IRC dotado de personalidade jurídico-tributária própria».
E ainda: «(…) a influência dominante há de conduzir a que a participante influa, atue, decisivamente na gestão da participada, levando em conta, como se julga evidente, o interesse da investidora. Estranho seria se assim não fosse. As operações ou decisões da participante relativamente à participada inscrevem-se no interesse daquela. Essas operações, relativas à prossecução dos fins relativos a ativos corporizados em investimentos financeiros, englobam a respetiva aquisição, o financiamento, a venda, a manutenção do ativo, entre outras.” – cf. Decisão Arbitral n.º 695/2015 Como manifestação de influência significativa, o ponto 20, alínea b) da NCRF 13 refere a participação em processos de decisão de políticas, incluindo a participação em decisões sobre dividendos e outras distribuições. Se a detenção de influência significativa implica, pelo menos, a participação da sociedade investidora na definição das políticas da participada, “então financiamento da participada pela investidora será do seu interesse ou propósito económico-legal, inserindo-se no âmbito das operações normais de gestão da participante.» (cf., ainda, proc 181/2018-T).
E, como se recordou na decisão de 24 de Julho de 2020, no processo arbitral n~407-2019-T: «Na apreciação dos factos e circunstâncias relevantes sobre a indispensabilidade dos gastos, o critério fulcral a ter em atenção respeita ao interesse da própria empresa que o suporta e não as motivações e operações destinadas à satisfação de interesses alheios. Como se escreve no acórdão do TCA Sul de 02/02/2010, processo no 03669/09 é «no conceito de indispensabilidade ínsito no artigo 23.° do CIRC que radica a questão essencial de consideração fiscal dos custos empresariais e que assenta a distinção fundamental entre o custo efectivamente incorrido no interesse coletivo de empresa e o que pode resultar apenas no interesse individual do sócio, de um grupo de sócios, de terceiros ou do seu conjunto e que não pode, por isso, ser considerado custo” Dal que em sede de apreciação de dedutibilidade fiscal dos custos assumidos por uma sociedade em relação de grupo, de acordo com uma "lógica de grupo" não pode ser atendida para a justificação de indispensabilidade de um gasto, o qual conforme já comprovado, nem direta ou indirectamente, contribuiu para a obtenção de lucros para o sujeito passivo».
No caso sub judice, não se trata de um empréstimo gratuito mas, ainda assim, não se justifica (do ponto de vista de gastos fiscalmente relevantes) que a cessão da disponibilização de meios financeiros à sociedade-mãe, pela B..., seja remunerada de forma inferior à que esta, sociedade dominada, regista com os encargos suportados com os financiamentos bancários por si obtidos.
14.2.4. Método aplicado no cálculo de montante recusado como gasto fiscal
A Requerente considera que, em qualquer caso, sempre seria inaceitável o método encontrado para determinar o gasto não fiscalmente dedutível – porque o método utilizado pela Inspecção Tributária não está expressamente previsto na lei, e “não tem em consideração a efectiva finalidade dos empréstimos obtidos versus concedidos”, do destino dos fundos.
Defende que a AT deveria ter pedido a colaboração da B... na identificação da aplicação e não aplicar critérios que considera discricionários, a exemplo do que aconteceu com a aplicação da Circular n.º 7/2004, de 30 de março, no âmbito do anterior artigo 32.º do EBF, e que foi condenado pela doutrina e jurisprudência.
Nas alegações (cf. nº 86º) diz agora que “o método passaria por uma afectação real dos financiamentos bancários contraídos e os financiamentos concedidos” .
Observa-se que não foi essa a argumentação que tem sido repetida desde a reclamação graciosa.
