Sumário:
I - Não obstante o disposto no artigo 77.º, n.º 1, do Código do IMI, a legalidade dos atos de liquidação de Adicional ao IMI pode ser apreciada em processo de impugnação judicial com base em vícios imputáveis aos atos de fixação do valor patrimonial tributário;
II - O tribunal arbitral é competente para apreciar a legalidade dos atos de liquidação de Adicional ao IMI, quando a impugnação tenha como fundamento a quantificação errónea do valor patrimonial tributário dos prédios em causa;
III - Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação integral a fórmula consagrada no artigo 38.º do Código do IMI, por existirem regras específicas previstas no artigo 45.º do mesmo Código.
Decisão Arbitral
Os árbitros Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Leonardo Marques dos Santos e Arlindo José Francisco, designados pelo Conselho Deontológico do CAAD para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
I – Relatório
1. A... S.A., com o número de identificação fiscal..., com sede na ..., n.º ..., ..., ..., ...‐... Óbidos, vem requerer, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto‐Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a constituição de tribunal arbitral para apreciar a legalidade dos atos tributários de liquidação de Adicional ao IMI n.ºs 2017..., 2017..., 2018..., 2018..., 2019 ... e 2020..., relativos aos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020, no montante global de € 220.080,63, e do ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa contra eles deduzido, requerendo ainda a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira (abreviadamente “Autoridade Tributária”) no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado sem o exercício da opção de designação de árbitro, vindo a ser aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária em 21 de dezembro de 2021.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram notificadas das designações, não tendo, qualquer delas, manifestado vontade de as recusar, vindo o tribunal a ser constituído em 22/02/2022, de harmonia com as disposições contidas na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro.
O pedido dirige-se à anulação dos atos de liquidação de Adicional de IMI (AIMI) e da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, por, no entender da Requerente, tais atos tributários padecerem de erro na interpretação dos pressupostos de facto e direito.
A Requerente suporta o seu ponto de vista, em síntese, no facto dos valores patrimoniais dos terrenos para construção que serviram de base às liquidações, terem sido apurados com a aplicação dos coeficientes, previstos nos artigos 41.º, 42.º, 43.º e 44.º do Código do IMI (CIMI), que não faziam parte da fórmula de cálculo do valor patrimonial dos terrenos para construção, prevista no artigo 45.º do mesmo Código à data do facto tributário relevante para efeitos de liquidação do AIMI. A fundamentar a sua orientação a Requerente enumera ampla jurisprudência do STA e, também, a decisão arbitral proferida no Processo n.º 554/2019-T.
A título subsidiário, a Requerente pede a desaplicação da norma extraída do artigo 45.º do CIMI, na redação vigente à data da verificação do facto tributário, já que os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º eram aplicáveis na determinação do valor patrimonial tributário (VPT) de terrenos para construção, com fundamento em inconstitucionalidade, por violação do princípio da legalidade tributária, no sentido de reserva de lei formal, ínsito na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2 do artigo 103.º da CRP.
A Requerida começa por considerar que o procedimento de avaliação é um ato autónomo e destacável para efeito de impugnação judicial e, não tendo a Requerente deduzido a impugnação nos prazos legalmente previstos, verificou-se a sua consolidação na ordem jurídica como caso decidido ou caso resolvido. Mais refere que não tendo a Requerente posto em causa o valor patrimonial obtido na primeira avaliação, mediante o pedido de uma segunda avaliação, o mesmo fixou-se na ordem jurídica, não sendo possível dele conhecer nas posteriores liquidações de imposto. Isto é, a errónea qualificação e quantificação do valor patrimonial apenas pode ser conhecida em sede de impugnação da segunda avaliação, e não nas posteriores liquidações, pelo que, estando em causa, a mera apreciação de actos administrativos em matéria tributária, o tribunal arbitral não é competente para deles conhecer.
Considera ainda que os atos de liquidação não são impugnáveis com fundamento em vícios próprios dos atos de fixação do valor patrimonial tributários.
Por outro lado, a Requerida entende que, nos termos do artigo 168.º do CPA, os atos administrativos apenas ser objeto de anulação administrativa no prazo de cinco anos a contar da respetiva emissão, pelo que se encontra precludido o prazo para anulação administrativa do ato que fixa valor patrimonial tributário, o qual se encontra sanado e produz efeitos jurídicos, nomeadamente, para efeitos de cálculo de IMI.
Sustenta ainda não haver violação do princípio constitucional da igualdade, uma vez que a atual interpretação da Administração Tributária sobre a forma de cálculo do VPT dos terrenos para construção já está alinhada com o entendimento do STA, pelo que se encontra prejudicada a controvérsia sobre a aplicação dos artigos 38.º ou 45.º do Código do IMI na avaliação desses prédios.
Por último, defende que o pedido formulado pela Requerente não está fundamentado na lei e aos tribunais arbitrais está vedado julgar de acordo com critérios de equidade, pelo que pedido de pronúncia arbitral devendo ser considerado improcedente.
II - Saneamento
3. O Tribunal foi regularmente constituído, é competente, tendo em vista as disposições contidas nos artigos 2.º, n.º 1, e 5.º, n.ºs 1 e 2, do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, estando ambas regularmente representadas, de harmonia com os artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT.
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
Notificada a Requerida nos termos e efeitos do artigo 17.º do RJAT, veio solicitar, em 18 de março de 2022, a notificação da Requerente para juntar os documentos 4, 5 e 6 juntos ao pedido arbitral por não serem legíveis, o que foi deferido e notificado à Requerente no dia 22 seguinte.
