DECISÃO ARBITRAL
O árbitro, Susana Mercês, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o presente Tribunal Arbitral Singular, constituído a 27 de Dezembro de 2021, decide o seguinte:
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RELATÓRIO
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A... LDA, contribuinte fiscal n.º..., com sede na Rua..., n.º..., ..., ...-... ... (doravante, Requerente), veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante, abreviadamente designado RJAT) tendo em vista a anulação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa por si apresentado e a anulação parcial das seguintes liquidações de IMI, que perfazem o montante global de €53.311,85:
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Ano de Imposto 2016:
Liquidações de IMI n.ºs 2016..., 2016..., 2016..., de 02.03.2017;
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Ano de Imposto 2017:
Liquidações de IMI n.ºs 2017..., 2017..., 2017..., de 07.03.2018;
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Ano de Imposto 2018:
Liquidações de IMI n.ºs 2018..., 2018..., 2018..., de 23.03.2019;
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Ano de Imposto de 2019:
Liquidações de IMI n.ºs 2019...; 2019..., 2019..., de 08.04.2020;
A Requerente peticiona, também, o reembolso do imposto que considera indevidamente pago €14.734,48 acrescido de juros indemnizatórios e, requereu, ainda, a título subsidiário, que:
“Seja desaplicado, no caso concreto, a norma pretensamente se extraída do artigo 45.º do Código do IMI, na redação vigente à data da verificação do facto tributário, no sentido de que os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º do mesmo compêndio legal deveriam ter aplicação na determinação do VPT de terrenos para construção, por manifesta inconstitucionalidade, por violação da legalidade tributária, no sentido de reserva de lei formal, ínsito na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e n.º 2 do artigo 103.º, ambos da CRP e, consequentemente seja declarada a ilegalidade dos atos tribuários de liquidação de IMI sub judice, porque assentes em normas inconstitucionais, sendo os mesmo prontamente anulados, com todas as consequências legais.”
A Requerente juntou 9 (nove) documentos, não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas.
É Requerida a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira – (doravante Requerida ou AT).
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O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT em 18.10.2021.
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A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 6.º e da alínea a), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a signatária como árbitro do Tribunal Arbitral Singular, a qual comunicou a aceitação do cargo no prazo aplicável.
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Em 07.12.2021, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico do CAAD.
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Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 27.12.2021.
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No dia 27.01.2022, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual arguiu a exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral como consequência da inimpugnabilidade do ato de liquidação com base em vícios de fixação do valor patrimonial tributário, bem como a exceção dilatória inominada – ilegalidade do pedido – por violação do princípio constitucional de separação de poderes, defendendo-se, ainda por impugnação.
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Pugnou a Requerida pela procedência das ditas exceções ou, caso assim não se entendesse, pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral, por não provado.
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A Requerida juntou cópia das decisões arbitrais n.ºs 40/2021-T e 510/2021-T, não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas.
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Por despacho de 02.02.2022, foi decido, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2, do RJAT), dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, tendo sido dado o prazo de 30 (trinta) dias, para, as partes, querendo, apresentarem alegações e, fixou-se o dia 13 de Maio de 2022 como data limite para a prolação da decisão arbitral.
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A Requerente apresentou alegações, em 11.02.2022, tendo-se pronunciado quanto às exceções suscitadas pela Requerida e dando por reproduzido o já alegado na petição inicial.
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Por despacho de 22.03.2022, foram as Partes notificadas para, no prazo de 10 (dez) dias, juntarem aos autos a cópia do despacho de 01.06.2021, exarado pela Chefe de Finanças, com os fundamentos de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, apresentado pela Requerente, em 27.04.2021.
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Em 24.03.2022, a Requerente juntou aos autos o despacho peticionado pelo Tribunal Arbitral.
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SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
III. FUNDAMENTAÇÃO
III.1 MATÉRIA DE FACTO
1.1 FACTOS PROVADOS
Consideram-se provados os seguintes factos:
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Em 31.12.2016, em 31.12.2017, em 31.12.2018 e, em 31.12.2019, a Requerente era proprietária dos terrenos para construção inscritos na matriz predial urbana:
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da freguesia de ... sob os artigos U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-... e U-... (ora em diante abreviadamente designados por “Terrenos para Construção” – Cf. Documentos n.ºs 3, 4, 5, 6 e 7 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
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A Requerente foi notificada das Liquidações de IMI n.ºs:
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2016 ..., 2016 ..., 2016 ..., de 02.03.2017, relativas ao ano de imposto de 2016, no valor global de €14.595,09 (Documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá por reproduzido);
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2017 ..., 2017 ..., 2017 ..., de 07.03.2018, relativas ao ano de imposto de 2017, no valor global de €13.666,51 (Documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá por reproduzido);
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2018 ..., 2018 ..., 2018 ..., de 23.03.2019, relativas ao ano de imposto de 2018, no valor global de €12.561,72 (Documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá por reproduzido);
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2019 ..., 2019 ..., 2019 ..., de 08.04.2020, relativas ao ano de imposto de 2019, no valor global de €12.488,52 (Documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá por reproduzido).
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O valor de IMI liquidado em 2017, por referência ao ano de imposto de 2016, respeita, em €12.688,36, a terrenos para construção e resulta da aplicação da taxa de IMI em vigor no ano de 2016 (0,33% aplicável por referência ao terreno de construção localizado na freguesia de Porto Salvo), sobre os valores patrimoniais tributários (“VPTs”), fixados pela AT, para os referidos prédios, por referência a 31.12.2016.
