SUMÁRIO:
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Recolhidos, no âmbito de um procedimento inspetivo, indícios sérios e credíveis da existência de faturação falsa, inverte-se o ónus da prova, passando a impender sobre o sujeito passivo o ónus de demonstrar a veracidade da sua contabilidade, designadamente que as faturas em causa titulam negócios reais.
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A AT não tem de fazer prova do acordo simulatório, bastando-lhe demonstrar a factualidade que a levou a concluir pela existência de faturação falsa.
Decisão Arbitral
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RELATÓRIO:
A… LDA, titular do número único de matricula e de identificação de pessoa coletiva …, doravante simplesmente designada Requerente, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2º nº 1 a) e 10º nº 1 a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, abreviadamente designado por RJAT), peticionando a declaração de ilegalidade das liquidações de IRC n.º 2020 8310004813, da demonstração de acerto de contas n.º 2020 … e da demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2020 …, todas relativas ao ano de 2016, bem como das liquidações adicionais de IVA dos períodos de 1603M a 1612M, das demonstrações de liquidação de IVA dos períodos de 201604M, a 201608M, 201610M e 201611M e das demonstrações de liquidação de juros de IVA dos períodos de 201604M, 201608M, 201610M e 201611M, tudo no valor global de € 35.060,19 e a consequente condenação da AT a restituir os valores indevidamente pagos, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios.
Para fundamentar o seu pedido alega, em síntese:
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Na sequência da inspeção tributária levada a cabo pela AT tendo por base o exercício de 2016, foram efetuadas correções à matéria tributável de IRC e de IVA, tendo sido, em consequência, emitidas as liquidações impugnadas;
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Tais correções foram motivadas pelo facto de a AT ter concluído, no âmbito da inspeção levada a cabo à B…- Indústria e Comércio de Calçado, Lda (doravante, abreviadamente, B…) pela existência de negócios simulados com uma outra sociedade (“C”), que a B… subcontratava, pelo que, segundo a AT, “toda a cadeia de faturação a jusante também corresponde a negócios simulados”, designadamente as faturas emitidas pela sociedade B… e registadas na contabilidade da Requerente;
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As faturas relativas a serviços prestados pela sociedade B… à Requerente são verdadeiras e titulam prestações de serviços reais de fabricação de calçado;
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Não podem ser considerados contra a Requerente, como fortes indícios de que uma determinada fatura é falsa, aqueles que são recolhidos apenas com base numa ação inspetiva à contabilidade e organização do emitente da fatura, sem ser feita qualquer análise de natureza inspetiva à organização e escrita do utilizador da fatura, de forma rigorosa e detalhada;
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A Requerente é alheia à estrutura da B… e à estrutura e capacidade produtiva das sociedades com as quais esta estabelecia relações comerciais;
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Da leitura do relatório de inspeção não é possível extrair qual o ano objeto de inspeção à B…, inviabilizando que se afira se o alegado circunstancialismo indiciador da emissão de faturação falsa se manteve inalterado, no exercício de 2016, no qual foram efetuadas as correções impugnadas;
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A AT não recolheu qualquer indício sério, seguro e credível que legitimasse as correções efetuadas;
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A AT não realizou todas as diligências necessárias a apurar a concreta situação fática da Requerente, assim violando o princípio do inquisitório;
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A AT não logrou ilidir a presunção de veracidade de que goza a contabilidade da Requerente;
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O Relatório de Inspeção Tributária padece do vício de falta de fundamentação.
A Requerente juntou 118 documentos, um parecer técnico, requereu a tomada de declarações do seu legal representante e arrolou 4 testemunhas.
No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, nos termos do disposto no artigo 6º nº1 do RJAT, foi designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa o signatário, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.
O tribunal arbitral foi constituído em 06 de julho de 2021.
Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17º do RJAT, a Requerida apresentou resposta, invocando, em síntese:
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A AT reuniu prova suficiente para sustentar as correções efetuadas, não tendo a Requerente cumprido o ónus da prova relativamente ao contrário;
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A faturação emitida pela B… à Requerente correspondeu a negócios simulados;
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A AT reuniu um conjunto de factos-índice dos quais resulta que as entidades emitentes das faturas não realizaram as operações nelas identificadas, pelo que tais faturas documentam operações económicas que não são verdadeiras;
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A AT realizou as diligências necessárias para a descoberta da verdade material;
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Em face dos indícios sérios recolhidos pela AT de que as faturas em causa correspondem a negócios simulados, encontra-se ilidida a presunção de veracidade de que goza a contabilidade da Requerente, impondo-se a esta fazer a prova de que a contabilidade se encontra corretamente elaborada;
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O Relatório de Inspeção Tributária encontra-se devidamente fundamentado.