Em 28 de Março foi apresentada a resposta, tendo o Tribunal em 30 do mesmo mês, ordenado a notificação da Requerente para se pronunciar, querendo, no prazo de 5 dias, sobre a matéria de exceção suscitada, na resposta, pela Autoridade Tributária.
A Requerente, pronunciou-se sobre a matéria de exceção nos termos constantes do requerimento junto aos autos em 12 de abril.
O processo não enferma de nulidades e foram suscitadas as exceções de incompetência do tribunal arbitral, de inimpugnabilidade dos atos de liquidação com fundamento e vícios próprios do ato de fixação do valor patrimonial tributário e por consolidação na ordem jurídica do ato de fixação desse valor, e ainda por impossibilidade legal de a Administração Tributária determinar a anulação administrativa dos atos quando tenham já decorrido mais de cinco anos sobre a sua emissão, questões essas que serão analisadas de seguida
Incompetência do tribunal arbitral e inimpugnabilidade dos atos tributários de liquidação
4. A Autoridade Tributária invoca a exceção de incompetência do tribunal arbitral, com base na inimpugnabilidade dos atos de liquidação decorrente de se ter consolidado na ordem jurídica o ato de fixação do valor patrimonial tributário, por considerar – se bem se entende – que está em causa a apreciação de atos administrativos em matéria tributária que não comportam a apreciação da legalidade do ato de liquidação (artigo 97.º, n.º 2, do CPPT).
Uma vez que a questão da incompetência do tribunal arbitral, tal como vem colocada, está dependente da inimpugnabilidade dos atos de liquidação que constituem objeto do pedido arbitral, interessa averiguar previamente se se verifica a alegada inimpugnabilidade.
Cabe começar por dizer, a este propósito, que o acórdão do STA citado pela Autoridade Tributária no artigo 25.º da resposta (acórdão de 15 de fevereiro de 2017, Processo n.º 633/14), pretensamente favorável ao entendimento de que o ato de fixação do valor patrimonial tributário constitui ato destacável e não poderá ser posto em causa na impugnação judicial da liquidação do imposto, não se refere ao ato de fixação do valor patrimonial tributário, mas antes à decisão de avaliação da matéria coletável por método indireto, e não tem qualquer aplicação ao caso concreto. Nem se conhece acórdão do STA que ostente um sumário correspondente àquele que é transcrito nesse mesmo artigo 25.º da resposta.
Certo é que existe jurisprudência, que, invocando o princípio da impugnação unitária, considera que dos atos de fixação dos valores patrimoniais cabe impugnação contenciosa autónoma, pelo que, na falta de oportuna reação jurisdicional, a fixação do valor patrimonial consolida-se na ordem jurídica e qualquer erro ou vício de que enferme não pode ser conhecido na impugnação deduzida contra o posterior ato de liquidação (acórdão do TCA Sul de 27 de abril e 2010, Processo n.º 03586/09).
No entanto, este entendimento jurisprudencial não tem correspondência com o hodierno conceito do ato destacável impugnável, nem interpreta adequadamente o princípio da impugnação unitária.
Tradicionalmente são designados como atos destacáveis aqueles que, ainda que não ponham termo ao procedimento ou a um seu incidente autónomo, produzem efeitos jurídicos externos e se tornam, como tal, diretamente impugnáveis.
Note-se, no entanto, o CPTA, em conformidade com o também estabelecido no artigo 148.º do CPA, alargou o conceito de ato contenciosamente impugnável, colocando o acento tónico na eficácia externa do ato, isto é, na virtualidade de o ato produzir efeitos jurídicos no âmbito das relações entre a Administração e os particulares, independentemente de poder tratar-se de mero ato procedimental. Com efeito, o segmento inicial do n.º 1 do artigo 51.º do CPTA abre caminho à possibilidade de impugnação contenciosa de atos procedimentais, e não apenas de atos que ponham termo ao procedimento ou a uma fase autónoma desse procedimento, e aboliu, desse modo, o requisito de definitividade horizontal.
E, por outro lado, o n.º 3 desse artigo 51.º, confere um carácter de facultatividade à impugnação de atos procedimentais, não impedindo que o interessado possa impugnar o ato final, com base nos vícios que afetem o ato intermédio, excluindo apenas os casos em que o ato em causa tenha determinado a exclusão do interessado no procedimento (hipótese em que o ato praticado no decurso do procedimento representa já decisão final relativamente ao interessado excluído), bem como os demais casos em que a lei imponha especialmente o ónus de impugnação tempestiva de atos procedimentais (v.g., no âmbito do processo disciplinar, a impugnação de irregularidades processuais que se considerem supridas em caso de falta de reclamação até à decisão final — artigo 203.º, n.º 2, da Lei Geral do Trabalho na Função Pública) (cfr., neste preciso sentido, Carlos Fernandes Cadilha, Dicionário de Contencioso Administrativo, 2.ª edição, Coimbra, págs. 123-124).
O propósito do n.º 3 do artigo 51.º do CPTA é, pois, o de impedir que a maior abertura no plano da impugnabilidade de atos procedimentais que resulta dos n.ºs 1 e 2 acarrete um agravamento da posição processual dos interessados: por isso se consagra a regra de que, quando o interessado não tenha impugnado um ato interlocutório suscetível de produzir efeitos lesivos na sua esfera jurídica, não fica precludida a faculdade de dirigir a impugnação contra o ato final do procedimento (Cfr. Mário Aroso de Almeida/Carlos Fernandes Cadilha Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 5.ª edição, Coimbra, pág. 374).
