Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 149/2021-T
Data da decisão: 2022-05-17   
Valor do pedido: € 437.314,82
Tema: IRC - 2015 - Menos Valia fiscal – Artigo 46.º CIRC
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DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Juiz José Poças Falcão (árbitro presidente), Prof. Doutor Gustavo Gramaxo e Dr. Pedro Roque (árbitros adjuntos), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

I – RELATÓRIO

  1. A..., S.A., com o número único de pessoa coletiva e registo na Conservatória do Registo Comercial..., com sede na ..., n.º..., ...-...Lisboa, doravante designada por Requerente, apresentou em 11/03/2021 pedido de constituição de tribunal e de pronúncia arbitral respeitante ao atos de indeferimento expresso da reclamação graciosa proferida no processo n.º ...2020... datado de 25.11.2020 contra os atos tributários de liquidação de IRC do período de 2015 com o n.º 2019 ... e respetivos juros compensatórios e, em termos finais, pedindo a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada e da liquidação adicional de IRC e juros compensatórios relativa ao exercício de 2015 pagos pela Requerente, bem como a condenação da AT ao reembolso e pagamento de juros indemnizatórios.
  2. No dia 22/06/2021 ficou constituído o tribunal arbitral.
  3. Cumprindo a estatuição do artigo 17.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT) foi a Requerida em 01/07/2021 notificada para, querendo, apresentar resposta e solicitar a produção de prova adicional.
  4. Em 20/09/2021 a Requerida apresentou a sua resposta, na qual defende  a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, pois propugna que atentas as características do ativo em  questão, mormente as etapas percorridas e constituintes   da sua formação, entenderam os SIT que o mesmo, à luz das disposições da IAS 16 – que regulamenta o reconhecimento dos ativos fixos tangíveis – e da IAS 38 - que regulamenta o reconhecimento dos ativos intangíveis, deveria ter sido reconhecido contabilisticamente não como um ativo fixo tangível – como entendeu a Requerente – mas antes como um ativo intangível, na medida em que se trata de um ativo produzido internamente, que integra uma fase de pesquisa e uma fase de desenvolvimento.
  5. Em 04/10/2021 foi a Requerente notificada para informar nos autos se, em face da posição da AT, mantinha interesse na produção de prova testemunhal e, em caso afirmativo, indicar, com remissão para os articulados, quais os pontos de facto que considera essenciais e ainda controvertidos.
  6. Em 13/10/2021 a Requerente comunicou manter o seu interesse na audição das testemunhas arroladas, pretendendo ouvir a primeira testemunha arrolada sobre o facto arrolado no artigo 7.º do requerimento inicial, em particular sobre a viabilidade económica do ativo; e, a segunda testemunha arrolada, sobre os factos articulados no artigo 81.º do requerimento inicial e no artigo 26.º da douta contestação. Mais requer, ao abrigo do artigo 466.º do CPC aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT, as declarações de parte do Eng. B..., administrador de empresas, a apresentar, – atual administrador da Requerente – sobre a viabilidade técnica do ativo.  
  7. Em 30/11/2021 realizou-se para a reunião para os fins previstos nos artigo 18º  do RJAT e onde foram inquiridas as teste­munhas apresentadas pela Requerente.
  8. O Tribunal, em cumprimento do disposto no artigo 18.º, nº 2 do RJAT designou o dia 02/02/2022 para a prolação da decisão arbitral.
  9. A Requerente apresentou as alegações finais escritas no dia 21/12/2021, tendo anexado Parecer solicitado ao Professor Doutor Daniel Taborda.
  10. Em 07/01/2022 a Requerida, ao abrigo do princípio do contraditório e do princípio da igualdade das partes, previstos no artigo 16.º, alíneas a) e b), do RJAT, requereu um prazo de vista e pronúncia não inferior a 10 dias.
  11. Por despacho de 14/01/2022 foi admitido o parecer junto com as alegações da Requerente, devendo o contraditório ser exercido pela parte contraria no prazo de 10 (dez) dias.
  12. Em consequência, foi transferida para o dia 16/02/2022, a data fixa anteriormente designada para a prolação e notificação da decisão arbitral final.
  13. Ocorrendo a impossibilidade de, por razões imprevistas, de caráter pessoal e académico,   de concluir, até 22-2-2022,  o projeto de acórdão pelo relator designado, tornou-se necessário, no uso da faculdade prevista no artigo 21º-2, do RJAT, pelo que foi decidida prorrogação do prazo em curso para prolação e notificação da decisão arbitral final para data posterior a 22-2-2022

 