Conclui, peticionando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
A Requerida juntou cópia do processo administrativo, não tendo arrolado nenhuma testemunha.
Atenta a posição assumida pelas partes, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, tendo sido tomadas declarações ao legal representante da Requerente e inquiridas as testemunhas por si arroladas.
Ambas as partes apresentaram alegações escritas, nas quais reiteraram o teor dos seus anteriores articulados.
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SANEAMENTO:
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.
Não existem nulidades que invalidem o processado.
As partes têm personalidade e capacidade judiciária e são legitimas, não ocorrendo vícios de patrocínio.
Não existem exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito e de que cumpra oficiosamente conhecer.
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QUESTÕES A DECIDIR:
Atentas as posições assumidas pelas Partes, vertidas nos argumentos expendidos, cumpre determinar:
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se a AT cumpriu o dever de investigação da verdade material;
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se se encontram reunidos indícios suficientes de que as faturas em causa correspondem a negócios simulados;
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sobre quem impende o ónus da prova dos factos em causa nos autos;
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se o Relatório de Inspeção Tributária em causa nos autos padece do vicio de falta de fundamentação.
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MATÉRIA DE FACTO:
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Factos provados
Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, deram-se como provados os seguintes factos:
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A Requerente é uma sociedade por quotas que exerce, a título principal, a atividade de fabricação de calçado;
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No exercício dessa atividade, a Requerente tem necessidade de subcontratar em entidades terceiras, nomeadamente quando a estrutura produtiva instalada não é suficiente para dar cumprimento pontual às encomendas;
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No âmbito da inspeção tributária levada a cabo à B…, apurou-se a existência de negócios simulados entre esta e uma outra sociedade subcontratada pela B… - sociedade denominada “C”;
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Tendo a B… declarado operações comerciais com a Requerente, foi aberta ordem de serviço com vista à realização de ação inspetiva à Requerente, com o objetivo de cruzar a faturação emitida pela B… em nome da Requerente, subjacente à contratação efetuada pela B… à “C”;
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Comparando as datas das faturas emitidas pela B… à Requerente no ano de 2016 com as datas das faturas emitidas por esta ao cliente final verifica-se que as faturas emitidas pela B… a seguir elencadas e identificadas a negrito têm datas posteriores às emitidas pela Requerente ao cliente final:
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Sendo que as faturas que a seguir se identificam, emitidas pela B… à Requerente, têm subjacentes as faturas infra identificadas, emitidas pela “C” à B… e que documentam negócios considerados simulados:
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A Requerente não controlava o processo de fabricação, por parte da B… do calçado identificado nas faturas emitidas, apenas verificando o produto final;
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A Requerente desconhece as instalações da B…;
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As encomendas de calçado à B… foram sempre efetuadas pelo gerente da Requerente ao gerente da B… pessoalmente ou por telefone, não havendo qualquer documento de suporte das encomendas efetuadas ou qualquer contrato;
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As guias de transporte emitidas pela Requerente não identificam a matrícula do veículo;
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O procedimento de inspeção tributária a que se alude em 4) culminou com a correção dos elementos declarados relativos ao exercício de 2016, em sede de IRC, considerando-se não poder ser fiscalmente aceite o gasto contabilizado no montante de € 67.390,50 e em sede de IVA, considerando-se ter sido indevidamente deduzido IVA no montante de € 15.499,83;
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Na sequência das correções efetuadas, foram emitidas as liquidações impugnadas, no valor global de € 35.060,19, que a Requerente pagou.
