DECISÃO ARBITRAL
O árbitro Dr. Francisco Carvalho Furtado designado pelo Concelho Deontológico do CAAD, para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 21 de Maio de 2021, decide o seguinte:
1. Relatório
A..., residente na Rua ..., ..., ...-..., ... (doravante designada como “Requerente”), contribuinte n.º ... veio ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (doravante “RJAT”), apresentar pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a anulação do acto de liquidação de Imposto sobre Veículos (ISV), resultante da apresentação da Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) n.º2020/..., de 29 de Dezembro de 2020, praticado pelo Director da Alfândega do Frexieiro.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 1 de Março de 2021.
O signatário comunicou a aceitação do exercício das funções no prazo aplicável.
Em 03 de Maio de 2021, as Partes foram notificadas da designação do árbitro, não tendo manifestado vontade de recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 21 de Maio de 2021.
A AT apresentou resposta, em que defendeu que o pedido de pronúncia arbitral deve improceder.
Não existindo diligências probatórias adicionais, em 17 de Janeiro de 2022 as Partes foram notificadas para, querendo, apresentarem as suas alegações.
Em 1 de Fevereiro de 2022 o Requerente apresentou as suas alegações.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
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O Requerente introduziu em Portugal o veículo automóvel de passageiros de marca ... (Doc. 1);
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O veículo introduzido em Portugal teve origem no Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte (Doc. 1);
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O veículo introduzido em Portugal utiliza gasolina como combustível (Doc. 1);
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O veículo foi introduzido em Portugal por meios próprios (Doc. 1);
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O veículo foi introduzido em Portugal em 13 de Dezembro de 2020 (Doc. 1);
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O veículo foi introduzido em Portugal teve a sua primeira matrícula em 1 de Junho de 1982 (Doc. 1),
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O veículo foi introduzido em Portugal tinha já circulado 15.000 quilómetros (Doc. 1);
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Em 29 de Dezembro de 2020 o Requerente apresentou a Declaração Aduaneira de Veículo n.º 2020/... (Doc. 1);
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Na sequência da apresentação da Declaração Aduaneira de Veículo, foi liquidado ISV no valor de € 35.189,95 (Doc. 1A);
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€ 21.510,40 correspondem à componente de cilindrada (Doc. 1A);
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€ 30.887,87 respeitam à componente ambiental (Doc. 1A);
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Beneficiou de redução de 80% sobre a componente cilindrada, no valor de € 17.208,32 (Doc. 1A);
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O imposto liquidado foi pago (Doc. 1A).
2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto
Não há factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provado.
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pelo Requerente e no processo administrativo.
3. Matéria de direito
O Requerente introduziu em Portugal um veículo automóvel, cuja primeira matrícula foi emitida em 1 de Junho de 1982 e com 15.000 quilómetros percorridos.
Por esse motivo o Requerente apresentou a respectiva Declaração Aduaneira de Veículo e foi liquidado Imposto sobre Veículos, no valor de € 35.189,95 (beneficiando de redução de 80% sobre a componente cilindrada).
Invoca, assim, o Requerente que a liquidação de Imposto sobre Veículos em causa foi emitida com violação de Lei, designadamente do artigo 110.º, do Tratado de Funcionamento da União Europeia.
Sobre esta matéria, o Requerente considera que o regime que resulta do artigo 11.º do Código do Imposto sobre Veículos, viola o disposto no artigo 110.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia. Com efeito, ao não prever qualquer desconto sobre a componente ambiental, assim reflectindo a desvalorização do veículo onera os veículos adquiridos fora de Portugal com tributação superior àquela que se verificaria para veículos aqui matriculados originariamente.
Assim, conclui o Requerente, que o montante do imposto, calculado sem tomar em consideração a depreciação real do veículo, excede o montante residual de importo incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes, já matriculados em território nacional.
Na sua resposta a Requerida pugna pela improcedência do pedido, sustentando que o acto de liquidação em causa foi praticado nos exactos termos previstos na Lei.
Sobre este aspecto, a Requerida salienta que o artigo 1.º do CISV consagra o princípio da equivalência. De acordo com este princípio o imposto deve onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam no domínio do ambiente.
Por outro lado, refere a Requerida que o artigo 11.º do CISV não restringe a entrada de veículos em território nacional sendo que a aplicação da mesma percentagem de redução às duas componentes – cilindrada e ambiental -, daria lugar a um desagravamento tributário que teria por efeito o incentivo à utilização de veículos mais poluentes.
