Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 370/2021-T
Data da decisão: 2022-05-23  IRC  
Valor do pedido: € 46.504,48
Tema: IRC - organismos de investimento coletivo de valores mobiliários constituídos ao abrigo da Directiva n.º 2009/65/CE, com sede noutro Estado-Membro da União Europeia - dividendos de fonte portuguesa compatibilidade da sua sujeição a retenção da fonte com o art. 63º do TFUE, nos termos do qual, no âmbito das disposições do Capítulo 4 do Título IV da Parte III, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros
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SUMÁRIO

 

1-Antes da entrada em vigor do DL nº 7/2015, de 13/1, desde a entrada em vigor do DL nº 293/91, de 13/8, a eliminação da dupla tributação económica dos rendimentos obtidos através dos OICs era assegurada, relativamente aos sujeitos passivos de IRS e também aos sujeitos passivos de  IRC  isentos ou que não exercessem a título principal uma atividade industrial , comercial ou agrícola,  pela isenção dos rendimentos distribuídos, e,  relativamente aos restantes sujeitos passivos de IRS ou IRC, pela dedução ao imposto incidente sobre os rendimentos distribuidos do imposto por conta pago  pelos OICs, para o efeito equiparados a sujeitos passivos de IRS, a quando da entrada dos rendimentos.

 

2- O DL nº 7/2015 consagrou um regime inverso, de transparência fiscal, em que a tributação dos rendimentos obtidos através dos OICs passaria a ocorrer apenas a  quando da sua efetiva distribuição aos investidores que, nos fundos de capitalização, apenas ocorre com o resgate, a venda ou a liquidação.

 

3-Nos termos do nº 1 do art. 22º e do nº 1 do art. 22º- A do EBF, tal regime de transparência apenas se aplica aos fundos constituídos e que operem de acordo com a legislação nacional, no caso, a Lei n 16/2015, de 24/2, que contém o Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo(RGOIC), e as normas que procedem à sua regulamentação, deixando de lado os OICs estabelecidos noutro Estado membro da UE  ou em país terceiro, sujeitos, à regulamentação do Estado da sede ou do Estado de estabelecimento.

 

4-Segundo o nº 1 do art. 63º do TFUE, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros, sem prejuízo de. nos termos do nº1 do art. 65º, esses Estados aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido e de tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infrações às suas leis e regulamentos, incluindo as necessárias a uma eficaz  prevenção e repressão da evasão fiscal .

 

5-Para esse efeito, segundo a jurisprudência do TJUE, para uma regulamentação fiscal nacional poder ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis objetivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral.

6- Segundo essa jurisprudência, deve ser sempre demonstrada a existência, à luz da regulamentação aplicável, de  um nexo direto entre  uma determinada  vantagem fiscal  obtida pelo contribuinte não residente   e a compensação dessa vantagem pelo  imposto   liquidado.

7- O princípio da livre circulação de capitais impõe aos Estados membros da UE o reconhecimento  , aos OICs sediados ou estabelecidos nos Estados membros da EU ou em países terceiros,  dos benefício da eliminação da dupla tributação económica  reconhecido aos OICs nacionais, desde que provem,   de forma clara ou precisa ,  o cumprimento da exigências equivalentes àquelas a que estão submetidos os OICs nacionais, não sendo admissível a recusa dessas benefícios apenas pelo facto  de o OIC estar estabelecido em país diferente.

 

8- Tal princípio é, assim, violado quando a legislação do país da fonte dos rendimentos dos OICs estrangeiros  que cumpram exigências equivalentes previstas na legislação nacional, incluindo os acordos  sobre dupla tributação internacional a que estiver vinculado, não lhes permita , para efeitos de aproveitar de regime equivalente  ao aplicável aos OICs nacionais, fazer a prova do cumprimento de  exigências equivalentes àquelas a que   estes são submetidos internamente.

 

9- Pelo contrário, tal princípio é respeitado sempre que o fundamento da recusa de regime equivalente  ao aplicável aos OICs  nacionais for o incumprimento das  obrigações exigidas a estes pelo país do estabelecimento.

 

10- A possibilidade de tributação por retenção na fonte dos rendimentos dos OICs estrangeiros que provem o cumprimento das exigências estabelecidas na lei nacional  depende da tributação,  à entrada ou  à saída, dos rendimentos distribuídos pelos OICs nacionais.

 

11- Tal tratamento equivalente verifica-se quando cumulativamente a isenção da retenção na fonte dos dividendos pagos aos OICs nacionais seja compensada pela sua posterior tributação quando da  redistribuição aos titulares das unidades de participação e  a retenção na fonte aos OICs estrangeiros  compense a não tributação no  país da fonte a quando da redistribuição dos rendimentos.

 

12- O princípio da coerência do sistema fiscal   não pode ser invocado  sempre que a legislação nacional abdique de tributar os rendimentos distribuídos pelos OICs nacionais a não residentes,  quando  estes não tenham  sido tributados à entrada, caso em que a retenção na fonte não pode ter por função   çompensar a não tributação à saída dos OICs desses rendimentos,  ou quando, por outro meio,  as autoridades fiscais  nacionais possam garantir, com a colaboração do Estado da residência dos OICs estrangeiros, mas que satisfaçam os requisitos da lei interna portuguesa,  que estes pagam um imposto equivalente ao pago pelos OICs nacionais, ou quando o Estado da fonte não elimine a dupla tributação económica dos seus próprios residentes titulares de unidades de participação  em . OICs estrangeiros, mas que satisfaçam também os requisitos da lei interna portuguesa, ou quando a não tributação à entrada dos OICs nacionais não estiver condicionada à tributação à saída.

 

13- Ainda que, à luz do princípio do acréscimo, o imposto de selo da verba 29 da Tabela Geral fosse suscetível de ser considerado um imposto sobre o rendimento e não sobre o património ,  tal  tributação, pelas suas caraterísticas,  não é suscetível de compensar a vantagem que,  para os titulares não residentes das unidades de participação em OICs nacionais, representa a isenção dessa retenção.

 

14- A dupla tributação económica que, para os OICs estrangeiros, possa implicar esse regime não é necessariamente eliminada pelo facto de a legislação do Estado onde esses organismos  estiverem estabelecidos isentar de retenção na fonte os dividendos distribuídos  aos seus participantes, residentes ou não residentes.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

RELATÓRIO

 

1.Identificação das Partes

1.1. Requerente

 

A..., organismo de investimento coletivo em valores mobiliários (OICVM), constituído e a operar no Grão-Ducado do Luxemburgo, ao abrigo da  Lei de 17/12/2010,   que transpôs  para a ordem jurídica luxemburguesa a Diretiva 2009/65/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13/7/2009,  que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes a alguns OICVMs, contribuinte fiscal luxemburguês n.º ... e português ..., com sede em Rue ..., Luxemburgo, actualmente integrado no B..., contribuinte fiscal luxemburguês n.º ... e português n.º..., com sede na Rue ..., Luxemburgo, administrado pela sociedade C..., entidade também com residência no Grão-Ducado do Luxemburgo.

1.2. Requerida

Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), representada pelos Drs. D... e E... .

2.Tramitação e constituição do Tribunal

2.1. O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado a 23/6/2021 e, na mesma data, seria aceite e encaminhado para à AT, tendo o Requerente optado pela não designação de árbitro;

2.2. A 19/6/2021, a AT seria notificada do pedido.

2.3. A 22/7/2021, a AT designaria as juristas que a representaram no processo;

2.4. A 12/8/2021, nos termos da alínea b) do nº 1 do art. 11º do RJAT (DL nº 10/2011, de 20/1), o Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), designou como Árbitro Singular   António de Barros Lima Guerreiro.

2.5. A 31/8/2021, seria comunicada pelo Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, nos termos da alínea c) do nº 1 do art. 11º do RJAT, a constituição do Tribunal Arbitral

2.6. Nesse mesmo dia, o Tribunal Arbitral notificaria a diretora- geral da AT para, no prazo de 30 dias responder ao pedido de pronúncia arbitral, revogar total ou parcialmente o ato ou, querendo, requerer prova adicional.