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Factos não provados
Com interesse para os autos, não resultou provado que os serviços constantes das seguintes faturas emitidas pela B… à Requerente tenham sido prestados:
Data
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N.0 Fatura
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Base
Tributável (1)
|
IVA (2)
|
Total (1)+(2)
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15-03-2016
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440
|
3.250,00
|
747,50
|
3.997,50
|
26-04-2016
|
468
|
8.154,00
|
1.875,42
|
10.029,42
|
25-05-2016
|
487
|
9.821,50
|
2.258,95
|
12.080,45
|
27-06-2016
|
508
|
6.937,50
|
1.595,63
|
8.533,13
|
26-07-2016
|
535
|
9.750,00
|
2.242,50
|
11.992,50
|
11-08-2016
|
551
|
32.500,00
|
7.475,00
|
39.975,00
|
12-08-2016
|
11
|
-26.000,00
|
-5.980,00
|
- 31.980,00
|
27-09-2016
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571
|
5.668,00
|
1.303,64
|
6.971,64
|
26-10-2016
|
592
|
5.200.00
|
1.196,00
|
6.396,00
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30-11-2016
|
628
|
7.299,50
|
1.678,89
|
8.978,39
|
19-12-2016
|
647
|
4.810,00
|
1.106,30
|
5.916,30
|
|
67.390,50
|
15.499,83
|
82.890,33
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Fundamentação da matéria de facto
A convicção acerca dos factos tidos como provados e não provados formou-se tendo por base os elementos constantes dos autos, a prova documental junta pelas partes e cuja adesão à realidade não foi questionada, a matéria alegada e não impugnada, bem como a prova testemunhal produzida.
Concretizando, uma vez que, no âmbito da inspeção levada a cabo à B…, se concluiu que as faturas identificadas, emitidas pela “C” à B…, não correspondiam a negócios reais, é evidente que as faturas subsequentes e inerentes aos mesmos invocados negócios, emitidas pela B… à Requerente também não podem corresponder a negócios efetivamente realizados, pelo que necessariamente se terão de considerar falsas.
E tal falsidade é claramente evidenciada pela discrepância de datas entre todas as faturas, sendo ostensivo que, estando em causa em todas as faturas os mesmos negócios, não poderia a fatura da Requerente ao cliente final ser emitida em data anterior à fatura emitida à Requerente pela empresa que alegadamente lhe prestou os serviços (a B…), nem em data anterior à emitida pela sociedade que alegadamente prestou os correspondentes serviços à B… (a “C”), como sucedeu em relação às faturas identificadas no quadro constante do ponto único da matéria de facto não provada.
Aliás, sobre esta questão nem a Requerente, nem o seu legal representante ou as testemunhas arroladas se pronunciaram, nada carreando para os autos suscetível de justificar esta discrepância.
Note-se ademais que, apesar de a Requerente invocar desconhecer os elementos concretos da inspeção levada a cabo à B… e a veracidade das respetivas conclusões, a verdade é que não as coloca em causa. Bem ao invés, a Requerente, ao alegar que “a AT tendo sinalizado uma empresa como emitente de faturas falsas, anulou toda e qualquer fatura emitida por essa entidade a terceiros, sem ter em conta que parte da faturação pode efetivamente corresponder a serviços prestados”, “como se o «fruto proibido» infetasse toda e qualquer empresa em que as faturas apareçam”, acaba por admitir como possível que os negócios que estão subjacentes às faturas emitidas pela B… não correspondam a negócios reais.
Consigna-se ainda que a AT não desconsiderou todas as faturas emitidas pela B… à Requerente, mas apenas aquelas que foram emitidas na sequência de prévia fatura da “C” à B… e que foram consideradas falsas.
Por outro lado, quer o legal representante da Requerente quer as testemunhas inquiridas limitaram-se a referir que a Requerente manteve, no ano de 2016, relações comerciais com a B…, a quem subcontratava a produção de calçado e a referir em termos genéricos como se desenvolvia o processo de encomenda, recolha da matéria prima e entrega do produto final.
No entanto, nenhuma das testemunhas inquiridas nem o legal representante da Requerente fizeram qualquer referência às faturas em causa nos presentes autos e aos concretos negócios que lhes estariam subjacentes.
Por último, quer o representante legal da Requerente, quer as testemunhas inquiridas, à exceção da testemunha D…, gerente da B…, referiram não conhecer as instalações da B….
Tendo ainda sido confirmado pelas testemunhas (exceção feita ao gerente da B…) e pelo legal representante da Requerente que não havia qualquer controlo do processo de fabricação, a cargo da B…, do calçado identificado nas faturas emitidas, apenas sendo controlado o produto final.