De igual modo, a Requerida considera que os artigos 7.º e 11.º, do CISV não violam o disposto no artigo 110.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia uma vez que o seu âmbito de aplicação extravasa os veículos usados admitidos em território nacional.
3.1. A questão que é objecto do processo
Antes de mais, há que esclarecer que o processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa eliminar os efeitos produzidos por actos ilegais, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele].
Por isso, os actos têm de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos. ( [1] )
Assim, a questão decidenda no presente processo é a de saber a liquidação de Imposto sobre os Veículos efectuada, sustentada no artigo 11.º do CISV, viola o disposto no artigo 110.º, do Tratado de Funcionamento da União Europeia
3.2. Apreciação da questão
Como resulta do Requerimento Inicial o Requerente pretende ver apreciada a legalidade do acto de liquidação de ISV, praticada ao abrigo do artigo 11.º, do CISV, à luz do disposto no artigo 110.º, do Tratado de Funcionamento da União Europeia
Nos termos do disposto no artigo 11.º, do CISV, na redacção aplicável:
Artigo 11.º
Taxas - veículos usados
1 - O imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados membros da União Europeia é objeto de liquidação provisória nos termos das regras do presente Código, com exceção da componente cilindrada à qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respetiva, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional:
TABELA D
2 - Para efeitos de aplicação do número anterior, entende-se por «tempo de uso» o período decorrido desde a atribuição da primeira matrícula e respectivos documentos pela entidade competente até ao termo do prazo para apresentação da declaração aduaneira de veículos.
3 - Sem prejuízo da liquidação provisória efetuada, sempre que o sujeito passivo entenda que o montante do imposto apurado dos termos do n.º 1 excede o imposto calculado por aplicação da fórmula a seguir indicada, pode requerer ao diretor da alfândega, mediante o pagamento prévio de taxa a fixar por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, e até ao termo do prazo de pagamento a que se refere o n.º 1 do artigo 27.º, que a mesma seja aplicada à tributação do veículo, tendo em vista a liquidação definitiva do imposto:
ISV=((V/VR) x Y) + Cem que:
ISV representa o montante do imposto a pagar;
V representa o valor comercial do veículo, tomando por base o valor médio de referência determinado em função da marca, do modelo e respetivo equipamento de série, da idade, do modo de propulsão e da quilometragem média de referência, constante das publicações especializadas do setor, apresentadas pelo interessado;
VR é o preço de venda ao público de veículo idêntico no ano da primeira matrícula do veículo a tributar, tal como declarado pelo interessado, considerando-se como tal o veículo da mesma marca, modelo e sistema de propulsão, ou, no caso de este não constar de informação disponível, de veículo similar, introduzido no mercado nacional, no mesmo ano em que o veículo a introduzir no consumo foi matriculado pela primeira vez;
Y representa o montante do imposto calculado com base na componente cilindrada, tendo em consideração a tabela e a taxa aplicável ao veículo, vigente no momento da exigibilidade do imposto;
C é o «custo de impacte ambiental», aplicável a veículos sujeitos à tabela A, vigente no momento da exigibilidade do imposto, e cujo valor corresponde à componente ambiental da referida tabela.
4 - Na falta de pedido de avaliação formulado nos termos do número anterior presume--se que o sujeito passivo aceita como definitiva a liquidação do imposto feita por aplicação da tabela constante do n.º 1.
E, ao nível da legislação de fonte supranacional, o artigo 110.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia estipula que:
Artigo 110.º
(ex-artigo 90.º TCE)
Nenhum Estado-Membro fará incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos dos outros Estados- -Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais similares.
O regime de tributação aplicável à introdução em Portugal de veículos automóveis no estado de usado e provenientes de outro Estado-Membro tem sofrido diversas alterações ao longo do tempo.
Com efeito, as instâncias Europeias têm feito reparos sucessivos ao legislador nacional, designadamente no que respeita ao reflexo da antiguidade do veículo nas diversas componentes do imposto – cilindrada e ambiente.
Nos diversos Acórdãos proferidos sobre o tema (de que se destacam o Acórdão do TJCE (de 22-02-01) denominado “Gomes Valente e o Acórdão do TJCE nº 101/00, proferido em 19 de Setembro de 2002 num processo que então envolveu o Governo Finlandês e Antti Sillin), o Tribunal decidiu ser essencial garantir que as tabelas de depreciações refletissem de forma precisa a depreciação real dos veículos e permitisse alcançar de uma forma mais fácil o objectivo da tributação dos veículos usados, de modo a que, em nenhum caso, esta pudesse ser superior ao montante da taxa residual incorporada no valor dos veículos usados já matriculados em território nacional.