2.7. A 4/10/2021, a AT apresentaria resposta e enviaria o processo administrativo(PA).

2.8. A 20/10/202\1, o Tribunal Arbitral solicitaria às partes o envio em “word” dos documentos processuais.

2.9. A 5/11/2021, a Requerente, invocando a boa fé e a cooperação processual, declararia ao Tribunal Arbitral não prescindir de apresentação de alegações.

2.10. A 6/2/2022, o Tribunal Arbitral determinaria a suspensão do processo arbitral até à decisão sobre o reenvio prejudicial solicitado no processo 93/2019-/ T do CAAD, que originaria o processo C-545/19  no TJUE.

2.11. A 22/3/2022, dado, a 17/3 anterior, o TJUE já se ter pronunciado definitivamente no proc. C-545/19 sobre o tema que determinara a suspensão da instância, declararia a cessação dessa suspensão, não sendo necessária a diligência prevista no art. 18º do RJAT, podendo as  partes pronunciar-se no prazo de 10 dias sobe a aplicação ao caso desse elemento novo que é a decisão do TJUE. 

2.12. A 30/3/2022, a Requerente pronunciar-se-ia sobre essa jurisprudência do TJUE, não tendo a Requerida apresentado, dentro desse prazo ou posteriormente, qualquer observação.

2.13. A 11/4/2022, o Tribunal Arbitral prorrogaria por mais 60 dias, nos termos do nº 2 do art. 21º do RJAT, a prolação da decisão arbitral.

2.14. A 18/4/2022, o Tribunal Arbitral solicitaria à Requerente para, no prazo de 10 dias, identificar os OICs  cujos rendimentos originaram as liquidações impugnadas e enviar os prospetos enviados ao público a quando da sua comercialização, nos termos do Regulamento (UE) nº 583/2010, da Comissão, de 1/7/2010. 

2.15- A 2/5/2022, a Requerente apresentaria a documentação solicitada.

3-.O Pedido

O Requerente pretende:

- Declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2020... e consequente  nulidade  das  retenções  na fonte de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares(IRC) de 2018/05(Guia nº...) e 2018/09(Guia nº ...) , incidentes,  nos termos do nº 2 do art. 4º, do nº 4 do art. 87º e da alínea  c) doº 1 do art. 94º do CIRC,   sobre dividendos pagos ao Requerente, OICVM estrangeiro, em virtude da detenção de participações  em sociedades residentes em território português.

-Condenação da Requerida  ao pagamento de juros indemnizatórios e custas do processo.

 

4.1- Posição da Requerente

 

Está em causa a legalidade da tributação  em IRC em Portugal , por retenção na fonte,  de  dividendos de fonte portuguesa obtidos pela Requerente, OICVM (organismo de investimento coletivo de valores mobiliários de direito luxemburguês),  quando, por força dos nºs 1, 3  e 10 do art. 22º do EBF ,  tal retenção não abrange os dividendos da mesma natureza auferidos por OICVMs  de direito nacional.

 

Para o Requerente, essa retenção  constituiria  uma discriminação injustificada entre OICVMs residentes e não residentes em Portugal, em violação do princípio da livre circulação de capitais previsto no art. 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) e, consequentemente, do primado do Direito da União Europeia, consagrado no  nº 4 do art. 8º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

 

Ainda que revestindo características equivalentes aos OICVMs residentes em Portugal, por cumprirem as condições previstas na Diretiva 2009/65/CE, os OICVMs não residentes foram  colocados por essas normas legais  numa situação de desvantagem comparativamente aos OICVM residentes, tão-só em consequência de não terem a sua residência em Portugal.

 

Como tal, o tratamento discriminatório operado, entre outras normas, pelo nº 2 do art. 4º , pela  alínea c) do nº 1 e pelo nº 3  do art.94.º, pelo nº 4 do art.  87.º do CIRC, bem como pelos  nºs 1,3 e 10 do art. 22º do EBF, viola esse art. 63º do TFUE, não figurando entre as restrições à livre movimentação de capitais admissíveis nos termos desta norma.

 

Assim  a tributação, por retenção na fonte, dos dividendos pagos por uma sociedade portuguesa a um OICVM constituído e a operar ao abrigo da Diretiva 2009/65/CE, residente no Grão-Ducado do Luxemburgo, na medida em que não existe qualquer tributação sobre os dividendos pagos, nas mesmas condições, a um hipotético OICVM com residência em Portugal, também constituído e a operar ao abrigo da Diretiva 2009/65/CE, e colocado quanto ao mais numa situação análoga à do Requerente, deve considerar-se arbitrária por ambos os OICMVs estarem em situações comparáveis e não estar em causa a coerência do sistema fiscal.

 

Em ambos os casos, os dividendos pagos por sociedades portuguesas podem ser objeto de dupla tributação económica ou de tributação em cadeia por mero efeito do exercício da competência tributária do Estado português, sendo que, num caso, tal dupla tributação é eliminada e noutro não o é , por  não garantida pela legislação do Grão- Ducado do Luxemburgo.

 

4.2. Posição da Requerida

 

Tem sido jurisprudência comunitária pacífica não resultar do Direito da União Europeia, para os sujeitos passivos não residentes em Portugal e sem estabelecimento estável em território português, mas residentes num Estado-Membro da União Europeia, qualquer direito a uma tributação igual à dos residentes, mas apenas a uma tributação equivalente.

 

A proibição de todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros não prejudica os Estados- Membros de aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao lugar de residência (n.º 1 do art. 63º e alínea a) do nº 1 do art. 65.º do TFUE).

 

Assim, a  jurisprudência do Tribunal de Justiça revela, em termos genéricos, que o uso da residência como elemento de conexão, bem como a diferenciação fiscal entre sujeitos passivos residentes e não residentes, tanto na legislação interna dos Estados como nas Convenções sobre Dupla Tributação, por não contrariar as liberdades de circulação, nem consubstanciar uma discriminação contrária aos Tratados Europeus, em virtude de os residentes e os não residentes não se encontrarem, em geral, em situações comparáveis e assentar numa diferença objetiva relevante entre os sujeitos passivos, é admissível.

 

Nessa medida, o tratamento diferenciado entre residentes e não residentes não constituí em si mesmo qualquer discriminação proibida pelo n.º 1 do art 63.º do TFUE. Ainda, por outro lado, que as situações de residentes e não residentes possam, no caso concreto, ser consideradas comparáveis, a discriminação  eventualmente resultante de um tratamento diferenciado pode ser neutralizada pelos mecanismos previstos nas Convenções sobre dupla tributação internacional.

 

Nos termos do Acórdão do STA de 28/11/2012, no proc.  n.º 0694/12, em caso de crédito do imposto sobre dupla tributação internacional, a eventual isenção de tributação dos dividendos no país da residência, com o consequente efeito impeditivo do crédito do imposto previsto nas convenções que o regulam, não é   oponível ao país da fonte, pois este, ao definir a obrigação de retenção na fonte, se limitaria a fazer a aplicação do seu direito interno.

 

O Acórdão do Pleno do Contencioso Tributário do STA, de 09/07/2014, Proc. n.º 01435/12 ressalvaria dessa doutrina a retenção discriminatória, por a ela não estarem sujeitos os contribuintes residentes em situação comparável, nomeadamente por beneficiarem de um regime de “participation exemption”.

 

Seria, assim, anulável a retenção na fonte efetuada pelo substituto tributário a entidade não residente, se ficou provado que aquela retenção, consubstanciada em maior tributação de entidade não residente, não pode ser neutralizada por via de convenção sobre dupla tributação internacional entre o país da fonte dos  rendimentos e o país da residência dos seus titulares, ainda que a ausência dessa neutralização resulte da legislação do Estado do não residente . No mesmo sentido, mais recentemente, se pronunciariam os Acórdãos de 12/9/2012, proc. 088/17, 16/6/2020, proc. 018/105 BELRS 95/18 e de 14/10/2020, proc. 01273/08.6BELRS 01364/17

 

Tem sido administrativa e doutrinariamente entendido que os fundos transparentes carecem de personalidade jurídico-tributária, ainda que ficcionada. 

 

Nessa medida, a isenção dos fundos de investimento e, em geral, dos OICVMs tem  sido tradicionalmente entendida como uma não sujeição, com a consequente impossibilidade de estes acederem aos benefícios das convenções sobre dupla tributação internacional .