POSIÇÃO DAS PARTES

  1. A Requerente sustenta a anulação da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa proferida no processo n.º ...2020... datado de 25.11.2020 contra os atos tributários de liquidação de IRC do período de 2015 com o n.º 2019 ... e respetivos juros compensatórios decorrente da desconsideração integral da menos-valia realizada em 2015 com a alienação do C..., contabilizado pela Requerida como ativo fixo tangível. Adicionalmente a Requerente sustenta também que ainda que caso se entendesse que o Projeto C... constituía um ativo intangível desenvolvido internamente (o que apenas em hipótese académica se admitiu e sempre sem conceder) o mesmo seria enquadrável como um ativo de desenvolvimento capitalizável por força de se encontrarem reunidas as condições que permitiam  o seu reconhecimento, pelo que também por esta via a liquidação adicional, ao recusar a menos-valia fiscal declarada pela empresa, deveria ser anulada por vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito dos artigos 17.º e 46.º do Código do IRC. Uma vez que se fosse considerado estar-se perante um intangível gerado internamente, o mesmo deveria ter sido capitalizado e a perda registada com a sua transmissão onerosa reconhecida para efeitos fiscais.
  2. A Requerida apresenta uma defesa com os seguintes fundamentos:
    • O Projeto C..., conforme descrito no RIT e reconhecido pela Requerente na p.i., iniciou-se em 2009, incluindo precisamente fases de pesquisa e desenvolvimento, consubstanciadas nas etapas 1 a 4;
    •  A Requerente procedeu ao reconhecimento dos dispêndios referentes ao projeto logo a partir de 2009, i.e., logo aquando do desenrolar destas fases, e não apenas quando o protótipo já estava pronto para comercialização;
    •  De acordo com os elementos contabilísticos e os documentos apresentados pela Requerente, os gastos incorridos (que reconheceu como custo do ativo) apresentam um valor mais substancial precisamente nas fases iniciais de pesquisa e de desenvolvimento, ocorridas nos períodos de 2009 a 2012, de onde se pode concluir que, não obstante a  existência  de  um elemento físico (a plataforma, turbina e sistemas auxiliares), o conhecimento incorporado no mesmo (i.e., a componente intangível) é preponderante;
    • O Relatório e Contas do exercício de 2012 corrobora a natureza intangível do projeto C..., o seu caráter experimental (e não de simples primeiro exemplar, como defende a Requerente) e a existência da componente de risco que caracteriza os projetos de investigação e desenvolvimento (que impendia sob a Requerente), quanto à atividade desenvolvida e aos riscos em que incorria a Requerente no âmbito do projeto;
    • Outro aspeto de extrema relevância prendeu-se com a natureza dos subsídios governamentais a que se candidatou e que foram atribuídos à Requerente, os quais, conforme identificados e descritos no RIT se destinaram a apoiar projetos de investigação e desenvolvimento para a inovação.
    • Que, como concluíram e bem os SIT, “ou seja, ao contrário do que afirma o Sujeito Passivo, a A... não se limitou à compra de um ativo já acabado e pronto a utilizar. Aquele contrato consistiu sim, no desenvolvimento e construção de um protótipo, resultante de um acordo entre as duas empresas e com o envolvimento de outras entidades em todo o projeto”;
    • Que as Fases 1 a 3 do Projeto C... corresponderam a uma fase de pesquisa, de acordo com o que vem definido na IAS 38;
    •  Mesmo na Fase 4 terá ocorrido um período onde só após o mesmo «foi possível confirmar a viabilidade e eficácia do protótipo, e, consequentemente, permitir o avanço para a fase pré-comercial do projeto, em maior escala (construção de um parque eólico), utilizando a tecnologia testada».
    • Que o próprio contrato (“Turnkey Agreement”) previu e acautelou (na cláusula 7) a possibilidade/risco do ativo não funcionar como previsto, após a realização de testes (conforme previsto na cláusula “Tests on Completion”), ou seja, não esteve desde o início, como pretende a Requerente, afastada a incerteza e assegurada a efetiva observância de todas as condições para que o ativo intangível fosse reconhecível e mensurável como ativo intangível e também não foi demonstrado quando passaram a estar, não cumprindo aqui o projeto em causa os requisitos para o seu reconhecimento e mensuração a título de ativo intangível.
    • Mesmo na Fase 4 terá ocorrido um período onde só após o mesmo «foi possível confirmar a viabilidade e eficácia do protótipo, e, consequentemente, permitir o avanço para a fase pré-comercial do projeto, em maior escala (construção de um parque eólico), utilizando a tecnologia testada»;
    • Mesmo que se aceitasse a existência de um período a partir do qual já poderiam estar reunidas todas as condições estabelecidas na IAS 38 para o reconhecimento de um ativo intangível e, consequentemente, para a capitalização dos gastos incorridos como custo de produção/aquisição do ativo reconhecível, não foi cabalmente demonstrado pela Requerente a partir de quando tal circunstância ocorreu;
    • De acordo com a tabela elaborada pelos SIT relativa aos documentos juntos em sede de direito de audição para comprovar os gastos registados como custo do ativo contabilizado, as faturas apresentadas (que perfazem total de € 17 915,000,00) vêm maioritariamente datadas de 2009, 2010 e 2011 (com exceção da fatura n.º 1027), sendo que, nessas datas, se desenvolveram as fases 1 a 3 do projeto, que correspondem a fases de pesquisa, conforme referido pelos SIT;
    • Que não foram que não foram efetivamente comprovados todos os gastos contabilizados pela Requerente a título de custo do Ativo que registou, nomeadamente não foram comprovados, mormente com documentação externa, os gastos no montante de 3.134.502,00 EUR e bem assim o valor de 55 355,00 EUR constante na fatura n.º 104/11, que foi registado pela Requerente como gasto no período de 2011, pelo que, não poderão ser objeto de consideração como gasto fiscal nem no período de 2015, nem em períodos precedentes;
    •  Que quanto aos gastos para os quais foram apresentados documentos comprovativos, a consideração dos mesmos nos períodos anteriores (onde devessem ser imputados) sempre resultaria num aumento dos prejuízos fiscais declarados pela Requerente nesses períodos (por aumento dos custos de exercício) pelo que, atendendo ao período de reporte (e respetiva caducidade) dos prejuízos fiscais estabelecido no n.º 1 do artigo 52.º do CIRC, acrescido da limitação à dedução dos mesmos ao lucro tributável por período, imposta no n.º 2 do mesmo normativo  e considerando que a Requerente declarou prejuízo fiscal em todos os períodos tributários até 2015, tal sempre redundaria na inalteração do montante de imposto a pagar, porquanto, mercê do apuramento constante de prejuízos fiscais, os prejuízos hipoteticamente apurados na decorrência do aumento dos custos a considerar nesses períodos caducariam por inexistência de apuramento de lucros tributáveis.
    • No que respeita ao Subsidio atribuído pelo FAI,  defende a Requerida que considerando estar-se em presença de um ativo intangível e considerando a hipótese de o mesmo ser reconhecível como tal a partir da Fase 4 do projeto C..., i.e., no do período de 2012, o subsídio atribuído pelo FAI sempre seria relevado contabilisticamente e fiscalmente como rendimento numa base sistemática a partir de 2012, considerando a vida útil do bem, até à sua alienação em 2015, período em que se reconheceria o valor remanescente do aludido subsídio como rendimento. Tal implicaria que chegados ao período de alienação do bem - 2015, o valor do subsídio ainda não reconhecido como rendimento em períodos anteriores e que teria agora de ser reconhecido como rendimento em razão da alienação do bem seria superior e não inferior, como pretende a Requerente;
    •  Por fim e relativamente aos juros compensatórios, defende a Requerida que a responsabilidade da Requerente no atraso na liquidação e na entrega ao Estado do imposto devido advém do incumprimento das disposições legais vigentes para a sua concreta situação tributária e das consequentes inexatidões e omissões praticadas no preenchimento da declaração Modelo 22, donde resulta demonstrada a culpa, e, consequentemente a legalidade da liquidação dos juros compensatórios.