Na sequência do designado Acórdão “Gomes Valente”, a jurisprudência têm entendido que para que um sistema de tributação dos veículos usados seja compatível com o disposto no Tratado é necessário que se adopte ou um modelo de tributação baseado na avaliação de cada veículo ou um modelo de tributação baseado em tabelas fixas que exclua todo e qualquer efeito discriminatório. Por outro lado, o actual artigo 110º do TFUE opõe-se a que um Estado membro aplique aos veículos usados importados de outro Estado membro um sistema de tributação em que o imposto que incide sobre esses veículos não atenda à depreciação real do veículo e não permita garantir sempre que o montante do imposto que fixa não excede o montante do imposto residual incorporado no valor de um veículo usado similar já matriculado no território nacional. Ou seja, o regime tem que garantir a inexistência de qualquer efeito discriminatório.
No que respeita à componente ambiental do imposto automóvel, esta foi analisada pela primeira vez no âmbito do Acórdão do TJUE de 5 de Outubro de 2006 (C-290/05), no caso Nádasdi. Sobre este concreto aspecto, o TJUE determinou que “o artigo 90.º, primeiro parágrafo, CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a um imposto como o instituído pela lei relativa ao imposto automóvel, na medida — em que seja cobrado sobre os veículos usados quando da sua primeira colocação em circulação no território de um Estado-Membro e — em que o seu montante, exclusivamente determinado em função das características técnicas dos veículos (tipo de motor, cilindrada) e da sua classificação ambiental, seja calculado sem ter em conta a depreciação dos mesmos, de tal forma que, quando se aplique a veículos usados importados de outros Estados-Membros, ultrapasse o montante do referido imposto contido no valor residual de veículos usados similares que já foram registados no Estado-Membro de importação. Não é relevante proceder a uma comparação com os veículos usados postos em circulação no Estado-Membro em questão antes da introdução desse imposto”.
Por fim, e no que a antecedentes jurisprudenciais respeita, importa chamar à colação o Acórdão do TJUE de 19 de Março de 2009 (que opôs a Comissão Europeia ao Reino da Finlândia), em que interpretando o mesmo artigo 110º do Tratado de Funcionamento da União Europeia, se considerou que este artigo visa garantir a neutralidade das imposições internas no que se refere à concorrência entre produtos que já se encontrem no mercado nacional e produtos importados, de um modo que não pode, em caso algum, ter efeitos discriminatórios.
Prosseguindo na análise, inexistem dúvidas que as normas do Tratado de Funcionamento da União Europeia são, nos termos do disposto no artigo 8.º. da Constituição da República Portuguesa, directamente acolhidas no ordenamento jurídico nacional.
Assim, é impostergável a conclusão de que o comando ínsito no artigo 110.º, do Tratado de Funcionamento da União Europeia vigora no ordenamento jurídico nacional.
Ora, na esteira do que vem defendendo o Tribunal de Justiça da União Europeia, esta disposição do Tratado deve ser interpretada, como se deixou já indicado, como impeditiva a existência de efeitos discriminatórios no regime de tributação aplicável a veículos em estado de usado provenientes de um Estado-Membro e introduzidos num outro Estado-Membro
Ora, com a alteração legislativa promovida pela Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro, o artigo 11.º, do CISV passou a ter a redacção que acima se transcreveu. Da análise da mesma verifica-se que apenas a componente cilindrada reflete a desvalorização do veículo, não sendo qualquer redução aplicável na componente ambiental.
Destarte, a liquidação em apreço foi praticada sem ter em consideração, no âmbito do cálculo da componente ambiental do ISV, a desvalorização do veículo. Ora, tal situação tem um efeito discriminatório não estando garantida a perfeita neutralidade das imposições internas no que se refere à concorrência entre produtos que já se encontrem no mercado nacional e produtos importados.
Tanto assim é que a Comissão Europeia, deu, por este motivo, início a um procedimento contra Portugal tendo concluído que a legislação nacional não é compatível com o disposto no artigo 110º do Tratado de Funcionamento da União Europeia. Em face da redacção da Lei nacional entendeu-se que os veículos usados introduzidos em território nacional e provenientes de outros Estados membros são sujeitos a uma carga tributária superior em comparação com os veículos usados adquiridos no mercado nacional.