 

A aplicação das convenções deve, assim, efetuar-se relativamente a cada titular de unidades de participação, ao qual os rendimentos se reputam, real ou presumidamente diretamente atribuídos, sendo irrelevante a entidade pela qual transitam os rendimentos, do que resultaria a ausência de legitimidade dos OICVMs para exercer os correspondentes direitos. Tais direitos devem ser exercidos pelos titulares das unidades de participação e não pelo veículo de investimento associado.

 

Por questão semelhante estar a ser discutida no TJUE, proc. C-545/19 e aguardar  decisão, sendo que as conclusões do Advogado-geral  de 6/5/2021 já divulgadas a quando da apresentação da Resposta dão razão à Requerida, deve o Tribunal Arbitral suster a instância até  que o TFUE se pronuncie.

 

5.SANEAMENTO

 

O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. art.º 4.º e n.º 2 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22/03).

O pedido é tempestivo, por deduzido dentro do prazo da alínea b) do nº 1 do art. 102º do CPPT ..

O indeferimento da reclamação graciosa ocorreu a 15/12/2020 e seria notificado a 11/1/2021, data de assinatura do aviso de receção pelo reclamante sediado no território do Grão Ducado do Luxemburgo , pelo que, sem prejuízo de causas ulteriores de suspensão,   o prazo de 90 dias para dedução do pedido de pronúncia  arbitral devia ter-se iniciado no dia seguinte ao dessa assinatura ,nos termos do n.º 1 do art. 10.º do RJAT e da alínea a) do n.º 1 do art. 102.º do CPPT.

Esse prazo de 90 dias foi suspenso pelo art. 6.º-B da Lei n.º 1-A/2020, de 19/3 , aditado pelo art. 2.º da Lei n.º 4-B/2021, de 1 /2,  com efeitos a partir de 22/1/2021.

Tal suspensão produziu efeitos até 6/4/2021, por força do 7.º da Lei n.º 13-B/2021, de 5/4, que revogou o artigo 6.º-B da Lei n.º 1-A/2020).

Conclui-se assim que, tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado a 23/6/2021, foi tempestivo. Não foram suscitadas exceções, nem se verificam nulidades, pelo que se impõe conhecer do mérito.

6.Fundamentação de facto

6.1.  Factos Provados

O Requerente é um OICVM, com sede e direção efetiva no Grão-Ducado do Luxemburgo, onde é residente fiscal constituído e a operar ao abrigo da Lei nº 17/10/2000, que transpôs para a ordem jurídica luxemburguesa a Diretiva 2009/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13/7/2009, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes a alguns OICs.

 

É um fundo aberto de capitalização com a forma societária ( «Open-ended Investment Company»), da tipologia «Umbrella Fund»,  atuando através do seu sub-fundo «European Multi Asset Income”, cuja carteira consta da documentação apresentada pelo Requerente, referida a 2.15.

 

Na sequência de uma operação de fusão, o Requerente acha-se atualmente integrado no B... (anteriormente designado por F...), OICVM constituído e a operar no Grão-Ducado do Luxemburgo, contribuinte fiscal luxemburguês n.º... e português n.º... .

 

4ºO Requerente é administrado pela sociedade C..., entidade também com residência no Grão-Ducado do Luxemburgo .

 

5ºEm 2018, o Requerente auferiu dividendos distribuídos por sociedades comerciais com residência fiscal em território português, no montante total de EUR 310.029,82, os quais foram sujeitos a tributação em Portugal em sede de IRC através de retenção na fonte.

 

Valores em EUR Entidade

Data

Dividendo Bruto

Retenção na fonte

Dividendo líquido

G..., S.A.

02-05-2018

169.180,37

25.377,06

143.803,31

H..., S.A.

10-05-2018

126.334,40

18.950,16

107.384,24

I..., S.A.

20-09-2018

14.515,05

2.177,26

12.337,79

Totais:

310.029,82

46.504,48

263.525,34

               

.

As retenções na fonte de IRC em causa foram efetuadas e entregues em datas identificadas nos autos junto dos cofres da Fazenda Pública pelo J..., pessoa coletiva titular do número de identificação fiscal em Portugal ..., na qualidade de entidade registadora e depositária de valores mobiliários, ao abrigo do nº 7 do art. 94º do CIRC

7 º O Requerente não obteve qualquer crédito de imposto no seu Estado de residência relativo às retenções na fonte objeto dos presentes autos, seja ao abrigo da Convenção sobre dupla tributação internacional entre Portugal e  Portugal/Luxemburgo , seja ao abrigo da lei interna do Grão-Ducado do Luxemburgo

8º Não se conformando com a tributação por retenção na fonte de IRC à taxa de 15% que incidiu sobre os dividendos auferidos das referidas participações sociais, o Requerente apresentou reclamação graciosa ao abrigo dos arts. 132.º do CPPT, alínea a) do nº 2 do art. 95.º,  da Lei Geral Tributária( LGT) e 137.º do CIRC , com os fundamentos ora reproduzidos no pedido de pronúncia arbitral

    O Requerente, a 11/2/2021, seria notificado do projeto de indeferimento dessa reclamação  graciosa  com a indicação de que esse projeto se  tornaria definitivo caso não exercesse o direito de audição no prazo de 10 dias, como veio a acontecer.

6.2. Factos não Provados.

Não se considera não provado qualquer fato relevante para o conhecimento da causa.

 

 

7.Fundamentação de direito

 

Segundo o nº 1 do art. 63º do TFUE , norma em que  o Requerente se baseia para justificar a ilegalidade das retenções efetuadas no  âmbito das disposições do  Capítulo  4 do Título IV da Parte III, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros, sem prejuízo de esses Estados aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre  contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de  residência ou ao lugar em que o seu capital é investido e de tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infrações às suas leis e regulamentos.

 

De qualquer modo, segundo o nº 3 dessa norma as medidas e procedimentos a que se referem os nºs  1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos,  tal como definida no art. 63º.

 

Segundo a jurisprudência constante do TJUE (acórdãos C-34210 e C-600/10) , são  -restrições aos movimentos de capitais abrangidas pelo nº 1 do art. 63º do TFUE   todas as  medidas  suscetíveis de dissuadir os não residentes de investirem num Estado-Membro ou de dissuadir os residentes desse Estado-Membro de investirem noutros Estados .

Assim, as diferenças de tratamento autorizadas pela alínea a) do nº 1 do art. 65º do TFUE distinguem-se das discriminações proibidas pelo n.º 3 desse mesmo art.

Resulta da jurisprudência do TJUE(Acórdãos C-35/98 , C- 319/02  C-418/07 e C- 250/08) , que, para uma regulamentação fiscal nacional  poder  ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário alternativamente  que a diferença de tratamento diga respeito a situações não comparáveis objetivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral, como a coerência do sistema fiscal que, no entanto, segundo o Acórdão C-204/90, não pode restringir as liberdades fundamentais, entre as quais a livre circulação de capitais. .

Para o efeito,  segundo essa jurisprudência, deve ser sempre demonstrada a existência  a luz da regulamentação nacional  aplicável , de  um nexo direto entre  uma determinada a vantagem fiscal  obtida pelo contribuinte não residente   e a compensação dessa vantagem pelo  imposto   liquidado.

Caso se conclua as normas invocadas pela Requerente violarem o princípio da liberdade de circulação de capitais por procederem  a uma discriminação arbitrária dos não residentes, caberia, ainda assim,  ao Tribunal Arbitral verificar  se os requisitos de aplicação do benefício fiscal previsto nessa norma  para os residentes foram  concretamente preenchidos pelo Requerente. 

 

Segundo a Requerente, sob pena de violação do art. 63º do TFUE,  deveriam ser equiparados a OICs nacionais , para efeitos dos arts. 22º e 22º-A do EBF, todos os OICs abrangidos pela  Diretiva 2009/65/CE, em especial ,  as instituições, dotadas ou não de personalidade jurídica, que tenham  como finalidade o investimento coletivo de capitais obtidos junto de  investidores, estando o seu funcionamento sujeito a um princípio de repartição de riscos e à prossecução do exclusivo interesse dos participantes, subdividindo-se em  OICVMs., organismos de investimento alternativo em valores  mobiliários (OIAVMs) e outros organismos do mesmo tipo  que atuem em Portugal e não apenas os constituídos nos termos da legislação nacional, a Lei n 16/2015, de 24/2.

