Sumário
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Se, após a constituição do Tribunal Arbitral, o Requerente obtém a satisfação meramente parcial do seu pedido, mantém o interesse na ação relativamente ao remanescente, não se verificando, portanto, os pressupostos para a inutilidade superveniente da lide.
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O direito a juros indemnizatórios em caso de pedido de revisão oficiosa depende da verificação dos pressupostos previstos na alínea c) do n.º 3 do artigo 3.º da LGT, nomeadamente do decurso do prazo de um ano entre a apresentação do pedido e a revisão do ato por parte da AT.
A árbitro Raquel Franco, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral singular constituído em 18.01.2022, profere a decisão que se segue:
DECISÃO ARBITRAL
I. Relatório
A..., LDA, pessoa coletiva n.º..., com sede na..., n.º..., ..., ..., ...-... Funchal (Zona Franca da Madeira), notificada em 11.08.2021 do indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado em 18/01/2021, relativo à liquidação do ISV com o n.º 2020/..., de 01/09/2020, emitida pela Alfândega de Aveiro, no valor total de € 17.529,28, doravante designada por “Requerente”, vem solicitar a constituição de Tribunal Arbitral, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 2.º e 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 10.11.2021.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, a Árbitro designada pelo Conselho Deontológico comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 31.12.2021 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do disposto no artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação atual, o tribunal arbitral singular foi constituído em 18.01.2022.
II. Do pedido de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide
No pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo, a Requerente pedia ao Tribunal que anulasse parcialmente a liquidação do ISV com o n.º 2020/..., que condenasse a Autoridade Tributária a restituir-lhe o montante de imposto indevidamente pago, correspondente à quantia paga em excesso resultante da desconsideração da redução de imposto correspondente à componente ambiental do ISV no valor de € 7.232,64, que condenasse a Autoridade Tributária ao pagamento dos respetivos juros indemnizatórios e, por fim, que condenasse a AT no pagamento das custas devidas.
Em 30.11.2021, a AT apresentou uma comunicação ao Tribunal com o seguinte teor:
“A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT), Requerida nos autos à margem identificados, vem nos termos do nº 1 do artº 13.º do RJAT, informar que, por despacho de 30/11/2021 do Senhor Subdiretor-Geral da AT, Dr. ..., foi revogado parcialmente o ato tributário impugnado, nos termos e com os fundamentos constantes na informação nº .../2021, de 22/11/2021, da Direção de Serviços dos Impostos Especiais de Consumo e do Imposto sobre Veículos (DSIECIV) (Anexo I), com a consequente liquidação de substituição e aplicação da desvalorização comercial do veículo à componente ambiental do ISV, e a restituição dos montantes pagos em excesso, em conformidade com o Acórdão do TJUE de 2 de setembro de 2021. Em face do exposto, solicita-se que o CAAD notifique a Requerente para declarar se pretende a extinção da instância.”
Em cumprimento do disposto no RJAT, o Tribunal foi, entretanto, constituído, e, após a constituição, foi a AT notificada para apresentar Resposta nos termos do disposto no artigo 17.º do RJAT, o que veio a acontecer em 01.03.2022.
Na Resposta, a AT veio informar o Tribunal do seguinte:
“(…)
8. Nestes termos, no decurso do procedimento de constituição do Tribunal Arbitral, a Requerida satisfez por inteiro e de modo voluntário as pretensões que a Requerente formulou, pelo que a decisão arbitral que normalmente seria proferida, conhecendo do mérito das pretensões deduzidas, se tornou destituída de qualquer efeito útil, não se justificando a sua prolação.
9. Termos em que se considera verificada a inutilidade superveniente da lide, em momento anterior ao da constituição desse tribunal arbitral singular, devendo ser declarada a extinção da instância e a absolvição da instância da Requerida, nos termos da al. e) do artigo 277.º e al. e) do nº 1 do artigo 278.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi a alínea e) do nº 1 do artigo 29.º do RJAT.”
Quanto ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios, a AT aduz ainda o seguinte:
“18. É que, peticionando-se o pagamento de juros indemnizatórios desde a data de pagamento do imposto até à efetiva restituição, ao abrigo do artigo 43.º da LGT, há que considerar o facto de o pedido arbitral ter sido efetuado na sequência da rejeição, por intempestividade, de um pedido de revisão oficiosa que a Requerente apresentou junto da Alfândega de liquidação.
19. Efetivamente, nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
20. Dispondo o mesmo artigo na alínea c) do n.º 3 que são igualmente devidos juros indemnizatórios “Quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.
21. Deste modo, e seguindo jurisprudência assente do Supremo Tribunal Administrativo (STA), mormente a vertida nos Acórdãos de 11.12.2019, no Processo n.º 058/19.9BALSB, e de 20.05.2020, no Processo 05/19.8BALSB, entende-se que os juros indemnizatórios só seriam devidos depois de decorrido um ano após a apresentação do pedido de revisão oficiosa, e não desde a data do pagamento do imposto (cf. artigo 43.º, n.ºs 1 e 3, alínea c), da LGT).
22. No mesmo sentido já se pronunciou o tribunal arbitral, seguindo a jurisprudência superior, designadamente nas decisões proferidas nos processos n.ºs 296/2020-T e 65/2021-T.
23. Assim, atendendo a que o pedido de revisão foi apresentado junto da alfândega competente em 18/01/2021, só depois de decorrido o prazo de um ano após a apresentação daquele pedido é que haverá lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, pelo que no caso concreto, o direito ao seu recebimento só poderia ocorrer, face à lei, a partir de 18/01/2022 e não a partir da data do pagamento do imposto.”
