SUMÁRIO:
As normas do n.º 1, parte final, e n.º 3 do artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, interpretadas conjugadamente, ao estabelecerem um tratamento fiscal mais favorável para os organismos de investimento coletivo que operem em Portugal de acordo com a legislação portuguesa, em relação aos organismos equiparáveis que tenham sido constituídos de acordo com a legislação de outro Estado-Membro da União Europeia, viola o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
DECISÃO ARBITRAL
Acordam em tribunal arbitral
I – Relatório
1. A... LIMITED, sociedade de direito irlandês, com sede em ..., ..., Irlanda, ..., titular do número de identificação fiscal irlândes I..., na qualidade de entidade gestora do fundo e subfundos da B..., com sede em ..., Luxemburgo, titular do número de identificação fiscal luxemburguês ... e do número de identificação fiscal português ..., veio requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade dos atos de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), a título definitivo, sobre dividendos de fonte portuguesa pagos nos anos de 2017 e 2018, no montante global de € 1.210.129,48, bem como da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa contra eles deduzida, requerendo ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago e no pagamento de juros indemnizatórios.
Por requerimento de 1 de abril de 2022, a Requerente veio pedir a redução do pedido, em consideração das retenções na fonte efetivamente verificadas, indicando como imposto retido na fonte o montante global de € 255.853,87, que corresponde a um valor de dividendos auferidos de € 767.561.50.
Fundamenta o pedido nos seguintes termos.
A Requerente é uma sociedade comercial de direito irlandês que se dedica à gestão do Fundo de Investimento Mobiliário, que reveste a forma jurídica de sociedade de investimento de capital variável (SICAV), equiparado a um Organismo de Investimento Coletivo (OIC).
O Fundo não dispõe de sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território nacional, sendo residente para efeitos fiscais no Grão-Ducado do Luxemburgo, nos termos do artigo 4.º da CDT Portugal/Luxemburgo, uma vez que é aí considerado residente pela lei fiscal luxemburguesa e aí se encontra sujeito e não isento ao imposto luxemburguês sobre o rendimento de sociedades.
Durante os anos de 2017 e 2018, o Fundo manteve investimentos em Portugal, detendo participações sociais das seguintes sociedades comerciais:
Sociedade residente
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ISIN
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N.º de ações
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C…
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PT…
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148 194
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C…
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PT…
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98 748
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D…
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PT…
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2 716 288
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C…
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PT…
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151 271
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E…
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PT…
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3 059 900
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E…
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PT…
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1 987 065
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C…
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PT…
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1 150 085
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C…
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PT…
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169 320
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E…
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PT…
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2 667 140
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C…
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PT…
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22 055
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D…
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PT…
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2 459 192
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E…
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PT…
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2 801 536
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Neste contexto, nos anos de 2017 e 2018, o Fundo auferiu dividendos das suas participadas, no montante total bruto de € 767.561.504.
Os dividendos distribuídos foram sujeitos a tributação em Portugal, tendo uma importância correspondente a € 255.853,87 sido objeto de retenção na fonte a título de IRC.
As retenções na fonte relativas aos dividendos recebidos de Portugal não deram lugar a qualquer crédito de imposto no Estado de residência do Fundo, nem geraram qualquer crédito de imposto na esfera jurídica dos participantes, inexistindo qualquer mecanismo suscetível de transferir o encargo para estes últimos.
No que diz respeito às entidades residentes, a perceção de rendimentos de idêntica natureza sofrem uma retenção na fonte não-liberatória, que assume a natureza de imposto por conta do imposto devido a final, nos termos do artigo 94.º, n.º 3, do CIRC, e é posteriormente relevada na liquidação de IRC.
Acresce que o artigo 22.º, n.º 3, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), estipula uma exclusão de tributação para “os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional”, relativamente a rendimentos obtidos em território nacional que correspondam a rendimentos de capitais, rendimentos prediais e mais-valias.
O que configura uma divergência no tratamento fiscal entre contribuintes domiciliados na União Europeia em função da residência fiscal do beneficiário, que afronta de forma direta e injustificada a liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º, n.º 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).
Em 4 de maio de 2021, a Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa que não foi objeto de decisão no prazo cominado.
A Autoridade Tributária, na sua resposta, suscita a intempestividade do pedido arbitral por considerar que, não obstante o pedido de revisão oficiosa ter sido apresentado em 4 de maio de 2021, no termo do prazo de quatro anos a que se refere a segunda parte do n.º 1 do artigo 78.° da LGT, atendendo à data do primeiro pagamento dos dividendos, que ocorreu no dia 4 de maio de 2017, a liquidação em causa não enferma de erro imputável aos serviços da administração tributária, não sendo aplicável o prazo previsto na referida disposição do artigo 78.º, n.º 1. Invoca, por outro lado, a inimpugnabilidade parcial dos atos de retenção na fonte, porquanto o montante impugnado pela Requerente inclui valores que foram objeto de pedido de reembolso deferido pela Direção de Serviços de Relações Internacionais (DSRI), por cumprirem os requisitos previstos na CDT celebrada entre Portugal e o Luxemburgo, tendo sido tais atos de retenção eliminados da ordem jurídica por efeito do reembolso.