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O valor de IMI liquidado em 2018, por referência ao ano de imposto de 2017, respeita, em €12.303,87, a terrenos para construção e resulta da aplicação da taxa de IMI em vigor no ano de 2017 (0,32% aplicável por referência ao terreno de construção localizado na freguesia de Porto Salvo), sobre os valores patrimoniais tributários (“VPTs”), fixados pela AT, para os referidos prédios, por referência a 31.12.2017.
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O valor de IMI liquidado em 2019, por referência ao ano de imposto de 2018, respeita, em €12.303,87, a terrenos para construção e resulta da aplicação da taxa de IMI em vigor no ano de 2018 (0,32% aplicável por referência ao terreno de construção localizado na freguesia de ...), sobre os valores patrimoniais tributários (“VPTs”), fixados pela AT, para os referidos prédios, por referência a 31.12.2018.
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O valor de IMI liquidado em 2020, por referência ao ano de imposto de 2019, respeita, em €12.303,87, a terrenos para construção e resulta da aplicação da taxa de IMI em vigor no ano de 2019 (0,32% aplicável por referência ao terreno de construção localizado na freguesia de ...), sobre os valores patrimoniais tributários (“VPTs”), fixados pela AT, para os referidos prédios, por referência a 31.12.2019.
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Na avaliação dos aludidos terrenos para construção, a Autoridade Tributária e Aduaneira aplicou um coeficiente de afetação de 1,10, um coeficiente de localização de 1,29 e, ainda, um coeficiente de qualidade e conforto de 1,000 (Cf. cópia das cadernetas prediais urbanas que constam do documento n.º 7 com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
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Em 2020, a Requerida procedeu à reavaliação dos aludidos terrenos para construção, na qual não aplicou os ditos coeficientes, o que originou valores patrimoniais tributários mais reduzidos (Cf. Documentos n.ºs 8 e 9 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
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A Requerente procedeu ao pagamento integral das mencionadas liquidações (Cf. Documentos n.ºs 3, 4, 5 e 6 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
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A Requerente apresentou, no dia 27.04.2021, um pedido de revisão oficiosa no qual suscitou a ilegalidade dos referidos atos tributários e, em consequência, a anulação dos mesmos, bem como o reembolso do montante pago em excesso, acrescido de juros indemnizatórios. (Cf. Documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
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Em, 20.07.2021, foi a Requerente notificada do despacho de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa (Cf. Documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
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No referido despacho refere-se, além do mais, o seguinte:
(Cf. Documento junto aos autos pela Requerente, em 24.03.2022).
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Em 18.10.2021, a Requerente apresentou pedido de constituição de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.
1.2 FACTOS NÃO PROVADOS E FUNDAMENTAÇÃO DA FIXAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Não se dão como provadas as tabelas elaboradas pela Requerente na petição inicial (Vd. página 5), por se encontrarem em total desconformidade com o teor da mesma, bem como com os documentos juntos aos autos.
Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos aos autos.
A Autoridade Tributária não apresentou processo administrativo, tendo pedido dispensa.
2. DA INCOMPETÊNCIA MATERIAL DO TRIBUNAL ARBITRAL
A Autoridade Tributária defende, em suma, que:
- Está em causa, apenas e só, o ato de fixação da matéria tributável e não o ato de liquidação;
- Os vícios do ato que definiu o valor patrimonial tributário não são suscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo;
- O tribunal arbitral é incompetente para apreciar vícios de atos de fixação do valor patrimonial, por serem destacáveis e autonomamente impugnáveis, encontrando-se os mesmos já consolidados na ordem jurídica.
Ora, o âmbito de competência material do tribunal é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria (cfr. artigo 13.º do CPTA ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. c), do RJAT), sendo que a infração das regras da competência em razão da matéria é de conhecimento oficioso (cfr. artigo 16.º do CPPT e artigos 96.º, al. a) e 97.º, n.º 1, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, als. a) e e), do RJAT).
Constitui nosso entendimento que a questão invocada pela Requerida não se prende, exatamente, com a matéria de competência do Tribunal Arbitral, mas, sim, com a possibilidade de impugnar liquidações de IMI com fundamento em vícios de atos de fixação de valores patrimoniais, uma vez que é indiscutível a competência deste tribunal para a apreciação de atos de fixação de valores patrimoniais.
Embora a Autoridade Tributária e Aduaneira qualifique esta questão como uma exceção, ela não tem essa natureza, pois, a alegada impossibilidade, a verificar-se, será uma razão para improcedência e não um obstáculo ao conhecimento do mérito do pedido de pronúncia arbitral.
Por outro lado, pretender restringir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD à apreciação da legalidade de atos de liquidação e de atos que comportem a apreciação da legalidade de atos de liquidação (prevista na alínea a), do n.º 1, do artigo 2.º, do RJAT), não tem qualquer suporte legal, na medida em que a alínea b), do citado normativo estende essas competências à apreciação de atos de outro tipo, inclusive, “a declaração de ilegalidade (...) de atos de fixação de valores patrimoniais”.
Além de que, in casu, o que a Requerente peticiona é a anulação parcial das liquidações de IMI, que mais não é do que matéria incluída na alínea a), do n.º 1, do artigo 2.º, do RJAT.