O Tribunal deu conhecimento à Requerente da posição da AT, tendo fixado um prazo de 10 dias para que a mesma viesse informar o Tribunal do que tivesse por conveniente. Na sequência desse despacho, veio a Requerente dizer que “4. A Requerida veio confessar que aceita o primeiro dos pedidos formulados pela Requerente, a anulação parcial da liquidação que, entretanto, terá efetuado. 5. No entanto, a Requerida é omissa quanto aos restantes pedidos formulados pela Requerente.” Quanto à posição manifesta pela AT relativamente aos juros indemnizatórios, veio a Requerente dizer o seguinte:
“(…tendo a própria Requerida reconhecido a ilegalidade da norma que aplicou e revogando parcialmente o ato, é devido à Requerente o direito aos juros indemnizatórios peticionados, contados, à taxa legal, sobre o montante indevidamente cobrado, desde a data do respetivo pagamento até ao momento do efetivo reembolso, conforme decorre dos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT.”
O Tribunal proferiu despacho informando as Partes de que, face à posição da Requerente, iria proferir decisão arbitral.
III. Decisão
Nos termos do disposto na alínea e) do artigo 277.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, é causa de extinção da instância a inutilidade superveniente da lide.
Conforme se referiu supra, a AT proferiu, na pendência do processo arbitral, uma decisão de anulação parcial do ato de liquidação de ISV aqui impugnado em que reconheceu a respetiva ilegalidade. Por outro lado, a Requerida contesta o pedido de pagamento de juros indemnizatórios formulado pela Requerente. Quanto ao pedido de restituição do imposto indevidamente pago, informa que “No que se refere especificamente ao valor a reembolsar, consta ainda daquela informação nº ...2021, de 22/11/2021, da DSIECIV, que o montante pago em excesso, a reembolsar, deve ser apurado na respetiva liquidação de substituição.”
Perante o descrito, não se verificam os pressupostos legais da inutilidade superveniente da lide, uma vez que, sendo embora verdade que o ato de liquidação impugnado foi parcialmente revogado, a solução do litígio continua a interessar às Partes, persistindo a discordância entre ambas, nomeadamente, quanto ao pagamento de juros indemnizatórios. Nesse sentido, não é correta a afirmação a Requerida, formulada na sua Resposta, de que “Nestes termos, no decurso do procedimento de constituição do Tribunal Arbitral, a Requerida satisfez por inteiro e de modo voluntário as pretensões que a Requerente formulou, pelo que a decisão arbitral que normalmente seria proferida, conhecendo do mérito das pretensões deduzidas, se tornou destituída de qualquer efeito útil, não se justificando a sua prolação”.
Assim, estando resolvida a disputa entre as Partes no que se refere à anulação parcial do ato de liquidação de ISV impugnado, compete ainda a este Tribunal pronunciar-se quanto aos demais pedidos formulados pela Requerente.
Ora, quanto ao pedido de restituição do imposto indevidamente pago, o mesmo decorre da anulação parcial do ato de liquidação impugnado, não cabendo, contudo, a este Tribunal, pronunciar-se quanto ao concreto valor a restituir, na medida em que a competência para as operações de liquidação e restituição do imposto indevidamente pago é da administração tributária. Tem razão, a esse respeito, a AT, quando refere que “tratando-se esta ação de um mero contencioso de anulação, compete ao tribunal arbitral a apreciação da legalidade de atos de liquidação de tributos, cfr. al. a) do nº 1 do artigo 2.º do RJAT, não lhe competindo, por conseguinte, pronunciar-se sobre os valores/montantes a restituir, por conta da anulação total ou parcial de atos de liquidação.”
Relativamente ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios, rege o artigo 43.º da LGT, nos termos de cujo número 1 se define que “1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.” No presente caso, não foi apresentada impugnação judicial nem reclamação graciosa, mas sim um pedido de revisão oficiosa, em 18.01.2021, o qual obteve resposta definitiva da AT em 11/08/2021, quando a Requerente foi notificada do despacho de rejeição do pedido de revisão oficiosa proferido pelo Diretor da Alfândega de Aveiro em 06/08/2021. Depois, conforme consta da comunicação enviada pela AT a este tribunal a 30.11.2021, por despacho de 30/11/2021 do Senhor Subdiretor-Geral da AT, Dr...., foi revogado parcialmente o ato tributário impugnado, nos termos e com os fundamentos constantes na informação nº .../2021, de 22/11/2021, da Direção de Serviços dos Impostos Especiais de Consumo e do Imposto sobre Veículos (DSIECIV).
Ora, a revisão oficiosa dos atos tributários é um instituto distinto do da reclamação graciosa e do da impugnação judicial, não podendo, pois, o presente caso, ser integrado no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, mas sim, na alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, nos termos da qual são devidos juros indemnizatórios “Quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária”. In casu, a revisão do ato tributário ocorreu a 30.11.2021, quando o pedido tinha sido efetuado a 18.01.2021. Portanto, não chegou a decorrer o ano previsto na alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT como condição para o pagamento de juros indemnizatórios em caso de revisão oficiosa, pelo que se indefere o pedido de pagamento de juros indemnizatórios.
Nos termos do disposto nos números 3 e 4 do artigo 536.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, determina-se ainda que as custas sejam suportadas pela Requerida.
Em suma, relativamente aos aspetos do pedido da Requerente que permaneceram em aberto depois da revogação parcial do ato de liquidação impugnado, este Tribunal decide:
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Ser improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios formulado pela Requerente;
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Determinar que seja restituído à Requerente o montante de imposto indevidamente pago;
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Determinar que as custas deste processo sejam suportadas pela Requerida.
IV. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 7.232,64.
V. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 612,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.
Lisboa, 29.04.2022
A Árbitro,
Raquel Franco