Em sede de impugnação, a Autoridade Tributária refere que a redação do artigo 22.º do EBF, aplicável aos rendimentos obtidos por fundos de investimento mobiliário e imobiliário e sociedades de investimento mobiliário e imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, estabelece uma exclusão na determinação do lucro tributável dos rendimentos de capitais, prediais e mais-valias e uma isenção das derramas municipal e estadual, deslocando a tributação para a esfera do imposto do selo, além de que sujeita os OIC às taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC.
Por outro lado, a tributação de rendimentos de Organismos de Investimento Coletivo residentes e não residentes estão sujeitos modalidades diferentes, não podendo afirmar-se que se esteja perante situações objetivamente comparáveis, e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pela Requerente.
A Autoridade Tributária requer ainda a suspensão do processo até decisão do TJUE em sede do pedido de reenvio prejudicial das questões prejudiciais formuladas no Processo n.º 93/2019-T do CAAD, que se encontram em análise pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no âmbito do processo n.º C-545/19.
2. No seguimento do processo, por requerimento de 1 de abril de 2022, A Requerente, independentemente de despacho arbitral nesse sentido, pronunciou-se pela improcedência das exceções invocadas pela Requerida, requerendo o prosseguimento do processo para conhecimento do mérito. Requereu ainda a redução do pedido, em consideração das retenções na fonte efetivamente verificadas, considerando que o documento n.º 1 junto ao pedido arbitral reflete a globalidade dos rendimentos objeto de retenção na fonte, quer à Requerente, quer a outras entidades igualmente detentoras de participações sociais, pelo que o imposto retido na fonte, no que se refere à Requerente, atinge apenas o montante global de € 255.853,87, que corresponde a um valor de dividendos de € 767.561.50. Quanto ao pedido de suspensão da instância deduzido na resposta por efeito da pendência do reenvio prejudicial requerido no Processo n.º 93/2019-T, a Requerente considera prejudicada a questão por ter sido entretanto proferido acórdão pelo TJUE no âmbito do referido reenvio prejudicial.
Em 17 de março de 2022, foi notificado o acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia proferido no âmbito do Processo n.º C-545/19, em que se extrai a seguinte conclusão:
O artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.
Por despacho de 8 de abril de 2022, o tribunal arbitral, determinou a dispensa da reunião do tribunal arbitral a que se refere o artigo 18.º desse Regime, bem como a apresentação de alegações escritas, e relegou para final a apreciação da matéria de exceção.
Por despacho de 20 de abril de 2022, e em vista a assegurar o direito ao contraditório, o tribunal determinou a notificação da Autoridade Tributária para se pronunciar, querendo, sobre as consequências a extrair do acórdão proferido pelo TJUE em reenvio prejudicial. Em resposta, por requerimento de 3 de maio seguinte, a Autoridade Tributária reiterou o afirmado nos artigos 63.º e 64.º da resposta quanto à existência de divergências nos elementos de identificação da Requerente e do Fundo de Investimento e quanto à falta de prova dos montantes concretos que foram objeto de retenção na fonte, considerando haver lugar, com esse fundamento, à improcedência do pedido arbitral. Quanto à redução do pedido arbitral, entende que a Requerente é responsável pelo pagamento de custas na proporção do montante em que o pedido foi reduzido. A Autoridade Tributária nada disse quanto à interpretação a extrair, em sede de direito, do acórdão do TJUE tirado no Processo n.º C/549/19.
Por despacho arbitral de 6 de maio de 2022, e face às dúvidas suscitadas dúvidas pela Autoridade Tributária, na resposta (artigos 62.º e 63.º) e no requerimento de 3 de maio de 2022, quanto aos elementos de identificação fiscal da Requerente, bem como quanto à designação social e ao número de identificação fiscal luxemburguês do Fundo gerido pela Requerente, o tribunal determinou a notificação da Requerente para indicar os elementos de identificação em causa e proceder à correção dos lapsos materiais que possam ter ocorrido na petição inicial e juntar os documentos comprovativos.
Por requerimento de 16 de maio de 2022, a Requerente esclareceu que a sua designação social é A...) LIMITED, com sede em ..., Irlanda, ..., e o número de identificação fiscal irlândes I..., e que não é titular de número de identificação fiscal português, nem solicitou o seu registo junto da Autoridade Tributária. Quanto à identificação do Fundo, a Requerente referiu que a sua atual designação social, com efeitos a 1 de julho de 2018, é B..., que é titular do número de identificação fiscal luxemburguês ... e do número de identificação fiscal português ... . Juntou documentos comprovativos das designações sociais e dos elementos de identificação fiscal.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os Exmos. Senhores Drs. Olívio Mota Amador e José Calejo Guerra, e como árbitro presidente o Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 12 de fevereiro de 2022.
Por despacho do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, de 2 de março de 2022, o árbitro-adjunto Dr. José Calejo Guerra, tendo renunciado às funções arbitrais por razões justificadas, foi substituído pelo Exmo. Dr. José Nunes Barata.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades e foram invocadas exceções que serão analisadas adiante.