O que desde essa primeira peça (no exercício de audição sobre os relatórios de inspecção, quer à B... quer à sociedade-mãe, esta matéria não foi objecto de resposta, deixando-se para uma futura defesa noutra sede) é, fundamentalmente, que:
- O art. 23.º do CIRC não confere aos SIT poder discricionário de decidir os limites de razoabilidade dos valores dos gastos suportados pelos sujeitos passivos, ou quanto ao mérito dos meios financeiros e modo de financiamento (cf. art. 50º da reclamação graciosa);
- No caso deste grupo existe uma linha de financiamento e bancário com limites por sociedade e quando uma sociedade carece de financiamento é política comum de gestão do grupo que a sociedade do grupo com meios financeiros excedentários os canalize para a sociedade carenciada (arts. 53.º a 55º da RG);
- Os encargos financeiros suportados pela B... são fiscalmente dedutíveis na sua totalidade porque foram contraídos no contexto de uma actividade lucrativa no seu todo (cf. art. 60.º RG).
Sobre esta questão, vimos que ficou comprovado que a sociedade subsidiária suportou encargos com financiamentos obtidos, disponibilizando à sociedade-mãe um montante bastante superior, a quem cobrou um juro de taxa média inferior ao que suporta nos empréstimos bancários, portanto com prejuízo para os resultados obtidos na sua própria actividade.
A AT aplicou um raciocínio baseado na taxa média dos juros suportados e dos rendimentos obtidos com financiamentos, cuja lógica parece aceitável.
A Requerente contesta o método, invocando a condenação de semelhante prática discricionária constante da Circular n.º 7/2004.
Diga-se que o paralelismo estabelecido com a temática abordada na referida Circular, sobre a aplicação da norma do artigo 32.º do EBF referente à exclusão dos encargos financeiros suportados por sociedades gestoras de participações sociais, parece descabido.
Mas a Requerente parece fazê-lo, com vista a defender a aplicação ao presente caso de um critério de afectação real. Contudo, apesar dessa aparente exigência, não apresenta quaisquer evidências de estar em condições de utilizar tal método.
Desconhece-se o que terá sido dialogado com os funcionários da Requerida durante as inspecções à B... e à A... SGPS mas os respectivos Relatórios finais de Inspecção (RIT) não reflectem minimamente a existência de quaisquer propostas alternativas sugeridas durante a inspecção, ou em contestação à mesma, nem a oferta da mais ampla disponibilidade para apresentação de todos os meios necessários para aplicação de metodologia alternativa à aplicada pela IT (supõe-se que significaria a demonstração de todos os justificativos de disponibilização em concreto de recursos financeiros, quer quanto ao valor quer quanto ao momentos).
Ora teria sido expectável que a apresentação de método(s) de cálculo alternativos tivessem sido invocados desde o primeiro momento de possibilidade de contestação do resultado da inspecção, e que foi a audição prévia aquando do projecto de RIT à B... .
O que não há evidência de ter acontecido.
Apenas se mostra-se ter havido, por parte da Requerente, uma constante repetição de argumentos no sentido de que os encargos da dominada deveriam ser totalmente tidos como gastos fiscalmente relevantes porque suportados na obtenção dos rendimentos do grupo.
Mas, sobre essa argumentação, o tribunal tomou posição já no ponto anterior.
Sobre o método utilizado no cálculo do montante de gasto desconsiderado, não se configura como um método indirecto ou presuntivo.
Trata-se de verificar que as importâncias que se obteve por empréstimo têm um custo (apurando uma taxa média) e que as importâncias mutuadas produzem um rendimento (apurado pela taxa média) e que a diferença representa um custo favorável a entidade terceira (apesar de sua sociedade- mãe) e não a si própria.
E, também aqui, verificamos um paralelismo com o caso já acima citado, julgado no proc. n.º 181/2018-T do CAAD, embora tendo em conta que, nesse outro caso, se tratava de empréstimos de uma sociedade participada à sociedade-mãe sem qualquer remuneração.
Nesse caso, para determinar o valor dos gastos - desconsiderando na sua totalidade os empréstimos cedidos gratuitamente - a AT tinha utilizado um método de afectação proporcional: valor dos empréstimos contraídos versus valor dos concedidos.
A recorrente considerava o método discricionário porque, sempre se imporia à AT a aplicação do método de afetação directa ou específica.