 

QUESTÕES A DECIDIR

Nesta sequência, tendo em atenção as pretensões e posições da Requerente e da Requerida constantes das suas peças processuais, acima descritas, são as seguintes as questões que o tribunal deve apreciar (sem prejuízo da solução dada a certa questão poder prejudicar o conhecimento de outra ou outras questões – cfr. artigo 608.º, n.º 2 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT):

 

  1. Se o ato de indeferimento expresso da reclamação graciosa proferida no processo n.º ...2020... datado de 25.11.2020 e os atos tributários de liquidação de IRC do período de 2015 com o n.º 2019 ... e respetivos juros compensatórios são ilegais, pois o alienação do C... correspondeu à alienação de um ativo fixo tangível como pretende a Requerente;
  2. Se a Requerente tem direito ao reembolso e a juros indemnizatórios.

 

 

Caixa de texto: 	
	

SANEAMENTO

O processo não enferma de nulidades, o tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, verificando-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão final.

II – FUNDAMENTAÇÃO

MATÉRIA DE FACTO

1. Factos com relevância para a apreciação da causa que se consideram provados

1.1. A Requerente submeteu a declaração modelo 22 de IRC, respeitantes ao período de tributação de 2015, na qual apresentou um prejuízo fiscal declarado no valor de 13.765.422,85 EUR, que incluía menos-valia fiscal no valor de 17.765.896,94 EUR, resultante da alienação, naquele ano, do ativo C..., registado pela Requerente como Ativo Fixo Tangível.