Cabe apreciar e decidir.
II - Fundamentação
Saneamento
Intempestividade do pedido arbitral
4. A Autoridade Tributária suscitou a exceção dilatória da intempestividade do pedido arbitral, por considerar que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado intempestivamente, porquanto o prazo de 4 anos previsto no artigo 78.º, n.º 1, da LGT apenas é aplicável quando ao ato de liquidação seja imputável a um erro dos serviços, e, na situação do caso, os atos tributários não enfermam de qualquer ilegalidade.
Deve começar por dizer-se - como se afirma, entre outros, nos acórdãos do STA de 14 de Março de 2012 (Processo n.º 01007/11) e de 8 de Março de 2017 (Processo n.º 01019/14) – que a revisão oficiosa do ato tributário pode ser efetuada a pedido do contribuinte no prazo de quatro anos contados da liquidação (ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago) quando houver erro imputável aos serviços, devendo entender-se como tal o erro material, o erro de facto ou o erro de direito, independentemente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão da liquidação.
É o que resulta do disposto no artigo 78.º, n.º 7, da LGT, pelo qual a revisão oficiosa, nos termos previstos no n.º 1 desse artigo, pode ser desencadeada pelo sujeito passivo mediante requerimento dirigido ao órgão competente da Administração Tributária e com base nos mesmos pressupostos legais: no prazo de quatro anos e com fundamento em erro imputável aos serviços. O que se tem entendido como uma decorrência do princípio da justiça e da verdade material (cfr., neste sentido, Joaquim Freitas da Rocha, Lições de Procedimento Tributário, 5.ª edição, Coimbra, págs. 227-228; Serena Cabrita Neto/Carla Castelo Trindade, Contencioso Tributário, vol. I, Coimbra, 2017, pág. 605).
Conforme é também jurisprudencialmente aceite, existindo um erro de direito numa liquidação efetuada pelos serviços da administração tributária, e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do contribuinte, o erro em questão é imputável aos serviços, em resultado da obrigação genérica de a administração tributária actuar em plena conformidade com a lei.
Por outro lado, como é evidente, a existência do erro que constitui fundamento do pedido de revisão não pode ser aferida a partir da posição jurídica que tenha sido assumida pela Autoridade Tributária na apreciação do pedido de revisão, mas com base nos vícios de ilegalidade que tenham sido arguidos pelo sujeito passivo na formulação do pedido. Sendo que o processo arbitral foi deduzido precisamente para discutir a validade da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa.
Nestes termos, tendo sido invocado um erro imputável aos serviços e verificando-se que o pedido de revisão oficiosa deu entrada em 4 de maio de 2021 e reporta-se a atos de retenção na fonte nos períodos de tributação de 2017 e 2018, o primeiro dos quais registado em 4 de maio de 2017, no momento da apresentação do pedido não tinha ainda decorrido o prazo de quatro anos após a liquidação a que se refere o artigo 78.º, n.º 1, da LGT.
Tendo sido apresentado o pedido arbitral em 6 de dezembro de 2021, dentro do prazo de 90 dias após o termo do prazo para a Administração se pronunciar sobre o pedido de revisão oficiosa, o pedido arbitral é igualmente tempestivo.
Não se verifica, por conseguinte, a pretendida caducidade do direito de acção.
Inimpugnabilidade parcial dos atos de retenção na fonte,
6. A Autoridade Tributária invoca ainda inimpugnabilidade parcial dos atos de retenção na fonte, por considerar que o montante impugnado pela Requerente inclui valores que foram objeto de pedido de reembolso deferido pela Direção de Serviços de Relações Internacionais (DSRI), por cumprirem os requisitos previstos na CDT celebrada entre Portugal e o Luxemburgo, e ter sido solicitado à Direção de Serviços de Reembolsos a emissão do reembolso dessas importâncias.
Como resulta, no entanto, da matéria de facto dada como assente (alínea J), dos elementos do processo consta apenas uma comunicação da DSRI dirigida à Direção de Serviços de IRC, referindo terem sido deferidos os pedidos de reembolso apresentados pela B... e solicitada à Direção de Serviços de Reembolsos a emissão do reembolso das importâncias consideradas.
Não existe, de todo o modo, qualquer indicação de terem efetivados os reembolsos e embora a comunicação da DSRI se relacione com o pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente contra os atos de retenção na fonte, o certo é que a Administração não se pronunciou quanto a esse pedido no prazo cominado, originando o seu indeferimento tácito, pelo que não é possível confirmar a restituição dos valores em causa, nem pode ter-se como verificada a falta de interesse processual da Requerente relativamente a parte das retenções na fonte realizadas.
Sendo que, em todo o caso, nos termos do artigo 74.º, n.º 1, da LGT, é à Autoridade Tributária que incumbe o ónus da prova de terem sido efetuado reembolsos que correspondam a retenções na fonte que constituem objeto do processo.
Matéria de facto
5. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes.
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A Requerente é uma sociedade comercial de direito irlandês, com sede em ..., ..., Irlanda, ..., titular do número de identificação fiscal irlândes I..., que se dedica à gestão do Fundo de Investimento Mobiliário B...(documento n.º 3 junto ao pedido arbitral e documentos n.ºs 1 e 2 juntos ao requerimento de 16 de maio de 2022).