Nesse caso (proc. nº 181/2018-T), o tribunal arbitral considerou:
«Diga-se, em complemento, que um método de afetação direta ou “real”, como o denomina a Requerente, não é de todo incompatível com a utilização de proporções. Aliás, frequentes vezes, se não a maioria, a afetação real no caso de gastos ou recursos de utilização mista depende exclusivamente da aplicação de critérios ou chaves de repartição proporcionais, exigindo-se tão-só que os mesmos sejam objetivos e adequados ao respetivo propósito. Um exemplo disto mesmo é o que consta do artigo 23.º, n.º 2 do Código do IVA que permite a “dedução segundo a afetação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito”. Assim, para o legislador e para este Tribunal a utilização de proporções pode ser uma forma (por vezes a única) de alcançar uma afetação direta ou real. Da mesma forma, a utilização do método proporcional para apuramento de encargos financeiros não dedutíveis é também acolhida a nível internacional, como constituem exemplo ilustrativo as recomendações da OCDE para o apuramento do lucro de estabelecimentos estáveis».
E, ainda citando excertos, aqui igualmente reproduzidos, do Acórdão do TCA Norte, n.º 01475/15.9BEPRT, caso onde se veio a decidir que a AT havia utilizado um critério técnico e objectivo para apurar a parte dos gastos fiscalmente não aceite, sendo as correcções efectuadas meramente técnicas / aritméticas:
«É manifesto que a mesma [AT] utilizou os dados constantes da contabilidade da ora Recorrente, ponderando o peso do capital emprestado a terceiros no capital emprestado pelos Bancos à Impugnante […] procedendo depois à aplicação dessa percentagem ao montante dos gastos financeiros suportados.
Com efeito, a AT parte da análise da contabilidade do próprio contribuinte, o que significa que as correções feitas não podem deixar de se considerar correções técnicas e não correções por via da aplicação de métodos indiretos, pois que, face aos elementos de facto e contabilísticos recolhidos pela AT, a mesma não estava impedida de, de forma direta, proceder às correções que levou a efeito, sendo que tais correções não se basearam em presunções ou indícios, não se partiu de uma realidade desconhecida para se chegar a um concreto valor de imposto a pagar, antes se procedeu a correções face aos elementos contabilísticos e documentais recolhidos na contabilidade da Recorrente».
Nesse caso, a AT adoptou um critério que consistiu em apurar, em termos relativos, qual o peso do capital emprestado a terceiros no capital emprestado pelos Bancos à Impugnante (…) e a sociedade impugnante contrapunha que “o inspector tributário não calculou…a taxa de custo médio diário do endividamento bancário…” e que “…os custos financeiros suportados…decorrem de vários financiamentos bancários contraídos, cujas condições (juros) foram diferentes, consoante os prazos e a respectiva entidade bancária financiadora”.
O TCAN considerou ainda que à impugnante cabia, então, «exibir tais elementos e apresentar, em concreto, uma forma de apuramento alternativa, o que não fez, nem em sede do procedimento inspectivo nem agora em juízo».
E, face à situação concreta, considerando ainda que «a AT não imputa qualquer erro, anomalia ou irregularidade à contabilidade da sociedade, o que bem se compreende, porque a questão não se coloca a esse nível (uma vez que o valor dos encargos financeiros encontra-se devidamente registado na contabilidade, pois, são, de facto, encargos para efeitos contabilísticos), mas sim ao nível do seu tratamento fiscal, matéria em que a Recorrente deveria ter evidenciado os factos que suportam, nomeadamente, a hipótese acima descrita, por forma a desmontar o critério utilizado pela AT, questionando o acto em crise por erro nos pressupostos de facto», decidiu-se que o critério de apuramento utilizado pela A.T. não merecia censura.