1.2. Sujeita a ação inspetiva (Nº Ordem de Serviço OI2017...), dessa ação resultou a proposta de um lucro Tributável Corrigido no valor de 4.000.474,09 EUR, por se desconsiderar a referida menos-valia no valor de 17.765.896,94 EUR.

1.3. Exercido pela Requerente o Direito de Audição, não foram atendidos os argumentos por esta apresentados, pelo que foram mantidas as correções propostas.

1.4. A Requerente apresentou então Reclamação Graciosa, tendo a AT concluído que “a argumentação deduzida pela reclamante não merece acolhimento, pelo que se propõe o indeferimento da presente reclamação graciosa, de acordo com os fundamentos acima descritos” pelo que, consequentemente, a reclamação graciosa foi expressamente indeferida.

1.5. O pedido de pronúncia arbitral foi então apresentado e aceite em 11/03/2021.

  1. Factos que não se consideram provados

Não existem quaisquer outros factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.

  1. Fundamentação da matéria de facto que se considera provada

O Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados
em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções

O Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes,  cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes nos articulados,  a prova documental apresentada, o PA juntos aos autos e os depoimentos prestados perante Tribunal em audiência, pela testemunha, D... e E... e por B..., este na qualidade de parte uma vez que é administrador da Requerente, tudo analisado de forma crítica,   consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

O DIREITO

 

Thema decidendum

 

Este Tribunal foi convocado para essencialmente decidir as seguintes questões:

  1. Se o ato de indeferimento expresso da reclamação graciosa proferida no processo n.º ...2020... datado de 25.11.2020 e os atos tributários de liquidação de IRC do período de 2015 com o n.º 2019... e respetivos juros compensatórios são ilegais, pois o alienação do C... correspondeu à alienação de um ativo fixo tangível como pretende a Requerente
  2. Se a Requerente tem direito ao reembolso e a juros indemnizatórios.

 

Mais concretamente e no essencial: é objeto da controvérsia a forma como a Requerente deveria ter procedido ao registo contabilístico das despesas relacionadas com o “Projecto C...”, se como Ativo Fixo Tangível como defende, se como Ativo Intangível, como entendeu a Requerida.

 

A decisão sobre a correta contabilização das despesas relativas ao Projeto C...– Ativo Fixo Tangível ou Ativo Intangível – condiciona a determinação do resultado líquido anual no período 2009 (ano em que se iniciou o Projeto C...)  a 2015 e, consequentemente, do lucro tributável.

 

Ativos Fixos Tangíveis e Ativos Intangíveis e Capitalização de Juros

 

A A..., SA, no período em apreciação, utilizou como referencial para a preparação das demonstrações financeiras:

  • Em 2009, o Plano Oficial de Contabilidade, aprovado pelo DL 410/89, de 21 de novembro;
  • A partir de 2010, com a entrada em vigor do SNC-Sistema de Normalização Contabilística (DL 158/2009, de 13 de julho) e, por opção, (nos termos do nº 2 do Artº 4º do referido DL) as normas internacionais de contabilidade adotadas nos termos do artigo 3.º do Regulamento (CE) n.º 1606/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Julho.

 

Ainda em 2009 a A... SA incorreu em despesas relacionadas como Projeto C... no valor de 300 000 EUR, que foram desde logo capitalizadas em Ativo Fixo Tangível – Imobilizado em curso.

 

Todavia, com a entrada em vigor do SNC a partir de 1 de janeiro de 2010, é com base neste referencial normativo (ou nas IAS / IFRS adotadas pela A... SA, por opção, como se referiu) que deverão ser contabilizadas as despesas relacionadas com o Projeto C... e que ocorreram essencialmente no período 2010-2012.

 

A IAS 16 – Ativos fixos tangíveis prescreve o tratamento contabilístico para ativos fixos tangíveis.

 

De acordo com a IAS 16 (§ 6):

  1. Ativos fixos tangíveis são itens tangíveis que:
  1. sejam detidos para uso na produção ou fornecimento de bens ou serviços, para arrendamento a outros, ou para fins administrativos; e
  2.  se espera que sejam usados durante mais do que um período.

 

  1. O custo de um item de ativo fixo tangível deve ser reconhecido como ativo se, e apenas se:
  1. for provável que futuros benefícios económicos associados ao item fluirão para a entidade; e
  2. o custo do item puder ser mensurado fiavelmente.

 

No que respeita à Mensuração no Reconhecimento, o custo de um item do ativo fixo tangível compreende (§ 16):

  1. o seu preço de compra, incluindo os direitos de importação e os impostos de compra não reembolsáveis, após dedução dos descontos comerciais e abatimentos;
  2. quaisquer custos diretamente atribuíveis para colocar o ativo na localização e condição necessárias para o mesmo ser capaz de funcionar da forma pretendida pela gerência;
  3. a estimativa inicial dos custos de desmantelamento e remoção do item e de restauro do local no qual este está localizado, em cuja obrigação uma entidade incorre seja quando o item é adquirido, seja como consequência de ter usado o item durante um determinado período para finalidades diferentes da produção de inventários durante esse período.