Por outro lado, quando a parte final do n.º 3 do artigo 51.º do CPTA ressalva as “ilegalidades que digam respeito […] a ato que lei especial submeta a um ónus de impugnação autónoma”, pretende abranger os casos em que a lei avulsa que regule o procedimento específico em causa imponha especialmente o ónus da impugnação contenciosa de um certo ato procedimental, de modo a que as ilegalidades em que ele incorra não possam ser invocadas na reação jurisdicional que venha a ser dirigida contra a decisão final do procedimento, não bastando, por isso, a mera menção, em lei especial, de que certo ato procedimental é passível de impugnação administrativa.
Nesse mesmo sentido deve ser interpretado o princípio da impugnação unitária a que se refere o artigo 54.º do CPPT, pelo qual “[S]alvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são suscetíveis de impugnação contenciosa os atos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida”.
Segundo esta disposição, como atos interlocutórios autonomamente impugnáveis devem entender-se os “imediatamente lesivos”, ou seja, os atos que, embora inseridos no procedimento tributário, e anteriores à decisão final, a condicionam irremediavelmente, de tal modo que o ato interlocutório, se não for impugnado, consolida-se na ordem jurídica, e a decisão final do procedimento não pode ser impugnada com base em vícios atinentes a esse mesmo ato. E também aqueles relativamente aos quais exista lei expressa que, independentemente da imediata lesividade dos atos, preveja a impugnação contenciosa autónoma.
5. Revertendo à situação do caso concreto, justifica-se a referência, na parte que mais interessa considerar, às disposições dos artigos 76.º e 77.º do CIMI, que são do seguinte teor:
Artigo 76º
Segunda avaliação de prédios urbanos
1 - Quando o sujeito passivo, a câmara municipal ou o chefe de finanças não concordarem com o resultado da avaliação direta de prédios urbanos, podem, respetivamente, requerer ou promover uma segunda avaliação, no prazo de 30 dias contados da data em que o primeiro tenha sido notificado.
[…]
Artigo 77º
Impugnação
1- Do resultado das segundas avaliações cabe impugnação judicial, nos termos definidos no Código de Procedimento e de Processo Tributário.
2- A impugnação referida no número anterior pode ter como fundamento qualquer ilegalidade, designadamente a errónea quantificação do valor patrimonial tributário do prédio.
3- A iniciativa da impugnação a que se refere o n.º 1 cabe ao sujeito passivo, à câmara municipal ou à junta de freguesia, quando esta última seja beneficiária da receita.
A remissão para o artigo o CPPT, que consta do artigo 77.º, n.º 1, do CIMI, deve entender-se como feita para o artigo 97.º desse Código, que enumera as situações em que há lugar à impugnação judicial, no âmbito do processo judicial tributário, e entre as quais se conta a “impugnação de atos de fixação de valores patrimoniais”, a que se refere o artigo 97.º, n.º 1, alínea f), desse Código.
O que resulta da interpretação conjugada dos artigos 76.º, n.º 1, e 77.º, n.º 1, do CIMI é que do resultado das segundas avaliações cabe impugnação judicial e, por outro lado, a segunda avaliação de prédios urbanos, em que se incluem os terrenos para construção, pode ser requerida pelo sujeito passivo ou pela câmara municipal ou promovida pelo chefe de finanças, quando não concordarem com o resultado da avaliação direta de prédios urbanos.
A segunda avaliação corresponde a uma forma de impugnação administrativa da avaliação direta, mas a lei não impõe ao sujeito passivo a utilização prévia desse meio de tutela administrativa como condição de acesso à via contenciosa, limitando-se a facultar ao interessado o direito a requerer uma segunda avaliação.
Importa fazer notar, a este propósito, que o CPA veio clarificar a distinção entre reclamações e recursos necessários e facultativos, dizendo que as reclamações e os recurso administrativos são necessários e facultativos, conforme dependa, ou não, da sua prévia utilização a possibilidade de acesso aos meios contenciosos (artigo 185.º, n.º 1), e consagrando explicitamente a regra de que “as reclamações e os recursos têm caráter facultativo, salvo se a lei os denominar como necessários” (artigo 185.º, n.º 2), o que significa que apenas poderão ser consideradas impugnações administrativas necessárias aquelas que sejam expressamente qualificadas como tal por disposição legal.
Ora, não impondo a lei a obrigatoriedade de o sujeito passivo requerer uma segunda avaliação, nem podendo considerar-se essa segunda avaliação como uma impugnação administrativa necessária, não pode interpretar-se a norma do artigo 77.º, n.º 1, do CIMI como estabelecendo um ónus de impugnação judicial do ato fixação do valor patrimonial tributário que tenha resultado da segunda avaliação. Ou seja, uma vez que o artigo 76.º, n.º 1, do CIMI confere ao pedido de uma segunda avaliação um carácter meramente facultativo, o interessado não tinha de requerer essa segunda avaliação, não lhe sendo exigível, ao abrigo do subsequente artigo 77.º, que impugnasse judicialmente o resultado de uma segunda avaliação que não estava sequer vinculado a requerer.
Como é de concluir, o artigo 77.º, n.º 1, do CIMI, ao dispor que do “resultado das segundas avaliações cabe impugnação judicial”, não pode ser interpretado como implicando um ónus processual de impugnação do ato de fixação do valor patrimonial tributário, o que apenas poderia suceder se o pedido de segunda avaliação, a que se refere o artigo 76.º, n.º 1, do CIMI, tivesse sido previsto como uma forma de impugnação administrativa necessária destinada a permitir o ulterior acesso à via contenciosa.