 

Por operar ao abrigo da  referida  Diretiva 2009/65/CE, o Requerente  teria cumprido  no seu Estado de residência e constituição exigências equivalentes às estabelecidas na legislação portuguesa que regula a atividade dos OICs,, motivo pelo qual entende ser-lhe aplicável o regime dos  OICs que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional para efeitos desses arts. 22 º e 22º- A do EBF, com a consequente inexistência de retenção na fonte sobre os rendimentos de fonte portuguesa.

 

Esse primeiro argumento não é suficiente para fundamentar a pretensão do Requerente.

 

Com efeito, a Diretiva nº 2009/65/CE limita-se a  coordenar as disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes a alguns OICVMs, em particular, como resulta do Considerando 3º, os OICVMs abertos, mas não prejudica o direito de o legislador nacional regular, ainda que com respeito por essa  coordenação  vinculativa e pelo Direito Comunitário em geral, a constituição dos OICVMs, que continua a ser uma competência sua, nem .de definir, como expressamente ressalva o Considerando 83º dessa Diretiva , a fiscalidade aplicável.

 

O princípio da livre circulação de capitais não assegura automaticamente aos OICVMs abrangidos pela Diretiva nº 2009/65/CE tratamento equivalente aos OICVMs nacionais, mas apenas aos  OICVMs que cumpram   as exigências da lei portuguesa.

 

Assim, só os OICVMs estrangeiros que cumpram os requisitos de constituição e funcionamento previstos para os OICVMs nacionais pela legislação portuguesa, em particular pelo RGOIC, incluindo a legislação especial relativa aos OICs mencionados no nº 2 do seu art. 2º, beneficiam da equivalência de tratamento, não bastando a sua constituição e funcionamento respeitarem a Diretiva nº 2009/65/CE. Para esse efeito, deve ser dada ao contribuinte a possibilidade de fornecer os documentos comprovativos pertinentes que permitam às autoridades fiscais do Estado-Membro de tributação verificar, de forma clara e precisa, que preenche, no seu Estado de residência, exigências equivalentes às previstas pela legislação nacional em causa (acórdão C-190/12 do TJUE e jurisprudência nele referida) .

 

O nº 1 do art. 4º do RGOIC consagrou o princípio da tipicidade dos OICs., de acordo com o o qual só podem ser constituídos os OICs previstos no RGOIC ou em legislação especial.

Caso, acrescenta o nº 2, os OICs  sejam previstos em regulamento da CMVM, devem ser asseguradas as adequadas condições de transparência e de informação.

Segundo o nº 1 do art. 5º, os organismos de investimento coletivo assumem a forma:

a) Contratual de fundo de investimento; ou

b) Societária de sociedade de investimento coletivo.

Assim, podem não ser abrangidos pelo princípio da livre circulação de capitais, entre outros,  os fundos fechados não constituídos  por subscrição pública, fora do âmbito, aliás,  da Diretiva nº 2009/65/CE , e os fundos de fundos, na medida em que  se considere  o RGOIC não lhes ser aplicável.

Não é o caso dos chamados agrupamentos de fundos ou fundos “umbrella”, em que a AT reconheceria incluir-se o Requerente, de acordo com as características que resultam do prospeto que juntou ao processo arbitral.

Segundo o nº 1 do art. 12º do RGOIC, os respetivos documentos constitutivos podem prever a divisão do OIC em compartimentos patrimoniais autónomos, nos termos previstos no  RGOIC e em regulamento da CMVM.

No caso dos fundos de investimento, segundo o nº 2, os compartimentos patrimoniais autónomos designam-se «subfundos».

Cada compartimento patrimonial autónomo é, estabelece o nº 3,  representado por uma ou mais categorias de unidades de participação e está sujeito às regras da autonomia patrimonial.

Segundo os nºs 4 e 5,  a parte do património das sociedades de investimento coletivo constituída pelos bens necessários ao exercício da atividade é, nos termos dos documentos constitutivos, rateada por todos os compartimentos patrimoniais autónomos ou integrada num compartimento patrimonial autónomo dos restantes, cujas ações não são objeto de resgate ou reembolso,  e o valor das unidades de participação do compartimento patrimonial autónomo determina-se, em cada momento, pela divisão do valor líquido global do compartimento patrimonial autónomo pelo número de unidades de participação desse compartimento patrimonial autónomo em circulação.

Estabelece o nº 6 que  o OIC com compartimentos patrimoniais autónomos tem um único prospeto, ainda que as políticas de investimento destes sejam necessariamente distintas entre si, as quais , além de outras exigências previstas no RGOIC , devem estabelecer uma segregação de conteúdos adequada que permita estabelecer a correspondência unívoca entre cada compartimento patrimonial autónomo e a informação que a ele respeita, bem como os critérios para repartição de responsabilidades comuns a mais do que um compartimento patrimonial autónomo.

A cada compartimento patrimonial autónomo é aplicável no termos do nº 7, o regime jurídico estabelecido para o respetivo OIC, incluindo o regime das unidades de participação e os requisitos relativos ao valor líquido global, sendo, de acordo com o disposto no n.º 5 do art.16.º,  mantidas contas autónomas para cada um dos compartimentos patrimoniais autónomos.

Nos termos da redação dada ao nº 1 do art. 22º do  EBF pelo art. 2º do DL 7/2015, , que, como se referiu, atualmente contém o regime fiscal dos OICs,  são tributados em IRC, nos termos previstos da primeira norma, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional. Na redação anterior, não havia essa tributação em IRC: os fundos eram tratados por retenção na fonte, de acordo com a natureza dos rendimentos auferidos, como se tratassem de pessoas singulares. O DL nº 71/2010, de 18/6, que aprovou  o novo regime jurídico dos organismos de investimento coletivo em valores mobiliários sob a forma societária e dos fundos de investimento imobiliário sob a forma societária  , ampliaria esse regime às sociedades de investimento coletivo.

A inexistência de personalidade jurídica dos fundos de investimento não impedia, nem impede, assim, a sua personificação para efeitos tributários.

Como é sabido, os fundos de investimento mobiliário/imobiliário têm natureza meramente contratual, sendo desprovidos de personalidade jurídica; por sua vez, as sociedades de investimento mobiliário/imobiliário têm natureza societária, sendo dotadas de personalidade jurídica. No entanto, ambos são sujeitos passivos de IRC para efeitos da aplicação do regime dos arts. 22º e 22ºA do EBF.

 

De acordo com essa nova redação do nº 2 do art. 22º, o lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC referidos no nº  anterior corresponde ao resultado líquido do exercício, apurado de acordo com as normas contabilísticas legalmente aplicáveis.

 

A esse princípio, no entanto, mantendo aspetos do regime anterior, o legislador introduziria relevantes derrogações, já que excecionaria do âmbito  dessa norma todos os rendimentos de capitais, prediais e mais- valias, que continuam a ser tributados pelas regras das categorias E, F e G do IRS .

 

Com efeito, no  apuramento do lucro tributável dos OICVMs , segundo a   nova redação do nº 3 do art. 22º.,  não são   considerados os rendimentos referidos nos arts 5.º, 8.º e 10.º do CIRS, que definem a incidência das categorias E, F e G , , exceto quando tais rendimentos provenham  de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, nem os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no art.  23.º-A do Código do IRC (encargos em geral não fiscalmente dedutíveis), nem os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões, que revertam para os referidos OICs.

 

A   tributação dos dividendos, como dos rendimentos prediais e de mais- valias, deixou, assim  de ser efetuada na esfera do veículo de investimento, mas dos participantes dos OICs, ainda que cedularmente, ou seja, de acordo com  as regras das categorias E , F e G, anteriormente aplicáveis à tributação à entrada.

 

A tributação global de cada OIC, através do lucro tributável apurado no respetivo  segmento da sua atuação,  seria, assim,  essencialmente reservada aos rendimentos empresariais.

 

O regime fiscal   aplicável aos fundos de investimento anteriormente à entrada em vigor do DL 7/2015 assentava no princípio da tributação à  entrada dos rendimentos auferidos por estes veículos de investimento, efetivada  através de um sistema de retenções na fonte ou taxas autónomas incidentes sobre os rendimentos e as mais-valias efetivamente auferidos ou gerados pelos OICs  em cada exercício, idêntico ao aplicável às pessoas singulares .