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O Fundo de Investimento Mobiliário gerido pela Requerente, tem sede em ..., Luxemburgo, e é titular do número de identificação fiscal luxemburguês ... e do número de identificação fiscal português ... (documento n.º 4 junto ao pedido arbitral e documentos n.ºs 5 e 6 juntos ao requerimento de 16 de maio de 2022).
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O Fundo de Investimento Mobiliário gerido pela Requerente reveste a forma jurídica de sociedade de investimento de capital variável (SICAV), equiparado a um Organismo de Investimento Coletivo (OIC) (documento n.º 2 junto ao pedido arbitral).
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O Fundo não dispõe de sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território nacional, sendo residente para efeitos fiscais no Grão-Ducado do Luxemburgo, e aí se encontra sujeito e não isento ao imposto luxemburguês sobre o rendimento de sociedades (documento n.º 4 junto ao pedido arbitral).
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Durante os anos de 2017 e 2018, o Fundo manteve investimentos em Portugal, detendo participações sociais das seguintes sociedades comerciais:
Sociedade residente
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ISIN
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N.º de ações
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C…
|
PT…
|
148 194
|
C…
|
PT…
|
98 748
|
D…
|
PT…
|
2 716 288
|
C…
|
PT…
|
151 271
|
E…
|
PT…
|
3 059 900
|
E…
|
PT…
|
1 987 065
|
C…
|
PT…
|
1 150 085
|
C…
|
PT…
|
169 320
|
E…
|
PT…
|
2 667 140
|
C…
|
PT…
|
22 055
|
D…
|
PT…
|
2 459 192
|
E…
|
PT…
|
2 801 536
|
(documentos n.ºs 5 e 6 juntos ao pedido arbitral)
-
Neste contexto, nos anos de 2017 e 2018, o Fundo auferiu dividendos das suas participadas, no montante total de € 767.561,50 (documento n.º 2 anexo ao requerimento de 1 de abril de 2022, que constitui a resposta da Requerente à matéria de exceção).
-
Os dividendos distribuídos foram sujeitos a tributação em Portugal, tendo uma importância correspondente a € 255.853,87 sido objeto de retenção na fonte em IRC a título definitivo, segundo o quadro que segue (documento n.º 2 anexo à resposta da Requerente à matéria de exceção):
Entidade
|
Código ISIN
|
Data da retenção na fonte
|
Data de pagamento
|
Dividendos
(valor líquido)
|
Montante retido na fonte (25%)
|
Dividendos
(valor bruto)
|
C...
|
PT...
|
02-05-2017
|
04-05-2017
|
347,871.37€
|
86,987.84€
|
260,903.53€
|
C...
|
PT...
|
02-05-2017
|
04-05-2017
|
347,930.06€
|
86,982.52€
|
260,947.54€
|
C...
|
PT...
|
02-05-2017
|
04-05-2017
|
102,438.60€
|
25,609.65€
|
76,828.95€
|
C...
|
PT...
|
02-05-2017
|
04-05-2017
|
2,985.60€
|
746.42€
|
2,239.26€
|
D...
|
PT...
|
15-05-2017
|
17-05-2017
|
2,479.50€
|
619.88€
|
1,859.61€
|
E...
|
PT...
|
26-05-2017
|
30-05-2017
|
7,530.41€
|
1,882.61€
|
5,647.80€
|
E...
|
PT...
|
19-09-2017
|
21-09-2017
|
13,381.00€
|
2,199.01€
|
6,596.99€
|
E...
|
PT...
|
27-04-2018
|
02-05-2018
|
7,678.66€
|
1,919.66€
|
5,759.00€
|
C...
|
PT...
|
08-05-2018
|
10-05-2018
|
92,729.12€
|
23,182.28€
|
69,546.84€
|
C...
|
PT...
|
08-05-2018
|
10-05-2018
|
90.842.92€
|
22,710.73€
|
68,132.
|
C...
|
PT...
|
08-05-2018
|
10-05-2018
|
1,978.15€
|
494.54€
|
1,483.61€
|
E...
|
PT...
|
28-05-2018
|
30-05-2018
|
5,484.30€
|
1,371.07€
|
4,113.23€
|
E...
|
PT...
|
18-09-2018
|
20-09-2018
|
4,670,61€
|
1,167.66€
|
3,502.95€
|
|
|
|
|
|
255,853.87€
|
767,516,50€
|
G) As retenções na fonte relativas aos dividendos recebidos de Portugal não deram lugar a qualquer crédito de imposto no Estado de residência do Fundo (documento n.º 3 junto ao pedido arbitral).
H) Em 4 de maio de 2021, a Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa contra os atos de retenção na fonte, que não foi objeto de decisão administrativa no prazo cominado, devendo entender-se como tacitamente indeferido em 4 de setembro de 2021 (processo administrativo, PA1).