Questão diferente, e que apreciaremos de seguida, será a da possibilidade de impugnar liquidações de IMI com fundamento em vícios de atos de fixação de valores patrimoniais.
Face ao exposto, quer a apreciação da legalidade das liquidações, quer a apreciação da legalidade de atos de fixação de valores patrimoniais, inserem-se nas competências dos tribunais arbitrais, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT.
Improcede, portanto, a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral suscitada pela Requerida.
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3. DA ILEGALIDADE DO PEDIDO POR VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DE SEPARAÇÃO DE PODERES
A Autoridade Tributária e Aduaneira alega que a Requerente pretende que o Tribunal Arbitral “profira despachos de deferimento dos pedidos de revisão oficiosa”, o que não pode suceder, sob pena de violação do princípio constitucional de separação de poderes, estando-lhe vedado substituir-se aos órgãos administrativos e tributários e praticar atos próprios das suas competências.
Por sua vez, defende a Requerente que a sua pretensão se encontra bem explícita no pedido de pronúncia – anulação parcial dos atos tributários relativos às liquidações de IMI e consequente reembolso das quantias pagas, acrescidas de juros – e, que a adotar-se o entendimento da Requerida, “ (...) tal significaria, por absurdo, que todas as decisões em que o Tribunal Arbitral anulou atos tributários decidindo em sentido oposto à atuação da AT, violavam o princípio da separação de poderes”.
Efetivamente, no nosso entender, assiste razão à Requerente.
Com efeito, a Requerente, limita-se, no pedido de pronúncia arbitral, a requerer, a título principal, que:
“a) Sejam parcialmente anulados os atos tributários que constituem o seu objeto, relativos às liquidações de IMI supra identificadas, porque contrários à lei, por padecerem de erro nos pressupostos de facto e de direito;
b) Seja a AT condenada a reembolsar a Requerente do valor do IMI pago em excesso, no montante global de €14.734,48, relativamente às liquidações sub judice, e, bem, assim, condenada ao pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, até ao reembolso integral do montante referido.”
Tal pedido é perfeitamente legal e enquadrado no Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária.
Basta atentar ao teor do aludido pedido, bem como, ao conteúdo da petição inicial, apresentada pela Requerente, para se concluir que não foi requerida, em momento algum, a emissão, por parte do Tribunal Arbitral, de um despacho de deferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado, o que, aliás, nem sequer se insere nas suas competências, nos termos do artigo 2.º do RJAT.
Contudo, e conforme se verificará, já não lhe será vedada a apreciação do cumprimento pela Autoridade Tributária e a Aduaneira do dever de efetuar a revisão oficiosa de atos de fixação da matéria tributável com fundamento em injustiça grave e notória, pois, como esclareceu o Supremo Tribunal Administrativo (de 13.10.2010, processo n.º 0455/10), “a forma processual adequada à apreciação do pedido de anulação do ato de fixação da matéria tributável com fundamento em injustiça grave ou notória é, igualmente, a impugnação judicial (arts. 78.º n.º 3 da LGT e 97.º n.º 1 al. b) do CPPT)”.
Face ao exposto, improcede, também, a referida exceção deduzida pela Requerida.
III.2 MATÉRIA DE DIREITO
A Requerente vem impugnar os atos de liquidação de IMI aqui em crise, com fundamento em vícios dos atos de fixação dos valores patrimoniais tributáveis dos prédios sobre que incidiu o dito imposto e, que comprometem a sua legalidade.
Conforme refere a Requerente: “Em face ao exposto, relativamente aos terrenos para construção detidos pela Requerente nos anos 2016 a 2019 e objeto de tributação de IMI com referência a estes anos, os seus valores patrimoniais tributários, que serviram de matéria tributável para o apuramento do imposto a pagar, estavam fixados com a aplicação ilegal dos coeficientes (i) de localização, (ii) de afetação e/ou (iii) de qualidade e conforto, aplicação esta que, conforme já demonstrado, constitui uma aplicação que não respeita as regras legais de determinação dos valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção consagradas no artigo 45.º do Código do IMI.”
2.1 DA QUESTÃO DA POSSIBILIDADE DE IMPUGNAR LIQUIDAÇÕES DE IMI COM FUNDAMENTO EM VICÍOS DE ATOS DE FIXAÇÃO DE VALORES PATRIMONIAIS
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em síntese, o seguinte:
- O ato de avaliação do valor patrimonial tributável é um ato destacável, autonomamente impugnável;
- Os vícios da fixação do VPT, não são sindicáveis na análise da legalidade do ato de liquidação, porquanto os mesmos, sendo destacáveis e antecedentes destes, já se consolidaram na ordem jurídica;
- O princípio da impugnação unitária é expressamente afastado neste caso pelo artigo 86.º da LGT;
- Ao estabelecer a sindicância direta destes atos, qualificando-os como atos destacáveis com autonomia e lesividade própria, o legislador teve em vista alcançar a desejável estabilização e consolidação da matéria tributável em momento anterior ao da efetivação da liquidação;
- Não é, nem legal, nem admissível, a apreciação da correção do VPT em sede de impugnação do ato de liquidação.
Com efeito, por força do estipulado no artigo 15.º do CIMI, a avaliação dos prédios urbanos é direta e, por isso, “suscetível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa direta” (artigo 86.º, n.º 1, da LGT).