Ora, o falado artigo 76.º, n.º 1, limita-se a conferir ao interessado a faculdade de requerer uma segunda avaliação e, na situação do caso, não houve sequer uma segunda avaliação, por não ter sido requerida pelo interessado, nem promovida pelo chefe de finanças, pelo que – como é evidente – não pode ser imposto ao contribuinte o ónus de impugnar judicialmente a fixação do valor patrimonial tributário que tenha resultado de uma segunda avaliação que nem sequer teve lugar.
6. É necessário ter presente, por outro lado, uma outra ordem de considerações.
No procedimento tributário, para além das impugnações administrativas típicas da reclamação graciosa e do recurso contencioso, pode haver ainda lugar a revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.
É entendimento jurisprudencial, com base no disposto no artigo 78.º, n.º 7, da LGT, que a revisão oficiosa do ato tributário pode ser efetuada igualmente a pedido do contribuinte no prazo de quatro anos contados da liquidação quando houver erro imputável aos serviços, devendo entender-se como tal o erro material, o erro de facto ou o erro de direito, independentemente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão da liquidação (cfr., entre outros, os acórdãos do STA de 14 de Março de 2012, Processo n.º 01007/11, e de 8 de Março de 2017, Processo n.º 01019/14, e, na doutrina, Joaquim Freitas da Rocha, Lições de Procedimento Tributário, 5.ª edição, Coimbra, págs. 227-228; Serena Cabrita Neto/Carla Castelo Trindade, Contencioso Tributário, vol. I, Coimbra, 2017, pág. 605 e Leonardo Marques dos Santos, “A revisão do acto tributário, as garantias dos contribuintes e a fiscalidade internacional”, in Estudos de Homenagem ao Professor Doutor Alberto Xavier, Economia, Finanças Públicas e Direito Fiscal, Vol. II, p. 14 e ss.).
Sendo admissível, por conseguinte, a revisão oficiosa dos atos tributários de liquidação por iniciativa do contribuinte com fundamento em erro nos pressupostos de facto ou de direito, e, em relação aos atos de liquidação de IMI, com base em errónea quantificação do valor patrimonial tributário, não há nenhum motivo para afastar a impugnabilidade dos atos de liquidação do imposto quando tenham sido objeto de pedido de revisão oficiosa que foi tácita ou expressamente indeferido.
Nesse sentido se pronunciou a decisão arbitral proferida no Processo 500/2020-T, onde se refere que, “[S]endo o pedido de revisão oficiosa meio próprio para se obter a revisão de uma liquidação, mesmo quando inquinada por vicio de quantificação da matéria coletável que lhe serve de base, é meio próprio para conhecer tais questões o recurso judicial ou arbitral interposto no seguimento do silêncio administrativo quanto a tal pedido”. Bem como a decisão arbitral proferida no Processo nº 487/2020-T, que, com base n.ºs 4 e 5 do artigo 78º da LGT, admite a possibilidade de revisão oficiosa de actos de fixação da matéria tributável, a que se reconduzem os actos de fixação de valores patrimoniais, “com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contibuinte.”
Ainda no sentido de que a legalidade do ato de fixação do valor patrimonial tributário, apesar de ser um ato destacável, suscetível de impugnação autónoma, pode ser apreciada em processo de impugnação de liquidação que o tenha assumido como matéria coletável, se revelam as decisões arbitrais proferidas nos Processos n.ºs 395/2021-T e 672/2021-T, bem como o acórdão do TCA Sul, de 31 de outubro de 2019 (Processo n.º 2765/12), em cujo sumário se explicita que “a errada fixação do VPT, em 2003, pode ser arguida através do pedido de revisão oficiosa das liquidações, nos termos conjugados dos artigos 78.º da LGT e 115.º do CIMI, ainda que o contribuinte não tenha reagido atempadamente contra essa fixação”.
Concluindo-se pela impugnabilidade dos actos de liquidação de IMI com fundamento em errónea quantificação do valor patrimonial tributário, fica igualmente excluída a excepção de insidincabilidade dos actos de liquidação por vícios próprios do acto de fixação do valor patrimonial tributário, que é também invocada pela Autoridade Tributária.
E uma vez que os actos tributários que constituem objecto do pedido arbitral são impugnáveis e correspondem a actos de liquidação de tributos, não se verifica a alegada incompetência do tribunal (artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT).
Sanação dos vícios do ato de fixação do valor patrimonial tributário por efeito do caso decidido
7. A Autoridade Tributária alega, a propósito do regime da anulação administrativa, que, por efeito do artigo 168.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), os atos administrativos podem ser objeto de anulação administrativa no prazo máximo de cinco anos a contar da respetiva emissão, para concluir que encontrando-se já precludido o prazo para anulação administrativa do ato que fixa valor patrimonial tributário, este ato encontra-se sanado e produz efeitos jurídicos, nomeadamente para efeitos de cálculo de IMI.
Semelhante argumentação assenta num evidente equívoco.
O novo CPA passou a distinguir entre revogação e anulação administrativa, fazendo corresponder cada uma destas figuras às duas anteriores modalidades de revogação ab-rogatória ou extintiva e de revogação anulatória. A anulação administrativa prevista no atual CPA, ainda que com diferentes condicionalismos, não é, por conseguinte, mais do que o antigo instituto da revogação do ato administrativo por iniciativa da Administração, ou a pedido do interessado, mediante a interposição reclamação graciosa ou recurso administrativo, a que se referiam os artigos 138.º e seguintes do CPA de 1991.
O decurso do prazo para a Administração proceder à anulação administrativa de um ato administrativo não sana os vícios de que o ato possa padecer, mas implica apenas que os seus efeitos se tornam definitivos, adquirindo a força jurídica de caso decidido ou caso resolvido. Significando que o ato administrativo, enquanto decisão de uma autoridade administrativa, define o direito do caso concreto de forma estável (cfr. Vieira de Andrade, Lições de Direito Administrativo, 2.º edição, Coimbra, pág. 163).