I) Por despacho do chefe de divisão, em substituição, de 6 de janeiro de 2022, foi determinada a notificação da Requerente para se pronunciar, no exercício do direito de audição, sobre o projeto de decisão de indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa, que consta da informação dos serviços que integra o processo administrativo (PA4) e que aqui se dá como reproduzida.
J)No exercício do direito de audição, a Requerente, invocando o disposto no artigo 111.º, n.º 3, do CPPT, solicitou que a Autoridade Tributária se abstivesse de convolar o projeto de decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa em decisão definitiva, por ter sido já apresentado pedido de constituição do tribunal arbitral relativamente ao ato de indeferimento tácito, e que remetesse o procedimento tributário ao CAAD, para ser junto ao Processo n.º 817/2021. Efetuou ainda a correção do lapso material verificado no pedido de revisão oficiosa quanto a designação social e número de identificação fiscal do Fundo de Investimento nos seguintes termos: B..., com o número de identificação fiscal luxemburguês ... (processo administrativo, PA6).
L) Do processo administrativo junto pela Autoridade Tributária consta uma comunicação da Direção de Serviços de Relações Internacionais, dirigida à Diretora da Direção de Serviços de IRC, relacionada com o pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente, em que se dá conta que “foram instaurados nessa Direção de Serviços os pedidos de reembolso de imposto português sobre dividendos de ações abaixo discriminados, apresentados ao abrigo da CDT celebrada entre Portugal e o Luxemburgo, pelo requerente B...”, e se conclui o seguinte:
“Como verificámos que existe um processo de Revisão Oficiosa, com o n.º ...2021..., onde esta entidade figura como um dos contribuintes, cujo objeto são pagamentos antecipados efetuados através das mesmas guias de retenção que estão na base dos aludidos pedidos de reembolso, informamos que estes foram deferidos por cumprirem os requisitos previstos na CDT celebrada entre Portugal e o Luxemburgo e que iremos solicitar à Direção de Serviços de Reembolsos a emissão do reembolso das importâncias solicitadas, que deverão ser abatidas ao saldo das referidas guias”.
M) No requerimento de 1 de abril de 2022, que constitui a resposta à matéria de exceção, a Requerente veio requerer a redução do pedido relativamente aos atos tributários de retenção na fonte para o montante global de € 255.853,87, por considerar que o valor indicado, a esse título, no pedido arbitral, no montante de € 1.210.129,47 reflete a totalidade dos rendimentos (dividendos) e imposto (IRC) retido na fonte pelo banco F... na qualidade de substituto tributário, abrangendo quer o imposto retido na fonte à Requerente, como o de outras entidades, enquanto os dividendos efetivamente auferidos pela Requerente correspondem a € 767.561,50 e o imposto efetivamente retido foi de € 255.853,87.
N) A Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral em 6 de dezembro de 2021.
Factos não provados
Não há factos não provados que se considerem relevantes para a decisão da causa.
Motivação da matéria de facto
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta.
Como já foi auferido, por requerimento de 1 de abril de 2022, em resposta à matéria de exceção suscitada pela Autoridade Tributária, a Requerente solicitou a redução do pedido do valor inicialmente indicado de € 1.210.129.48 para € 255.853,87, pelo que que a matéria de facto constante das alíneas E) e F) reflete os valores de dividendos efetivamente auferidos e do imposto efetivamente retido que resulta da redução do pedido.
Por requerimento de 16 de maio de 2022, a Requerente esclareceu que a sua designação é A...) LIMITED, com o número de identificação fiscal irlândes ..., e a designação social do Fundo gerido pela Requerente é B..., com o número de identificação fiscal luxemburguês ... e o número de identificação fiscal português... .
As retenções na fonte relativamente aos dividendos auferidos pelo Fundo pela detenção de participações sociais em sociedades residentes em território nacional, encontram-se comprovadas através do documento n.º 2 anexo à resposta da Requerente à matéria de exceção.
Matéria de direito
Questão prévia
5. A Autoridade Tributária, na resposta e no requerimento de 3 de maio de 2022, propugna a improcedência do pedido arbitral por divergências detetadas quanto à identificação fiscal da Requerente e à identificação fiscal e designação social do Fundo de Investimento Mobiliário.
No exercício do direito de audição relativamente ao projecto de indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa, que constitui o documento 6 do processo administrativo, a Requerente já tinha efetuado a correção do lapso material verificado no pedido de revisão oficiosa quanto à designação social e número de identificação fiscal do Fundo de Investimento nos seguintes termos: B..., com o número de identificação fiscal luxemburguês... . Facto que a Autoridade Tributária não poderia desconhecer.
Na sequência do despacho arbitral de 6 de maio de 2022, a Requerente, por requerimento de 16 de maio seguinte, confirmou a sua designação social e o número de identificação fiscal, bem como a designação social e o número de identificação fiscal do Fundo de Investimento, tal como consta das alíneas A), B) e C) da matéria de facto.
Os lapsos materiais são sempre suscetíveis de retificação, como resulta do princípio geral ínsito no artigo 614.º do CPC, e não podem justificar, em si, a improcedência da ação, que apenas pode basear-se na inconcludência dos fundamentos materiais do pedido.