 

A IAS 16 exemplifica o que podem ser custos diretamente atribuíveis (§ 17) :

  1. custos de benefícios dos empregados (tal como definidos na IAS 19 Benefícios dos Empregados) decorrentes diretamente da construção ou aquisição de um item do ativo fixo tangível;
  2. custos de preparação do local;
  3. custos iniciais de entrega e de manuseamento;
  4. custos de instalação e montagem;
  5. custos de testar se o ativo funciona corretamente (ou seja, de avaliar se o desempenho técnico e físico do ativo é tal que possa ser utilizado na produção ou fornecimento de bens ou prestação de serviços, para aluguer a terceiros, ou para fins administrativos); e
  6. honorários profissionais.

 

Ainda de acordo com o §20 da IAS 16, o reconhecimento dos custos na quantia escriturada de um item do ativo fixo tangível cessa quando o item está na localização e na condição necessárias para que seja capaz de funcionar da forma pretendida pela gerência.

 

O § 28 da IAS 16 determina que a quantia escriturada de um item do ativo fixo tangível pode ser reduzida por subsídios governamentais de acordo com a IAS 20 Contabilização dos Subsídios Governamentais e Divulgação de Apoios Governamentais.

 

Finalmente, 0 § 68 da IAS 16 determina que o ganho ou perda decorrente do desreconhecimento de um item do ativo fixo tangível deve ser incluído nos resultados quando o item for desreconhecido (a menos que a IFRS 16 Locações o exija de outra forma no caso de uma venda e relocação). Os ganhos não devem ser classificados como rédito.

 

A IAS 38 – Ativos intangíveis prescreve o tratamento contabilístico para ativos intangíveis, que são definidos por esta norma como ativos não monetários identificáveis sem substância física.

 

O §4 da IAS 38 refere que alguns ativos intangíveis podem estar contidos numa substância física tal como um disco compacto (no caso de software de computadores), documentação legal (no caso de uma licença ou patente) ou filme. Ao determinar se um ativo que incorpore tanto elementos intangíveis como tangíveis deve ser tratado segundo a IAS 16 Ativos Fixos Tangíveis ou como um ativo intangível segundo esta Norma, a entidade usa o julgamento para avaliar qual o elemento mais significativo. Por exemplo, o software de computador de uma máquina-ferramenta controlada por computador que não funcione sem esse software específico é uma parte integrante do equipamento respetivo e é tratado como ativo fixo tangível. O mesmo se aplica ao sistema operativo de um computador. Quando o software não for uma parte integrante do hardware respetivo, o software de computador é tratado como um ativo intangível.

 

O §5 da IAS 38 refere que esta Norma se aplica, entre outras coisas, a dispêndios com publicidade, formação, arranque e atividades de pesquisa e desenvolvimento. As atividades de pesquisa e desenvolvimento destinam-se ao desenvolvimento de conhecimentos. Por isso, se bem que estas atividades possam resultar num ativo com substância física (por exemplo, num protótipo), o elemento físico do ativo é secundário em relação ao seu componente intangível, i.e., o conhecimento incorporado no mesmo.

 

No que respeita aos ativos intangíveis, a questão da identificabilidade é fundamental. Com efeito, o § 11 da IAS 38 determina que definição de um ativo intangível exige que um ativo intangível seja identificável para o distinguir do goodwill. O goodwill reconhecido numa concentração de atividades empresariais é um activo que representa os benefícios económicos futuros resultantes de outros ativos adquiridos numa concentração de atividades empresariais que não sejam individualmente identificados nem separadamente reconhecidos. Os benefícios económicos futuros podem resultar de sinergias entre os ativos identificáveis adquiridos ou de ativos que, individualmente, não se qualificam para reconhecimento nas demonstrações financeiras.

 

E, no §12, um ativo satisfaz o critério da identificabilidade na definição de um ativo intangível quando:

  1. for separável, i.e., capaz de ser separado ou dividido da entidade e vendido, transferido, licenciado, alugado ou trocado, seja individualmente ou em conjunto com um contrato, ativo ou passivo relacionado; ou
  2. resultar de direitos contratuais ou de outros direitos legais, quer esses direitos sejam transferíveis quer sejam separáveis da entidade ou de outros direitos e obrigações.

Nos § 51 a 53 da IAS 38 são tratados os Ativos intangíveis gerados internamente.