Factos que, no seu conjunto, motivaram o facto incluído na matéria de facto não provada, já que não é credível que uma empresa subcontrate outra empresa para produzir um número elevado de calçado, ao longo de, pelo menos, quase um ano, sem conhecer as suas instalações ou a sua capacidade produtiva, sem qualquer controlo do processo de fabricação ou mesmo que tais encomendas sejam efetuadas pessoalmente ou por telefone, sem qualquer suporte documental ou contrato que regule as relações entre as partes.
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DO DIREITO:
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Do alegado incumprimento do dever de investigação da verdade material:
Começa a Requerente por invocar que a AT não cumpriu o dever de investigação da verdade material, para tanto defendendo, em síntese, não terem sido realizadas as diligências necessárias para o efeito, designadamente a deslocação às instalações da Requerente, o que, a ter acontecido, permitia que a AT tomasse conhecimento do modo de funcionamento da Requerente e da sua capacidade produtiva instalada.
A AT, por seu turno, defende terem sido realizadas todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material, tendo sido, designadamente, solicitados elementos probatórios e cruzadas informações com os diversos agentes económicos envolvidos.
Analisados os elementos juntos aos autos, verifica-se que, efetivamente, a AT diligenciou pela obtenção de todos os elementos, informações e documentos necessários ao esclarecimento dos factos, tendo, aliás, parte deles sido disponibilizados pela Requerente.
Na posse destes elementos, informações e documentos, verifica-se que a AT os analisou de forma circunstanciada, tendo demonstrado ao longo de todo o procedimento uma atitude ativa de descoberta da verdade, desde logo através do cruzamento com os elementos e dados dos outros operadores económicos envolvidos em todo o processo e de toda a informação e documentação de que dispunha informaticamente.
Pelo que, ao contrário do defendido pela Requerente, não se vislumbra que a AT tenha violado o dever de descoberta da verdade material.
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Dos indícios reunidos pela AT:
A este propósito, invoca a Requerente que a AT não logrou reunir indícios sérios e suficientes para demonstrar que as operações constantes das faturas em causa não correspondem à realidade, com o que a AT discorda.
Conforme resulta dos factos provados, a abertura de procedimento inspetivo à Requerente foi determinada pela existência de faturas emitidas à Requerente pela B… e que tinham subjacentes negócios documentados por faturas previamente consideradas falsas (emitidas pela “C” à B…), na sequência do procedimento inspetivo prévio levado a cabo à B….
O facto de as faturas, emitidas à B… pela “C, subjacentes aos mesmos negócios que motivaram, posteriormente, a emissão à Requerente de faturas pela B…, terem sido consideradas falsas, constitui, por si só, um indicio sério e credível de que os negócios subjacentes a essas faturas eram simulados.
Este indício, aliado (i) à discrepância existente entre as datas de todas as faturas emitidas ao longo da cadeia de faturação (da “C” para a B…, desta para a Requerente e desta para o cliente final); (ii) à inexistência de qualquer controlo, por parte da Requerente, do processo de fabricação, pela B… do calçado; (iii) ao desconhecimento, por parte da Requerente, das instalações da B… e (iv) à inexistência de qualquer documento que titule as encomendas efetuadas pela Requerente à B… ou sequer qualquer contrato que regule as relações entre as partes, é suficiente para justificar as suspeitas por parte da AT de que os negócios documentados nas faturas seriam simulados.
Sendo que, como adiante se verá, atentos estes indícios sérios e credíveis, incumbiria à Requerente fazer a prova do seu contrário, isto é, que as faturas colocadas em crise correspondiam efetivamente a negócios reais.
O que, como vimos, a Requerente não logrou efetuar, desde logo no âmbito do procedimento inspetivo. Assim, em face dos indícios recolhidos, a AT concluiu, e bem, pela existência de negócios simulados e de faturação falsa e pela correção da matéria coletável inerente a tais faturas.
Nem se diga que os indícios recolhidos pela AT o foram no âmbito da ação inspetiva à contabilidade e organização do emitente da fatura (B…) e não à Requerente, já que, como exposto, estes indícios serviram apenas para determinar a abertura de procedimento inspetivo à Requerente, tendo todos os demais indícios sido recolhidos já no âmbito da ação inspetiva levada a cabo à Requerente.
Como quer que seja, conforme decorre da norma do artigo 72º da LGT, o órgão instrutor pode utilizar para o conhecimento dos factos necessários à decisão do procedimento todos os meios de prova admitidos em direito.