Ao abrigo do disposto no n.º 2, do citado preceito normativo, “a impugnação da avaliação direta depende do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão.”
Decorre do n.º 1, do artigo 134.º, do CPPT, a fixação de um prazo especial de três meses para a impugnação de atos de fixação de valores patrimoniais e do n.º 7 do citado artigo, a exigência do esgotamento dos meios graciosos, pelo que “está afastada a possibilidade de essa impugnação se fazer, por via indireta, na sequência da notificação de atos de liquidação que a tenham como pressuposto, como são os de IMI, sem a observância do prazo de impugnação referido e sem o esgotamento dos meios de revisão estabelecido no procedimento de avaliação”. – Vd. acórdão arbitral proferido no processo n.º 487/2020-T, de 10.05.2021 –
No âmbito do referido imposto, quando o sujeito passivo não está de acordo com o resultado da avaliação direta de prédios urbanos, pode requerer ou promover uma segunda avaliação, no prazo de 30 dias contados da data em que o primeiro tenha sido notificado (artigo 76.º, n.º 1, do CIMI).
Só do resultado das segundas avaliações (que esgotam os meios graciosos do procedimento de avaliação) cabe impugnação judicial nos termos do CPPT (artigo 77.º, n.º 1, do CIMI).
Pelo que, fazemos nosso o entendimento vertido no acórdão arbitral proferido no processo n.º 487/2020-T, de 10.05.2021, no que toca a esta questão, que passamos a transcrever:
“Isto significa que os atos de avaliação de valores patrimoniais previstos no CIMI são atos destacáveis, para efeitos de impugnação contenciosa, sendo objeto de impugnação autónoma, não podendo na impugnação dos atos de liquidação que com base neles sejam efetuadas discutir-se a legalidade daqueles atos.
Assim, o sujeito passivo de IMI pode impugnar as liquidações, mas não são relevantes como fundamentos de anulação eventuais vícios dos antecedentes atos de fixação de valores patrimoniais, que se firmam na ordem jurídica, por falta de tempestivo esgotamento dos meios graciosos previstos nos procedimentos de avaliações e de subsequente impugnação autónoma a deduzir no prazo de três meses, nos termos dos n.ºs 1 e 7 do artigo 134.º do CPPT.
Na verdade, não sendo impugnado tempestivamente o ato de fixação de valores patrimoniais, forma-se caso decidido ou resolvido sobre a avaliação, que se impõe em sede de liquidação de IMI, sendo que o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita (artigo 113.º CIMI).”
Face ao exposto, os alegados vícios dos atos de avaliação deduzidos pela Requerente, que não foram objeto de impugnação autónoma, não podem ser fundamento da anulação das liquidações de IMI aqui sindicadas.
O princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva, ao contrário do que entende a Requerente, não colide com o referido regime de impugnação autónoma dos atos de avaliação de valores patrimoniais, pois, este “justifica-se por razões de coerência do sistema jurídico tributário inerentes ao facto de cada ato de avaliação poder servir de suporte a uma pluralidade de atos de liquidação de impostos (...), o que não se compagina com a possibilidade de plúrima avaliação incidental que se reconduzisse à fixação de diferentes valores patrimoniais tributários para o mesmo prédio, no mesmo momento.” – Cf. Acórdão Arbitral, de 10-05.2021, processo n.º 487/2020-T –
Por sua vez, a caducidade do direito de ação resultante da inércia do lesado por atos administrativos durante um prazo razoável, é genericamente justificada por razões de segurança jurídica, necessária para o adequado funcionamento da administração pública, que também é um valor constitucional ínsito no princípio do Estado de Direito democrático e é reconhecida generalizadamente em matéria administrativa e tributária.
Dito isto, e num primeiro momento, conclui-se que as liquidações de IMI aqui em crise não podem ser anuladas com fundamento nos alegados erros nas avaliações dos prédios.
Todavia, os n.ºs 4 e 5, do artigo 78.º, da LGT, acolhem a possibilidade de revisão oficiosa de atos de fixação da matéria tributável, a que se reconduzem os atos de fixação de valores patrimoniais, a título excecional, “com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte”.
Pelo que, invocando a Requerente, no artigo 65.º vertido na petição inicial, o artigo 78.º, n.º 4, da LGT, há que aferir, oportunamente, da verificação dos pressupostos da aludida revisão excecional.
2.2 DA ADMISSIBILIDADE DE REVISÃO OFICIOSA DAS LIQUIDAÇÕES AO ABRIGO DO CIMI E DO N.º 1 DO ARTIGO 78.º DA LGT
Num primeiro momento, sempre se dirá que não se encontram verificados os pressupostos da revisão oficiosa, nos termos do CIMI e do n.º 1, do artigo 78.º, da LGT.
Conforme consabido, o artigo 115.º, do CIMI, aplica-se, apenas, à revisão oficiosa de atos de liquidação de IMI e não a atos de fixação de valores patrimoniais.
Aliás, “como estas normas especiais são aplicáveis “sem prejuízo do disposto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária”, a possibilidade de revisão oficiosa está limitada pelas condições aí indicadas, designadamente a de que, quando o pedido de revisão não é apresentado dentro do prazo da reclamação administrativa, a revisão só pode ser efetuada se existir erro imputável aos serviços.” – Cf. Acórdão Arbitral, de 10-05.2021, processo n.º 487/2020-T –
Assim sendo, os atos de liquidação aqui sindicados, em si mesmo, não padecem de qualquer erro imputável aos serviços, uma vez que, nos termos do artigo 113.º, n.º 1, do CIMI, “o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita.”