Ora, como referido na Decisão Arbitral proferida no processo 385/2021-T, de 30 de Novembro de 2021: Face ao peticionado pela Comissão, o TJUE já se pronunciou em 02-09-2021, tendo aquele Tribunal apreciado a matéria no sentido de “43. (…) recordar que, embora os Estados‑Membros sejam, na verdade, livres de estabelecer um sistema de tributação diferenciada para certos produtos e, portanto, de definir as modalidades de cálculo do imposto de registo de modo a ter em conta considerações relacionadas com a proteção do ambiente, não é menos verdade que essas modalidades devem, nomeadamente, ser suscetíveis de evitar qualquer forma de discriminação, direta ou indireta, relativamente às importações provenientes de outros Estados‑Membros, ou de proteção em favor de produções nacionais concorrentes, em conformidade com o artigo 110.º TFUE (v., neste sentido, Acórdãos de 2 de abril de 1998, Outokumpu, C‑213/96, EU:C:1998:155, n.º 30, e de 7 de abril de 2011, Tatu, C‑402/09, EU:C:2011:219, n.º 59). 44. A este respeito, o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de sublinhar que o artigo 110.º TFUE se opõe a um imposto relativo ao registo dos veículos cujo montante, determinado, nomeadamente, em função da «classificação ambiental» dos veículos, seja calculado sem ter em conta a depreciação dos mesmos, de tal forma que, quando se aplique a veículos usados importados de outros Estados‑Membros, ultrapasse o montante do referido imposto contido no valor residual de veículos usados similares que já foram registados no Estado‑Membro de importação (Acórdão de 5 de outubro de 2006, Nádashi e Németh, C‑290/05 e C‑333/05, EU:C:2006:652, n.os 56 e 57). 45. Por outro lado, o Tribunal de Justiça declarou igualmente que o objetivo de proteção do ambiente poderia ser realizado de forma mais completa e coerente fazendo incidir um imposto anual sobre qualquer veículo que entrasse em circulação num Estado‑Membro, o qual não beneficiaria o mercado nacional dos veículos usados em detrimento da colocação em circulação de veículos usados importados de outros Estados‑Membros e seria, além disso, conforme com o princípio do poluidor‑pagador (v., neste sentido, Acórdão de 7 de abril de 2011, Tatu, C‑402/09, EU:C:2011:219, n.º 60). 46. Em contrapartida, um imposto calculado em função do potencial de poluição de um veículo usado, que, à semelhança do imposto em causa, só é integralmente cobrado no momento da importação e da entrada em circulação de um veículo usado proveniente de outro Estado‑Membro, ao passo que o adquirente de um desses veículos já presente no mercado do Estado‑Membro em causa só tem de suportar o montante do imposto residual incorporado no valor comercial do veículo que adquire, é contrário ao artigo 110.º TFUE. 47. Em seguida, a República Portuguesa alega, em substância, que a componente ambiental do imposto em causa constitui, na realidade, um imposto autónomo, distinto da componente deste imposto calculada em função da cilindrada do veículo em causa. 48. A este respeito, importa observar que, no artigo 7.º do Código do Imposto sobre Veículos, a componente ambiental é apresentada como um dos dois elementos utilizados para o cálculo de um imposto único e não como um imposto distinto. Além disso, e em qualquer caso, como resulta do n.º 46 do presente acórdão, tal imposto distinto continuaria a ser discriminatório em relação aos veículos usados provenientes de outro Estado‑Membro, uma vez que o referido imposto excederia o montante do imposto residual incorporado no valor dos veículos usados similares comprados e registados no território nacional. 49. Por outro lado, importa salientar que, embora, ao abrigo do artigo 11.º, n.º 3, do Código do Imposto sobre Veículos, os contribuintes possam optar por um método alternativo de cálculo do imposto em causa, requerendo ao diretor da alfândega que recalcule o referido imposto com base na avaliação efetiva do veículo, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a existência de um método alternativo de cálculo de um imposto não dispensa um Estado‑Membro da obrigação de respeitar os princípios fundamentais de uma norma essencial do Tratado FUE, nem autoriza esse Estado‑Membro a violar esse Tratado (v., por analogia, Acórdão de 16 de junho de 2016, Comissão/Portugal, C‑200/15, não publicado, EU:C:2016:453, n.º 34)”
E, em consequência, conclui o TJUE que “51. (…) ao não desvalorizar a componente ambiental no cálculo do valor aplicável aos veículos usados postos em circulação no território português e adquiridos noutro Estado Membro, no âmbito do cálculo do imposto em causa previsto no Código do Imposto sobre Veículos, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110.º TFUE”.