Acresce que o Fundo gerido pela Requerente encontra-se identificado no documento n.º 2 junto ao pedido arbitral como Société d’Investissement à Capital Variable Luxembourg (SICAV), e o certificado de residência constante do documento n.º 4 junto ao pedido arbitral, bem como os documentos n.ºs 5 e 6 juntos ao requerimento de 16 de maio de 2022, atestam, não apenas a designação social da sociedade e o número de identificação fiscal, como também a sua residência no Grão-Ducado do Luxemburgo. Os documentos n.ºs 1 e 2 juntos ao requerimento de 16 de maio de 2022 também revelam a designação social e o número de identificação fiscal da Requerente.
Não existem, por conseguinte, quaisquer dúvidas quanto à identificação fiscal da Requerente e do Fundo por ela gerido, nem quanto à designação social do Fundo, pelo que a pretendida improcedência do pedido arbitral com os apontados fundamentos não tem qualquer cabimento.
Questão de fundo
6. Sustenta a Requerente que o regime especial de tributação aplicável aos fundos de investimento que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, nos termos da parte final do n.º 1 e do n.º 3 do artigo 22.º do EBF, implicando a exclusão desse regime jurídico dos organismos equiparáveis que operem em Portugal de acordo com a legislação portuguesa mas tenham sido constituídos de acordo com a legislação de outro Estado-Membro da União Europeia, viola o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).
A Autoridade Tributária contrapõe que o artigo 22.º do EBF, aplicável aos rendimentos obtidos por fundos de investimento que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, estabelece uma exclusão na determinação do lucro tributável dos rendimentos de capitais, prediais e mais-valias e uma isenção das derramas municipal e estadual, deslocando a tributação para a esfera do imposto do selo, além de que sujeita os OIC às taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC. Não podendo afirmar-se, neste condicionalismo, que se esteja perante situações objetivamente comparáveis, porquanto, a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes, e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pela Requerente.
A questão que nestes termos vem colocada foi analisada no citado acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de março de 2022, proferido em reenvio prejudicial no âmbito do Processo n.º C-545/19, em que se extrai a seguinte conclusão:
O artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.
Esse entendimento é aplicável a outros rendimentos de capitais que se encontram abrangidos pelo disposto no artigo 22.º, n.º 3, do EBF, e vem na linha de anterior jurisprudência do TJUE, ainda que não sobre a específica questão que está em análise nos presentes autos.
O citado artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 31 de janeiro, na parte que mais interessa considerar, dispõe o seguinte:
Artigo 22.º
Organismos de Investimento Coletivo
1 – São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.
2 – O lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC referidos no número anterior corresponde ao resultado líquido do exercício, apurado de acordo com as normas contabilísticas legalmente aplicáveis às entidades referidas no número anterior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
3 – Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1.
4 – Os prejuízos fiscais apurados em determinado período de tributação nos termos do disposto nos números anteriores são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos 12 períodos de tributação posteriores, aplicando -se o disposto no n.º 2 do artigo 52.º do Código do IRC.
5 – Sobre a matéria coletável correspondente ao lucro tributável deduzido dos prejuízos fiscais, tal como apurado nos termos dos números anteriores, aplica -se a taxa geral prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC.
6 – As entidades referidas no n.º 1 estão isentas de derrama municipal e derrama estadual.
(…).
Como resulta, em especial, do disposto nos n.ºs 3 e 6, as entidades referidas no n.º 1, beneficiam de um regime consideravelmente mais favorável que o regime geral de tributação em IRC, porquanto não são considerados, para efeitos do apuramento do lucro tributável, os rendimentos de capitais, os rendimentos prediais e mais-valias, além de que essas entidades estão isentas de derrama municipal e derrama estadual. Por outro lado, nos termos do transcrito n.º 1, o benefício fiscal assim estabelecido aplica-se aos organismos de investimento coletivo que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, o que conduz a afastar, numa interpretação literal do preceito, os organismos equiparáveis que operem no território nacional segundo o direito interno, mas tenham sido constituídos segundo a legislação de um outro Estado-membro da União Europeia.
A questão carece de ser analisada, nestes termos, à luz da alegada violação do princípio da proibição da liberdade de circulação de capitais.
6. No caso, como resulta da matéria de facto tida como assente, a Requerente é uma sociedade constituída segundo o direito irlandês que gere um Fundo de Investimento Mobiliário com sede do Luxemburgo. Fundo é um organismo de investimento coletivo mobiliário desempenhando em Portugal o mesmo papel económico que as sociedades de investimento mobiliário de capital variável heterogeridas, efetuando a angariação de investimento da mesma natureza e oferecendo aos seus clientes o mesmo tipo de condições de mercado.
Alega a Requerente, neste contexto, que a norma do artigo 22.º, n.ºs 1 e 3, do EBF, se torna incompatível com o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
Conforme tem sido entendimento comum, o princípio da proibição de discriminação em razão da nacionalidade consagrado no artigo 18.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia apenas deve ser objeto de aplicação autónoma quando esse mesmo princípio se não encontre concretizado em disposições específicas do Tratado relativas às liberdades de circulação. E, nesse sentido, pode dizer-se que o princípio da não discriminação se realiza, designadamente, por via do direito à livre circulação de movimentos de capitais a que se refere o artigo 63.º do Tratado (cfr. Paula Rosado Pereira, Princípios do Direito Fiscal Internacional – Do Paradigma Clássico ao Direito Fiscal Europeu, Coimbra, 2011, pág. 254).