 

O apuramento do imposto, concentrado exclusivamente num único patamar, o da entrada dos rendimentos nos fundos, era efetuado   através de taxas autónomas a entregar ao Estado, pela respetiva entidade gestora, até ao fim do mês de abril do ano seguinte àquele a que respeitava.

 

Essa era a única tributação  que  recaíria  sobre os rendimentos gerados no fundo, que procuraria replicar  a tributação incidente  sobre os participantes pessoas singulares, caso optassem por  investir diretamente nos ativos que seriam objeto de investimento pelo fundo.

 

Posteriormente, na esfera dos participantes, ou seja, à saída dos OICs, inexistia, em virtude do regime de isenção então  aplicável,  qualquer tributação dos rendimentos distribuidos ,  sem prejuízo  de o  contribuinte optar pelo englobamento desses rendimentos., caso em que as importâncias de imposto pagas pelos fundos eram consideradas como imposto por conta dedutível à coleta final de IRS ou IRC dos participantes.

 

Garantir-se-ia, assim, efetiva ou apenas teoricamente,  que  os rendimentos auferidos pelo veículo fossem tributados nos mesmos termos em que o seriam se fossem auferidos diretamente pelos investidores, com a consequente eliminação de qualquer dupla tributação económica. a isenção à saída visava compensar a tributação à entrada.

 

A circunstância de a tributação ocorrer tendencialmente ou exclusivamente à entrada  na esfera dos OICs nacionais,  era  criticada no setor financeiro por desencorajar o investimento estrangeiro, não obstante a isenção de retenção na fonte de que beneficiava o investidor não residente no momento do pagamento dos  respetivos rendimentos  que teoricamente devia compensar essa tributação anterior .

 

Com efeito, em regra geral, os acordos de dupla tributação internacional celebrados pelo Estado português, como aliás os elaborados ao abrigo da Convenção Modelo da OCDE,  não  garantiam, nem garantem aos investidores  não residentes em unidades de participação dos OICs nacionais , o exercício no país da residência de um crédito de  imposto pela tributação suportada  no país da fonte  pelos OICs , entidades juridicamente distintas dos investidores.

 

Em termos efetivos, pois, , para investidores não residentes, o regime que vigorava  antes da reforma introduzida pelo DL 7/2015 resultava numa dupla tributação económica dos rendimentos pagos pelos fundos;  quando da entrada dos rendimentos nos OICVMs nacionais e  quando da sua distribuição pelos participantes não residentes.

 

Para os críticos do  anterior sistema, incluindo a própria Comissão de Mercado dos Valores Mobiliários em estudo encomendado em 2004 à consultora K..., que acabaria  por influenciar decisivamente  o legislador do DL nº 7/2016,  tal dupla tributação económica , juntamente  com o facto de a tributação apenas à entrada dificultar uma adequada avaliação do desempenho dos OICs pelos investidores, constituiria uma relevante desvantagem do regime , que penalizaria  a sua  competitividade internacional.

 

Na linha da nova solução legal da não tributação à entrada mas apenas à saída , determinaria   o nº 10  desse art. 22º, aditado pelo referido art. 2º do DL nº  7/2015, não  existir obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos, independentemente da sua natureza,  obtidos pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1: os fundos de investimento mobiliário,  os fundos de investimento imobiliário, as  sociedades de investimento mobiliário e as  sociedades de investimento imobiliário, que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional. Aliás, os rendimentos de capitais, prediais e de mais- valias auferidos pelos OICs nacionais, porque não sujeitos a IRC , estariam sempre fora do âmbito da retenção na fonte, apenas aplicável a rendimentos sujeitos e não isentos.

 

A tributação por retenção desses rendimentos seria, assim, diferida da sua entrada  para o momento da sua distribuição aos participantes ou acionistas. A tributação desses rendimentos seria deslocada para a saída dos OICMVs.

 

Neste sentido, o legislador procederia ao alinhamento do modelo de tributação português com o vigente na maioria(16) dos Estados membros da União Europeia, ainda que com as especificidades de cada sistema fiscal, no exercício da competência que continuaria a ser reconhecida, em harmonia , aliás, com o Acórdão do TJUE nº 279/93 pelo referido Considerando 83 da Diretiva 2009/65/CE.[1]

 

Como esclareceria o preâmbulo do DL nº 7/2015, essa não sujeição- e não isenção – dos rendimentos dos OICs , determinados por remissão para as categorias E, F e G do IRS,  resulta do novo modelo de tributação,  à saída, em vez de à entrada, na esfera dos fundos, como anteriormente sucedia.

 

Deixaria de haver retenção sobre os dividendos entrados nos fundos, que passam a ser tributados apenas a quando da distribuição aos investidores.

 

No novo sistema, há, em princípio, uma  relação entre a não tributação  à entrada e a tributação à saída, visando a tributação à saída compensar a não tributação à entrada , não sujeita  em virtude da opção tomada do diferimento da tributação para o momento da distribuição dos rendimentos, quer esta seja efetuada através do pagamento de dividendos, no caso de OICs de distribuição, ou do resgate ,  no caso de OICVMs  de capitalização, a quando da venda ou outro tipo de transmissão onerosa  das unidades de participação,  ou a quando da liquidação dos OICs (sobre o assunto, Luís Bandeira ,” Velhos e atuais problemas de qualificação dos rendimentos de instrumentos financeiros a reforma do IRS e o novo regime fiscal dos organismos de investimento coletivo”, Revista Eletrónica da Fiscalidade da AFP ,2019, Ano I, nº 2). Também no sistema anterior a  não tributação à saída  relacionava-se  com  tributação à entrada: em principio, só não eram tributados à saída os rendimentos tributados à entrada .

 

O  art. 22º- A regula  agora   autonomamente a tributação à saída, por retenção na fonte,  dos rendimentos dos OICs constituídos de acordo com a legislação nacional, isentos anteriormente à entrada em vigor do DL nº 7/2016.

Segundo o  nº 1 do art.  22.º-A,  aditado ao EBF pelo art. 3º do DL nº 7/2015,  sem prejuízo do disposto das exceções previstas nas alíneas c) e d) do n.º 3 dessa primeira norma, relativas a titulares residentes em país, território ou região sujeito a regime fiscal claramente mais favorável,  detentores de contas , abertas em nome de um ou mais titulares , mas por conta de terceiros não identificados, e detenção por entidades não residentes mas direta ou indiretamente detidas por residentes, aqui inaplicáveis. os rendimentos de unidades de participação ou participações sociais em entidades a que se aplicasse o regime previsto no art. 22º, ou seja, os OICs constituídos e operando de acordo com a legislação nacional,   passaram a estar  sujeitos ao seguinte regime fiscal:

 

a) No caso de rendimentos distribuídos a titulares residentes em território português, ou que sejam imputáveis a um estabelecimento estável situado neste território, por retenção na fonte:
 

i) À  taxa de 28 %  prevista no n.º 1 do art.  71.º do CIRS, quando os titulares sejam sujeitos passivos de IRS, tendo a retenção na fonte caráter definitivo quando os rendimentos sejam obtidos fora do âmbito de uma atividade comercial, industrial ou agrícola ,  sem prejuízo, nos termos do nº  2 desse art. 22º-A, da opção pelo englobamento quando os rendimentos sejam obtidos por sujeitos passivos de IRS fora do âmbito de uma atividade comercial, industrial ou agrícola, caso em que o imposto retido tem a natureza de imposto por conta nos termos do art. 78º  do CIRS.;


 

ii) À taxa  de 25 % prevista no n.º 4 do art . 94.º do Código do IRC, quando os titulares sejam sujeitos passivos deste imposto, tendo a retenção na fonte a natureza de imposto por conta, exceto quando o titular beneficie de isenção de IRC que exclua os rendimentos de capitais, caso em que tem caráter definitivo;

 

b) Também sem prejuízo da opção pelo englobamento prevista no nº 2, no caso de rendimentos decorrentes do resgate de unidades de participação auferidos por sujeitos passivos de IRS residentes em território português fora do âmbito de uma atividade comercial, industrial ou agrícola, por retenção na fonte a título definitivo à taxa de 28 % prevista no n.º 1 do art. 72º;

 

c) No caso de rendimentos de unidades de participação em fundos de investimento imobiliário e de participações sociais em sociedades de investimento imobiliário de que sejam titulares sujeitos passivos não residentes, que não possuam um estabelecimento estável em território português ao qual estes rendimentos sejam imputáveis, devendo a prova da condição de não residente ser invocada nos termos dos nºs 4 a 6 , por retenção na fonte a título definitivo à taxa de 10 %  quando se trate de rendimentos distribuídos ou decorrentes de operações de resgate de unidades de participação ou autonomamente à taxa de 10  % nas restantes situações.