O caso decidido, no entanto, apenas releva na relação entre a Administração e o particular, e não impede que o interessado lance mão dos meios processuais de impugnação contenciosa contra o ato administrativo, ainda que a Administração não possa já anulá-lo administrativamente.
A anulação administrativa, quando ocorra, apenas tem como consequência que o particular deixa de ter interesse processual em impugnar o ato judicialmente. E caso a anulação administrativa se verifique na pendência de um processo de impugnação judicial, haverá lugar à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide. Assim se compreende que o mesmo artigo 168.º do CPA, no seu n.º 3, declare que [Q]uando o ato tenha sido objeto de impugnação jurisdicional, a anulação administrativa só pode ter lugar até ao encerramento da discussão”.
A consolidação na ordem jurídica do ato administrativo anulável só opera, por conseguinte, quando tenha decorrido o prazo legalmente previsto para o interessado deduzir o competente meio processual de impugnação, na medida em que só pelo decurso desse prazo é o ato se torna inimpugnável jurisdicionalmente.
Qualquer outra solução constituiria um absurdo, confundindo a atividade administrativa com a função jurisdicional e contrariando flagrantemente o princípio da tutela jurisdicional efectiva.
Uma vez que a anulação administrativa é um ato administrativo que se desenrola no âmbito de procedimento administrativo, e cuja prática se encontra na exclusiva disponibilidade da Administração, é claro que as vicissitudes quanto à possibilidade de o ato ser anulado ainda no âmbito do procedimento, não interfere em nada com o direito processual dos interessados recorreram a uma instância jurisdicional.
E, assim, não só os vícios do ato de fixação valor patrimonial tributário se não encontram sanados com o caso decidido, como também o contribuinte não está impedido de impugnar jurisdicionalmente os atos de liquidação de IMI, com fundamento na errónea quantificação do valor patrimonial tributário.
Proibição legal da pronúncia arbitral segundo a equidade
8. Face a tudo o que anteriormente se expôs, não tem cabimento a invocação pela Autoridade Tributária do princípio da proibição legal do julgamento segundo a equidade.
Os atos de liquidação de IMI são impugnáveis por vícios imputáveis ao ato de fixação do valor patrimonial tributário, e o tribunal arbitral limitar-se-á a apreciar estritamente as questões de legalidade segundo o direito constituído.
Cumpre apreciar e decidir.
III - Fundamentação
Matéria de facto
9. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes:
A) A Requerente é uma sociedade anónima, tendo como objeto social a promoção, desenvolvimento e participação em projetos e investimentos imobiliários no sector de turismo, compra e venda de imóveis, bem como revenda, a construção e arrendamento de imóveis´;
B) No âmbito dessa atividade é proprietária de diversos prédios, incluindo terrenos
para construção, situados na freguesia de ... do município de Óbidos;
C) A Requerente foi notificada dos atos tributários de liquidação de AIMI n.ºs 2017 ... e 2017 ..., referentes ao ano 2017, no montante total de € 169.133,92, n.ºs 2018 ... e 2018 ..., referentes ao ano 2018, no montante total de € 160.021,80, n.º 2019 ..., referente ao ano 2019, no montante de € 168.528,65 e n.º 2020 ..., referente ao ano 2020, no montante de € 157.270,15;
D) Em parte, as liquidações tiveram por base, para efeitos de determinação do
valor tributável e do correspondente montante de AIMI a pagar, os valores
patrimoniais tributários dos terrenos para construção de que a Requerente era titular, calculados segundo a fórmula de cálculo prevista no artigo 38.º do Código do IMI, que considerava a aplicação de coeficientes de afetação, de localização, e de qualidade e conforto;
E) As avaliações foram realizadas em 2015 a 2016, e a Requerente não solicitou uma segunda avaliação, nos termos do disposto no artigo 76.º, n.º 1, do Código do IMI, nem impugnou jurisdicionalmente os atos de avaliação direta;
F) – Os atos de liquidação impugnados constam do documento 7 junto com o pedido arbitral, que aqui se dá como reproduzido, resultando um valor de AIMI a pagar no montante de € 220 080,63;
G) Na sequência da jurisprudência reiterada do STA no sentido da inaplicação, para efeito da determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos de construção, dos coeficientes de afetação, de localização e de qualidade e conforto, a Autoridade Tributária, no decorrer do ano 2020, corrigiu a fórmula de cálculo aplicável a esses prédios, deixando de aplicar esses coeficientes;
H) A Requerente procedeu ao pagamento atempado dos atos de liquidação de AIMI;
I) Em 13 de Julho de 2021, a Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa contra os atos de liquidação a que se refere a antecedente alínea F);
J) O pedido de revisão oficiosa não foi apreciado no prazo legalmente cominado, considerando-se com tacitamente indeferido em 22 de novembro de 2021;
L) O pedido arbitral deu entrada em 20 de dezembro de 2021.
Factos não provados
Não há factos não provados que relevem para a decisão da causa.
O tribunal formou a sua convicção quanto aos factos provados com base nos documentos juntos ao pedido arbitral.
Matéria de direito
10. A questão que está em debate consiste em saber se na determinação do valor patrimonial tributário de um terreno para construção, com referência aos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020, deverão ser tomados em consideração os coeficientes de afetação, de localização e de qualidade e conforto, a que se refere o artigo 38.º do Código do IMI.