Por tudo o que se deixa referido, conclui-se que o artigo 11º do Código do ISV, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro de 2016, não se mostra conforme com o disposto no artigo 110º do Tratado de Funcionamento da União Europeia, na justa medida em que o regime de tributação deveria ter em consideração a desvalorização dos veículos.
Conclui-se, pois, pela ilegalidade do acto de liquidação de ISV resultante da apresentação da Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) n.º 2020/..., de 29 de Dezembro de 2020, praticado pelo Director da Alfândega do Frexieiro, por violação do disposto no artigo 110.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia, impondo-se a sua anulação.
Por fim, o Requerente pede o reembolso dos valores pagos, acrescidos de juros indemnizatórios, nos termos previstos no artigo 43.º da LGT.
O artigo 43.º da LGT dispõe que o contribuinte terá direito a ser ressarcido, através de juros indemnizatórios, sempre que o pagamento indevido de imposto seja imputável a erro dos serviços. “O erro imputável aos serviços que operaram a liquidação fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou a impugnação dessa mesma liquidação e o erro não for imputável ao contribuinte (por exemplo, haverá anulação por erro imputável ao contribuinte quando a liquidação assentar em errados pressupostos de facto, mas o erro ter por base uma indicação errada na declaração que o contribuinte apresentou).” (Campos, Diogo Leite de; Rodrigues, Benjamim Silva, Sousa, Jorge Lopes de, Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 4.º Ed. 2012 Encontro da Escrita, Lisboa, pág. 342).
Também o STA concretiza o conceito de erro imputável aos serviços (embora por referência ao artigo 78.º, da LGT, mas que aqui tem toda a aplicação) como qualquer ilegalidade independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram. “Como se refere no Ac. de 12/12/2001, rec. 26.233: «havendo erro de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem o direito comunitário e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro» já que «a administração tributária está genericamente obrigada a actuar em conformidade com a lei (arts. 266°, n.° 1 da CRP e 55° da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços». Cfr., no mesmo sentido e por todos, os Acds. de 06/02/2002 rec. 26.690, 05/06/2002 rec. 392/02, 12/12/2001 rec. 26.233, 16/01/2002 rec. 26.391, 30/01/2002 rec. 26.231, 20/03/2002 rec. 26.580, 10/07/2002 rec. 26.668.” (cfr. Acórdão do STA – 2.ª Secção, proferido no Recurso n.º 1009/10, em 22 de Março de 2011, disponível em: http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b1e7cc04381b03af802578620046b202?OpenDocument&ExpandSection=1).
No caso em apreço, o acto de liquidação de ISV é ilegal, porque foi praticado com erro de direito e ofensa das normas e princípios jurídicos aplicáveis, sendo que tal erro não emerge de qualquer conduta do Requerente, pelo que é imputável aos Serviços.
Em face do exposto, procede o pedido de condenação da Requerida no pagamento ao Requerente de juros indemnizatórios, calculados sobre o valor indevidamente pago, nos termos previstos no artigo 43.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, a liquidar em execução de julgado.
4. Decisão
Nestes termos decide este Tribunal Arbitral em:
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Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
-
Anular liquidação adicional de liquidação de ISV resultante da apresentação da Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) n.º2020/..., de 29 de Dezembro de 2020, praticado pelo Director da Alfândega do Frexieiro;
-
Julgar procedente o pedido de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios condenando a Requerida ao seu pagamento
5. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 24.710,30, valor indicado pelo Requerente, sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.
6. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.530,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida – Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 19 de Maio de 2022
O Árbitro
(Francisco Carvalho Furtado)
[1] Essencialmente neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, a propósito de situação paralela que se coloca nos processos de recurso contencioso:
- de 10-11-98, do Pleno, processo n.º 32702, publicado em AP-DR de 12-4-2001, página 1207;
- de 19/06/2002, processo n.º 47787, publicado em AP-DR de 10-2-2004, página 4289.
- de 09/10/2002, processo n.º 600/02.
- de 12/03/2003, processo n.º 1661/02.