Desta feita, tendo os atos de liquidação sido efetuados com base nos valores patrimoniais dos prédios que constavam das matrizes em 31.12.2016, em 31.12.2017, em 31.12.2018 e em 31.12.2019, é manifesto que a Autoridade Tributária e Aduaneira não cometeu qualquer erro ao efetuar os aludidos atos de liquidação e, por isso, o pedido de revisão oficiosa não podia ser deferido, ao abrigo do disposto no artigo 78.º, n.º 1, da LGT.
2.3 DA ADMISSIBILIDADE DE REVISÃO OFICIOSA DAS LIQUIDAÇÕES DOS ATOS DE AVALIAÇÃO DE VALORES PATRIMONIAIS AO ABRIGO DO DISPOSTO NOS N.ºs 3 E 4 DO ARTIGO 78.º DA LGT
Conforme consabido, as situações de revisão oficiosa estabelecidas nos n.ºs 1 e 6, do artigo 78.º, da LGT dizem respeitos a atos de liquidação, enquanto que as previstas nos n.ºs 4 e 5 reportam-se a atos de fixação da matéria tributável (sendo os atos de fixação dos valores patrimoniais, no âmbito do IMI, os atos que fixam a matéria tributável).
Estipula o n.º 4, do artigo 78.º, da LGT, o seguinte:
“(...)
4 - O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excecionalmente, nos três anos posteriores ao do ato tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.”
É manifesto que, nestas situações – em que o erro está na fixação da matéria tributável – a revisão já não decorre de erro imputável aos serviços, mas, sim, de que se esteja perante uma injustiça grave ou notória e o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.
E, não obstante, o n.º 4, do citado normativo, mencione que “o dirigente máximo do serviço pode autorizar, excecionalmente, nos três anos posteriores ao do ato tributário a revisão da matéria tributável”, trata-se de, conforme entende a esmagadora maioria da jurisprudência, de um poder-dever, estritamente vinculado, cujo cumprimento é sujeito a controlo jurisdicional e deverá ser aplicado a todos casos, desde que verificados os aludidos pressupostos. – Cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 07.10.2009, processo n.º 0476/09 –
Vejamos, então, se, in casu, estavam preenchidos os pressupostos para a dita revisão, nos termos do n.º 4, do artigo 78.º, da LGT:
2.4 DA TEMPESTIVIDADE DO PEDIDO DE REVISÃO OFICIOSA
Estatui o n.º 4, do artigo 78.º, da LGT, que “O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excecionalmente, nos três anos posteriores ao do ato tributário a revisão da matéria tributável (...)”, ou seja, tal prazo termina no dia 31 de Dezembro do terceiro ano posterior àquele em que foi praticado o ato tributário.
Ora, no que respeita à liquidação referente ao ano de 2016, emitida em 02.03.2017, a revisão da matéria tributável já não poderia ser autorizada em 2021, na medida em que os três anos posteriores ao do ato terminaram em 31.12.2020.
Assim, tendo a revisão oficiosa sido apresentada pela Requerente em 27.04.2021, ter-se-á de concluir pela sua intempestividade, no que concerne à liquidação de 2016.
Já no que respeita às liquidações de 2017 (emitida em 07.03.2018), de 2018 (emitida em 23.03.2019) e de 2019 (emitida em 08.04.2020), quando a Requerente apresentou o pedido de revisão oficiosa – 27.04.2021 – ainda poderia a Autoridade Tributária e Aduaneira ter autorizado a dita revisão, ao abrigo do citado preceito normativo.
Pelo que, o pedido de pronúncia arbitral tem de improceder, por intempestivo, quanto à liquidação referente ao ano de 2016 e, no que concerne às liquidações de 2017, 2018 e 2019 (sendo o pedido de revisão oficiosa tempestivo) há que aferir da verificação dos restantes pressupostos.
2.5 DA EXIGÊNCIA DE QUE O ERRO NÃO SEJA IMPUTÁVEL A COMPORTAMENTO NEGLIGENTE DO CONTRIBUINTE
A fixação da matéria tributável foi efetuada pela Requerida, com base numa fórmula estabelecida na lei, sem que se tenha demonstrado que a Requerente tenha prestado qualquer informação/documentação errónea quanto à natureza dos prédios, pelo que, o possível erro na aplicação daquela fórmula de avaliação jamais poderá ser considerada imputável a um comportamento desta (Requerente).
2.6 DO ERRO IMPUTADO PELA REQUERENTE À FIXAÇÃO DE VALORES PATRIMONIAIS
O erro que a Requerente imputa à fixação de valores patrimoniais é o de ter sido aplicado à avaliação de terrenos para construção, normas legais relativas às avaliações dos prédios edificados, designadamente, no que respeita à aplicação dos coeficientes de localização, afetação e qualidade e conforto.