Também no caso dos autos, tendo em conta toda a factualidade, e a respectiva análise jurídica, o tribunal considera que não houve um comportamento censurável na determinação do resultado tributável: perante empréstimos (os obtidos pela sociedade participada e os por esta concedidos à sociedade-mãe), cujos valores sofrem oscilações ao longo do ano, que podem ser remunerados com diferentes taxas de juro, o cálculo das taxas médias, obtidas por divisão dos encargos (ou rendimentos) efectivos, evidenciados pela contabilidade, pelo valor médio dos empréstimos ao longo do ano, torna-se um indicador mais relevante e fiável, para efeitos de análise contabilística, fiscal e da gestão financeira.
A Requerida aplicou um critério lógico, baseado nos elementos da contabilidade, não existindo qualquer prova de que a Requerente tenha apresentado outro critério alternativo.
Assim, o Tribunal arbitral conclui que a fixação da matéria tributável e consequente liquidação de IRC referente ao exercício de 2015, não sofrem da ilegalidade apontada pela Requerente, considerando-se o Pedido improcedente.
E, improcedendo o Pedido de declaração de ilegalidade do acto de liquidação, improcede igualmente, sem necessidade de analisar o preenchimento de pressupostos previstos no artigo 53º da LGT, o Pedido de indemnização por prestação de garantia indevida.
III. Decisão
15. Quanto ao Pedido
Com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide:
-
Julgar improcedente o Pedido de anulação do indeferimento de recurso hierárquico que confirmou o indeferimento da reclamação graciosa sobre a legalidade da liquidação do IRC relativa ao ano de 2015 com o n.º 2019..., juros compensatórios e demonstração de acerto de contas, tudo no montante de 41.824,49 € (quarenta e um mil oitocentos e vinte e quatro euros e quarenta e nove cêntimos);
-
Confirmar a legalidade da liquidação e respectivo acerto de contas;
-
Julgar improcedente o pedido de indemnização por prestação de garantia indevida;
-
Absolver a AT de todos os Pedidos, condenando a Requerente em custas.
16. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º e 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 41.824,49 (quarenta e um mil oitocentos e vinte e quatro euros e quarenta e nove cêntimos), correspondente ao valor da liquidação de IRC e juros compensatórios que se pretendiam anular indicado pela Requerente e não contraditado pela Requerida.
17. Custas
De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 12.º e no n.º 4 do artigo 22.º do RJAT e do n.º 4 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 2.142,00 (dois mil cento e quarenta e dois euros), nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento, a suportar integralmente pela Requerente.
Notifique-se.
Lisboa, 9 de Maio de 2022.
A Árbitro
(Manuela Roseiro)
(A presente decisão foi redigida de acordo com as regras ortográficas em vigor até ao mais recente AO).
[1] Comparando quadros (ibidem):
[3] E até num caso de impugnação autónoma de fixação de matéria colectável (acto destacável) e actos de liquidação que a tenham por base, observou Jorge Lopes de Sousa «(…) não há obstáculo a que a impugnação da liquidação seja apreciada, relativamente aos vícios próprios desse acto, antes da apreciação do acto destacável. Os direitos dos contribuintes, nestes casos, não serão prejudicados, pois se vier a ser anulado posteriormente o acto de fixação da matéria colectável em que se baseou o acto de liquidação, este último cairá, por estar afectado de nulidade superveniente, como decorre da alínea i) do n.º 2 do art. 133.º do CPA, não havendo qualquer obstáculo a tal nulidade derivada do caso julgado que se possa formar sobre a legalidade do acto de liquidação, pois este restringe-se aos vícios que são objecto de apreciação jurisdicional (arts. 498.º, n.º 4, parte final, 671.º, nº 1, e 673.º do CPC)» cf. CPPT anotado, vol. II, pp 306 e 307.
[4] E, como escreveu RUI DUARTE MORAIS, em Apontamentos ao IRC, Almedina 2007, pp. 87 e seguintes que “se o encargo foi determinado por outras motivações (interesse pessoal dos sócios, administradores, credores, outras sociedades do grupo, parceiros comerciais, etc.), então tal custo não deve ser havido por indispensável”.