 

d) Os  rendimentos de unidades de participação em fundos de investimento mobiliário ou de participações sociais em sociedades de investimento mobiliário a que se aplique o regime previsto no art. 22º,  incluindo as mais-valias que resultem do respetivo resgate ou liquidação, cujos titulares sejam não residentes em território português sem estabelecimento estável aí situado ao qual estes rendimentos sejam imputáveis,  devendo a prova da condição de não residente ser invocada nos termos dos nºs 4 a 6 , estão isentos de IRS ou IRC, não sendo, assim, consequentemente sujeitos a retenção.

 

e) Nos restantes casos, os rendimentos de unidades de participação ou participações sociais em entidades a que se aplique o regime previsto no art. 22º , ou seja,  os OICs constituídos de acordo com a legislação nacional, são tributados  nos termos previstos no CIRS ou no CIRC.

 

Em Portugal, nos OICVMs  de capitalização, como é o caso, a tributação ocorre apenas com o resgate, a transmissão  ou a liquidação, circunstâncias que dependem da vontade do investidor.

 

Tais  rendimentos  são  tributados como  mais- valias e não como  rendimentos de capitais, como acontecia no regime anterior ao DL nº 7/2015.

 

Nos OICVMs de distribuição, a tributação ocorre quando esta real ou presumidamente ocorra, de acordo com os critérios previamente definidos pela sociedade gestora ao abrigo dos estatutos.

 

Para os titulares das unidades de participação, entre a entrada e saída, os rendimentos capitalizados são meros ganhos latentes, mais- valias não realizadas, excluídas da tributação em IRS nos termos do nº 1 do art. 43º do CIRS.

 

Esse diferimento da tributação- não a ausência de tributação, já que o encargo é muito inferior- é compensado pela verba 29 da Tabela Geral, igualmente aplicável quando, por razões de gestão, o OICVM decida adiar a distribuição dos dividendos.

 

Tal verba 29 não substitui a tributação à saída dos OICVMs, que se mantém.

 

É uma tributação mínima que visa atenuar a quebra de receitas consequente da não tributação à entrada. 

 

O legislador, no entanto, não estabeleceu, como outros países da EU, qualquer limitação temporal ao diferimento da tributação dos rendimentos dos OICVMs constituídos de acordo com a legislação nacional, ao contrário do que acontece noutros países da UE. Tais rendimentos podem ser retidos indefinidamente, sem qualquer tributação consequente.

 

Tal é uma hipótese apenas teórica: não se investe em OICMVs para perpétuo entesouramento, mas obter futuros  ganhos através do resgate ou  venda no momento oportuno.

 

Por isso a a inexistência dessa limitação temporal ao diferimento da tributação  não prejudica,  de acordo com a legislação  nacional, cuja competência de interpretação e  aplicação é dos tribunais nacionais e não, pelo menos no que concerne ao reenvio prejudicial, do TJUE,  a relação direta entre a  não tributação à entrada e a tributação à saída, de acordo com os parâmetros anteriormente  estabelecidos, que, no entanto, não foi invocada pela Requerida no presente processo arbitral e no proc. C-545/19, que ocorreu no TJUE.

 

Por outro lado,  os rendimentos  dos detentores não residentes de unidades de participação em OICVMs nacionais, ao contrário dos  detentores residentes,  abrangidos pelas categorias E, F e G de IRS ,  não são tributados nem à entrada nem à saída dos OICs: não são tributados à entrada  porque não estão sujeitos a IRS ou IRC, conforme o nº 10  do art. 22º do EBF, não são tributados à saída, ou seja, a quando da distribuição, porque, na alínea d) do nº 1 do art. 22º-A,  o legislador os isentou, embora podendo não o fazer.

 

Ao conceder essa isenção discriminatória em benefício dos não residentes, o legislador nacional foi, assim,  para além do que impunha a salvaguarda  do princípio da coerência da tributação dos OICVMs.

 

A  isenção  à entrada dos rendimentos distribuídos aos OICs nacionais  não  se relaciona  direta ou indiretamente com a tributação à saída, a quando da distribuição aos investidores não residentes.

 

A isenção dos rendimentos distribuídos aos participantes não residentes não tem , por sua vez,  justificação na necessidade de evitar a tributação em cadeia dos participantes dos OICs nacionais.

 

Apenas subsistiria   esse dupla tributação económica sobre os rendimentos distribuidos,  a ser evitada por tal isenção, caso esses rendimentos fossem tributados à entrada dos fundos, o que não acontece .

 

O novo regime de não tributação nem  à entrada nem à  saída  não resulta, assim, direta e necessariamente da opção por uma técnica mais eficiente e racional  de tributação dos fundos, justificada no preâmbulo do DL nº 7/2016, mas traduz-se numa vantagem , independentemente de ser efetiva ou meramente teórica, concedida aos OICs nacionais.

 

É suscetível tal vantagem de   contribuir para  a internacionalização dos OICs nacionais, discriminando-os positivamente perante os OICs estrangeiros, independentemente de serem ou beneficiários dos dividendos distribuídos por pelos OICs nacionais, ainda que essa discriminação positiva possa não ter  tido até aqui aparentes resultados .[2]

Essa isenção dos rendimentos distribuídos  a não residentes, incluindo OICs ,  não pode ser justificada pela necessidade de evitar uma tributação em cadeia dos OICs nacionais, já que os  rendimentos distribuídos por estes não são tributados à entrada.

 

Tão pouco tem justificação na necessidade de eliminar a dupla tributação económica dos dividendos  auferidos pelos OICVMs não residentes .

 

A eliminação dessa dupla tributação económica não é, com efeito, obrigatória para o Estado da fonte nem para o Estado da residência , independentemente de  o Estado da residência poder, ou não,  conceder aos  OICVMs a possibilidade de recuperar o imposto suportado no estrangeiro, quando essa recuperação  não seja permitida pelos acordos de dupla tributação internacional aplicáveis.

 

No  caso de  os OICVMs não serem constituídos de acordo com  a legislação nacional, ainda que de acordo com a Diretiva 2009/65/CE, os dividendos obtidos  de fonte nacional são tributados nos termos do nº 2 do art. 4º, do nº 4 do art. 87º e da alínea  c) doº 1 do art. 94º do CIRC, por retenção na fonte efetuada , no caso, nos termos do nº 7 do art. 94º  do CIRC, pelo J..., pessoa coletiva titular do número de identificação fiscal em Portugal ..., na qualidade de entidade registadora e depositária de valores mobiliários em causa. Ao contrário do que aconteceria se fossem auferidos por OICs de direito nacional, tais dividendos continuam, assim, a ser tributados por retenção da fonte a quando da entrada nos fundos, sem prejuízo dos acordos de dupla tributação internacional que limitam o poder de tributação do Estado da fonte, como o celebrado entre o Estado português e o Grão- Ducado do Luxemburgo.

 

Tal retenção, ainda que não possa ser neutralizada por acordo de dupla tributação internacional, não é, no entanto, necessariamente incompatível com o princípio da livre circulação de capitais.

 

De acordo com o Acórdão C-282/07 do TFUE, os então arts.  52.o , 58.o , 73.o -B e 73.o -D do Tratado devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação fiscal de um Estado-Membro,  que obriga à retenção na fonte do imposto sobre os juros pagos por uma sociedade residente desse Estado a uma sociedade beneficiária residente de outro Estado-Membro, embora isente dessa retenção os juros pagos a uma sociedade beneficiária residente do primeiro Estado-Membro , desde que estes  rendimentos sejam  tributados neste último Estado-Membro a título do imposto sobre as sociedades.