 

A IAS 38 reconhece no § 51 a dificuldade em avaliar se um activo intangível gerado internamente se qualifica para reconhecimento por causa de problemas em:

  1. identificar se e quando existe um activo identificável que gere benefícios económicos futuros esperados; e
  2. determinar fiavelmente o custo do ativo. Em alguns casos, o custo de gerar internamente um ativo intangível não pode ser distinguido do custo de manter ou aumentar o goodwill da entidade gerado internamente ou do decorrer operacional do dia-a-dia.

 

Por isso, além de se conformar com os requisitos gerais do reconhecimento e mensuração inicial de um ativo intangível, uma entidade aplica os requisitos e orientação dos parágrafos 52 a 67  a todos os ativos intangíveis gerados internamente.

 

Para a avaliação se um activo intangível gerado internamente satisfaz os critérios de reconhecimento, uma entidade classifica a geração do activo em:

  1. uma fase de pesquisa, durante a qual nenhum ativo intangível deve ser reconhecido; e
  2. uma fase de desenvolvimento, na qual apenas se poderá reconhecer um ativo intangível se a entidade puder demonstrar o cumprimento de todas as seguintes condições:
  1. a viabilidade técnica de concluir o activo intangível afim de que esteja disponível para uso ou venda;
  2. a sua intenção de concluir o activo intangível e usá-lo ou vendê-lo;
  3. a sua capacidade de usar ou vender o activo intangível;
  4. a forma como o activo intangível gerará prováveis benefícios económicos futuros. Entre outras coisas, a entidade pode demonstrar a existência de um mercado para a produção do activo intangível ou para o próprio activo intangível ou, se for para ser usado internamente, a utilidade do activo intangível;
  5. a disponibilidade de adequados recursos técnicos, financeiros e outros para concluir o desenvolvimento e usar ou vender o activo intangível;
  6. a sua capacidade para mensurar fiavelmente o dispêndio atribuível ao activo intangível durante a sua fase de desenvolvimento.

 

Se uma entidade não puder distinguir a fase de pesquisa da fase de desenvolvimento num projeto interno para criar um activo intangível, a entidade trata o dispêndio nesse projeto como se fosse incorrido somente na fase de pesquisa.

 

O §1 da IAS 23 – Custo dos empréstimos obtidos refere que  os custos de empréstimos obtidos que sejam diretamente atribuíveis à aquisição, construção ou produção de um ativo que se qualifica formam parte do custo desse ativo. Outros custos de empréstimos obtidos são reconhecidos como um gasto. Esta norma possibilita pois a capitalização de encargos financeiros no custo de um ativo fixo tangível

 

 Estão assim identificadas as IAS relevantes para a resposta à questão a decidir.

 

O Projeto C... consistiu na engenharia, desenho, construção, instalação, comissionamento, teste e exploração de uma plataforma eólica flutuante, utilizando a tecnologia C... (tecnologia está patenteada, sendo propriedade industrial da F...), com uma turbina de 2 MW, que foi instalada na ..., concelho da …, a cerca de 5 km da costa e num local com cerca de 50 metros de profundidade.

 

O Projeto C... iniciou-se em 2009 e incluiu as seguintes Fases:

 

  1. Fase 1 – Pré-FEED: engenharia preliminar e definição do âmbito do projeto;
  1. Fase 2 – FEED: desenvolvimento da engenharia e caracterização do local de instalação;
  2.  Fase 3 – Execução do Projeto: construção, instalação e comissionamento do projeto;
  3. Fase 4 – Teste e Exploração: operação do C..., monitorização e tratamento de dados.

 

A F... INC (F...) ficou incumbida das fases 1 a 4 do projeto, as quais tiveram o seguinte desenvolvimento cronológico:

  • A etapa 1 durou cerca de quatro meses, entre Setembro de 2009 e Janeiro de 2010;
  • A etapa 2 durou cerca de nove meses, entre Janeiro de 2010 e Setembro de 2010;
  • A fase 3  iniciou-se no final de 2010 e foi concluída em maio de 2012;
  • A fase  4 iniciou-se após a conclusão da fase 3.

 

O C... começou a produzir energia em dezembro de 2011, ainda durante o seu comissionamento, e entrou em operação em maio de 2012.

 

Três anos após o início da operação, em 2015, ocorreu uma avaria técnica no cabo de transporte da energia para terra, pelo que deixou de ser possível enviar energia para a rede elétrica nacional, o que conduziu ao término da fase de operação.

 

Ainda em 2015 o C... foi vendido à G..., Unipessoal, Lda.

 

A A... SA incorreu em despesas no montante total de 21.095.134 EUR (conforme quadro discriminativo das faturas imputadas ao Projeto), do qual:

  • 1.031.267 EUR são referentes a juros de financiamentos capitalizados no valor do ativo, conforme dispõe IAS 23. Esta capitalização encontra-se documentada nos Relatórios e Contas do período 2009-2012, no Anexo;
  • 2.047.880 EUR são referentes à Turbina ..., a qual foi doada pelo respetivo fornecedor;
  • 55.355 EUR são referentes a trabalhos de construção da C... e foram contabilizados  inicialmente como Gastos e, posteriormente, como Trabalhos para a própria empresa;

 

A quanto remanescente respeitou aos trabalhos desenvolvidos pela F... e a despesas com assessoria jurídica, custos de licenciamento e provisões para desmantelamento.