A Requerente defende o entendimento de que a avaliação de terrenos para construção em causa se rege exclusivamente pelo disposto no artigo 45.º Código do IMI, na redação da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, não havendo qualquer norma de remissão para as regras gerais do artigo 38.º, pelo que a adoção dos coeficientes de afetação, de localização e de qualidade e conforto corresponde a uma aplicação analógica desse preceito que é legalmente proibida, concluindo assim que os atos de liquidação de adicional de IMI incorrem em erro nos pressupostos de facto e de direito quanto à determinação dos valores patrimoniais tributários.
Quanto à matéria de fundo, a Autoridade Tributária considera que os serviços acolheram já o entendimento jurisprudencial segundo o qual, na determinação do VPT dos terrenos para construção, releva a regra específica constante do artigo 45.º do CIMI e não qualquer outra, mas por força do disposto no artigo 168, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo (CPA) não era já possível, pelo decurso do prazo de cinco anos, proceder à anulação administrativa dos atos de fixação do valor patrimonial tributário, que se consolidaram na ordem jurídica, pelo que se não verifica qualquer ilegalidade dos atos impugnados, nem qualquer erro por parte dos serviços, que se limitaram a dar cumprimento ao disposto na lei.
A jurisprudência consolidada do STA aponta no sentido de que na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção há que observar o disposto no artigo 45.º do Código do IMI, que constitui a norma específica que regula essa matéria, pelo que não há lugar à consideração dos diversos coeficientes a que se refere o artigo 38.º
E não há qualquer motivo para alterar essa orientação.
Tal como resulta do artigo 1.º do Código do IMI, o imposto municipal sobre imóveis (IMI) incide sobre o valor patrimonial tributário dos prédios rústicos e urbanos situados no território português, definindo os artigos subsequentes, para efeitos do imposto, os conceitos de prédio, de prédios rústicos, de prédios urbanos e de prédios mistos (artigos 2.º a 5.º).
O artigo 6.º, por seu turno, estabelece as espécies de prédios urbanos, estatuindo o seguinte:
“1 - Os prédios urbanos dividem-se em:
a) Habitacionais;
b) Comerciais, industriais ou para serviços;
c) Terrenos para construção;
d) Outros.
2 - Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.
3 - Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, excetuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afetos a espaços, infraestruturas ou equipamentos públicos.
4 - Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da exceção do n.º 3.
No que se refere às operações de avaliação, a lei distingue entre os prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços, cujos parâmetros se encontram consignados nos artigos 38.º a 44.º, e os terrenos para construção e os prédios da espécie “outros”, cujo valor patrimonial tributário é determinado, respetivamente, nos termos dos artigos 45.º e 46.º.
Aquele artigo 38.º, sob a epígrafe “Determinação do valor tributário”, na parte que mais interessa considerar, dispõe o seguinte:
1 - A determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços resulta da seguinte expressão:
Vt = Vc x A x Ca x Clx Cq x Cv
em que:
Vt = valor patrimonial tributário;
Vc = valor base dos prédios edificados;
A = área bruta de construção mais a área excedente à área de implantação;
Ca = coeficiente de afetação;
Cl = coeficiente de localização
Cq = coeficiente de qualidade e conforto;
Cv = coeficiente de vetustez.
(…).
Por sua vez, os preceitos que regulam a fixação do valor patrimonial dos terrenos para construção e prédios urbanos da espécie “outros”, na redação vigente à data dos factos, estatuem do seguinte modo:
Artigo 45.º
Valor patrimonial tributário dos terrenos para construção
1 - O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação.
2 - O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.
3 - Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º
4 - O valor da área adjacente à construção é calculado nos termos do n.º 4 do artigo 40.º.
(…).
Artigo 46.º
Valor patrimonial tributário dos prédios da espécie «Outros»
-
- No caso de edifícios, o valor patrimonial tributário é determinado nos termos do artigo 38º, com as adaptações necessárias.
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- No caso de não ser possível utilizar as regras do artigo 38º, o perito deve utilizar o método do custo adicionado do valor do terreno.
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- No caso de terrenos, o seu valor unitário corresponde ao que resulta da aplicação do coeficiente de 0,005, referido no nº 4 do artigo 40º, ao produto do valor base dos prédios edificados pelo coeficiente de localização.
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- O valor patrimonial tributário dos prédios urbanos em ruínas é determinado como se de terreno para construção se tratasse, de acordo com deliberação da câmara municipal.
É a todos os títulos evidente que o legislador, ao definir os critérios de determinação do valor tributário por referência aos prédios urbanos classificados como «habitacionais», «comerciais, industriais ou para serviços», «terrenos para construção» e «outros», está precisamente a remeter para essa tipologia de prédios de acordo com a própria caracterização que o Código lhe atribui nos termos das alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 6.º do Código do IMI.
Estando em causa um terreno para construção, o valor patrimonial tributário tem por base os critérios definidos naquele artigo 45.º, que remete para o valor da área de implantação do edifício a construir acrescido do valor do terreno adjacente à implantação. Além de que a norma define os termos em que se calcula o valor da área de implantação do edifício a construir (n.ºs 2 e 3) e o valor da área adjacente à construção (n.º 4), cujo somatório permite fixar o valor patrimonial do terreno para construção.
O valor da área de implantação varia numa percentagem entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas e que é fixada tendo em consideração as características mencionadas no n.º 3 do artigo 42.º, isto é, características relativas a acessibilidades, proximidade de equipamentos sociais e localização em zonas de elevado valor de mercado imobiliário. Por sua vez, o valor da área adjacente à construção é calculado mediante a remissão para o artigo 40.º, n.º 4, que estipula a fórmula de cálculo da área de terreno livre dos prédios edificados.