O artigo 63.º proíbe todas as restrições aos movimentos de capitais, bem como todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros. O artigo 65.º consigna, todavia, que o artigo 63.º não prejudica o direito de os Estados-Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido (n.º 1), esclarecendo o n.º 3, em todo o caso, que essa possibilidade não deve constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos.
Em relação à liberdade de circulação de capitais, o citado acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de março de 2022, proferido em reenvio prejudicial no âmbito do Processo n.º C-545/19, de 10 de Abril de 2014, esclarece o âmbito de aplicação desse princípio, formulando, na parte que mais interessa reter, os seguintes considerandos:
36 Resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que as medidas proibidas pelo artigo 63.°, n.° 1, TFUE, enquanto restrições aos movimentos de capitais, incluem as que são suscetíveis de dissuadir os não residentes de investir num Estado‑Membro ou de dissuadir os residentes de investir noutros Estados (-).
37 No caso em apreço, é facto assente que a isenção fiscal prevista pela legislação nacional em causa no processo principal é concedida aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa, ao passo que os dividendos pagos a OIC estabelecidos noutro Estado‑Membro não podem beneficiar dessa isenção.
38 Ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes.
39 Esse tratamento desfavorável pode dissuadir, por um lado, os OIC não residentes de investirem em sociedades estabelecidas em Portugal e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem participações sociais em OIC e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.° TFUE (-).
40 Não obstante, segundo o artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE, o disposto no artigo 63.° TFUE não prejudica o direito de os Estados‑Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido.
41 Esta disposição, enquanto derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, é de interpretação estrita. Por conseguinte, não pode ser interpretada no sentido de que qualquer legislação fiscal que comporte uma distinção entre os contribuintes em função do lugar em que residam ou do Estado‑Membro onde invistam os seus capitais é automaticamente compatível com o Tratado FUE. Com efeito, a derrogação prevista no artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE é ela própria limitada pelo disposto no artigo 65.º, n.º 3, TFUE, que prevê que as disposições nacionais a que se refere o n.º 1 desse artigo «não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º [TFUE]» (-).
42 O Tribunal de Justiça declarou igualmente que, por conseguinte, há que distinguir as diferenças de tratamento permitidas pelo artigo 65.°, n.° 1, alínea a), TFUE das discriminações proibidas pelo artigo 65.°, n.° 3, TFUE. Ora, para que uma legislação fiscal nacional possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado FUE relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento daí decorrente diga respeito a situações que não sejam objetivamente comparáveis ou se justifique por uma razão imperiosa de interesse geral (-).
Quanto à existência de situações objetivamente comparáveis, o Tribunal de Justiça da União Europeia concluiu que o “critério de distinção a que se refere a legislação nacional (…), que tem por objeto unicamente o lugar de residência dos OIC, não permite concluir pela existência de uma diferença objetiva de situações entre os organismos residentes e os organismos não residentes” (considerando 73), havendo de entender-se que, “no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis” (considerando 74).
E não há motivo para que o tribunal arbitral, face aos elementos factuais conhecidos, deva dissentir do entendimento formulado, quanto a esta matéria, em sede de reenvio prejudicial.
Em relação à possibilidade de uma restrição à livre circulação de capitais ser admitida por razões imperiosas de interesse geral, o Tribunal de Justiça declarou que, para esse efeito, “é necessário que esteja demonstrada a existência de uma relação direta entre o benefício fiscal em causa e a compensação desse benefício por uma determinada imposição fiscal” (considerando 78). Concluindo que, no caso, “não há uma relação direta (…) entre a isenção da retenção na fonte dos dividendos de origem nacional auferidos por um OIC residente e a tributação dos referidos dividendos enquanto rendimentos dos detentores de participações sociais nesse organismo” e a “necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional não pode, por conseguinte, ser invocada para justificar a restrição à livre circulação de capitais induzida pela legislação nacional (…)” (considerandos 80 e 81).
Em todo este contexto, a doutrina fixada pelo TJUE, que é aplicável a outros rendimentos de capitais, é a seguinte:
O artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.
7. Revertendo à situação do caso, e como resulta do ponto II e notas explicativas da nomenclatura anexa à Diretiva 88/361/CEE, o conceito de movimentos de capitais, para efeito da liberdade de circulação a que refere o artigo 63.º do TFUE, abrange os investimentos mobiliários (cfr. considerandos 21 e 22 do acórdão do TJUE de 16 de março de 1999, no Processo C-222/97).
O artigo 22.º, n.º 1, do EBF, ao circunscrever o regime de tributação constante do n.º 3 aos fundos e sociedades de investimento mobiliário que constituam e operem de acordo com a legislação nacional, estabelece um regime mais gravoso para as entidades equiparáveis que operem no território nacional, mas se tenham constituído segundo o direito de um outro Estado-Membro, sem que tenha sido apresentada qualquer justificação para esse tratamento discriminatório.