 

As despesas referidas ocorreram entre 2009 e 2012, período que corresponde às fases 1, 2 e 3.

 

A A... SA contratualizou com o FAI - Fundo de Apoio à Inovação um subsídio no valor de 3.000.000 EUR, o qual foi recebido em 2012 (2.800.000 EUR) e 2014 (200.000 EUR).

 

Face à factualidade, aqui sumariamente descrita, importa pois determinar se, de acordo com o normativo contabilístico aplicável, o C... deverá ser qualificado com um ativo fixo tangível ou ativo intangível.

 

O Turnkey Agreement for the Procurement, Construction, Installation, Testing and Maintenance of a C... Protótipo celebrado entre a A... SA e a F... INC em 11.10.2010 é um documento fundamental para a resposta à questão sobre a natureza do ativo C... Protótipo.

 

Com efeito, este documento estabelece:

  • Como obrigação da F..., os trabalhos de construção da C..., ficando esta entidade obrigada ao cumprimento de um cronograma que datalha as várias fases do Projeto;
  •  Que a F... deve assegurar a necessária integração entre a turbina e a estrutura de suporte C..., pelo que é esta entidade que detém a tecnologia ou conhecimento que permitirá tal operação;
  • Que o protótipo C... passará a ser de propriedade da A... SA, livre de ónus e outros encargos, no final da Fase 4;
  • Que os pagamentos da A..., SA à F... para remuneração dos trabalhos efetuados seriam pagos de acordo com o cronograma financeiro anexo ao Turnkey Agreement.

 

Assim, decorre do Turnkey Agreement for the Procurement, Construction, Installation, Testing and Maintenance of a C... Prototype que no final da execução do contrato, a A... SA ficará proprietária de um equipamento para a produção de energia elétrica, o qual cumpre os requisitos da IAS 16 para que possa ser considerado um ativo fixo tangível, pois é um equipamento que permite a produção de energia elétrica (atividade geradora de réditos) cuja vida útil se estimou e verificou ser superior a um ano.

 

No referido Turnkey Agreement não se encontra definida qualquer obrigação da A... SA em desenvolver qualquer atividade de pesquisa e/ou desenvolvimento que deva ser incorporada no C... Protótipo.

 

Pelo contrário, a F... é que figura como entidade detentora da tecnologia ou conhecimento que permitirá a necessária integração entre a turbina e a estrutura de suporte C... .

 

Assim, no final, após a aquisição da C... a A... SA ficará detentora de um equipamento que incorpora a tecnologia - inovadora  - que permite a integração de uma turbina eólica numa plataforma flutuante, idêntica às habitualmente utilizadas na exploração petrolífera, o que possibilitará a produção de eletricidade em off shore e não apenas em águas pouco profundas, em estruturas assentes no leito marinho, como até então acontecia.

 

Este ativo deve pois ser reconhecido como um ativo fixo tangível.

 

Dado que o Turnkey Agreement previa que a aquisição do C... somente ocorreria no final da Fase 3, em 2012, tal justificou que até aquela data todas as despesas capitalizáveis relacionadas com a aquisição do C... fossem contabilizadas em Ativos Fixos Tangíveis em Curso. Com a conclusão da construção do C... e correspondente entrada em funcionamento, a A... SA procedeu à transferência do ativo para a Ativos Fixos Tangíveis e iniciou o registo da respetiva depreciação.

 

Decidido que o ativo é um ativo fixo tangível, está pois decidida a primeira questão das questões a decidir.

 

Ainda assim, pode-se complementarmente analisar a possibilidade, ainda que remota, do  C...puder ser considerado um ativo intangível.

 

Como se referiu anteriormente, por definição um ativo intangível é um ativo não monetário identificável sem substância física.

 

Nas despesas efetuadas pela A... SA e relacionadas com Protótipo C..., não se vislumbra que alguma das quantias despendidas ou uma combinação de várias quantias despendidas deem origem a qualquer ativo não monetário identificável sem substancia física, ou seja, a qualquer ativo intangível.

 

De toda a prova analisada, não se descortinaram quaisquer evidências de existir uma investigação original e planeada levada a efeito com o objetivo de se obterem novos conhecimentos científicos ou técnicos, pelo que não se reconhecem “despesas de pesquisa”.

 

Consequentemente, não se afigura provado o entendimento dos SIT de que as Fase 1, 2 e 3 correspondem a uma fase de pesquisa, tal como definida pela IAS 38.