 

Nos termos do nº 41 desse Acórdão C-282/07, a diferença de tratamento que a regulamentação fiscal em causa estabelece entre as sociedades beneficiárias de rendimentos de capitais, que consiste na aplicação de técnicas de tributação diferentes consoante estas estejam estabelecidas no Estado da fonte ou noutro Estado-Membro, teria que ver com situações que não são objetivamente comparáveis, para efeitos do nº 1 do art. 63º do TFUE.

 

Com efeito, quando a sociedade distribuidora de juros e a sociedade beneficiária desses juros residam no mesmo país, a posição desse Estado  é diferente daquela que assume  quando uma sociedade residente nesse Estado paga juros a uma sociedade não residente: no primeiro caso,  atua na sua qualidade de Estado de residência das sociedades em causa e, no segundo, como Estado de origem dos juros, como Estado da fonte.

 

Assim, o pagamento de juros por uma sociedade residente a outra sociedade residente e o pagamento de juros por uma sociedade residente a uma sociedade não residente dão lugar a tributações distintas, com bases jurídicas diferentes.

 

De acordo com o nº 44 desse Acórdão C-282/07, embora a retenção na fonte não recaia  sobre os juros pagos por uma sociedade residente a outra sociedade residente, esses juros  não deixam de ser tributados , embora sem retenção. pelo Estado da fonte pois estão sujeitos, no âmbito dessa sociedade e pelas mesmas razões que os seus outros rendimentos, ao imposto sobre as sociedades.

 

 Por outro lado, de acordo com o nº 45 desse Acórdão do TJUE,  o Estado da fonte retém  o imposto que incide sobre os juros pagos por uma sociedade residente a uma sociedade não residente nos termos da repartição do poder de tributar efetuada nas convenções sobre dupla tributação internacional, não incompatível com a livre circulação de capitais referida no art. 63º do TFUE..

 

Por conseguinte, estas diferentes modalidades de cobrança do imposto constituem o corolário do facto de as sociedade beneficiárias residentes e não residentes estarem sujeitas a tributações distintas, ambas justificadas pelo Direito da União.

 

Efetivamente,  segundo o nº 48 do Acórdão C-282/07, se as sociedades beneficiárias residentes estão diretamente sujeitas ao controlo da administração fiscal do país da residência, que pode assegurar a cobrança coerciva do imposto, o mesmo não acontece  com as sociedades beneficiárias não residentes pois, em relação a estas, a cobrança do imposto exige a colaboração da administração fiscal do respetivo Estado de residência, que, ainda quando  possível, não oferece as mesmas garantias de eficácia e celeridade asseguradas pelo mecanismo da retenção na fonte .

 

Assim, segundo o nº 82 do Acórdão do TJUE C- 480/16, a vantagem exclusivamente  concedida aos OICVM s residentes  nacionais , sob a forma de uma isenção da retenção na fonte, é, em princípio, compensada pela tributação dos referidos dividendos, redistribuídos por esses organismos, a pagar pelos participantes destes últimos.

 

A legalidade dessa  retenção efetuada aos OICVMs estrangeiros  não é afetada pelo facto de  ela  não poder ser neutralizada por via de convenção sobre dupla tributação internacional entre o país da fonte dos  rendimentos e o país da residência dos seus titulares das unidades de participação , não sendo aplicável, dada a diferença de situações,  a  doutrina dos ,mencionados  Acórdãos de 12/9/2012, proc. 088/17, 16/6/2020, proc. 018/105 BELRS 95/18 e de 14/10/2020, proc. 01273/08.6BELRS 01364/17.

 

Tal dupla tributação económica não se deve apenas ao Estado da fonte, mas resulta da conjugação de o Estado da fonte-legitimamente- sujeitar a retenção na fonte os rendimentos dos OICs estrangeiros,  de o Estado da  sede isentar esses rendimentos e  de o mesmo Estado da sede não conceder unilateralmente  aos OICs residentes  qualquer compensação pelo imposto suportado no estrangeiro .

 

É verdade que essa argumentação não é aplicável à tributação dos residentes titulares de unidades de participação em OICVMs estrangeiros, cujos rendimentos, ainda que não sujeitos a retenção na fonte no país da sede, estão, nos termos dos nºs 1 e 2, alínea j) , do art. 5º do CIRS sujeitos a IRS.

 

Com efeito, a Diretiva 2020/24/EU, de 16/3/2010, o DL nº 268/2012, de 20/12, e o Regulamento de Execução nº 1156/2012, de 6/12/2012, para além da Convenção com o Luxemburgo, garantem a Portugal o controlo da cobrança do IRS incidente sobre  rendimentos distribuídos a residentes pelos OICVMs do primeiro país. 

 

Por outro lado, o Estado português não compensa aos titulares de unidades de participação em OICVMs estrangeiros residentes em território português   ao imposto português retido a estes em Portugal, o que é suficiente para que se considere a tributação desses residentes não estar salvaguardada pela doutrina do Acórdão C-282/07.  

 

Segundo o nº 23 daquele Acórdão, a possibilidade de reservar a  isenção da retenção na fonte  aos  OICVMs residentes, como fez o legislador nacional, não  pode ir além do  necessário para garantir a coerência do regime fiscal em causa, o que deve ser determinado caso a caso, o que não acontece no presente caso: a coerência do sistema fiscal não justifica a abdicação pelo Estado português do poder de tributação dos não residentes titulares de unidades de participação  em OICVMs nacionais, nem o não reconhecimento aos residentes titulares de unidades de participação em OICVMs estrangeiros de crédito do imposto retido em Portugal .

 

Tendo o legislador optado por isentar os rendimentos redistribuídos por OICVMs nacionais a não residentes, a retenção aos OICVMs estrangeiros mas que respeitem as exigências impostas pela lei nacional   aos OICVMs violaria o princípio da equivalência de tratamento, já que a sua única justificação seria a garantia da cobrança de um imposto à qual, em situações equiparadas, renunciou.

 

Com efeito, de  acordo com o nº 28 do  Acórdão do TJUE C-338/11 a 347/11[3],  apenas os critérios de distinção pertinentes estabelecidos pela regulamentação nacional da tributação dos OICVMs devem ser tidos em conta para efeitos de apreciar se a diferença de tratamento resultante de tal regulamentação reflete uma diferença de situações objetiva.

 

Quando um Estado-Membro escolha   exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos OICVMs beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações dos OICMVs  seria  desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do caráter discriminatório ou não da referida regulamentação: a apreciação da comparabilidade das situações para fins de determinar o caráter discriminatório ou não da referida regulamentação deve ser realizada apenas ao nível do veículo de investimento, o OICVM, e não ao nível do investidor.

 

A verdade é que a Requerida, no presente processo arbitral e, também, no processo C-545/19, aqui sem sucesso, baseou-se apenas para justificar a tributação na verba 29 da Tabela Geral e no nº 11 do art. 88º do CIRC, não tendo invocado a tributação desses rendimentos a quando da distribuição, resgate, venda ou liquidação dos OICMVs..

 

A tributação da verba 29 da Tabela Geral não tem qualquer relação direta com a tributação à entrada e não elimina a tributação à saída, como evidencia a Decisão Arbitral 166/2021-/T[4] Do mesmo modo, a tributação autónoma dos lucros distribuídos  resultante do nº 11 do art. 88º do CIRC apenas abrange rendimentos isentos e não os rendimentos não sujeitos , como são os referidos no nº 3 do art. 22º do EBF..

 

O nº 1 do art. 43º da LGT consagraria o direito a juros indemnizaórios em caso de erro imputável aos serviços na liquidação do imposto. De acordo com o Acórdão do Pleno do STA de 30/1/2019, 564/18.2BALSB, a obrigação do pagamento de juros indemnizatórios  não existe quando, em virtude da subordinação da administração fiscal ao princípio constitucional da legalidade, não estava na disponibilidade da AT agir de modo diferente daquele que agiu.  Por outro lado, as normas do TFUE, ao contrário das que constam dos regulamentos comunitários, tendo efeito direto, não têm aplicação direta, pelo que a administração pública, ao contrário dos tribunais, não pode recusar a sua aplicação.

 

Ampliando o direito a juros indemnizatórios a outros fundamentos que não incluem o erro imputável aos serviços na liquidação, o  nº 3, na redação dada pela Lei nº 9/2019, de 1/2 , estabeleceria  serem  também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:
a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;
b) Em caso de anulação do ato tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;
c) Quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

d)Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.