Determinando a lei os termos em que se calcula o valor da área de implantação do edifício a construir e o valor da área adjacente à construção, cujo somatório permite fixar o valor patrimonial do terreno para construção, são esses os específicos critérios a que haverá de atender-se para efeitos de avaliação. Ao estabelecer que o valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas, a lei não manda aplicar o coeficiente de localização definido no artigo 42.º para prédios urbanos destinados a comércio, indústria ou serviços, pretendendo explicitar apenas que, para efeitos de avaliação dos terrenos de construção, deve ser considerado um valor percentual entre esses dois limites, ponderado em função das características atinentes à localização do terreno. Ao utilizar a fórmula de cálculo da área de terreno livre dos prédios edificados, para a determinação do valor da área adjacente à construção, o legislador não pretende equiparar os terrenos de construção aos prédios edificados, mas unicamente aplicar um mecanismo de cálculo que se encontra previsto numa outra disposição do mesmo diploma legal.
Como é bem de ver, a referências feitas no artigo 45.º ao regime específico do n.º 3 do artigo 42.º e do n.º 4 do artigo 40.º não representam uma remissão em bloco para os critérios de avaliação aplicáveis aos prédios edificados, mas apenas a integração no regime próprio de avaliação dos terrenos para construção, por efeito de um expediente de remissão intra-sistemática, de certos fatores que são também considerados na avaliação de outros prédios urbanos.
De resto, não deixa de ser significativo, no quadro de uma interpretação sistemática da lei, que o mencionado artigo 45.º não contenha disposição similar à prevista no artigo 46.º, que para a determinação do valor patrimonial tributário dos prédios da espécie «outros», manda aplicar, com as adaptações necessárias, no caso de edifícios, os critérios definidos no artigo 38º. No caso dos terrenos para construção, não só não é efetuada essa remissão genérica para o disposto nesse preceito, como também se estipulam critérios próprios para o cálculo do valor patrimonial tributário dos prédios.
Por outro lado, uma interpretação do artigo 45.º com base na similitude de situação entre os terrenos para construção e os edifícios construídos não tem o mínimo apoio na letra da lei e não é sequer admissível o recurso à analogia, não só porque não existe nenhuma lacuna normativa que seja suscetível de integração analógica, como também porque a integração por meio de analogia é proibida no tocante a matérias abrangidas pela reserva de lei parlamentar (artigo 11.º, n.º 4, da LGT).
No sentido exposto aponta ainda a jurisprudência do STA, que tem vindo a considerar não serem aplicáveis, na avaliação de terrenos para construção, os coeficientes de afetação e de qualidade e conforto, com base no entendimento de esses fatores apenas podem ser aferidos em relação a prédios já edificados (cfr. acórdãos do STA de 11 de novembro de 2009, Processo n.º 0765/09, de 20 de abril de 2016, Processo n.º 0824/15, e de 16 de maio de 2018, Processo n.º 0986/16). Como também tem afastado o coeficiente de localização, na medida em que se entende que esse fator se encontra já contemplado na percentagem estabelecida no n.º 2 do artigo 45.º (cfr. acórdãos do STA de 5 de abril de 2017, Processo n.º 01107/16, e de 28 de junho de 2017, Processo n.º 0897/16).
Importa por fim referir que este entendimento jurisprudencial foi sufragado pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, em recurso por oposição de julgados, através do acórdão de 21 de setembro de 2016, no Processo n.º 01083/13.
Nestes termos, a fixação do valor patrimonial tributário de terreno para construção com base na aplicação de coeficientes de afetação, de localização e de qualidade e conforto, mostra-se ser ilegal por violação do artigo 45.º do Código do IMI.
Acresce que, como se deixou já esclarecido, a circunstância de a Administração Tributária não poder proceder à anulação administrativa, pelo decurso do prazo previsto no CPA, não sana os vícios do ato de fixação valor patrimonial tributário, nem impede o sujeito passivo de impugnar jurisdicionalmente os atos de liquidação de AIMI, com fundamento na ilegalidade desses atos (cfr. supra ponto 7.).
Resta referir que não tem qualquer cabimento, no âmbito de um processo jurisdicional, a invocação do princípio da subordinação da Administração à lei. Esse é um princípio da atividade administrativa, como tal consagrado no artigo 266.º, n.º 2, da Constituição e que se analisa em duas dimensões fundamentais: o princípio da prevalência da lei e o princípio da precedência de lei. O princípio da legalidade, assim entendido, corresponde a um princípio da juridicidade da Administração, significando que são as regras e os princípios da ordem jurídica que constituem fundamento e pressuposto da atividade administrativa.
Deduzida uma impugnação judicial do ato administrativo é à instância jurisdicional que cabe dizer o direito aplicável ao caso concreto, nada obstando que possa anular o ato impugnado por errada interpretação do direito.
Assim se compreendendo que, nos termos do disposto no artigo 68.º-A, n.º 4, da LGT, a Administração Tributária deva rever as orientações genéricas constantes de circulares e regulamentos atendendo, nomeadamente, à jurisprudência dos tribunais superiores.
Vícios de conhecimento prejudicado
11. Face à solução a que se chega, no plano do direito infraconstitucional, fica prejudicado o conhecimento da questão de constitucionalidade suscitada pela Requerente.
Juros indemnizatórios
12. A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do ato tributário, há assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago.
Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
Nos casos de pedido de revisão oficiosa, em face do disposto na alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, apenas são devidos juros indemnizatórios depois de decorrido um ano após a iniciativa do contribuinte, e não desde a data do desembolso da quantia liquidada, constituindo esse o entendimento jurisprudencial corrente (cfr., entre outros, os acórdãos do STA de 18 de janeiro de 2017, Processo n.º 0890/16, e de 10 de maio de 2017, Processo n.º 01159/14).