Refere a Requerente que, “a jurisprudência do STA tem sido constante e reiterada no seu entendimento de que a fórmula de cálculo/determinação do valor patrimonial tributário dos “terrenos para construção” não deve considerar (i) o coeficiente de localização, (ii) o coeficiente de afetação, e (iii) o coeficiente de qualidade e conforto, jurisprudência esta que foi fundamental para a recente alteração do paradigma da fórmula final que deverá ser aplicada para a avaliação dos prédios que integram a espécie de terrenos para construção, introduzida recentemente pela AT”.
Estipulam os artigos 39.º, 41.º, 42.º, 43.º e 45.º, do CIMI, na redação da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (vigente até à Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro):
Artigo 39.º
Valor base dos prédios edificados
1 – O valor base dos prédios edificados (Vc) correspondente ao valor médio de construção, por metro quadrado, adicionado do valor do metro quadrado do terreno de implantação fixado em 25% daquele valor.
(...)
Artigo 41.º
Coeficiente de afetação
O coeficiente de afetação (Ca) depende do tipo de utilização dos prédios edificados, de acordo com o seguinte quadro:
(...)
Artigo 42.º
Coeficiente de localização
(...)
3 - Na fixação do coeficiente de localização têm-se em consideração, nomeadamente, as seguintes características:
a) Acessibilidades, considerando-se como tais a qualidade e variedade das vias rodoviárias, ferroviárias, fluviais e marítimas;
b) Proximidade de equipamentos sociais, designadamente escolas, serviços públicos e comércio;
c) Serviços de transportes públicos;
d) Localização em zonas de elevado valor de mercado imobiliário.
4 - O zonamento consiste na determinação das zonas homogéneas a que se aplicam os diferentes coeficientes de localização do município e as percentagens a que se refere o n.º 2 do artigo 45.º
Artigo 43.º
Coeficiente de qualidade e conforto
1 - O coeficiente de qualidade e conforto (Cq) é aplicado ao valor base do prédio edificado, podendo ser majorado até 1,7 e minorado até 0,5, e, obtém-se adicionando à unidade os coeficientes majorativos e subtraindo os minorativos que constam das tabelas seguintes:
(...)
Artigo 45.º
Valor patrimonial tributário dos terrenos para construção
1 - O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação.
2 - O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.
3 - Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º
4 - O valor da área adjacente à construção é calculado nos termos do n.º 4 do artigo 40.º.
5 - Quando o documento comprovativo de viabilidade construtiva a que se refere o artigo 37.º apenas faça referência aos índices do PDM, devem os peritos avaliadores estimar, fundamentadamente, a respetiva área de construção, tendo em consideração, designadamente, as áreas médias de construção da zona envolvente.
Ora, conforme diz, e bem, a Requerente o Acórdão de 23 de Outubro de 2019, proferido no processo n.º 0170/16.6BELRS 0684/17 resume, numa única decisão, a jurisprudência deste douto Tribunal quanto à ilegal aplicação destes três coeficientes na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, cujo sumário se transcreve:
“I – Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção há que observar o disposto no artigo 45.º do CIMI, não havendo lugar à consideração dos coeficientes de localização, qualidade e conforto.
II – O artigo 45.º do CIMI é a norma específica que regula a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção.
III – Os coeficientes de localização, qualidade e conforto, fatores multiplicadores do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviço e bem assim o coeficiente de afetação não podem ser aplicados analogicamente por serem suscetíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto (IMI).”
Na fundamentação do aludido acórdão, a qual foi também utilizada no Acórdão Arbitral, de 10.05.2021, processo n.º 487/2020-T, refere-se o seguinte, que passamos a transcrever:
“O terreno em causa nos autos integra uma das espécies de prédios urbanos na categoria de terreno para construção. E, tratando-se de uma das espécies de prédio urbano o valor patrimonial deverá ser determinado por avaliação direta (nº 2 do artigo 15 do CIMI) devendo ser avaliado de acordo com o disposto no artigo 45º do mesmo compêndio normativo pois que a fórmula prevista no nº 1 do artigo 38 do CIMI (Vt= Vc x A x CA x CL x Cq x Cv) apenas tem aplicação aos prédios urbanos aí discriminados ou seja àqueles que já edificados estão para habitação, comércio, indústria e serviços (assim se decidiu no ac. deste STA de 20/04/2016 tirado no recurso 0824/15 disponível no site da DGSI - Jurisprudência do STA) onde se expendeu:
(…) Todavia o legislador não incluiu aí os terrenos para construção que também classifica de prédios urbanos no artigo 6º do CIMI.
Para a determinação do valor patrimonial tributário dos mesmos há a norma do artigo 45 já referida onde apenas é relevada a área de implantação do edifício a construir e o terreno adjacente e as características do nº 3 do artigo 42.
Os restantes coeficientes não estão aí incluídos porquanto apenas podem respeitar aos edifícios, como tal.
O coeficiente de afetação só pode relevar face à comprovada utilização do prédio edificado e bem assim o de conforto e qualidade.
Tais coeficientes multiplicadores do valor patrimonial tributário apenas respeitam ao edificado, mas não têm base real de sustentação na potencialidade que o terreno para construção oferece.
A aplicação destes fatores valorizadores na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos de construção só poderia ser levada a cabo por analogia com o disposto no artigo 38 do CIMI.
Mas porque a aplicação desses fatores tem influência na base tributável tal analogia está proibida por força do disposto no nº 4 do artigo 11 da LGT por se refletir na norma de incidência na medida em que é suscetível de alterar o valor patrimonial tributário.