Segundo o disposto no artigo 65.º, n.º 3, do TFUE, os Estados-Membros podem estabelecer distinções em matéria fiscal entre sujeitos passivos que não se encontrem em idêntica situação em função do lugar da nacionalidade ou residência desde que não implique uma discriminação arbitrária ou uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos.
Havendo de entender-se, tal como refere o acórdão do TJUE proferido no Processo n.º C-545/19, que a diferença de tratamento na legislação fiscal nacional, em relação à livre circulação de capitais, apenas é compatível com as disposições do Tratado se respeitarem a situações objetivamente não comparáveis ou se se justificar por razões imperiosas de interesse geral (cfr. ainda considerando 58 do acórdão de 10 de fevereiro de 2011, nos Processos C-436/08 e C-437/08).
De acordo com o disposto no artigo 8.º, n.º 4, da CRP, as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições são aplicáveis na ordem interna, e nesse sentido prevalecem sobre as normas do direito nacional, motivo por que os tribunais devem recusar a aplicação de lei ou norma jurídica que se encontre em desconformidade com o direito europeu (cfr., entre outros, o acórdão do STA de 1 de julho de 2015, Processo n.º 0188/15).
Os atos de liquidação em IRC impugnados e a decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa contra eles apresentada são assim ilegais por assentarem em disposição legal que viola o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º, n.º 1, do TFUE.
Reembolso do imposto indevidamente pago e juros indemnizatórios
8. A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do ato tributário, há assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago.
A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios.
Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
Nos casos de pedido de revisão oficiosa, em face do disposto na alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, apenas são devidos juros indemnizatórios depois de decorrido um ano após a iniciativa do contribuinte, e não desde a data do desembolso da quantia liquidada, constituindo esse o entendimento jurisprudencial corrente (cfr., entre outros, os acórdãos do STA de 18 de Janeiro de 2017, Processo n.º 0890/16, e de 10 de Maio de 2017, Processo n.º 01159/14).
No caso, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 4 de Maio de 2021, pelo que são devidos juros indemnizatórios desde 5 de Maio de 2022, ou seja a partir de um ano depois da apresentação do pedido de revisão oficiosa.
III - Decisão
Termos em que se decide:
a) Admitir a redução do pedido do valor de € 1.210.129,48 para € 255.853,87;
b) Julgar procedente o pedido arbitral e anular os atos de liquidação de IRC impugnados, referentes aos anos de 2017 e 2018, no montante global de € 255.853,87, bem como a decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa contra eles deduzida;
c) Condenar a Administração Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago e pagamento de juros indemnizatórios desde 5 de Maio de 2022 até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
Valor da causa
Na petição inicial, a Requerente indicou como valor da causa o montante de € 1.210.129,48, que a Autoridade Tributária não questionou e corresponde ao valor das liquidações de imposto a que se pretendia obstar, face ao disposto no n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.
Custas
No requerimento de resposta à matéria de exceção suscitada, na resposta, pela Autoridade Tributária, a Requerente reduziu o pedido ao valor de € 255.853,87, por ser o imposto efetivamente retido, tendo em consideração que apenas auferiu dividendos no montante de € 767.561,50, e não de € 3.630.388,40, como indicou na petição inicial.
A redução do pedido pode ser feita a todo o tempo e independentemente do acordo da contraparte (artigo 265.º, n.º 2, do CPC) e é equivalente, quanto aos seus efeitos materiais, à desistência parcial do pedido, extinguindo o direito que se pretendia fazer valer na parte correspondente à redução e havendo lugar à absolvição do pedido nessa parte - artigo 285.º, n.º 1, do CPC (cfr., neste sentido, Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, 3.º vol., Coimbra, 1946, pág. 96, Antunes Varela/J. Miguel Bezerra/Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra, pág. 356, Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, 3.ª edição, Coimbra, pág. 449 e , na jurisprudência, o acórdão do STJ de 14 de julho de 2016, Processo n.º 108/15).
Por outro lado, nos termos do artigo 537.º, n.º 1, do CPC, “[q]uando a causa termine por desistência ou confissão, as custas são pagas pela parte que desistir ou confessar; e se a desistência ou confissão for parcial, a responsabilidade pelas custas é proporcional à parte de que se desistiu ou que se confessou”, regra esta que se limita a aplicar o princípio geral de repartição de custas do artigo 527.º, n.º 2. E, desse modo, o encargo das custas é repartido entre ambas as partes na proporção em que cada uma tenha ficado vencida (cfr. Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, ob. cit., págs. 419 e 449).
Tendo em consideração todo o exposto, nos termos dos artigos 12.º, n.º 3, do RJAT, e 5.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela II anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 16.524,00, que fica a cargo da Requerente e da Requerida na percentagem de 79% e 21%, respetivamente.
Notifique.
Lisboa, 18 de maio de 2022,
O Presidente do Tribunal Arbitral
Carlos Fernandes Cadilha
O Árbitro Vogal
José Nunes Barata
O Árbitro Vogal
Olívio Mota Amador