No caso, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 13 de julho de 2021, pelo que são devidos juros indemnizatórios desde 14 de julho de 2021, ou seja, a partir de um ano depois da apresentação do pedido de revisão oficiosa, até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
III – Decisão
Termos em que se decide:
-
Julgar improcedentes as exceções de incompetência do tribunal arbitral, de inimpugnabilidade dos atos tributários de liquidação e de sanação dos vícios dos atos de fixação do valor patrimonial tributário por efeito do caso decidido;
-
Julgar procedente o pedido arbitral, e anular parcialmente as liquidações de AIMI respeitantes aos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020, no valor global de € 220.080,63, bem como a decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa contra eles deduzido;
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Condenar a Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago e em juros indemnizatórios desde 14 de julho de 2021 até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
Valor da causa
A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 220.080,63, que a Autoridade Tributária não questionou e corresponde ao valor das liquidações de imposto a que se pretendia obstar, face ao disposto no n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.
Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 4.284,00, que fica a cargo da Requerida.
Notifique.
Lisboa, 5 de maio de 2021
O Presidente do Tribunal Arbitral
Carlos Fernandes Cadilha (relator por vencimento)
O Árbitro vogal
Leonardo Marques dos Santos
O Árbitro vogal
Arlindo José Francisco (com declaração de voto de vencido)
Justificação de voto
Não pude acompanhar o ponto de vista maioritário do Tribunal que compreendo e respeito mas, entendo que a composição do conflito mais adequada é a que tem sido seguida em diversos processos semelhantes do CAAD, entre outros, os processos 487/2020 e 253/2021 em que participei como árbitro auxiliar, daí que, de forma sucinta, apresento a minha justificação.
Entendemos que por força do preceituado no artigo 15.º do CIMI a avaliação dos prédios urbanos é direta e, por isso, ela é «suscetível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa direta» (artigo 86.º, n.º 1, da LGT). Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo 86.º da LGT, «a impugnação da avaliação direta depende do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão». Os termos da impugnação da avaliação direta de valores patrimoniais constam do artigo 134.º do CPPT, em que se estabelece que:
«os atos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de três meses após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade» (nº1); e
«a impugnação referida neste artigo não tem efeito suspensivo e só poderá ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação»(nº.7).
Sem necessidade de maiores desenvolvimentos entendemos tal como a AT que não sendo impugnado tempestivamente o ato de fixação de valores patrimoniais, após o esgotamento dos meios administrativos legalmente previstos, estes tornam-se definitivos para a liquidação de impostos que sobre eles recaiam.
Como os Tribunais Arbitrais estão obrigados a decidir em consonância com o direito constituído, entende-se que as liquidações de AIMI em causa não poderão ser anuladas com fundamento nos alegados erros nas avaliações que fixaram os valores patrimoniais dos terrenos para construção, perfeitamente consolidados à data das liquidações, mas o artigo 78º da LGT, nos seus nºs 4 e 5, prevê a possibilidade de revisão oficiosa de atos de fixação da matéria tributável, a que se reconduzem os atos de fixação de valores patrimoniais, a título excecional, com base em injustiça grave ou notória e desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.
A Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa que não foi apreciado pela AT no prazo previsto no artigo 57º nº 5 da LGT, pelo que se formou o indeferimento tácito, situação em que não houve uma apreciação expressa da legalidade de ato de liquidação, mas tratando-se de uma ficção de ato destinada a assegurar a impugnação contenciosa em meio processual que tem por objeto um ato de liquidação, entende-se que o indeferimento tácito conheceu da legalidade dos atos de liquidação e, por isso, o meio processual adequado para a sua impugnação contenciosa é o processo de impugnação judicial, conforme alíneas d) e p) do nº 1 do artigo 97º do CPPT de que é meio alternativo o processo arbitral, pelo que o Tribunal Arbitral é competente para o efeito, e teria apenas que verificar se os condicionalismos previstos nos nºs 4 e 5 do artigo 78º da LGT foram ou não respeitados e decidir em conformidade.
Constatamos a verificação de todos os requisitos exigíveis para a revisão da matéria tributável prevista nos nºs 4 e 5 do artigo 78º da LGT, pelo que, a Requerida, ao invés de deixar operar o indeferimento tácito, deveria ter proferido despacho de deferimento parcial do pedido de revisão oficiosa, com a consequente anulação parcial das liquidações respeitantes aos anos 2018, 2019 e 2020 e indeferir o pedido relativamente ao ano de 2017 por intempestivo, uma vez que quanto a este, o prazo de 3 anos esgotou-se a 31 de dezembro de 2020 e assim, o pedido de revisão da matéria tributável já não poderia ser autorizado, uma vez que as liquidações de AIMI foram emitidas em 30/06/2017 e o pedido de revisão só foi apresentado em 13/07/2021, portanto extemporaneamente, não tendo aqui aplicação o nº 7 do artigo 78º da LGT, uma vez que o pedido foi apresentado após o esgotamento do prazo de 3 anos.
Nesta perspetiva o pedido deveria ser considerado parcialmente procedente no sentido da anulação do indeferimento tácito relativamente às liquidações respeitantes aos anos 2018, 2019 e 2020 e a sua consequente anulação parcial, ao abrigo do artigo 163º, nº 1 do CPA, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2º, alínea c) da LGT, com a anulação parcial de AIMI, nos termos requeridos.
E julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral na parte referente às liquidações de 2017 e absolver a AT dos pedidos inerentes.
Lisboa, 05 de Maio de 2022
O Árbitro Auxiliar com voto vencido,
Arlindo Francisco