A aplicação desses coeficientes na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção seria violadora do princípio da legalidade e da reserva de lei consagrado no artigo 103 nº 2 da CRP.
A própria remissão para os artigos 42 e 40 do CIMI constante do artigo 45 e mesmo a redação dada ao artigo 46 relativo ao valor patrimonial tributário dos prédios da espécie “outros” em que expressamente se refere que “o valor patrimonial tributário é determinado nos termos do artigo 38º com as necessárias adaptações “é demonstrativo de que na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não entram outros fatores que não sejam o valor da área da implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação.
É que mesmo a remissão feita para os artigos 42 e 40 do CIMI não consagra a aplicação dos coeficientes aí referidos, mas apenas acolhe, respetivamente as características que hão-de determinar o valor do coeficiente a utilizar e o modo de cálculo.
O que se compreende face à definição de terrenos para construção do nº 3 do artigo 6 do C.I.M.I. (…)”
Concordando, e não olvidando a doutrina expressa por José Maria Fernandes Pires in Lições de Impostos Sobre o Património e do Selo 2012, 2ª edição pp104 de que “o valor de um terreno para construção corresponde, fundamentalmente, a uma expectativa jurídica, consubstanciada num direito de nele se vir a construir um prédio ou prédios com determinadas características e com determinado valor,” e que para a avaliação de terrenos para construção a lei manda separar duas partes do terreno (uma primeira parte a do terreno onde vai ser implantado o edifício a construir) e uma segunda parte a restante constituída pelo terreno que fica livre no lote de terreno para construção expressando que para alcançar o valor da primeira parte é necessário proceder à avaliação do edifício a construir como se ele já estivesse construído.
Com o devido respeito, tal como se fez no já referido acórdão do Pleno do STA de 21/09/2016 tirado no rec. nº 01083/13 não se acolhe integralmente esta doutrina pelas dúvidas e imprecisões que pode acarretar e que em matéria fiscal devem ser evitadas. Desde logo a lei, no artº 6º nº 3 do CIMI classifica de terrenos para construção realidades que não têm aprovado qualquer projeto de construção pelo que a sua inexistência determina por si só a inviabilidade de efetuar o cálculo da chamada área de implantação do edifício porque inexistente mesmo em projeto e por outro lado, nos casos em que existe esse projeto ou plano de pormenor (parece ser este último o caso dos autos uma vez que no processo administrativo apenso a fls. 13 se faz referência a um plano de pormenor destacado na alínea “L” do probatório) cumpre salientar que a qualidade e o conforto têm de ser efetivos o que se compreende porque o direito tributário se preocupa com realidades e verdades materiais não podendo a expectativa ou potencial construção de um edifício com anunciados/programados índices de qualidade e conforto integrar um conceito que objetivamente, só é palpável e medível se efetivada a construção e se, realizada sem desvios ao constante da comummente conhecida “memória descritiva” que acompanha cada projeto de construção. Também é certo que a valorização imediata do prédio por efeito da atribuição do alvará de terreno para construção não deixará de ser levada em conta para efeitos de tributação, em caso de alienação, com a tributação noutra sede tributária.
Como se expressou no acórdão deste STA de 24/04/2016 a que supra fizemos referência
(…) Efetivamente o coeficiente de afetação tem a ver com o tipo de utilização do prédio já edificado e o mesmo se diga do coeficiente de qualidade e conforto.
Nos terrenos em construção as edificações aprovadas são meramente potenciais e é o valor dessa capacidade construtiva, geradora de acréscimo de valor patrimonial ou riqueza para o seu proprietário que se procura taxar. E não fatores ainda não materializados (…).
Tendo em conta a realidade o legislador consagrou para a determinação do valor patrimonial tributário desta espécie de prédios (terrenos para construção) a regra específica a considerar é a constante do supra referido artigo 45 do CIMI e não outra, onde reitera-se se tem em conta o valor da área de implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação bem como as características de acessibilidade, proximidade, serviços e localização descritas no nº 3 do artigo 42, tendo em conta o projeto de construção aprovado, quando exista, e o disposto no nº 2 do artigo 45 do C.I.M.I, mas não outras características ou coeficientes.
Isto só pode significar que na determinação do seu valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação integral a fórmula matemática consagrada no artigo 38º do CIMI onde expressamente se prevê, entre outros o coeficiente, aqui discutido, de qualidade e conforto relacionado com o prédio a construir. O que, faz todo o sentido e dá coerência ao sistema de tributação do IMI uma vez que os coeficientes previstos nesta fórmula só podem ter a ver com o que já está edificado, o que não é o caso dos terrenos para construção alvo de tributação específica, sim, mas na qual não podem ser considerados para efeitos de avaliação patrimonial fatores ainda não materializados. E, sendo verdade que para calcular o valor da área de implantação do edifício a construir a lei prevê que se pondere o valor das edificações autorizadas ou previstas (artº 45º nº 2 do CIMI) para tal desiderato, salvo melhor opinião não necessitamos/devemos entrar em linha de conta, necessariamente, desde logo, com o coeficiente de qualidade e conforto pois que não estando materializado não é medível/quantificável, sendo consabido da experiência comum que um projeto de edificação contemplando possibilidades modernas de inserção acessória de equipamentos vulgarmente associados ao conceito de conforto tais como ar condicionado, videovigilância robótica doméstica, luzes inteligentes etc., se edificado/realizado com defeitos pode não se traduzir em qualquer comodidade ou bem estar, antes pelo contrário ser fonte de problemas/insatisfações e dispêndios financeiros.”