O que permite, conforme tem vindo a ser defendido pela jurisprudência, designadamente arbitral, “lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes” - neste sentido veja-se, entre outros, decisão arbitral proferida em 19NOV2018, processo nº 207/2018-T e acórdão arbitral proferido em 05ABR2019, ambos in www.caad.org.pt.
De onde se conclui, com a AT, que os indícios recolhidos no âmbito do procedimento inspetivo são sérios, credíveis e suficientes para abalar a presunção de veracidade da contabilidade da Requerente.
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Do ónus da prova:
No que diz respeito ao ónus da prova, defende a Requerente que é sobre a AT que impende o ónus da prova dos factos constitutivos do seu direito, prova essa que não logrou efetuar.
Ao invés, defende a AT que, em face dos indícios recolhidos no âmbito da ação inspetiva, caberia à Requerente a prova dos factos por si invocados.
O ónus da prova encontra-se previsto no artigo 74º da LGT, cujos números 1 e 2 dispõem:
“1 - O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.
2 - Quando os elementos de prova dos factos estiverem em poder da administração tributária, o ónus previsto no número anterior considera-se satisfeito caso o interessado tenha procedido à sua correta identificação junto da administração tributária”.
Por seu turno, dispõem os números 1 e 2 do artigo 75º da LGT:
“1 - Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.
2 - A presunção referida no número anterior não se verifica quando:
a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo;
b) O contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária, salvo quando, nos termos da presente lei, for legítima a recusa da prestação de informações;
c) A matéria tributável do sujeito passivo se afastar significativamente para menos, sem razão justificada, dos indicadores objetivos da atividade de base técnico-científica previstos na presente lei.
d) Os rendimentos declarados em sede de IRS se afastarem significativamente para menos, sem razão justificativa, dos padrões de rendimento que razoavelmente possam permitir as manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo nos termos do artigo 89.º-A”.
No caso dos autos, a AT, como foi referido, recolheu diversos indícios de que as faturas que vieram a ser desconsideradas documentam negócios simulados e que por isso são falsas.
Os indícios recolhidos pela AT são, ademais, sérios, credíveis e suficientes para, por si só, abalar a credibilidade da contabilidade da Requerente.
Pelo que, perante estes indícios, é patente que se verifica a inversão do ónus da prova, passando a impender sobre a Requerente o ónus de demonstrar a veracidade da sua contabilidade, designadamente dos negócios documentados pelas faturas desconsideradas pela AT.
Conforme tem vindo a ser entendido pela jurisprudência, estando em causa indícios de faturação falsa, a AT não tem de provar a falsidade das faturas, bastando-lhe demonstrar os indícios de falsidade e que estes são consistentes, sérios e reveladores de uma alta probabilidade de as faturas serem falsas para cumprir o seu encargo probatório.
Neste sentido, veja-se, por todos, acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16NOV2016, processo nº 0600/15, in www.dgsi.pt:
“II. Para que a AT proceda à correção do lucro tributável por desconsideração dos custos suportados por faturas existentes na escrita do contribuinte e relativamente às quais considera não se terem efetivamente realizado as operações nelas consubstanciadas, não tem de fazer prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratório, no intuito de enganar terceiros – cfr. art. 240.º do CC) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende.
III - Basta à AT provar a factualidade que a levou a não aceitar esses custos, factualidade essa que tem de ser suscetível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respetivos documentos de suporte, só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova do direito de que se arroga (o de exercer o direito de deduzir os custos ao lucro tributável) e que não é reconhecido pela AT, ou seja, o ónus de prova de que as operações se realizaram efetivamente e ocorrem os pressupostos de que depende o seu direito àquela dedução.”
Pelo que dúvidas não restam de que, nesta hipótese, atentos os indícios recolhidos pela AT, se verifica, a favor desta, a inversão do ónus da prova, impendendo assim, sobre a Requerente a prova da veracidade dos factos constantes da sua contabilidade e das faturas desconsideradas pela AT e não sobre esta a prova da sua falsidade.
Improcede, pois, também nesta parte, o alegado pela Requerente.
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Da alegada falta de fundamentação:
Invoca a Requerente que as correções efetuadas pela AT padecem do vício de falta de fundamentação, o que, segundo defende, impõe a anulação dos atos de liquidação impugnados.