 

Na produção do C... combinaram-se duas tecnologias já bastante divulgadas – turbinas eólicas e plataformas flutuantes off shore -  para se desenvolver um equipamento inovador.

 

Considerando a definição de Desenvolvimento da IAS 38 (Desenvolvimento é a aplicação das descobertas derivadas da pesquisa ou de outros conhecimentos a um plano ou conceção para a produção de materiais, mecanismos, aparelhos, produtos, processos, sistemas ou serviços, novos ou substancialmente melhorados, antes do início da produção comercial ou uso), pode-se considerar que a construção do C... cumpre esta definição e, consequentemente, estarmos perante um ativo intangível gerado internamente.

 

Todavia, não se cumpre o critério da identificabilidade do § 12 da IAS 38, pois não se cumpre uma das seguintes condições:

  1. Esse ativo não é separável;
  2. Não resulta de direitos contratuais ou de outros direitos legais, quer esses direitos sejam transferíveis quer sejam separáveis da entidade ou de outros direitos e obrigações.

 

Consequentemente, não se verificando cumprido o requisito da Identificabilidade, não é possível reconhecer qualquer ativo intangível gerado internamente.

 

Está pois afastada a possibilidade do C... ser reconhecido como um ativo intangível.

 

Juros indemnizatórios

 

No que concerne ao pedido de juros indemnizatórios, temos de atender ao disposto no artigo 24º n.º 1 b) do RJAT que estabelece que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta - nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários - restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito.

Esta norma está em plena sintonia com o disposto no artigo 100.º da Lei Geral Tributária

(LGT), que é aplicável neste caso por força do disposto no artigo 29º, no n.º 1, a) do RJAT, que dispõe: “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”

Temos de atender ainda ao artigo 43.º nº 1 da LGT que estabelece que “são devidos juros

indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em

montante superior ao legalmente devido.”

 

Analisando o caso sub judice é patente que a Requerente, ao proceder à autoliquidação aqui questionada, e que a Requerida, indeferindo reclamação graciosa e denegando provimento ao recurso hierárquico, a Requerida incorreu, por razões que lhe são exclusivamente imputáveis, em erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

Considerando o disposto no artigo 61.º do CPPT e que se encontram preenchidos ospressupostos do direito a juros indemnizatórios, ou seja, verificada a existência de erro

imputável aos serviços de que resultou pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, tal como previsto no nº 1 do artigo 43º da LGT, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre as quantias que, indevidamente, pagou, a contar da data em que o fez, até ao seu integral reembolso.

 

Questões prejudicadas

As Demais questões suscitadas incidentalmente nos autos pela Requerente ficam

prejudicadas pelo mérito do pedido.

 

III - Decisão

 

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em considerar que os atos objeto de pronúncia arbitral são anuláveis por vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito, em conformidade com o disposto no artigo 163.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), aplicável por remissão do artigo 29.º,

n.º 1, alínea d) do RJAT e assim:

  1. Julga-se totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral;
  2. Anulam-se, em consequência, por ilegalidade, o ato de indeferimento expresso da reclamação graciosa proferida no processo n.º ...2020... datado de 25.11.2020 e os atos tributários de liquidação de IRC do período de 2015 com o n.º 2019 ... e respetivos juros compensatórios

 

  1. Condena-se a Requerida no reembolso à Requerente das quantias pagas na sequência e em consequência dos atos ora declarados ilegais, acrescidas de juros indemnizatórios à taxa legal, contados desde o pagamento até integral reembolso e

 

  1. Fica prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas pela Requerente.

 

Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT

e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao

processo o valor de 437.314,82 EUR

 

Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 7.038,00 EUR

nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem

Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira (Requerida).

 

Lisboa, 17 de maio de 2022

 

O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

José Poças Falcão

 

 

Pedro Nuno Ramos Roque

 

 

Gustavo Gramaxo Roseira

Vota vencido nos termos da declaração que segue:

 

 

 

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

Vencido quanto à questão de fundo. Quanto a mim, as despesas relacionadas com a investigação e desenvolvimento de todo o projeto global não podem ser imputadas como custo de aquisição do protótipo C... . Uma vez que a alienação em causa nos presentes autos diz respeito apenas ao ativo considerado em si mesmo, e não à totalidade da tecnologia e know-how desenvolvidos com o projeto, não me parece que a requerente pudesse ter considerado a totalidade dos encargos incorridos com o desenvolvimento desse projeto como custo de aquisição para determinação da mais (menos) – valia apurada com a alienação do protótipo C... .

Teria assim mantido o ato de liquidação impugnado, e o ato de 2.º grau que o confirmou, julgando o pedido arbitral improcedente.

 

 

Gustavo Gramaxo Rozeira