Tal entendimento tem sido reafirmado pelo Supremo Tribunal Administrativo em variados acórdãos, entendimento esse, que sufragamos, e nessa linha, consideramos que a avaliação dos terrenos para construção não deve ser efetuada com recurso a tais coeficientes – localização, afetação, qualidade e conforto.
No caso dos autos, conforme se indica na alínea G) dos factos provados, relativamente ao IMI liquidado em 2017, 2018, 2019 e 2020, por referência aos anos de imposto de 2016, 2017, 2018 e 2019, respetivamente e, que dizem respeito ao IMI liquidado por referência aos já descritos terrenos para construção, foi aplicado um coeficiente de afetação de 1,10, um coeficiente de localização de 1,29 e um coeficiente de qualidade e conforto de 1,00.
Face ao exposto, e atendendo à esmagadora maioria da jurisprudência, conclui-se que a fixação dos valores patrimoniais tributários de tais prédios padece dos erros que a Requerente lhes imputa.
2.7 DA INJUSTIÇA GRAVE OU NOTÓRIA
Por fim, há que aferir da verificação do último pressuposto – injustiça grave ou notória –
Estipula o n.º 5, do artigo 78.º, da LGT, que:
“Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.”
No caso dos autos, afigura-se ser manifesta a natureza grave da injustiça gerada com as erradas avaliações, na medida em que a tributação de IMI dos mencionados prédios foi agravada, tendo a Requerente pago em excesso, a título de IMI, o valor de €14.734,48.
Face a todo exposto, e verificados todos os requisitos de que depende a revisão oficiosa da matéria tributável, nos termos dos n.º s 4 e 5, do artigo 78.º, da LGT, deveria a Autoridade Tributária e Aduaneira ter efetuado a mesma e anulado parcialmente as liquidações relativas aos anos de 2017, de 2018 e de 2019, mas já não a referente ao ano de 2016, por ser intempestivo o pedido de revisão oficiosa apresentado.
Pelo que, se justifica a anulação da decisão do pedido de revisão, bem como as anulações parciais das ditas liquidações (relativas aos anos de 2017, de 2018 e de 2019), nas partes em que excederam o que seria devido se tivessem tido como pressupostos avaliações realizadas nos termos legais.
2.8 DO REEMBOLSO DA QUANTIA PAGA EM EXCESSO E DO PEDIDO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS
A Requerente peticiona o valor pago em excesso, a título de IMI, na importância total de €14.734,48, correspondente ao:
-
Montante pago em excesso no montante €3.769,29, referente ao ato tributário de liquidação de IMI relativo ao ano de 2016;
-
Montante pago em excesso no montante €3.655,07, referente ao ato tributário de liquidação de IMI relativo ao ano de 2017;
-
Montante pago em excesso no montante €3.655,07, referente ao ato tributário de liquidação de IMI relativo ao ano de 2018;
-
Montante pago em excesso no montante €3.655,07, referente ao ato tributário de liquidação de IMI relativo ao ano de 2019;
O pedido de pronúncia arbitral apenas irá proceder, conforme já se referiu, quanto ao IMI dos anos 2017, 2018 e 2019, pelo que, como consequência da anulação parcial das liquidações relativas a esses anos, a Requerente tem direito a ser reembolsada na quantia de €10.965,19.
No que respeita a juros indemnizatórios (peticionados pela Requerente), o n.º 1, do artigo 43.º, da LGT, estabelece que:
“São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”
O pedido de revisão oficiosa do ato tributário é equiparável a reclamação graciosa quando é apresentado dentro do prazo da reclamação administrativa, a que se refere o n.º 1, do artigo 78.º, da LGT, contudo, e conforme jurisprudência pacífica, quando não é apresentada dentro daquele prazo, apenas, há direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto na alínea c), do n.º 3, do artigo 43.º, da LGT:
“
(...)
3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:
(...)
c) Quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.”
Ora, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 27.04.2021, pelo que apenas a partir de 28.04.2022 haveria direito a juros indemnizatórios, se a decisão não tivesse sido apreciada.
Tendo a decisão sobre o pedido de revisão oficiosa sido notificada à Requerente em 20.07.2021, antes de se ter completado um ano sobre a sua apresentação, a Requerente não tem direito a juros indemnizatórios.
IV. DECISÃO
Nestes termos e com a fundamentação acima descrita, decide-se:
-
Julgar improcedentes as exceções suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira;
-
Anular parcialmente as liquidações de IMI, relativas ao ano de 2017, de 2018 e de 2019, quanto ao valor total de €10.965,21;
-
Julgar parcialmente procedente o pedido de reembolso quanto ao valor de €10.965,19, e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a efetuar o seu pagamento à Requerente;
-
Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira deste pedido.
-
VALOR DA CAUSA
Fixa-se ao processo o valor de €14.734,48, nos termos do artigo 97.º-A do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
-
CUSTAS
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em €918,00, nos termos da tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente na percentagem de 25,59% e a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira na percentagem de 74,41%.
Notifique-se.
Lisboa, 04 de Maio de 2022
(Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT)
O árbitro,
Susana Cristina Nascimento das Mercês de Carvalho