Para o efeito invoca, em síntese, que o Relatório de Inspeção Tributária se baseou em presunções e conclusões sem fundamentação objetiva.
A AT, por seu turno, defende de nenhum vício de falta de fundamentação padecer o Relatório de Inspeção Tributária ou as correções efetuadas, sendo certo que da argumentação da Requerente se verifica que esta não teve dificuldade na apreensão dos motivos que levaram a AT à prática do ato.
A propósito da fundamentação, dispõe o número 1 do artigo 77º da LGT que “a decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária”.
Por seu turno, nos termos do disposto no número 2 do mesmo preceito “a fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.
A lei impõe o dever de fundamentação, enquanto direito consagrado e constitucionalmente garantido dos cidadãos (artigo 268º nº 3, da Constituição da República Portuguesa) e ato definidor da posição da Administração Tributária perante os particulares, do qual se consegue inferir o raciocínio lógico seguido por esta para decidir no sentido em que decidiu e não noutro.
O dever de fundamentação permite, assim, a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato para proferir a decisão, de modo a que aquele possa conhecer as razões por que o autor do ato decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear os mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação.
É precisamente por tal razão que o artigo 77.º nº 2 da Lei Geral Tributária impõe que a decisão do procedimento contenha “as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”, pois que apenas desta forma pode o sujeito passivo do imposto apreender a razão de ser do ato tributário e ponderar as reações ao mesmo.
Analisado o teor do Relatório de Inspeção Tributária, verifica-se que a AT, em cumprimento da obrigação de fundamentação, expôs, de forma, aliás, circunstanciada, as razões de facto e de direito que motivaram a prática do ato e indicou as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.
Aliás, não pode deixar de se referir, conforme bem frisa a Requerida, que, atendendo à exposição de factos e à fundamentação utilizada pela Requerente, resulta claro que esta percebeu exatamente qual o caminho traçado pela AT para a liquidação do imposto em causa nos presentes autos, pelo que sempre se teria de entender ultrapassado qualquer eventual vício formal de falta de fundamentação de que pudesse padecer o Relatório de Inspeção Tributária ou as correções efetuadas.
A este propósito, decidiu o STA que “não ocorre o vício formal de falta de fundamentação se a própria impugnante expressamente revela ter compreendido perfeitamente o processo lógico e jurídico que conduziu à decisão de tributação, reconhecendo ter percebido os pressupostos concretamente levados em conta pelo autor do ato e as razões por que foram alcançados os valores tributados, denunciando o percurso cognoscitivo e valorativo percorrido (…)”.
Improcede, assim, o vício de falta de fundamentação invocado pela Requerente.
Em face de tudo quanto ficou exposto e não tendo a Requerente logrado fazer prova da veracidade dos negócios documentados pelas faturas aqui sindicadas, como se lhe impunha, os gastos correspondentes a essas faturas, no valor global de € 67.390,50, não pode ser fiscalmente aceite, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 23º do CIRC.
Da mesma forma, terá necessariamente de se considerar que o IVA correspondente às mesmas faturas, no montante total de € 15.499,83, foi deduzido indevidamente pela Requerente, nos termos do disposto no artigo 19º nº 3 do CIVA.
Isto, note-se, pese embora das faturas em causa constem todos os elementos que a lei impõe com vista à dedução do respetivo imposto e consideração dos respetivos gastos, direito este que, terá, assim, necessariamente de ceder quando se demonstre, como sucedeu in casu, que as faturas titulam negócios considerados simulados.
Pelo que, bem andou a AT em desconsiderar as indicadas faturas, com todas as consequências legais, designadamente a emissão das liquidações impugnadas, em relação às quais não se verifica qualquer fundamento que determine a sua ilegalidade e consequente anulação.
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DISPOSITIVO:
Em face do exposto, decide-se julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral.
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Fixa-se o valor do processo em € 35.060,19, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
***
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 1.836,00, nos termos da Tabela I da Tabela Anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como do disposto no n.º 2 do artigo 12.º e do n.º 4 do artigo 22.º, ambos do RJAT, e do n.º 1 do artigo 4.º, do citado Regulamento, a pagar pela Requerente, por ser a parte vencida.
Lisboa, 06 de maio de 2022.
O Árbitro,
Alberto Amorim Pereira