 

Em todos esses casos previstos nesse nº 3, o direito a juros indemnizatórios não tem de ser reconhecido em decisão administrativa ou judicial, como exige o nº 1.

 

Nasce automaticamente da verificação de qualquer dos   factos elencados nesse nº 3, entre os quais figura o trânsito em julgado da decisão judicial que declare a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma   e não de qualquer ato prévio, administrativo ou judicial.

Decisões judiciais são apenas as decisões dos juízes dos tribunais judiciais, ou seja, dos juízes dos tribunais comuns e dos juízes dos tribunais administrativos e fiscais, sujeitos a um regime essencialmente comum , nos termos do nº 1 do art. 7º e do nº 1 do art. 8º da Organização Judiciária( Lei nº  62/2013, de 18/8).

Os árbitros dos tribunais arbitrais não pertencem, para efeitos do Capítulo I do Título II dessa Lei, ao contrário dos juízes daqueles tribunais, a qualquer profissão judiciária e a sua independência, garantias e incompatibilidades não são idênticas às dos juízes.

Para efeitos da execução do respetivo julgado, as decisões arbitrais são equiparadas a decisões judiciais, motivo pelo qual o direito a juros indemnizatórios deve ser reconhecido.

É de referir que, nos termos da alínea a) do nº 1 e do nº 3 do art. 72º da LOTC, a presente decisão está sujeita a recurso obrigatório pelo Ministério Público, já que o seu fundamento é a ilegalidade desse nº 5 do art. 71º, por contrariar o art. 63º do TFUE.

 

 

8 – Decisão

Termos em que, o Tribunal decide:

- Declarar a ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2020... e consequente  nulidade  das  retenções  na fonte de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares(IRC) de 2018/05(Guia nº...) e 2018/09(Guia nº...) , incidentes,  nos termos do nº 2 do art. 4º, do nº 4 do art. 87º e da alínea  c) doº 1 do art. 94º do CIRC,  sobre dividendos pagos ao Requerente, OIC estrangeiro, em virtude da detenção de participações  em sociedades residentes em território português.

- Reconhecer o direito da Requerente a juros indemnizatórios, nos termos da alínea d) do nº 3 do art. 43º da LGT, a partir do trânsito em julgado da presente Decisão Arbitral.

9. Valor do processo

 

 Fixa-se o valor do processo, nos termos da alínea a) do nº 1 do 97.º-A, n.º 1,do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), em  € 46.504, 48

 

10. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.142,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, dos nº 1 e 2 do art. 3º do respetivo Regulamento e do nº 2 do art. 12.º, n.º 2, e do nº 4 do  22.º ambos do RJAT, a pagar integralmente pela  Requerida e

Registe-se e notifiquem-se as partes e, para efeitos da alínea a) do nº 1 e do nº 3 do art. 72º da LOTC, o Ministério Público.

 

Lisboa, 23 de Maio de 2022

O Árbitro Singular

 

(António de Barros Lima Guerreiro)

 

 

 

 



[1] Ver o 2.4.1. do Relatório de avaliação do regime fiscal dos OICs, Dezembro de 2020, Gabinete do Secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Fiscais, doravante designado apenas de Relatório,  que resulta o regime da tributação à entrada se manter apenas na Alemanha, Bélgica e Estónia. Nos restantes países da União Europeia a tributação dos rendimentos dos fundos é efetuada à saída, de titulo de dividendos ou outro, e não a entrada, ainda que a não tributação à entrada esteja em certos casos condicionada à distribuição de uma percentagem mínima de lucros sob a forma de dividendos ou a requisitos mínimos de participantes e de investimento, lu a uma tributação mínima de outro tipo.

[2] Esta medida replica o nº 2 do art. 173º da Lei nº 17/10/2010 do Grão Ducado do Luxemburgo, que isenta de retenção na fonte os rendimentos distribuídos pelos OICs de direito luxemburguês  a não residentes.

Como nota  o 2.2.3 do Relatório citado na nota 1) , a  indústria dos fundos de investimento na União Europeia começaria por ganhar terreno nas jurisdições cuja dimensão refletia capacidade de investimento e que apresentavam um regime fiscal mais benéfico para veículos e investidores, como era o caso da Alemanha, da França ou da Itália, mas o Luxemburgo rapidamente se tornaria  dinâmico e competitivo, concentrando atualmente uma grande fatia de investimento estrangeiro fora da União, em parte graças ao seu regime fiscal.

De acordo com dados do Eurostat, a gestão de ativos registaria um forte crescimento na última década na Europa, concentrado em um pequeno número de países Na Zona Euro, o valor dos

ativos sob gestão ultrapassa o valor do PIB das respetivas economias no Luxemburgo, Irlanda, Holanda e em Malta, países que, como é do conhecimento púbico , se dedicam com maior ou menor grau a uma intensa   concorrência fiscal, não posta em causa  pela Comissão europeia e pela jurisprudência do TJUE em nome de uma conceção do princípio da liberdade de circulação de capitais que, sob pena de porem unilateralmente  em causa a unidade da ordem jurídica comunitária,  os  tribunais nacionais estão obrigados a respeitar..

Ao contrário, o peso do setor em Portugal diminuiu nas últimas décadas. De facto, o valor sob gestão representava 11% do PIB em 2019, o que compara com 23% observados nos anos de 2005. Não é obviamente possível determinar rigorosamente o papel do regime fiscal dos OICVMs nacionais ou estrangeiros nessa evolução.

No entanto, a Comissão europeia e, em particular, a jurisprudência do TJUE têm-se  sistematicamente oposto a medidas discriminatórias dos Estados membros que visem paralisar a eficácia de uma concorrência fiscal têm por  legítima.

[3] Em conformidade com essa jurisprudência do TJUE e por entender, por razões de competição fiscal, manter a isenção  dos rendimentos distribuídos a não residentes, a República da França alteraria a sua legislação  fiscal pelo art. 31º da Lei nº 2018-898, de 23/10, que aditaria ao Código Geral dos Impostos um novo art. 119º- A  , regulamentando em geral a retenção da fonte e ampliando uma dispensa de retenção até então reservada aos OICVMs nacionais  que a República da França optou por manter , excluiria da dedução  na fonte o imposto sobre os rendimentos das   empresas de investimento coletivo estabelecidas sob legislação estrangeira situadas em um Estado-Membro da União Europeia ou em outro Estado ou território quando  tenha concluído com a França um acordo de assistência administrativa para combater a evasão e evasão fiscal e que satisfaçam as seguintes duas condições:

1° Levantem  capital de um certo número de investidores com vistas a investi-lo, de acordo com uma política de investimento definida, no interesse desses investidores;

2 ° Possuem características semelhantes às das empresas de investimento coletivo sob a lei francesa que se enquadram na Seção 1, parágrafos 1, 2, 3, 5 e 6 da Subseção 2, Subseção 3 ou Subseção 4 da Seção 2 do Capítulo IV do Título I do Livro II do Código Monetário e Financeiro.

As estipulações do acordo de assistência administrativa referida no primeiro parágrafo deste º 2 e sua implementação devem efetivamente permitir, segundo essa norma,   que a administração tributária obtenha junto às autoridades do Estado em que a empresa de investimento coletivo constituída com base em uma lei estrangeira mencionada no mesmo parágrafo esteja localizada as informações necessárias para a verificação do cumprimento por esse órgão com as condições estabelecidas nºs  1° e 2 °.

O imposto de retenção também se aplica quando esses produtos são pagos fora da França em um Estado ou território não cooperativo nos termos do art. 238º-0 deste Código que não os mencionados em 2º bis do mesmo art. 238-0 A[3]. á a Alemanha, na sequência da jurisprudência referida, entenderia voltar a sujeitar  a maior parte dos OICVMs nacionais a um regime de tributação à entrada idêntico ao existente em Portugal antes do DL nº 7/2015. 

 

[4] Ainda que com argumentação não inteiramente coincidente, no mesmo sentido concorrem as Decisões Arbitrais 96/2019- T, 926/2019- T, 593/2021- T e 841/2021-T, não se conhecendo Decisão Arbitral no sentido da posição sustentada pela Requerida.